Bicentenário da Imigração - 62

A introdução do Relatório termina com as seguintes conclusões.

1. O fechamento dos núcleos partidários não conseguiu extinguir completamente o nazismo.

2. Ele existe ainda e continua desenvolvendo seus trabalhos de germanização o elemento de sangue ariano paralelamente à campanha de nacionalização.

3. É necessário instituir normas especiais para regular a vida social e os atos das chamadas sociedades alemãs, com a finalidade de evitar que elas sejam um fonte geradora e conservadora do germanismo.

4. É imprescindível a proibição do uso de todo e qualquer idioma estrangeiro nos estabelecimentos públicos, como casas de comércio, bares, restaurantes,  etc., quer na linguagem falada como escrita.

5. Faz-se necessário e urgente que o governo tome medidas enérgicas com relação ao ensino particular, quer seja ele religioso ou leigo.

O Estado deve incrementar senão instituir organizações de escotismo para fortalecer a educação cívica do jovem. 

7. Seria inútil que o Governo orientasse uma publicidade educativa nas zonas de colonização, através do cinema e do livro, fazendo exibir filmes de propaganda nacional, com o fim de desenvolver o sentimento patriótico do povo e distribuindo gratuitamente os livros do N.N.P

8. É capital para a extinção completa do perigo pardo que seja pleiteado junto ao Governo Federal, o fechamento em todo o território da Nação daquelas sociedades cujo objetivo é político, como pro exemplo, o Bund der Schaffenden Reichsdeutschen, o Kiefhäuserbund, A União dos Cantores do Brasil, a União Colonial e proibir que sejam fundadas outras, cujo objetivo venha a ser de congregações das demais entidades do país. (cf. Relatório II, 1942, )

Na segunda parte o Relatório analisa  a posição do Consulado Alemão em Porto Alegre e, de modo especial do cônsul Ried, referente à questão da difusão do nazismo no Rio Grande do Sul. A sede central da propaganda nazista no Estado passara do “Deutsches Haus” para o consulado alemão. Como prova de que o cônsul, além de suas funções diplomáticas, também desempenhava o papel de dirigente regional do nazismo, o Relatório exibe atestados e quitação de mensalidades de membros da “Deutsche Arbeits Front”, por parte do Consulado. Constam também pedidos de filiação de novos sócios, encaminhados através da legação. Além disso, arrolam-se alguns pedidos de informações de natureza diversa a respeito de várias pessoas. 

O Relatório faz menção às comemorações do dia primeiro de maio na sede da Sociedade de Atiradores. A conclusão a que chega é que o primeiro de maio foi apenas um pretexto para mascarar propaganda política. Os indícios registrados referem-se à venda de distintivos e postais do Führer, além de uma exposição de livros. Acrescenta-se ainda a declaração de Walter Nast que exerceu o cargo de chefe local da organização “Bund der Schaffenden Reichsdeutschen”, até maio de 1938. Mesmo após ter deixado o cargo de chefe, teria continuado suas atividades junto à organização e a mando do cônsul. 

Parece que não se exige grande capacidade de imaginação para concluir que as provas que se acabam de referir demonstram que a propaganda nazista apresentava duas características. Em primeiro lugar, estava restrita ao âmbito do Consulado  Alemão e, como tal, perfeitamente localizada. Sabia-se quem eram os responsáveis e sabia-se também que o cabeça dessa atividade ilegal era o próprio cônsul. Ora, nada mais fácil do que neutralizar esse foco disseminador de uma ideologia não tolerada pelas leis brasileiras. No caso do envolvimento da legação diplomática, bastava aplicar os parágrafos do Direito Internacional que regulam essa matéria. Em todo o caso, com as provas materiais na mão, o mais óbvio teria sido a declaração do cônsul como “persona non grata”, exigindo sua substituição. E, como complementação, teria bastado exercer uma vigilância atenta e uma ação inteligente contra a entidade suspeita. 

Em segundo lugar há a observar que, se o problema se achava identificado e localizado, sua neutralização não teria exigido nem meios nem estratégias de caráter universal. Já que os nomes dos responsáveis eram conhecidos, por que não concentrar a ação saneadora sobre essas pessoas? Em outras palavras, parece um exagero propor medidas de caráter geral em relação a qualquer pessoa ou entidade de origem alemã.

Ao compulsar as demais páginas do Relatório, tem-se a mesma sensação: o perigo nazista foi exagerado até o limite da histeria.  Nas páginas 63 a 103, estão arroladas novas provas sobre o perigo alemão. Desta vez trata-se de relações da D.A.F., como material de propaganda, cheques e recibos relativos a auxílios e subvenções, de valores relativamente pequenos. Acrescentam-se mais  provas que deveriam atestar o alistamento militar de alemães e filhos de alemães, anexando-se para tal cartas, comprovantes, fichas-padrão etc. 

O fato merecia de certo uma atenção especial por parte das autoridades por constituir-se numa atividade vedada pelas leis brasileiras.  De outra parte, entretanto,  o número de recrutados deve ter sido muito pequeno. Em todo o caso não atingiu a  não ser alemães  natos ou com dupla nacionalidade. A grande massa dos imigrantes de origem alemã, os teuto-brasileiros, não foi sensibilizada. Encontramo-nos de novo frente a uma questão séria, mas restrita a um contingente muito pequeno de alemães. 

A mesma sensação que se tratava de fatos isolados e localizados é reforça pelo assunto que ocupa as páginas 103 a 122 do Relatório. Trata-se  do episódio envolvendo a tentativa de instalação de uma estação de radio transmissão no navio “Rio Grande”, da Companhia Hamburguesa, fundeado no porto de Rio Grande. Na ocasião, foi preso o sr. Mucks que exercia a função de rádio técnico do Sindicato Condor. Ele havia sido mandado do Rio de Janeiro, via VARIG, com a incumbência de instalar o aparelho na embarcação. A policia mandou apreender o aparelho e indiciar os responsáveis. Foram eles o  sr. Studnitz, chefe de trânsito do Sindicato Condor, o diretor da VARIG, Otto Ernst Mayer, brasileiro naturalizado, o sr. Friedrich Ried, cônsul em Porto Alegre, o vice-cônsul alemão em Rio Grande e o comandante do navio. Foi recomendada a prisão de todas essas pessoas, menos do cônsul Ried que gozava de imunidade diplomática. O Relatório não registra quem de fato foi preso. 

Seguem-se nove interrogatórios para apurar a verdadeira finalidade a que se destinava o aparelho de rádio transmissão. Todos foram presididos pelo delegado Plínio Brasil Milano, diretor do DOPS. O primeiro a ser inquirido  foi o rádio técnico Alberto Bussons. Ele havia sido demitido pelo Sindicato Condor há apenas três dias. Do seu depoimento nada mais se pode concluir do que o fato de que o aparelho fora realmente enviado pela Condor, via VARIG, a Porto Alegre e daí a Rio Grande. Quando foi exibido o esquema do aparelho e perguntado se era possível adapta-lo para as supostas transmissões com corrente contínua, o sr. Bussons opinou apenas que talvez fosse possível, mas com algumas adaptações bastante complicadas. 

O segundo interrogatório foi do radio-técnico Werner Mucks, enviado pelo Sindicato Condor para instalar o aparelho no navio. Tratava-se  de um cidadão alemão, mas com permanência legal no País. Em resumo fora mandado pela sua empresa para voar até Porto Alegre e receber instruções do cônsul Ried. Partiu, em seguida, via aérea, até Rio Grande e foi apresentar-se ao capitão do navio “Rio Grande”. Foi por ele informado que deveria instalar e fazer funcionar uma  estação de rádio-transmissão. Ao examinar o aparelho constatou que ele funcionava com  corrente alternada, quando o gerador do navio produzia apenas corrente contínua. A única coisa  possível fazer era a obtenção, mediante adaptações no gerador do barco, de corrente alternada de 160 volts, quando  se necessitava de 220. Consequentemente não conseguiu por em funcionamento o rádio-transmissor. Voltou então a Porto Alegre onde fez um relato ao cônsul. Durante o restante  do interrogatório, o delegado quis saber, entre outras informações, se havia aparelhos similares em operação no Brasil. A resposta foi afirmativa e que eram usados nos aeroportos, como o da Bahia, e que o representante da marca era a firma Hermann Stolz. 

O terceiro a ser interrogado foi Hans Georg Eberhardt, terceiro oficial e rádio-telegrafista do navio. Dele a autoridade policial soube que havia ajudado Hermann Mucks a colocar o aparelho de ondas curtas no navio. Revelou ainda que,  segundo Mucks, o aparelhos de ondas curtas era usado  em alto-mar, que o mesmo Mucks lhe teria recomendado sigilo pois, se tratava de um aparelho clandestino. Informou ainda que o comandante de nada soubera até o momento em que um agente da Companhia Hamburguesa subira a bordo à procura do aparelho. O comandante chamara Eberhardt e obrigara-o a  mostrar onde o aparelho fora guardado. Logo depois, o rádio-transmissor fora lacrado e apreendido pela policia.

O sr. Johannes Hans, capitão do navio, foi o quarto a se submetido a interrogatório. Seu depoimento não acrescentou nenhum dado novo. Confirmou apenas que ignorara o embarque do aparelho de rádio-transmissão; que soubera dele por ocasião da visita do representante da Companhia Hamburguesa; que conhecera o sr. Mucks quando de sua permanência no navio. 

Para o quinto interrogatório, foi convocado o primeiro oficial de bordo Heinrich von Allvorden. Suas informações coincidiram com as do capitão. Também ele não acrescentou nenhuma informação de valor significativo. 

Os três interrogatórios que se seguiram tiveram como depoentes o sr. Friedrich Wilhelm Wilkens, agente da Companhia Hamburguesa. No começo do interrogatório confirmou todas declarações registradas pelo capitão Johannes Hans. Da passagem do interrogatório que se referia ao seu relacionamento com o sr. Mucks, nada de novo pôde ser deduzido.

Sete dias depois, o mesmo Wilkens foi submetido a novo interrogatório. Nessa ocasião, retificou o que afirmara no interrogatório do dia 18 de novembro. Contrariamente ao que então afirmara, admitiu que tivera conhecimento da existência do aparelho de rádio-transmissão; que havia mantido contato com o cônsul Ried, em Porto Alegre; que havia sido apresentado ao técnico Mucks; que havia recebido a recomendação de não abrir a boca sobre a questão do aparelho. Nesta retificação, o sr. Wilkens desmentiu o capitão do navio ao afirmar que ele tivera conhecimento da presença do aparelho no navio e da missão do sr. Mucks.

No dia seguinte, 26 de novembro o sr.  Mucks compareceu perante o delegado Plínio Brasil Milano para novo interrogatório. Naquela ocasião contou  como fora encarregado de levar o aparelho da agencia da  VARIG até o navio, como o entregou ao capitão e como este teria recomendado a toda a tripulação um rigoroso sigilo. À pergunta se não achava que o transporte de Pelotas a Rio Grande fora clandestino, visto que a VARIG não mantinha agencia aí, respondeu que não, porque a encomenda fora transportada  com os papeis em ordem, com as taxas pagas e tudo mais. 

O Sr. Franz Locbel, primeiro engenheiro do navio ”Rio Grande, compareceu ao nono e último interrogatório. No seu depoimento afirmou que o sr. Wilkens levou o transmissor para bordo. Ao tomar conhecimento do fato de que a policia estava investigando o caso, o comandante  do barco determinou rigoroso sigilo. Foi esta a razão por que a primeira tentativa da policia foi frustrada. Confirmou assim a versão do  segundo depoimento do sr. Wilkens. 

Examinando um pouco mais de perto a tentativa de instalação de um rádio-transmissor de grande alcance  no navio alemão “Rio Grande”, podem-se tirar algumas conclusões. 

Primeiro. Tratou-se novamente de um problema localizado. Uma ação inteligente da polícia teria sido mais do que suficiente para dar uma solução adequada e definitiva ao assunto. 

Segundo. Um outro motivo que diminuiu em muito a importância dada ao episódio, foi o fato de nem sequer ter sido comprovada a finalidade subversiva  do aparelho. Certamente existem boas razões para tanto, reforçadas pelos segredo que envolveu sua guarda no navio. 

Terceiro. Há mais um detalhe que, de certa forma, não é de todo irrelevante. O aparelho não foi, nem podia ter sido posto em funcionamento no citado barco. A corrente gerada no navio, nem com adaptações  especiais ter-se-ia ajustado às características técnicas do rádio-transmissor.

Quarto. Supondo que o aparelho em questão e outros similares tivessem sido instalados em muitos pontos estratégicos e, supondo ainda, que tivessem servido à propaganda nazista, sua influência teria sido limitada. Entre os fatores condicionantes dois se sobressaem. Em primeiro lugar na época a existência de rádio-receptores  entre as populações  coloniais teuto-brasileiras era uma raridade. Em regiões inteiras que hoje formam municípios, contavam-se no máximo, com um ou dois aparelhos. E mais um detalhe teria reduzido uma emissora do tipo encontrado no  navio, à total inocuidade pois, os receptores de rádio encontráveis então nas colônias eram do tipo galena. Captavam somente  ondas longas e a curta distância.

O segundo fator reside no fato de a imensa maioria dos assim chamados alemães, acima de 80%, caso tivessem alguma noção do nazismo, este causava pouca ou nenhuma atração sobre eles. Profundamente religiosos que eram, a irreligiosidade do nacional-socialismo os sensibilizaria com muita dificuldade. A simpatia que manifestavam para com a Alemanha alimentava-se em outras razões. Tinha a ver, em primeiro  lugar, com a história, as tradições e os valores. Muitos aplaudiram os êxitos obtidos pelos exércitos alemães  nos campos de batalha na primeira fase da guerra. Com essa atitude, porém, não estavam aprovando a causa que fizera os dirigentes do nazismo desencadearem a guerra. Os aplausos endereçavam-se à disciplina, à coragem e à eficiência, tão apreciados por qualquer alemão em qualquer parte do mundo. 

Quinto. A quinta consideração que se pode fazer relaciona-se  como o real tamanho e o verdadeiro significado da questão. Um rádio transmissor do tipo citado, técnica e praticamente  teria tido condições de alcançar somente uma parcela mínima de pessoas interessadas, porque poucas tinham aceso a um rádio receptor capaz de captar ondas de uma emissora como o tipo descrito. A transformação do episódio em argumento de que todos os alemães e seus descendentes no Brasil se encontravam prestes a transformar-se  numa “quinta coluna”, numerosa e incontrolável, foi um exagero.

A situação real do momento explica muita coisa. Não se justifica, entretanto, a exagerada importância atribuída o fato. Em novembro de 1939, quando ocorreu o episódio, o Brasil encontrava-se em situação de neutralidade em relação à guerra na Europa. Em Porto Alegre, funcionava regularmente o consulado, no Rio de Janeiro a Embaixada Alemã e, em Rio Grande um vice-consulado. A via diplomática, ao que parece, teria sido o caminho normal para resolver o problema. No Relatório não consta nenhuma referência a um recurso nesse nível. Apenas acusam-se os representantes diplomáticos como estimuladores do ilícito.

Estamos frente à manobra de uma potência beligerante francamente comprovada pela ingerência de seus representantes oficiais em flagrante desrespeito às nossas leis.

Pois outra coisa não pode ser esta série de atos praticados no sentido de montar clandestinamente uma emissora de rádio-telegrafia, forçosamente destinada ao serviço de informações, que o vapor em apreço estava impossibilitado de realizar pela interdição da estação própria, de acordo com as regras de neutralidade de nosso País. (Relatório II, 1942, p. 106).

Bicentenário da Imigração - 61

Relatório II da Polícia

O documento que segue corresponde ao Relatório II, elaborado pela chefatura da polícia do Grande do Sul, publicado em 1942. Trata-se da continuação e complementação do Relatório I. O Relatório II compõe-se de  sete partes:

A primeira, é uma introdução geral; a segunda, uma análise da participação da propaganda do consulado e, em especial, do cônsul Ried; a terceira, leva como titulo geral: Religião e política nazista abordando a questão dos pastores protestantes  e de pregadores do Evangelho, como forma de contrabandear a ideologia nazista para dentro do País; a quarta, parte ocupa-se com o envolvimento  da União Beneficente e Educativa Alemã na difusão das idéias e  propostas  nacional-socialistas; a quinta, parte leva o titulo: propaganda e mostra como os ideais nazistas são veiculados  por meio de toda a sorte de  publicações como livros, revistas, almanaques, folhetos, jornais, etc.; no capítulo seguinte, sob o titulo Juventude Brasileira, o Relatório ocupa-se com o aliciamento dos jovens para a ideologia nacional-socialista, principalmente por meio de organizações postas a funcionar para tal finalidade; sétima e última parte, tem como titulo: A Liga Colonial do Reich e o Boicote Comercial, tentando demonstrar como os alemães procuraram aumentar  sua influência mediante várias formas de boicote comercial.

Parece oportuno examinar mais de perto o que consta neste segundo relatório. Nele seus autores propõem-se oferecer às autoridades e aos brasileiros em geral as provas definitivas da existência de um “perigo alemão”  no Estado, desmascarando  seus agentes  e denunciando seus métodos. Não é por acaso que se lê escrito na primeira página do Relatório: 

O mês corrente completa um ano da apresentação do primeiro relatório da Chefia de Policia sobre as atividades nazistas no Rio Grande do Sul.

Sem descansar um só minuto a vigilância em torno do perigo pardo, durante esse período, apresentamos agora outro trabalho, acompanhado de novos documentos e descendo a maiores detalhes.

Outras faces do problema, não divulgadas então, aparecem agora examinadas de forma a permitir, não só ao Governo do Estado, como aos altos responsáveis da República, um estudo completo da matéria. Julgamos ter cumprido assim um indeclinável dever patriótico, tornando possível aos novos dirigentes o exame de um assunto que afeta a própria nacionalidade.

Durante muito tempo não se acreditou e até mesmo zombou-se  da existência de semelhante caso. 

Os documentos apresentados em nosso primeiro relatório em parte abalaram tal incredulidade.

O povo só mais tarde foi orientado pelos jornais, com a divulgação de noticiários estrangeiros,  referentes às pretensões de Hitler na América do Sul. (Relatório II, 1942, p. 7)

Após essas palavras introdutórias, segue uma série de referências indicando os tópicos que foram considerados especialmente ilustrativos para comprovar  o “perigo nazista” no Estado. Afirma-se que o nazismo, em nome do princípio da autodeterminação dos povos, exige a união de todos os alemães em uma grande Alemanha. O Relatório continua afirmando que essa foi a razão pela qual se estabeleceram comunidades alemãs no exterior. Elas deveriam basicamente encarregar-se de reunir sociedades e associações com a finalidade de preservar os valores, os costumes, a maneira de ser alemã. Em seguida chama a atenção  para o fato de que ainda  existem no Brasil algumas associações, como  “União dos Cantores Alemães do Brasil” o “Kiefhäuserbund”, o “Bund der Schaffenden Reishsdeutschen”, a União Colonial Alemã” e outras. Outras associações, sociedades ou clubes não são citados. Pelo que se pode  deduzir, estavam inoperantes pois, haviam sido fechados. 

Seguindo na sua exposição o relator afirma que germanismo e nazismo são dois conceitos que se confundem. Um é a essência do outro. Portanto, sem nazismo não há razão de ser para o germanismo, sendo o inverso igualmente verdadeiro.

Encontramo-nos aqui frente a mais um equívoco em que incorreram os nacionalizadores. Basta abrir o dicionário Aurélio e examinar o significado do termo germanismo. Os três significados básicos são:  1. Palavra, expressão ou construção peculiar à língua alemã; 2. Admiração excessiva ou fanática a tudo quanto é alemão; 3 Imitação das maneiras, costumes ou coisas alemãs. 

A confusão é evidente. Tomando como base o segundo e o terceiro sentidos, o termo germanismo reporta-se à história, ás tradições, aos usos, aos costumes, enfim, à maneira peculiar de os alemães se identificarem. Significa o que normalmente se designa por germanidade. Ora o nazismo não passa de uma ideologia política defendendo a idéia de um estado nacional-socialista. 

O termo germanismo foi, entretanto, considerado no Relatório como um conceito apenas racial e político. Lê-se no texto sob análise: “Eliminando a questão racial (germanismo) terá desaparecido o nazismo, (Relatório II, 1942, p. 8).

Em lugar de esclarecer a questão alemã do nazismo, o autor do Relatório agrava ainda mais a confusão. Quando em qualquer ambiente  razoavelmente informado, o termo germanismo é entendido como um conceito de natureza cultural, no Relatório é reduzido a um mero significado biológico ao se referir à raça alemã. 

O autor ou autores responsáveis pelo Relatório incorrem num segundo equívoco e este ainda mais danoso, quando afirmam que nazismo e germanismo são a essência um do outro. Vale afirmar que a ideologia nacional-socialista é  fruto do germanismo  que o germanismo, por sua vez, se perpetua pelo nazismo. Parece que aqui há duas coisas que merecem destaque. Em primeiro lugar quando se fala em germanismo, alude-se de fato a uma  tradição cultural e não a um concepção acanhada e idiossincrática da raça alemã. É evidente que uma tradição cultural, uma história de muitos séculos, animada por uma escala de valores  profundamente enraizados e implementados por usos e costumes próprios, possa servir de solo fecundo para que brote  e medre nela uma determinada ideologia, no caso a nazista. Concluir dai, porém, que foi simplesmente produto do germanismo, não passa de um reducionismo simplista. Ninguém nega que o nazismo  encontrou solo fértil numa Alemanha destroçada  pela guerra e mergulhada num profunda crise de identidade e caos social, político e econômico. Seus defensores souberam aproveitá-lo magnificamente como forma de reafirmar a identidade nacional e de reencontro com a própria dignidade.

Um outro aspecto da questão merece ser lembrado. De que maneira o germanismo pode ser considerado como a essência do nazismo, se esse tipo de ideologia  floresceu nos pontos mais distantes do planeta e entre povos com tradições as mais diversificadas? Basta lembrar o fascismo na Itália, o falangismo na Espanha, o nacionalismo pregado por Tito na Iuguslávia e o próprio nacionalismo defendido no Brasil na época da Campanha de Nacionalização. 

Essa confusão toda somente foi possível na medida em que as autoridades nacionalizadoras não se aperceberam de que estavam identificando de maneira indevida, um conceito de natureza cultural  com uma concepção ideológica do Estado e da sociedade, aliada a uma concepção filosófica de raça biológica superior.  O Relatório afirma em poucas linhas que as associações mantidas por imigrantes alemães e seus descendentes atuavam como focos eficazes da permanência  do germanismo no Brasil, como conclui textualmente: 

E os documentos 27, 28 e 29 que se encontram no capítulo referentes  ao Consulado Alemão evidenciam qual é a verdadeira missão dessas sociedades, assim como provam a filiação delas ao “Verband Deutscher Vereine”. (Relatório II, 1942, p. 9).

Os documentos referidos não esclarecem quase nada, muito menos acrescentam alguma prova mais consistente. O documento 27 restringe-se  a uma fotocópia da capa do livreto dos estatutos e a relação das sociedades filiadas ao “Verband Deutscher Vereine”: o documento 28 reproduz a introdução  incompleta dos estatutos; o documento 29 resume-se numa lista de sociedades de diversos países filiados ao “Verband Deutscher Vereine”. 

Foram essas as razões, segundo o Relatório que impunham uma ação enérgica contra o perigo alemão no Rio Grande do Sul. 

A essas constatações introdutórias sobre o perigo alemão segue um artigo que reproduz  o ponto de vista  alemão sobre a questão. Trata-se da transcrição de uma matéria publicada na revista americana, The Quarterly Journal of inter American Relations”, de 7 de setembro de 1939, assinada por Reinhard Marck. Em resumo o artigo começa fazendo uma distinção entre os alemães do Brasil. Denomina de germano-brasileiros os alemães nascidos no Brasil. Trata-se de cidadãos que se encontram  no País há várias gerações e seu estatuto político está claramente  definido. Somam a imensa maioria dos alemães.

Um segundo grupo, incomparavelmente menor, é formado por aqueles alemães  natos e que estão no Brasil na condição legal de turistas ou aqueles  que aqui se encontram por mais de seis meses e são tratados como turistas. 

Depois o articulista fala do número de imigrantes no Sul do Brasil e dos principais pontos de concentração, apresentando um quadro sucinto, porém, exato do tipo de alemães que se estabeleceram no Sul do País.

Os primeiros imigrantes alemães eram, sem exceção, gente  praticamente destituída de  meios, cujo principal capital compunha-se de uma disciplina hereditária, de uma robusta capacidade de trabalho e do amor à ordem e à economia. Pequenos camponeses, artífices e lavradores  predominavam. Além desses, havia ainda um grupo de pessoas arrancadas da terra natal pelas guerras européias, especialmente as napoleônicas, as quais mais tarde  vieram a servir como mercenários do exército brasileiro; a maior parte destes últimos deixou-se ficar permanentemente no país. Os colonizadores alemães no Rio Grande do Sul receberam um incremento considerável da Legião Alemã, os quais haviam lutado pelo Brasil contra a Argentina em 1851-1852. Essa Legião Alemã era formada de voluntários  das antigas tropas de Schleswig-Holstein popularmente apelidados de Brummer (rosnadores). Sendo a maior parte desses homens  bem treinados e cheios de iniciativa, forneceram aos colonizadores alemães os primeiros chefes intelectuais, editores e funcionários locais. Durante o período subseqüente até 1914, a imigração foi constituída, principalmente, de famílias de camponeses (representando 76% dos imigrantes) o tamanho médio dessas famílias em 1912 era de sete pessoas. Depois da guerra mundial, lavradores, artífices e comerciantes, assim como pequenos camponeses vieram para o Brasil.

Finalmente, a partir de 1932, a corrente imigratória tornou-se mais ampla incluindo intelectuais, empregados bancários, peritos em agricultura, juristas, médicos, muitos dos quais adquiriram pequenas fazendas, especialmente no norte do Paraná. 

Essa gente de idêntico sangue e espírito, ainda que de diferente nível intelectual, forma um padrão cultural e social que deu ao sul do Brasil um caráter único. Esses estabelecimentos alemães são exemplo, além de seu valor econômico são um ornamento para a paisagem. A perseverança, a iniciativa e a limpeza criaram, nos três estados meridionais do Brasil uma civilização, apesar dos começos primitivos e dos meios inadequados e lutando contra tremendas desvantagens. (Relatório II, 1942), p. 13).

A preservação das tradições religiosas tornou-se, ao lado da educação em mais um foco de atenção. Em qualquer comunidade pequena ou grande, organizaram-se  associações religiosas. Elas responsabilizavam-se pela infra-estrutura material para ao culto. Cuidavam da vida religiosa, dos cultos e das programações litúrgicas. 

Os clubes e associações destinadas ao lazer, à prática de esportes, ao cultivo da arte, complementada por uma imprensa rica e variada, haviam-se  transformado  num outro conjunto de atividades tão a agosto dos alemães. 

Caracterizando  os alemães do Sul do Brasil, os teuto-brasileiros, como cidadãos laboriosos, disciplinados, portadores de um nível de instrução acima da media brasileira, profundamente religiosos, dedicados ao lazer e à cultura  em suas associações, concluiu Reinhard Marck:

É ridículo falar em perigo alemão no Sul do Brasil. Os brasileiros de origem alemã, infelizmente indiferentes às lutas políticas, têm-se sempre submetido sem oposição a hegemonia política dos luso-brasileiros cuja verdadeira atividade nela reside. O teuto-brasileiro tem sido sempre um dos cidadãos mais disciplinados e ordeiros do Brasil. Sobretudo as gerações mais novas de teuto-brasileiros, sendo cidadãos do Brasil, se entusiasmam grandemente pela idéia de um Brasil maior e nenhuma acusação pode ser mais injusta que a de lhe atribuir idéias de separatismo. O absurdo dessa acusação torna-se mais flagrante se considerarmos estarem os estabelecimentos alemães  do Centro Sul do Brasil, espalhados por vastos territórios e ser a sua população em número muito inferior aos de brasileiros de outras origens.

Nem os teuto-brasileiros, nem os cidadãos alemães podem compreender como pode um luso educado aceitar, sem criticas, como verdadeiros, os avisos constantes da imprensa acerca dos planos de conquista alemã no sul do Brasil. Os  alemães do Brasil Meridional vêm nisto uma infundada e maldosa propaganda  feita pro outros países e motivada exclusivamente  por interesses político-econômicos. Os interesses da Alemanha no Brasil são de caráter puramente econômico e ela deseja relações de amizade para poder  levar avante um comércio ativo no interesse dos dois países. (Relatório II, 1942, p. 14)

O articulista ressalta, em seguida, o fato de os imigrantes alemães se terem dedicado a todo o tipo de trabalho, tanto ao físico como ao intelectual. Para o luso-brasileiro o labor  físico, o trabalho braçal, era coisa de escravo ou de peão. Homens, mulheres e crianças dedicavam-se  com paixão a qualquer tarefa, não importando a natureza.

Reinhard Marck mostra, em seguida, como o trabalho alemão sempre foi reconhecido por brasileiros com espírito isento:

A contribuição dos colonos alemães ao Brasil tem sido sempre reconhecida e apreciada por brasileiros justos e razoáveis. Assim o luso-brasileiro Aurélio Porto, compara a inclinação  ao trabalho dos alemães com a “industriosidade das abelhas” e o Presidente do Rio Grande do Sul, Homem de Melo, qualificou os alemães de “raça que tem energia e religião”. Da mesma forma o  ex-presidente  Manoel Ribas, do Paraná, atualmente interventor Federal no Estado, tem, continuamente gabado a assiduidade e a disciplina dos colonos alemães, nos quais ele vê um elemento de valor para o futuro do Estado. E, nada menos que a figura do Visconde de Taunay, nobremente reconheceu as virtudes dos colonos alemães, quando na assembléia  geral de dois de outubro de 1882 disse: “Basta dizer que cada um dos estabelecimentos é uma escola prática de amor ao trabalho”. (Relatório II, 1942, p. 15)

Depois de apontar a dedicação e o amor ao trabalho como uma das características  dos alemães dignas de elogio, o articulista passa a falar de mais outra contribuição valiosa desses imigrantes. Como a quase totalidade  deles vinha com um nível de instrução bem acima da média do Brasil, fez com que o Rio Grande do Sul figurasse nas estatísticas de então, como único estado com uma taxa de analfabetismo menor que 70%.

O grande valor atribuído pelos alemães à instrução levou-os a se empenhar pela criação de escolas  que fossem capazes de garantir a continuidade dessa tradição. Como das autoridades locais, regionais e federais pouco ou nada lhes restava esperar, eles próprios, reunidos em suas comunidades, garantiram a seu modo a instrução mediante escolas comunitárias de bom nível. As escolas públicas implantadas nas regiões de imigração, a partir do último decênio do século dezenove, jamais teriam acompanhado a crescente demanda.

O Brasil é a mãe pátria do teuto-brasileirismo da mesma forma  como o é para os outros brasileiros. Quem quer que seja que ataque o Brasil, de dentro ou de fora, deverá contar com a máxima resistência, quer este ataque venha do Amazonas, da fronteira da Bolívia ou do Rio Grande do Sul. Os teuto-brasileiros têm o sentimento profundo da sua ligação ao solo do Brasil. Os pontos de vista variam em relação ao conceito de brasilidade. Um pequeno número de teuto-brasileiros aceitou, sob influência  integralista, a idéia de uma fusão geral de raças. A maior parte deles, porém, guarda a convicção de que o Brasil, sendo um país de imigração é a verdadeira pátria de todas as raças e nacionalidades nele representadas, donde se deve seguir a perfeita igualdade, nacional e política de todos. (Relatório II, 1942, p. 18-19).

Um pouco mais adiante, referindo-se à ação nacionalizadora crescente. Acrescentou:

A ignorância do idioma português por parte dos teuto-brasileiros é frequentemente exagerada. Esta ignorância só se encontra muito raramente e, só em estabelecimentos isolados, onde a população não tem tido oportunidade de aprender a língua, devido à falta de escolas públicas. Nesses lugares o alemão reina como idioma escolar. Hoje em dia alguns brasileiros acreditam que a língua alemã deveria ser exterminada. Esta filosofia é realmente bolchevista. Embora o nacionalismo brasileiro difira em muitos pontos do bolchevismo, combatendo-o como ideologia estrangeira, sua destruição dos valores criadores da individualidade nacional, usavam ambos, os mesmos métodos universalistas e cemânicos (sic). O bolchevismo deseja o abandono das características peculiares às nações do Globo, e o nacionalismo brasileiro extremado tem o mesmo fito das fronteiras brasileiras. (Relatório II, 1942, p. 128).

Da forma como o artigo de Reinhard Marck é apresentado, sem nenhum comentário, muito menos uma análise mais minuciosa, chega a pôr em dúvida a oportunidade da sua reprodução  no contexto do Relatório. Pelo que se pode constatar, deveria trazer o ponto de vista alemão sobre a questão da nacionalização. Neste particular conseguiu em boa parte o seu intento.

Considerando, porém, a pobreza dos argumentos enumerados para justificar a campanha de nacionalização e, considerando a ausência de qualquer análise do texto, fica a impressão de que o conteúdo do artigo termina por contradizer o ponto de vista  dos nacionalizadores. Já que o assim  chamado “ponto de vista alemão” foi sequer contestado seriamente, significa que os fatos  e os argumentos de fato foram e são ainda hoje pouco convincentes. O mesmo pode-se concluir examinando o restante do Relatório II. 

Apos citar o artigo o Relatório  continua  referindo o local de maior presença alemã no Brasil, com a finalidade de demonstrar a importância do elemento raça na questão do germanismo. Refere-se ainda aos princípios legais que regulamentam a situação dos indivíduos realmente identificados, relacionando tudo isso com a sua situação de cidadãos.

O Projeto Pastoral dos Jesuítas no sul do Brasil


Desde o seu descobrimento, a América Latina serviu de cenário em que os jesuítas, mais do que qualquer outra ordem religiosa, implantaram e desenvolveram projetos de cristianização e promoção humana. Universalmente conhecida e famosa foi a obra evangelizadora por eles protagonizada durante os séculos XVII e XVIII, tanto nas possessões espanholas quanto portuguesas nesse continente. O valor histórico, artístico e arquitetónico do que resistiu ao tempo e da depredação humana das reduções no noroeste do Rio Grande do Sul, é de tal significado que mereceu ser declarado patrimônio cultural da humanidade pela Unesco. Além desses testemunhos mais conhecidos, encontramos as pegadas dos jesuítas daqueles dois séculos em todo restante da América Latina. Estavam presentes no Chile onde lideraram iniciativas de implantação de tipografias, oficinas e artesanatos. Desenvolveram e aperfeiçoaram  a farmacologia, valendo-se de plantas e essências nativas. De modo especial dedicaram-se à educação e catequese dos índios e dos filhos dos espanhóis e a cura de almas da população em geral.

Os jesuítas estiveram presentes também na Argentina. Contribuíram decisivamente  na catequese entre os índios do Chaco, Entre Rios e Missiones. Importante foi também a sua contribuição na educação em instituições de ensino fundamental e médio nos centros de maior importância como Córdoba, Tucumán, Rosário e Buenos Aires. Pregaram missões garantindo assim um bom nível religioso entre a população. Como na Argentina e Chile os jesuítas desenvolveram também uma importante obra  missionária no Paraguai. As ruínas das reduções no sul desse país, datando dos séculos XVII e XVIII, faziam parte do  vasto complexo de missões entre os indígenas entre o norte da Argentina e noroeste o Rio Grande do Sul. A importância do Paraguai  foi de tal ordem na atividade missioneira que a sede da província da Ordem encontrava-se em Asunción. De lá se tem o registro dos primeiros jesuítas nativos como Roque Gonzales, martirizado em Pirapó no Rio Grande do Sul.

Desde 1549 os jesuítas marcaram presença também no Brasil. Dedicaram-se antes de mais nada à catequese e à educação dos índios e filhos dos portugueses. Com a supressão da Ordem pelo papa Clemente XIV em 1773 essa obra foi interrompida. Restaurada a Ordem em 1814, em poucos anos os discípulos de Santo Inácio, como que emergindo de um retiro compulsório de 40 anos, retornaram aos antigos cenários apostólicos na América Latina para retomar e dar continuidade à obra interrompida. Voltaram para  dar catequese, abrir escolas, pregar missões populares, fundar paróquias e dar andamento, de modo especial no sul do Brasil, a um magnífico Projeto Pastoral cujos frutos são colhidos até hoje.

NB. Para quem interessar o “Projeto Pastoral” dos Jesuítas encontra-se amplamente analisado e avaliado no livro que publiquei pela Edit. Unisinos em 2013.











Bicentenário da Imigração - 60

Documentos anexos:

A última parte  do Relatório, sob o titulo “Documentos e Traduções”, reproduz uma série de fotocópias de documentos diversos, que deveriam constituir o suporte documental para amparar a convicção de que o perigo nazista rondava de perto todos os alemães no sul do Brasil.

Segue  lista  desses documentos com seus conteúdos, a fim de que seja possível avaliar melhor a sua importância como provas da subversão nazista.

Documento nº 1. P. 189, de 22 de dezembro de 1937. 
O cônsul de Porto Alegre comunica ao “Turn und Schützerverein” de Montenegro que o ministro da propaganda em Berlim estava de acordo em financiar uma série de aparelhos de ginástica.

Documento nº 2 – p. 192 de 11 de janeiro de  1937
O cônsul alemão comunica à Sociedade de Ginástica de Montenegro  concessão de 1.000 marcos e pede enviar proposta de auxílio para poder ser encaminhada à sede no estrangeiro.

Documento nº 3 – p. 197 de 16 de setembro de 1937.
O cônsul de Porto Alegre anuncia a Hermann Heincke, da Sociedade de Ginástica de  Montenegro  concessão de 1:512$500 e pergunta como gostaria de recebê-la.

Documento nº4 – p. 203 de 30 de março de 1937.
O cônsul em Porto Alegre comunica à senhorita Irene Schwertner a concessão mensal de 100$000 da parte do consulado para custear a manutenção de um jardim de infância em Petrópolis, Porto Alegre.

Documento nº 5. – p. 207 de 20 de novembro de 1936.
O consulado de Porto Alegre comunica à Sociedade de Ginástica  a concessão de 1.000 marcos da parte do ministério do exterior alemão.

Documento nº 6. – p. 211 de 24 de maio de 1937.
Willy Ullrich confirma o recebimento de 32 discos do consulado alemão, para serem distribuídos  entre as sociedades de Boa Vista do Erechim.

Documento nº 7 – p. 215 de 31 de maio de 1937.
O professor Franzmeyer do Seminário Teuto-Brasileiro Evangélico de São Leopoldo pede  a Walter Hornig, chefe do Círculo do NSDAP de Porto Alegre a concessão de seis matrículas no valor de 9:000$000, para o Seminário Teuto-Evangélico e acrescenta o nome dos contemplados.

Documento nº 8 – p. 219 de 6 de julho d 1937.
O dr. Alderich Franzmeyer acusa o recebimento de 1:800$000 da Caixa de Previdência Nacional-Socialista, destinados a alunos pobres do Seminário Teuto-Evangélico de São Leopoldo.

Documento nº 9 – de 9 de fevereiro de 1938.
O Banco Alemão Transatlântico comunica a Hugo Muller que creditou em sua conta a quantia de  5:000$000  em benefício do Círculo Riograndense da NSDAP.

Documento nº 10 – p. 225 de 22 de setembro de 1937.
Hugo Muller, do NSV, círculo do Rio Grande do Sul, solicita ao Banco Alemão Transatlântico: que primeiramente transporte por conta do cheque com um mínimo de desconto a quantia de 5:000$000 do capital da NSV, círculo do Rio Grande do Sul, depositado neste banco a prazo fixo de 60 dias. 
Segundo. Pede para retirar o capital do NSV, depositado a 60 dias de prazo, pedindo apuração  de contas e a devolução do capital depositado.

Ao pé do documento consta:

Capital devolvido:  86:733$000
Em cheque: 5:000$000
        81:733$000

Documento nº 11 – p. 229 de 25 de abril de1938.
Consta de dois recibos, um de 50$000 e outro de  400$000 recebidos do SSV por motivo de prisão. Não  se indicam nomes. 

Documento nº 12 – p. 233 de 10 de setembro de 1936.
O partidário Henz Ahrens é convocado para interrogatório na Casa Alemã no dia 17/09/1936. 

Documento nº 13 – p. 237 de 4 de setembro de 1937.
O sr. Mutzchle de São Paulo comunica à Sociedade de Ginástica  e Tiro ao Alvo de Montenegro o recebimento de 50$000. 

Documento nº 14 – p. 241 de 15 de dezembro de 1937.
O sr. Eisele, presidente do VDV, pede  `”Liga das Sociedades Germânicas no Estrangeiro para remeter as contribuições referentes a 1937, até março d 1938.

Documento nº 15 – p. 247-248 de 15 de setembro de 1937.
O sr. Eisele, da VDV de Berlim, comunica a distribuição de prêmios à Juventude Alemã de além-mar pelas Ligas das Sociedades Germânicas.

Documento nº 16 – p. 251 de  outubro de 1937
Otto Riebes, de Hamburgo Velho, chefe do núcleo VDV, acusa a remessa de 15 discos e indica as sociedades será contempladas.

Documento nº 17 – p. 255-256 de 28 de maio de 1937.
Eduardo Springer de Novo Hamburgo, presidente da Confederação  das Sociedades de Ginástica do Rio Grande do Sul, manda um ofício ao Diretor da Folha da Tarde, pedindo correção  em informações publicadas na edição de 25 de maio de 1937. Fora publicado que estava em andamento uma aproximação e inclusive uma filiação a entidades alemãs por parte da Federação das Sociedades de Ginástica do Rio Grande do Sul. A notícia, segundo Eduardo Springer, não correspondia à verdade e só causou confusão no seio da confederação.

Documento nº 18 – p. 259-260, de janeiro de 1937 e maio de 1937. Este documento reproduz uma circular expedida pela diretoria  da Sociedade Turnerbund (Sogipa) a todas as sociedades de ginástica no Rio Grande do Sul. A circular reproduz, em primeiro lugar, uma carta do prefeito de Porto Alegre, major Alberto Bins, dirigida à assembléia geral extraordinária do Turnerbund em 27 de janeiro de 1937. Eis a carta:

O Turnerbund é uma sociedade teuto-brasileira, isto é, uma sociedade brasileira, porque a maioria de seus sócios são cidadãos que tomaram a si a tarefa de conservar  e dedicar-se à comunhão alemã. Nesta posição ela não deverá filiar ou ligar-se  à uma organização alemã do Reich, mas unicamente manter uma ligação cultural. Qualquer outra atitude do teuto-brasileiro e de suas  sociedades dificultará  o cumprimento  dos deveres populares junto ao convívio de seus concidadãos luso-brasileiros. Eu lamentaria sinceramente  fosse mal interpretada pelos associados alemães e se com isto houvesse uma cisão entre alemães e teuto-brasileiros. 
Porto Alegre, 27 de janeiro de 1937
(ass.) Albelrto Bins  (Relatório I, 1942), p. 250)

Segue  esta carta  circular assinada pela diretoria do Turnerbund:

O conteúdo desta carta importantíssima vigora para todos nós teuto-brasileiros, para todas as sociedades de ginástica da Confederação das Sociedades de Ginástica do Rio Grande do Sul, nas quais os teuto-brasileiros em absoluta maioria, em grande maioria, e por isso também responsáveis  no sentido mais completo da expressão – pelas deliberações que não se possam unir com os deveres  de brasileiros natos ou naturalizados.Temos que seguir um caminho reto e resoluto, que segundo  seguimos já há 40 anos com sucessos consecutivos.
Não nos ligamos a nenhuma organização alemã do Reich, mas somente mantemos relações culturais.
A Confederação das Sociedades de Ginástica do Rio Grande do Sul e do Reischsbund für Leibesübungen, não se opõe ao intercâmbio  cultural. Neste ponto existe unanimidade entre os associados do Turnerbund, cuja diretoria, no decorrer dos anos também em tempo recíproco, chegou à conclusão, que também sem o mencionado  “Anschluss” será possível um trabalho muito amigável com as associações na Alemanha, sendo ainda hoje, como nos anos anteriores, possível e desejdo, um compreensão por ambas as partes para o bem de todos. Quem perceber em nossa atitude cheia de experiência e fidelidade uma lança contra a Alemanha e sua direção, a este falta competência no julgamento de uma questão tão importante.
Numa sessão dos delegados da Confederação das  Sociedades de Ginástica do Rio Grande do Sul (sessão extraordinária) deverá ser feita uma deliberação definitiva sobre o “Anschluss” da Confederação ao “Reichsbund für Leibesübungen, Berlim” – Antes, porém, deverá ser convocada  uma assembléia geral em  todas as sociedades de ginástica  e departamentos para deliberar sobre o referido “Anschluss”.
Prezados  irmãos esportivos. Não podemos, não devemos dar para isso o nosso apoio, porque isso seria uma junção e uma ligação. 

Porto Alegre, maio de 1937
Aloys Friedrichs – Presidente de honra do Turnerbundr. Waldemr Niemeyer – 1º presidente
Willy Kohs – 2º presidente
Heirich Neurich – 3º secretario
Adolf Trein – 4º secretario   (Relatório I, 1942, p. 259-260)

Lendo e relendo esta circular dirigida à Confederação das Sociedades de Ginástica do Rio  Grande do Sul, chega-se à mesma conclusão que aquela que resultou do artigo de Reinhardt Mark, reproduzido em parte no Relatório II. Antes de servir como argumento para denunciar a infiltração nazista no Rio Grande do Sul, constitui-se num prova  de que setores teuto-brasileiros significativos, se opuseram às manobras dos agentes de propaganda e aliciamento nacional-socialistas. A circular  transforma-se  desta maneira numa autêntica  contraprova de tudo que o Relatório  I e também o Relatório II, se propuseram a comprovar.

Documento nº 19 – sem data – p. 261
Este documento resume-se num anúncio que oferece o Manual dos Alemães da Fronteira e do Esterior, caderno 38/39

Documento nº 20 – p. 267 de 1937
O documento reproduz o programa de celebrações do dia 1º de maio de 1937 para a DAF (Deutsche Arbeiterfront) do Brasil.

Documento nº 21 – p. 271 de 7 de setembro de 1936. 
Neste documento E. Dorsch pede ao núcleo de Sant Cruz o preenchimento  de questionário solicitado pela AO (Ausland Organisation). 

Documento nº 22 – p. 275de 25 de janeiro de 1938.
Erwin Marx, de Porto Alegre, comunica a E. Dorsch que recebeu as diretrizes e os formulários de proposta. O documento diz textualmente:

Comunico-lhe o seguinte: Aqui na praça não existe nenhuma organização, não tendo por isso um fiador para assinar a proposta. 
Se, porém,  houver qualquer dúvida sobre a minha pessoa peço pedir informações ao sr. Emil Fritsch de Santo Ângelo. 


O dinheiro das joias e das mensalidades lhe remeterei pelo correio. (Relatório I, 1942, p. 275)

Documento nº 23 – p. 279 de 17 de janeiro de 1936.
Erwin Becker, de Porto Alegre, comunica ao Sr. Ellwanger a sua ida até Santa Cruz e Venâncio Aires para aí  fazer uma palestra sobre a viagem à Alemanha.

Documento nº 24 – p. 283  de 29 de julho de 1935.
Otto Ernst Meyer comunica ao Sr. Dorst que não poderá participar, junto com os companheiros, na ida ao aeroporto e à ilha, por ter que viajar para o Rio de Janeiro por causa de tratativas  no Ministério da Viação. Pede também que se adie tal visita e que os companheiros aproveitem o ordenado do fim do mês para pagarem as contribuições.

Documento nº 25 – p. 287 de 8 de abril de 1835.
O Sr. Stakerjan pede ao sr. Otto Meyer, diretor da VARIG, a gentileza de transportar para o Rio e Janeiro a quantia de 1:707$300 e uma carta destinada ao Grupo de Profissionais Alemães de lá. 

Documento nº 26 – p. 191 – sem data
Na realidade são dois documentos. Um data de novembro do ano (?) em que o missivista indica no nº 21 do Deutshes Volksblatt com o artigo: Nós protestamos contra as intrigas nazistas”, para municiá-lo com mais este material na sua campanha contra o  nazismo. Na mesma carta o autor denuncia  que o jornal nazista “Deutscher Morgen” continuava aparecendo, apesar das denúncias e a intervenção da policia. Em dezembro o mesmo missivista  de São Paulo escreve que lamenta não receber os jornais pedidos, porque os jornais anti nazistas não chegavam mais até São Paulo.

Documento nº 27 – p.  291 de 02 de janeiro de 1939. 
Apresenta sem comentários uma fotocópia de uma fatura G.A.V.  Halem, de Bremen, de uma compra feita por H.W. Ludwig, de Porto Alegre.

Documento nº 28 – p. 292, sem data.
Reproduz,  sem comentários, uma foto da porta lacrada da sede da “Die Detusche Arbeiterfront”. 

Várias são as considerações que se poderiam fazer sobre o Relatório I, tomado como um todo. Quero, entretanto, chamar a atenção para dois pontos que parecem fundamentais  para avaliá-lo como dossiê comprobatório do perigo nazista generalizado no Rio Grande do Sul.

Primeiro. Todas as evidências levam à convicção de que o perigo nazista realmente existiu como já foi lembrado mais acima. Os agentes e as agências de propaganda, entretanto, eram perfeitamente conhecidos  pela policia e as sedes dos focos de irradiação sabidas. O perigo nazista, portanto, reduzia-se a um caso de policia localizado.

Segundo. Dos 27 documentos arrolados como provas no final do Relatório I, somente quatro são posteriores ao 10 de novembro de 1937, data da implantação do Estado Novo. 23, portanto datam de um período em que não havia restrições legais para o funcionamento de tais atividades. 

Bicentenário da Imigração - 59

Entre as páginas  165 e 185, o Relatório reproduz dois memoradums, um da autoria de Victor Englert e J. Gross e o outro de Franz Metzler. Os dois dão uma boa idéia daquilo que os intelectuais católicos teuto-brasileiros pensavam  do nazismo, do alerta que faziam às autoridades sobre a ameaça que representava para os alemães  e seus descendentes radicados no Rio Grande do Sul e sugestões para prevenir o  avanço da propaganda e seus agentes. 

O memorandum de Englert e Gross começa apontando  como, durante um século e pouco, os imigrantes  realizaram gradativamente a sua integração na sociedade nacional. Sem renegar  nem a língua nem as tradições, tornaram-se brasileiros de espírito e de intenções, como o provam inúmeros fatos dessa história.

As igrejas, as escolas, as sociedades e associações em geral foram vias de acesso dessa gente à realidade nacional e os grandes responsáveis pela adesão às coisas nacionais. O descobrimento da língua vernácula, o seu conhecimento apenas precário por parte de muitos, de forma alguma são provas  de pouco ou nenhum espírito nacional. Essa situação foi o resultado inevitável das condições em que se deu a colonização nesse período. As escolas  criadas e mantidas pelos colonizadores, garantiram a alfabetização para as novas levas de gerações, oferecendo-lhes o ferramental mais indispensável para que sobrevivessem  e tivessem condições de participar da construção de uma sociedade cultural, econômica e religiosamente útil à nação em formação.

Na proporção em que os parco meios de vida e as condições  técnicas vinham melhorando, também o ensino do vernáculo, da história e da geografia foram-se acentuando e hoje, entre as mil e quinhentas escolas particulares disseminadas  pelas zonas  de colonização alemã, está sendo ensinado a cerca de quarenta e cinco mil crianças, o vernáculo, menos bem ou menos mal, de acordo com o meio e as possibilidades materiais e técnicas. O que, porém, não se encontra é a falta de  vontade de aprender. (Relatório I, 1942, p. 166)

Os autores continuam  suas considerações sobre o esforço e a vontade dos imigrantes como autênticos cidadãos brasileiros, apesar talvez de nem falarem a língua nacional.

Com incalculáveis sacrifícios, os imigrantes e seus descendentes vêm mantendo as suas organizações culturais e sociais, através  dos quais vem processando – lenta, mas seguramente – a assimilação das correntes imigratórias. A chamada “colônia germânica”  tem vivido sempre na mais perfeita paz, trabalhando incessantemente a bem de sua pátria, que é a brasileira, tomando parte ativa no seu desenvolvimento material e cultural, sentindo-se, enfim, perfeitamente integrada nos problemas nacionais, colaborando com todo o ardor pela sua solução e a grandeza da pátria, sem prejuízo do culto ao tradicionalismo, em homenagem aos seus ancestrais. (Relatório I, 1842, p. 166)

Os autores continuam responsabilizando  as células nacional-socialistas, instaladas no meio teuto-brasileiro, como perturbadoras dessa harmonia e tranqüilidade. Ao tentarem apoderar-se de sociedades e associações, conseguiram, até certo ponto, disseminar a discórdia entre os alemães. Em não poucos casos tiveram sucesso, na maioria, porém, foram rejeitados. Referiram-se como um caso exemplar o episódio ocorrido no Turnerbund, hoje Sogipa de Porto Alegre e a Federação Riograndense de Ginástica.

O memorandum passa depois a  apontar os resultados que ele chama de “desunião na chamada colônia germânica.

De um lado temos os  alemães ou descendentes de alemães que defendem sua condição  de brasileiros sem renegar a tradição cultural e, do outro lado, o elemento nazista. Este  não poupa esforços para anular e inviabilizar todo o processo e qualquer tentativa de assimilação dos alemães na sociedade nacional brasileira. 

Depois o memorandum passa a identificar o cerne da organização da propaganda do nacional-socialismo no Rio Grande do Sul.

Encontramo-los na sede da célula do partido nazista  desta capital no Deutsches Haus – Casa Alemã – na rua Voluntários da Pátria, onde se reúnem com toda a regularidade os Chefes e os Pg. (Parteigenossen) – correligionários – agora intitulados  Kameraden – camaradas e  demais simpatizantes. É centro irradiador de todas as atividades nazistas, modelarmente organizadas nos seus diversos departamentos de cultura, propaganda, imprensa, assistência social, etc.  Com seus sub-chefes e doutrinadores, seu jornal próprio “Das Dritte Reich” e as organizações acessórias: a “Deutsche Frauenschaft im Ausland – Associação das Mulheres  alemãs no estrangeiro – a Deutsche Arbeitsfront, oficialmente por eles denominada “Sociedade Beneficente e Caritativa” se bem que  a tradução literal seja “Frente Alemã de Trabalho” e, ainda o “Deutschbrasilianischer Jugendring” – União da Juventude teuto-brasileira, erroneamente assim denominada pois, se trata de uma célula  da “Hitler-Jugend”, organização da juventude hitlerista, como, aliás era sua denominação inicial, alterada em São Paulo numa concentração ai realizada pois, soa melhor no Brasil o titulo “União da Juventude Teuto-brasileira”, do que “Juventude Hitlerista”. Por mais que o neguem seus organizadores, inclusive seu chefe geral Karl Neubart, a União da Juventude Teuto-Brasileira é uma organização da Juventude Hitlerista. Se mais provas não existissem, bastaria a fotografia anexa, representando o seu desfile na parada de 19 de novembro de 1937 em Porto Alegre, onde se vêm as insígnias da Juventude Hitlerista no tambor e nos clarins da Juventude Hitlerista da Alemanha, reproduzidas no clichê que se ajunta a este, publicado numa revista alemã. (Relatório I, 1942, p. 168)

Em seguida o memorandum de Englert e Gross chama a atenção para o fato de os nazistas insistirem em afirmar que suas organizações não estão aí  para fazer propaganda política, que o nacional-socialismo não é mercadoria de exportação e outras afirmações nesta linha. Há, contudo, provas mais do que suficientes de que tais atitudes não passam de tentativas de despiste. A verdade é que as células nazistas no exterior têm como incumbência real aliciar para o partido os alemães no exterior  e arregimentá-los em torno do líder máximo, o Führer. Representam, portanto, uma ameaça real que tem que ser levada a sério e extirpado o mal pela raiz, sob pena de surgir uma autêntica minoria incrustada nas fronteiras do Brasil, carregando consigo todo o séqüito de conseqüências nefastas que costumam azedar o convívio nacional em tais circunstâncias. 

Englert e Gross fazem referências ainda à campanha de esclarecimento contra o perigo nacional-socialista que o “Detsches Volksblatt” vinha encabeçando desde 1931. Acusam as autoridades  pela pouca importância que atribuíram ao problema, por desconhecimento da sua gravidade e subestimando a sua importância. Concluem:

A excessiva  tolerância havida até por parte do Governo para com o nazismo, estimulava sua ação e dificultava enormemente  o trabalho preventivo de defesa, iniciado e mantido pelos brasileiros de descendência teuta. (Relatório I, 1942, p. 170)

Por fim  os autores do  memorandum recomendam ao chefe de policia três medidas que lhes pareciam  necessárias para frear e acabar com a propaganda nazista.

1º Fechamento de todas as células nazistas, com todos os seus departamento e sub-organizações, inclusive a dissolução da chamada “Juventude Teuto-Brasileira”, adotando-se medidas eficientes capazes de evitar a sua organização sob outro rótulo;

2º Proibição da divulgação da doutrina racista e da comunhão sanguínea, inclusive a proibição da circulação de jornais, revistas e publicações na imprensa nacional da mesma doutrina; 

3º Nas escolas primárias o ensino só deve ser ministrado por estrangeiros se estes residirem no Brasil há mais de cinco anos, não pertencerem a partido político e tiverem feito exame de suficiência em português, história geografia do Brasil  (Relatório I, 1942, p. 170)

O segundo memorandum constante no Relatório  I, foi enviado pelo Dr. Franz Metzler, diretor e proprietário do jornal brasileiro em língua alemã “Deutsches Volksblatt”. Em linhas gerais defendeu  mesma posição de Englert e Gross. Há, porém, neste caso um detalhe que confere uma importância bem maior ao documento. Como redator do jornal católico em língua alemã mais influente do Rio Grande do Sul, expressa a linha editorial  oficialmente adotada pelo jornal desde 1931, quando alertou por primeiro os seus leitores contra o nacional-socialismo.

O documento começa como uma declaração de fidelidade  à cidadania brasileira e, ao mesmo tempo, com uma tomada de posição inequívoca contra a infiltração da propaganda nazista no Estado:

( ... ) pois, como jornalista brasileiro que consagra seus serviços à comunidade nacional, aos quais um bom cidadão não se pode eximir, venho de sustentar, já desde anos, ou melhor desde que se tornavam perceptíveis correntes que, por meio de uma desnacionalização consciente intentada na parte da população brasileira descendente de alemães acompanhado com vivo interesse e a qual posso, sem exagero e sem falsa modéstia, considerar  como um serviço que presto à Pátria Brasileira   (Relatório I, 1942, p. 171)

O Dr. Franz Metzler continua mostrando como desde o início de 1931 vinha combatendo o nazismo, muito antes que isso acontecesse em qualquer outro órgão da imprensa, inclusive da imprensa em língua vernácula. Sugere em seguida que não se proíbam indiscriminadamente os jornais em língua alemã. Pelo contrário. Que se permita a circulação daqueles e, também, de outras publicações seriamente engajadas nos interesses nacionais brasileiros. Propõe que esses jornais estampem ao lado do seu titulo: “Jornal brasileiro em língua alemã”. Sua lógica é simples. Assim como os jornais em língua alemã não são jornais brasileiros pelo fato de propagarem ideologias anti nacionais, assim também pode haver jornais em língua portuguesa a serviço dessas mesmas ideologias anti nacionais.  Portanto, para ser classificado como brasileiro, um jornal deve estar a serviço do causa nacional. Não importa em que língua esteja publicado. De outra parte, um jornal é anti brasileiro ou anti nacional no momento em que é posto a serviço de agentes desnacionalizadores. Também neste caso  é secundário o fato de ser publicado em alemão, em italiano ou até em português. Pondera ainda o autor do memorandum que a interdição pura e simples e a proibição de todos os jornais em língua alemã, faria com que as populações  que os lêem e não entendem o português, ficassem privadas de toda e qualquer informação ou esclarecimento. Logicamente  se tornariam mais vulneráveis à propaganda clandestina, seja de publicações, seja da parte de agentes doutrinadores, que conseguem burlar a vigilância policial e se infiltram nas comunidades alemãs.

Metzler analisa em seguida a questão das escolas. Começa afirmando que as escolas comunitárias, espalhadas pelas regiões  coloniais, se serviam (na década de 1930) de maneira generalizada da língua alemã como língua de ensino. Comenta que com a escola ocorria o mesmo problema  levantado em relação à imprensa em língua alemã, isto é, que estava  serviço da resistência à nacionalização do elemento teuto-brasileiro, ou à sua completa e definitiva inserção na sociedade nacional. Pondera que medidas extremas  visando a eliminação da língua alemã nas escolas  seriam contraproducentes. Mais ainda. Dificultariam, em última análise, o aprendizado correto do português.

Refere-se depois a uma opinião muito generalizada que a escola alemã, não raro, funcionava  em “pobres casebres” e era  atendida por professores “aos quais faltava qualquer preparo profissional”. (Relatório I, 1942, p. 180) Criticava-se também o fato de terem sido “administradas outrora por professores que não dominavam  o idioma do país”. (Relatório I, 1942, p. 1819). Sempre segundo Metzler, essas críticas mascaram um fato importante. Ao contrário do que se dizia, essas escolas prestaram, apesar de suas deficiências, um serviço patriótico apreciável.

Sem elas a infância, na falta de aulas públicas, teria ficado imersa nas trevas  do analfabetismo; sem elas a zona colonial não teria alcançado o grau de prosperidade e progresso que ora apresenta. (Relatório I, 1942, p. 181).

Em seguida  Metzler expõe ao chefe de policia a posição que era corrente entre os teuto-brasileiros e suas lideranças mais legítimas, na questão da escola, da língua e da manutenção da tradição cultural.

É sabido, e já foi confirmado frequentemente, por chefes do governo, que os imigrantes alemães  em nosso estado se integraram na comunidade nacional como amigos da ordem e do progresso. Se até há bem pouco tempo os colonos alemães assim chamados ocupavam e ainda hoje ocupam uma posição toda especial na comunidade nacional por se servirem, entre si, do idioma dos antepassados e muitos  desses ainda não se exprimiam  na língua vernácula, não se deduza disso que eles se opõem à aprendizagem da língua do país. Sou, a bem da verdade, o último a negar que o brasileiro de etnia alemã, por um são respeito a si mesmo, sempre gostou de cultivar a língua e os costumes de seus antepassados; sim, tenho até prazer em afirmá-lo, por estar firmemente convencido de que não se conseguirá a realização do elevado ideal de brasilidade quem não possua a dignidade individual e coletiva. Mas duvido, baseado na experiência adquirida como diretor responsável e chefe de redação de um jornal brasileiro em idioma alemão, duvido, repito, e nego que os imigrantes alemães  e seus descendentes não tenham querido aprender o português. Dá-se justamente o contrário, e provam-no os progressos que neste sentido foram alcançados nos últimos decênios, com recursos  escolares primitivos, mas criados por iniciativa própria.

As escolas das colônias representam uma obra cultural de primeira ordem: os esforços culturais empenhados em prol da pátria brasileira têm suas bases nesses  modestos estabelecimentos, organizados por gente singela, a poder de enormes sacrifícios. Elas nos são úteis, conquanto não possam ser apontadas como instituições  modelares; preenchem uma lacuna que o Estado e o Município até hoje deixaram aberta Por isso, não se deve, a bem da justiça ao formular um juízo sobre as escolas dos núcleos coloniais, examinar como deveriam ser organizadas para passarem por institutos modelo; deve-se, ao contrário, perguntar que seria de certas regiões coloniais, se não existissem essas escolas....

Quem ante esses fatos, seria capaz de nutrir a suspeita de que as escolas particulares rurais se desenvolvem num ambiente anti-nacionalista? Deve-se exatamente à sua existência, o reconhecer-se a necessidade de generalizar, lentamente sim, mas com segurança, o conhecimento do nosso idioma! Não será um grande mérito dessas escolas o fato de os colonos, como coletividade de gênero especial, não figurarem como um órgão atrofiado ou uma excrescência exótica no organismo nacional? Pois, permita-se-me dizer, nesta conjuntura, que a índole patriótica não depende do conhecimento e uso exclusivo da língua pátria. Podemos imaginar traidores entre o povo que não conhece outro idioma senão a língua pátria, enquanto por outro lado, uma nacionalismo que esteja alheio a preconceitos, vem registrando com prazer e júbilo o espontâneo patriotismo entre os descendentes de alemães, que têm o Brasil como sua pátria, consagrando só a ele sua dedicação cívica e todos os seus esforços. (Relatório I, 1942, p. 181-182

O Dr. Metzler sugere depois ao chefe de policia que a nacionalização da escola se faça sob o lema “conservar melhorando”, (Relatório I, 1942, p. 183) já que a escola prestara tão relevantes serviços em termos de alfabetização e de educação relativa à brasilidade prática  dos teuto-brasileiros. Alertou ainda que uma intervenção radical e brusca só serviria para despertar animosidade  entre as populações de origem alemã. “Pois, nada fere tão profundamente a alma honesta e digna como a repulsa  imponderada que sofre a boa vontade manifestada por corações sinceros”. (cf. Relatório I, 1943, p. 183) Finalmente pondera que as tentativas de infiltração nazista não surgiam no interior das escolas, mas incentivadas de fora, e o Governo nada mais fazia do que cumprir sua obrigação quando se propunha neutralizá-la.

No final do memorandum endereçado ao chefe de polícia, o  Metzler resume seu pensamento sobre a escola: 

A interdição das escolas alemãs assim denominadas, as quais, na realidade, são escolas particulares de associações brasileiras de descendentes alemães, não alcançaria o seu objetivo, isto é, a eliminação da doutrina racista totalitária, cujos progressos importariam  na verdade, que se removeria assim uma entidade a cuja posse os apóstolos de um povo imaginário de cem milhões de habitantes aspiram, porém, a comunidade nacional brasileira ficaria, por força de uma proibição, privada da mesma forma de um fator que até então era de tanta utilidade e do qual, mediante uma ponderada reorganização, sem dúvida, auferiria vantagens ainda maiores.

Ou querem, talvez, dizer os boatos que não proíbem as escolas particulares rurais como tais, mas somente o uso elas da língua alemã? Também essa medida teria de revelar-se contraproducente visto que os pais a quem a nova constituição de 10 de  novembro de 1937, no artigo 125, garante o direito de educarem os filhos, que falam o alemão aprendido na casa paterna, não poderiam, numa escola que não se articula no cabedal existente, da língua que os alunos falam, ter o desejado aproveitamento em nenhuma disciplina, nem na aprendizagem do vernáculo. (Relatório I, 1942, p. 184)



O memorandum sugere algumas considerações.
Primeiro. Expõe para a autoridade policial, com toda a clareza e sem reticências, a imagem que faziam de si  próprios os teuto-brasileiros quando se tratava de situar-se no contexto  brasileiro. Assumiam a cidadania com todas as conseqüências práticas. Estavam convictos de que o fato de continuarem a falar os seus dialetos, de usar a língua alemã como língua de ensino nas escolas, de se reunirem em suas sociedades e associações étnicas, de continuarem a editar seus jornais, almanaques e periódicos em lingu alemã de, enfim, preservarem  seus hábitos, costumes e valores, em nada diminuía  os compromissos e obrigações de cidadãos brasileiros. Pelo contrário. Oferecia-lhes  condições melhores para assumir  conscientemente a cidadania e praticá-la na sua plenitude.

Segundo. O memorandum chama a atenção a um ponto muito importante. No caso da imprensa faria muito sentido estabelecer a distinção clara entre jornais alemães, periódicos, almanaques e outros impressos alemães. Numa categoria seriam enumerados aqueles que de fato, além de publicados em língua estrangeira, estavam a serviço de ideologias estranhas como, por ex., nazismo, fascismo, comunismo e outras. Numa outra categoria constariam as publicações em língua estrangeira, no caso específico, em língua alemã, aquelas destinadas a veicular assuntos religiosos, notícias sociais, informações econômicas e conteúdos meramente culturais. Conviria, segundo a proposta de Metzler, falar em imprensa estrangeira propriamente dita e imprensa brasileira em língua alemã.

O autor continua raciocinando que, assim como as ideologias exóticas e perniciosas podem penetrar através de jornais e publicações em língua  portuguesa, da mesma forma jornais em língua alemã estão em condições de combater com grande eficiência a infiltração dessas ideologias, combatendo-as diretamente ou pondo-se a serviço dos interesses nacionais e conclamando os imigrantes de origem alemã para assumirem plenamente a sua cidadania. 

Neste ponto, aliás, ninguém mais autorizado para opinar do que o próprio Dr. Metzler. Já em 1931 ele denunciara, nas colunas do seu jornal “Deutsches Volksblatt”, a periculosidade da ideologia nacional-socialista e as suas tentativas  de penetração no meio brasileiro. O alerta, portanto, ocorrera numa época em que nazismo contava com uma ampla simpatia também entre vastos círculos  brasileiros, inclusive entre ocupantes da mais alta administração pública, tanto federal como estadual.

Em resumo, o que o Dr. Metzler propôs foi a vigilância e, em casos mais sérios, o fechamento de jornais ou publicações a serviço de qualquer ideologia perversa, editados em língua estrangeira e também em língua vernácula. De outra parte, deveriam ser preservados e até incentivados  os jornais, mesmo em língua estrangeira, que se opusessem  a essas correntes exóticas e deletérias e assumissem uma postura patriótica em relação ao Brasil. 

Essa questão assumia, na época, uma importância  indiscutível, porque a população colonial de origem alemã, quando tinha acesso a jornais em português, na sua imensa maioria não os aproveitava pois, do domínio do vernáculo era precário demais. Privá-los dos seus jornais, almanaques ou revistas em alemão, significava expô-los, sem defesa à propaganda clandestina de publicações  as mais diversas e ao assédio dos agentes mascarados do nacional-socialismo. 

Terceiro. Ao falar da escola, o autor do memorandum seguiu um raciocínio semelhante ao utilizado  quando comentou a imprensa. A escola teuto-brasileia, em vez de ser transformada em vilã retardando o “abrasileiramento” dos assim chamados “alemães”, poderia ser considerada também como um fator positivo, e por várias razões, Em primeiro lugar, fora ela a responsável pelo baixíssimo índice de analfabetos entre os imigrantes alemães no Sul do Brasil. A ela, portanto, se devia creditar que essas populações não se deculturassem, mas conseguissem firmar-se e prosperar. Em segundo lugar, coube à escola teuto-brasileira o mérito de que, aqui o Brasil, os alemães não se isolassem  numa minoria irredenta, como aconteceu em vários  países da Europa. Era na escola que se inculcava que culto da língua e dos costumes alemães de forma alguma deveria servir de pretexto para se sentirem menos comprometidos como cidadãos brasileiros. E, de fato, ao longo da história da presença alemã no Brasil, nunca partiu deste meio qualquer movimento apreciável de separatismo. As tentativas sérias de secessão, como Guerra dos Farrapos, e os grupos atuais, embora com a participação de alemães, tiveram e têm sua origem em outras plagas e não foram motivadas por razões de enquistamento ou nacionalismo étnico. Essa dedução confirma-se com o que consta no Relatório I:

Os brasileiros descendentes de alemães são hoje, sem exceção, concordes em que, por motivo de seu apego ao que lhes é paterno e da sua predileção pela língua de seus progenitores, não formam, de modo algum, uma minoria nacional no seio da família brasileira, como na velha Europa, onde há minorias entre  vários povos, cuja existência  constantemente dá margem a graves tensões na política interna e externa. O Brasil não possui minorias nacionais. (Relatório I, 1942), p. 185)

Quarta. Sempre segundo o memorandum do Dr. Metzler, não se pretendeu que a escola teuto-brasileira permanecesse indefinidamente como estava, isto é, usando  a língua alemã como língua de ensino. Aliás, essa  discussão  já se achava em curso nos meios educacionais teuto-brasileiros. Os tempos exigiam adaptações urgentes, e a forma de fazê-las fazia parte das discussões. As preocupações de Metzler iam no sentido de que a adaptação da escola não se fizesse de maneira brusca, intempestiva e, pior, suprimindo-a pura e simplesmente. Conforme ele o correto era “conservar melhorando”.

Bicentenário da Imigração - 58

O Relatório continua sua exposição sobre as atividades nazistas nos estados do Sul do Brasil, reproduzindo uma matéria publicada  no Times de Londres, no dia 3 de setembro de 1937, reproduzido  no Diário de Notícias de Porto Alegre no dia seguinte, 4 de setembro. Levava como título: As atividades alemãs no Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

Antes de tentar avaliar  o conteúdo do artigo do Times, convém assinalar um detalhe. A data da publicação antecede à implantação do Estado Novo e à Constituição imposta de  novembro de 1937. Até aquele momento não havia no Brasil nenhuma restrição de formação de agremiações de caráter político, profissional, cultural, religiosa e outras. O aparecimento, portanto, de organizações de caráter político e ideológico do NSDAP, eram esperáveis num clima democrático como era vigente até então no Brasil. As coisas mudaram depois da implantação do Estado Novo e a proscrição das  agremiações comprometidas coma difusão de natureza étnica e político-ideológico.

De outra parte, as relações diplomáticas e comerciais do Brasil com Alemanha fluíam normalmente, como é usual entre duas nações  amigas. O excesso ou o suposto excesso  das atividades nacional-socialistas no Brasil deveria ser tratado no nível dos canais da diplomacia. Sendo assim, parece no mínimo estranho, que se emprestasse um destaque tão grande a um artigo de um jornal inglês, mesmo sendo o Times, com afirmações flagrantemente exageradas.

A existência de numerosas células do NSDAP, em centros urbanos um pouco  maiores e nas capitais dos estados do Centro Sul e até do Nordeste, não era segredo para ninguém. A natureza das suas atividades, também não. Seus endereços e a identidade dos seus dirigentes eram do conhecimento público. Sabia-se que a propaganda nacional-socialista e formação de núcleos para promovê-la fora da Alemanha era uma das atribuições da Organização para o Estrangeiro do Ministério do Exterior Alemão.

Parece claro que a matéria  faz parte de uma campanha, três anos antes de eclodir a Segunda Guerra Mundial, com a finalidade aliciar para uma aliança contra a Alemanha países da importância do Brasil. E não se conhece estratégia melhor e mais eficaz do que acirrar os sentimentos nacionalistas, numa época em que estes faziam parte da ordem do dia  nos países que se recuperavam de grandes crises, como a Alemanha, a Itália e outros, ou ensaiavam os primeiros passos para ascenderem ao status de nacionalidades modernas, como foi o caso do Brasil. Apontar, neste contexto, tendências contrárias à idéia nacionalista oficial produzia um efeito infalível. Quanto mais carregado o quadro e quanto mais exagerada a avaliação dos fatos, tanto melhor. É o que temos de forma exemplar no artigo do Times. 

A matéria começa afirmando que as numerosas colônias alemãs, mesmo antes da Grande Guerra (1ª Guerra Mundial) , merecem um apoio e um interesse todo especial por parte da Alemanha. Esse apoio, em termos de subsídios a escolas, professores, centros patrióticos, teria chegado ao extremo de afirmar que “ao espírito da grande maioria dos brasileiros que descendiam de colonos alemães, foi incutido que não ao Brasil, mas à Alemanha  é que deviam obrigações e tinham compromissos”. (Relatório I, 1942, p. 90)

Na afirmação do Times, há uma outra questão vital relacionada com todo o problema da nacionalização  dos alemães.  Não fica claro o que significa “compromisso” com a Alemanha. Se se  trata de compromisso político, o articulista dá uma demonstração de lamentável ignorância. Se entende compromisso cultural, a afirmação perde toda a sua importância. Se, finalmente, entende compromisso político e cultural simultaneamente, mistura duas coisas que foram exatamente o ponto de desencontro entre os nacionalizadores e os imigrantes alemães. 

Depois o autor da matéria do Times, faz outra afirmação no mínimo exagerada e, por isso mesmo, de difícil comprovação. Aliás em toda  matéria não se arrola  uma única prova documental. Tudo são afirmações que parecem ter a clara intenção de exagerar ao máximo, a importância da infiltração da propaganda  e dos resultados obtidos pelo nazismo entre as populações de origem alemã n Brasil. 

Afirma o artigo que as leis que obrigavam o ensino da língua vernácula “não foram tomadas em consideração pela maioria” (Relatório I, 1942, p. 90). Este fato pode ser facilmente desmentido pela documentação existente sobre a matéria.

Uma outra questão, também discutível, refere-se à espionagem recíproca que teria tomado conta das colônias alemãs e papel exercido pelos padres católicos e pelos pastores protestantes que administravam a cura de almas no meio colonial. Agentes nacionalizadores , inclusive muitos alemães que com eles colaboravam, infernizaram a vida dos colonos entre os anos de 1938 e 1945. Que tenha havido uma atitude, mais ainda, uma ação organizada de espionagem contra esses agentes contradiz, ao que tudo indica, a evidência dos fatos e a objetividade dos documentos disponíveis. 

O problema muda um pouco de feição, quando se trata de grupos de alemães concentrados nos centros urbanos. Repete-se aqui mais uma vez um aspecto da avaliação da questão da nacionalização. Classificam-se no mesmo nível e avaliam-se da mesma forma os alemães inseridos no contexto urbano e os alemães  espalhados pelas comunidade coloniais. Foram realidades étnico-culturais completamente distintas. Quanto à adesão ou rejeição da ideologia nacional-socialista, reagiam de maneira diferente. Fato aliás óbvio pelo nível de informações que chegava a uns e a outros e, pelo conhecimento que tinham, a respeito do complexo assunto da nacionalização. Para a imensa maioria dos alemães nas colônias, nazismo ou não nazismo, era um problema que, pelas razões já referidas em outra parte deste estudo,  nem se punha. 

Seguem depois  três informações no documento do Times que deixam o analista de hoje no mínimo perplexo. 

A primeira. “O regime hitlerista fortificou e ampliou a propaganda alemã no Brasil e o sentimento de simpatia à Alemanha desenvolveu-se como nunca durante o “Império”. (Relatório I, 1942, p. 90).

 Segunda. “É natural que tais medidas intensas tragam consigo a espionagem recíproca nas colônias, que fomentam antes a discórdia na população do que a harmonia”. (Relatório I, 1942), p. 90)

A terceira. “Estes atritos internos tiveram ainda mais tensão quando as relações entre as unidades religiosas na Alemanha e o governo hitlerista se ajudaram pois, no trabalho da conservação da raça alemã, dos teuto-brasileiros, sacerdotes católicos  e protestantes desempenharam sempre um papel importante”. (Relatório I, 1942, p. 90)

As três afirmações  que se acabam de citar sugerem algumas considerações. No que toca à primeira, é correta a firmação de que o regime hitlerista ampliou e intensificou a propaganda com a finalidade de aumentar sempre mais a simpatia para com a Alemanha. Uma crescente simpatia  em relação a tudo que era alemão se constituía, sem dúvida, no pressuposto para atrair os alemães e seus descendentes  a aderirem a tudo que vinha da Alemanha: a cultura, a língua, o sucesso econômico, os feitos militares e também a ideologia política implantada na época. A questão toda está no fato  de a “simpatia”, de que fala o texto, sugerir uma postura generalizada e favorável dos teuto-brasileiros para com o nacional-socialismo. O grande problema coloca-se novamente  no fato, intencional ou não, de vincular  como causa e efeito, o apreço à tradição e à língua e adesão ao nazismo. É claro que se constituía num passo importante, embora não obrigatório, mas não significava culminar obrigatoriamente numa confissão de um credo ideológico. Este passo, como provam as evidências, nunca foi dado pela absoluta maioria dos teuto-brasileiros.

Um segundo detalhe refere-se à admiração de que “durante o Império”, como nunca teria havido um sentimento de simpatia para com a Alemanha. Parece que há aqui uma lamentável confusão de períodos: o tempo do império no Brasil no século dezenove e o período hitlerista na década de 1930. As situações históricas foram tão diversas  que não há como estabelecer uma ponte entre os dois. No caso do império os interesses não ultrapassavam o nível das relações culturais e econômicas. No caso do “Terceiro Reich”, o objetivo último das relações consistia em conquistar a adesão política dos assim denominados “alemães no estrangeiro”.

A segunda afirmação fala de espionagem  recíproca nas colônias alemãs, devido às  intensas medidas de propaganda nazista. Os casos de espionagem  mútua, se de fato ocorreram e deram-se novamente em centros  urbanos. O recurso à espionagem na colônia restringiu-se a casos isolados.  Afirmações deste tipo só podem ter emanado da pena de um perfeito desconhecedor da realidade colonial alemã da época. O que houve e, com uma freqüência  considerável, foi uma verdadeira espionagem dos agentes do programa de nacionalização no meio colonial. Não eram alemães nazistas  que espionavam alemães na nazistas, mas agentes a serviço da nacionalização que espionavam os alemães nas colônias, à revelia dos direitos fundamentais da pessoa humana, como a inviolabilidade do lar, a  liberdade de ir e vir, a integridade física e moral.

A terceira afirmação de que os pastores protestantes e os padres católicos  desempenharam sempre um papel importante na conservação da raça alemã entre os teuto-brasileiros é mais uma dessas afirmações que requerem no mínimo uma distinção. No caso dos sacerdotes católicos o autor ignorou que a hierarquia católica no Rio Grande do Sul, embora presidida por um arcebispo alemão nato, há anos assumira uma posição declaradamente favorável à nacionalização dos alemães. Essa decisão já fora tomada no decorrer da Primeira Guerra Mundial. Continuou entre as duas guerras, por meio de atos da Cúria Metropolitana, publicados no órgão oficial da arquidiocese “Unitas”, em cartas pastorais, em ofícios e em outros atos  oficiais. Quando, enfim, a Campanha de Nacionalização se transformou num assunto oficial do Estado, tais atos tornaram-se rotineiros, de modo especial, a partir de 1938. Generalizar uma atitude de rebeldia da parte do clero católico em relação à autoridade eclesiástica, só pode ter sido fruto do desconhecimento das relações hierárquicas que norteavam o relacionamento entre as autoridades maiores e os escalões subalternos do clero. Se houve casos de desobediência formal, foram tão raros que não chegaram a  pesar no todo. As resistências passivas  de sacerdotes e religiosos em todo o caso não foram de molde a justificar a generalização feita apelo articulista do Times.

No que se refere aos pastores protestantes, ocorreram realmente casos de  adesão explícita  ao nacional-socialismo, de modo especial antes de 1938. Houve também, conforme consta,  casos de pregadores que se valeram da sua condição para propagar as idéias nazistas. Em todo o caso não ocorreu uma tomada de posição formal em defesa do movimento nacionalizador, pelo Sínodo Riograndense. Mesmo assim, as circulares expedidas pelo presidente do Sínodo, pastor Dohms, deixando clara a necessidade de pregar em alemão para que os fieis entendessem a palavra de Deus, sempre aconselhou o respeito e o acato  às autoridades do civis.  Quando se deu a proibição definitiva do uso da língua alemã em cerimônias e cultos públicos o pastor Dohms  não instigou à desobediência civil. Preferiu um prejuízo temporário da vida religiosa, suspendendo simplesmente os cultos. 

Os documentos em que o presidente do Sínodo Riograndense oficializou essas decisões foram inclusive  publicados nos relatórios da policia. Também nesse caso, uma generalização simplista, inspirou o autor do artigo do Times.

Aliás, o exagero, as generalizações, uma ausência lamentável de objetividade, em nada condizente com a importância do jornal em foco, ocupam as páginas finais do artigo. O lamentável foi que as autoridades  nacionalizadoras, sem um mínimo de precaução crítica, o tivessem utilizado como um argumento importante. Do lado do jornal, a intenção de tumultuar as relações entre as autoridades brasileiras  e os teuto-brasileiros parece evidente. Do lado dos agentes da nacionalização conclui-se por uma xenofobia que obstruía qualquer  possibilidade  de uma avaliação serena dos acontecimentos. Nada mais ilustrativo do que alguns parágrafos do documento.

Quase todas as escolas no sul do Brasil são mantidas pelo governo alemão, seguem este programa: calar sobre tudo o que é brasileiro, e espalhar o que é alemão.

Brasileiros e alemães natos que não simpatizaram com Hitler e seu regime, vão para a lista negra e sofrem todas as perseguições, tanto na vida social como comercial.

Verifica-se abertamente que a Alemanha se esforça  para ter no Sul do Brasil uma população de 100 milhões de habitantes e que os alemães ai residentes, são convocados a ajudar a Pátria no seu crescimento e desenvolvimento. 

Oferecem-se prêmios às famílias de prole numerosa. Mas como as crianças nascidas no Brasil são legítimos brasileiros, cuida-se que os “bebês” nazistas que ainda deverão ser súditos mais fervorosos de Hitler do que seus pais, nasçam no torrão do velho mundo e comecem a sua vida como cidadãos verdadeiros e legais da Alemanha.

Os navios ancorados em portos brasileiros tem instruções  de conduzir a bordo  as mães grávidas, alemãs e teuto-brasileiras, a fim de que seus filhos nasçam sob o pavilhão alemão. 

Os moços  de origem alemã são estimulados a preferir moças loiras e alemãs e o governo cuidadoso encarrega-se  de “exportar” moças arianas puras, como noivas, às quais fornecem um atestado oficial neste sentido.

Tudo o que entrar por terra e mar é sujeito a um controle rigoroso pelos agentes nazistas, mesmo a correspondência. Enquanto o movimento brasileiro fascista-nacionalista, o “integralismo” está proibido pelas autoridades de Santa Catarina o movimento nazista cresce sem freios. (Relatório I, 1942, p. 91-92)

A matéria do Times termina com uma referência ao “Deutsches Volksblatt” de Porto  Alegre. Como se sabe, o jornal em questão vinha, desde 1931, chamando a atenção  sobre os perigos que o nacional-socialismo oferecia, de modo especial para a religião. Foi boicotado pelos nazistas daqui e sua circulação proibida na Alemanha. 

O Relatório I transcreve depois, em tradução para o português, uma série de trabalhos apresentados por ocasião do terceiro congresso anual do Círculo Teuto-Brasileiro, com sede em Berlim. O evento se deu entre os dias 19 e 22 de março de 1937, na cidade de Benneckenstein. 

Trata-se de três conferências  que nos dão uma idéia muito clara sobre o ponto de vista teuto-brasileiro a respeito de termos como povo, nação, cidadania, nacionalidade e outros.

A primeira delas, sob o titulo “Problemas e Tarefas das Nova Geração Teuto-Brasileira”, foi proferida por Rudolf Batke.

A segunda a cargo de Friz Sudhaus, levou o titulo: “Os Trabalhos de Ensino Teuto-Brasileiro e  Questão da sua Existência”.

O dr. Karl Heinrich Hunsche proferiu  terceira palestra com o titulo: “Problemas Brasileiros sob o prisma Teuto-Brassileiro”.

Na época da elaboração do Relatório da Policia, devido à identidade dos seus autores, essas conferências foram entendidas como uma prova a mais de uma ameaça iminente do nazismo entre as populações alemãs no Sul do Brasil. Na verdade não passam de documentos que pretendem mostrar  o que significou para um alemão ou um teuto-brasileiro o conceito de cidadão, de etnia, de nacionalidade, de povo, de nação... e as relações necessárias ou não necessárias à vinculação causal ou meramente  casual, possível entre esses e outros conceitos. 

Objetivamente analisados esses documentos nada provam em termos de comprometimento político dos teuto-brasileiros para com o nazismo. É claro que, para alguém que não é capaz de distinguir compromissos políticos e ideológicos de compromissos  étnico-culturais, o raciocínio adotado  e os pontos de vista defendidos deveria causar no mínimo suspeitas. As três palestras referidas ocupam as páginas 97-152 do Relatório.