O Projeto social dos Jesuítas
O contexto
As décadas de 1850, 1860, 1870 e 1880 compõem um período que, sob todos os aspetos, pode ser considerado como de consolidação do Projeto da Imigração. Com o término da Guerra dos Farrapos em 1845, a corrente imigratória, interrompida durante dez anos, foi retomada com vigor dobrado. Os novos imigrantes que chegavam já não foram exclusivamente colonos e soldados. Cresceu muito a porcentagem de comerciantes, artesãos, profissionais liberais e outros. Fixaram-se na capital da Província e nos centros urbanos de Rio Grande, Pelotas, Santa Maria e nas cidades emergentes de São Leopoldo, Novo Hamburgo, Santa cruz do Sul, Taquara, Estrela, Lajeado, Venâncio Aires.... O bem estar na colônia tornava-se cada vez mais evidente. Os excedentes de produtos coloniais foram-se avolumando na medida em que conquistavam novos mercados nos centros urbanos locais e, principalmente, nos de São Paulo e Rio de Janeiro. Essa realidade atraiu cada vez mais comerciantes que se instalavam de preferência na cidade portuária de Rio Grande e Porto Alegre. A exportação de feijão, banha de porco e farinha de mandioca para o centro do Pais, rendia somas consideráveis para os comerciantes e fez circular um volume crescente de dinheiro vivo entre os colonos. Muitos desses estabelecimentos evoluíram para poderosas casas de importação e exportação. Os colonos de posse de apreciáveis somas em moeda sonante, por isso o período se tornou conhecido como das “onças de ouro”, adotaram hábitos de consumo sofisticados. Já não se satisfaziam com os produtos artesanais locais, dando preferência a tecidos, ferramentas, móveis, bebidas, alem de muitos outros produtos importados da Europa e dos Estados Unidos. O grande comércio fortaleceu-se e o nível de vida de não poucos colonos alcançou um patamar invejável. Mais acima já detalhamos essa realidade.
A euforia, porém, não se prolongou ao indefinido. Com a entrada da década de noventa do século dezenove, começaram a vislumbrar-se sinais inequívocos que o período das “onças de ouro” se encaminhava para o fim. O principal motivo deve ser procurado na concorrência dos estados de São Paulo e Minas Gerais, produzindo eles próprios, volumes crescentes de feijão, banha de porco e farinha de mandioca, aviltando desta maneira a cotação dos produtos do Rio Grande do Sul. A isso vieram somar-se problemas de outra ordem, agravando ainda mais a situação. Entre eles urgia encontrar uma solução para acomodar os excedentes populacionais em novas fronteiras de colonização. Um estudo da época contabilizou uma média de 200 excedentes por ano para cada 1000 famílias. Ao problema dos excedentes somava-se uma série de outras questões que reclamavam solução a curto e médio prazo, como: sinais alarmantes de exaustão dos solos, o desmatamento indiscriminado e predatório, a urgência de renovação genética dos animais domésticos, a introdução de novas culturas, a fragilidade da economia colonial, a falta de um proposta educacional comum, a exclusão dos descendentes dos imigrantes da participação política, o risco de uma marginalização no contexto da vida nacional. E outros.
Foi neste cenário que vários jesuítas da Missão assumiram a dianteira e junto com as lideranças dos colonos, puseram em marcha dois ambiciosos projetos de desenvolvimento econômico e promoção humana, com o objetivo de garantir o florescimento das comunidades coloniais durante toda a primeira metade do século vinte. Alguns dos instrumentos e estratégias inspiram ainda hoje os governos federal e estadual para enfrentar os mais diversos problemas.
Na formulação dos Projetos e na sua implantação distinguiram-se três jesuítas excepcionais, cada qual dotado de uma personalidade original, em muitas situações aparentemente conflitantes, em última análise, porém, discípulos acabados de Santo Inácio de Loiola.
Johannes Rick, filho do Tirol Austríaco, Max von Lassberg, filho da nobreza bávara, Theodor Amstad, filho de um comerciante de secos e molhados da Suíça, formaram o trio que passou para a história da colonização do Rio Grande do Sul e Sant Catarina como “patres collonorum” – “pais dos colonos”. Além desses outros menos conhecidos merecem o mesmo qualificativo.
Max von Lassberg tem o seu nome imortalizado como fundador de colônias até na Província Argentina de Missiones. Em parceria com Carl Culmey, engenheiro agrimensor protestante, implantou e consolidou as colônias de Serro Azul (hoje Cerro Largo) e Santo Cristo no Rio Grande do Sul. Levou dezenas de famílias de colonizadores de origem alemã do Sul do Brasil para Puerto Rico e San Alberto na Argentina. Assim como o. Pe. Max von Lassberg liderou o primeiro grupo de pioneiros para dar início à colonização de Serro Azul em 1904 e para eles celebrou a primeira missa no local em que floresce hoje a cidade de Cerro Largo, assim conduziu o primeiro contingente de desbravadores para a margem direita do Rio Uruguai, no estado de Santa Catarina. Em 31 de julho de 1926 celebrou aí, na sombra do primeiro laranjal, a missa de fundação da Colônia de Porto Novo, hoje Itapiranga.
Uma personalidade com características bem diferentes foi o suíço Theodro Amstad. Filho de um comerciante atacadista de produtos coloniais conviveu, desde criança, com contas, números e estatísticas. Levou para o resto a vida como herança uma quase obsessão pela exatidão de registros e as tabelas estatísticas. Os dois grandes projetos de desenvolvimento econômico e promoção humana, a Associação Riograndense de Agricultores e a Sociedade União Popular, que levam a sua assinatura, não foram concebidas no ar, como se fossem propostas de um visionário. Nasceram com os pés no chão, fundamentadas em bases objetivas que lhes garantiram o êxito que de fato tiveram. Por audaciosos que tenham sido esses projetos, não foram temerários ou irresponsáveis, porque o Pe. Amstad não seria capaz de dar um passo, sem que os pressupostos tivessem sido exaustivamente meditados e meticulosamente dimensionados.
A Max von Lassberg e Theodor Amstad veio somar-se a personalidade avassaladora de Johannes Rick. Pouco ou nada afeito a detalhes, à exatidão de registros, avesso a tabelas estatísticas, impulsionava-o uma quase fúria de desbravador, que não perdia tempo com a limpeza do terreno conquistado. Confiava essa tarefa aos que o seguiriam. Ele dizia de si próprio que, se tivesse nascido na Renascença, não se teria feito jesuíta mas um “condottieri italiano”. Essa auto-caracterização vale para todas as atividades que desenvolveu nos quarenta e quatro anos em que batalhou pelo bem estar material, a saúde física e mental dos colonos que lhe haviam sido confiados. Foram muitas e variadas essas atividades, às vezes contraditórias na aparência, pressupondo nele a envergadura de um gênio e a ousadia de um conquistador, para dar o lance certo no momento exato sobre o “multifacetado tabuleiro de xadrez”, como costumava definir a sua vida. E nesse tabuleiro de xadrez foi preciso por em xeque-mate os desafios enfrentados durante a pesquisa com fungos, durante as missões populares, durante as catequeses aos ferroviários, durante as aulas de matemática no colégio, durante as preleções sobre moral no Seminário, na implantação de obras sociais, nas negociações com o Presidente do Estado, nos encontros e desencontros com as autoridades eclesiásticas e religiosas, na batalha contra o sofrimento crônico de natureza nervosa e psíquica e de modo especial durante a implantação e consolidação da sua obra maior, a colonização de Porto Novo, no extremo oeste de Santa Catarina.
Desses três jesuítas o Pe. Theodor Amstad aportou na Missão do Sul do Brasil em 1885, o Pe. Max von Lassberg em 1888 e o Pe. Johannes Rick em 1902. Os padres Amstad e Lassberg trabalharam na primeira década e meia intensamente na pastoral em diversas paróquias de colonos alemães e entre os primeiros colonos italianos. O Pe. Rick começou a sua trajetória no Brasil como professor no Colégio Nossa Senhora da Conceição em São Leopoldo. Entre eles foi o Pe. Amstad que durante os últimos quinze anos do século dezenove percebeu por mais tempo e mais de perto o pulsar da vida nas colônias alemãs. As paróquias em que atuou como coadjutor ou como pároco titular, cobriam extensões maiores do que hoje dioceses inteiras. Em cavalgadas solitárias de muitas horas e até dias e noites a fio, no frio e no calor, por estradas precárias e trilhas perigosas na mata, visitava as capelas filiais situadas nas picadas mais afastadas. Na intimidade com as pessoas, como o povo, em reuniões com as diretorias das comunidades das igrejas e escolas formou, sem tardar, uma compreensão da natureza, do tamanho e da gama dos componentes positivos e negativos, em torno dos quais se movimentava o quotidiano dos colonos. As intermináveis horas de reflexão no lombo da mula, fizeram amadurecer gradativamente os contornos de um ambicioso projeto de “objetivos múltiplos”, como ele próprio o definiria mais tarde, com a finalidade de reverter o quadro adverso que começava a se desenhar e a angustiar as comunidades coloniais. Urgia fazer a economia colonial reagir, introduzir novas culturas, aprimorar as raças de suínos e bovinos, dar forma definitiva à escola e sua proposta didático-pedagógica, elevar o nível cultural médio da população, abrir novas fronteiras de colonização, implantar obras assistenciais como asilos, hospitais e orfanatos, incentivar a cooperação e o comprometimento mútuo. Nos últimos anos do século dezenove o projeto assumira contornos tão precisos que estava em condições de ser apresentado nas Assembléias Gerais dos Católicos, que se realizavam desde1897. Essas Assembléias Gerais serviram até 1940 de palco e de fórum anual no começo e de dois em dois anos mais tarde, no qual eram analisados as grandes questões da colônia como um todo e no qual se buscavam soluções, apontavam remédios e se escolhiam estratégias. Inspiradas nos “Katholikentage” da Alemanha, Suíça e Áustria, as Assembléias Gerais devem ser consideradas como as responsáveis pela recuperação econômica, pela renovação da escola e da educação, pela restauração religiosa, pela abertura de novas fronteiras de colonização, pela implantação de instituições destinadas à assistência social nas mais diversas modalidades.
A terceira Assembleia Geral dos católicos, realizada no ano de 1900 foi decisiva para as comunidades teuto-brasileiras dos sessenta anos que se seguiram. Se as assembléias de 1898 e 1899 contaram com a presença de dois jesuítas menos conhecidos, os padres Eugen Steinhart e Peter Gasper, na terceira em 1900 entrou em cena o Pe. Theodro Amstad. Ele se tornaria a figura central, o cérebro pensante e líder inconteste da promoção espiritual e material das comunidades de colonos de descendência alemã. Na agenda da Assembléia figuravam assuntos de grande importância: a abertura de novas fronteiras e colonização, a poupança e o crédito para os pequenos agricultores, entre outros. A criação da “Associação dos Professores e Educadores Católicos do Rio Grande do Sul”, tinha sido a conquista principal da Assembleia de 1898.
O Pe. Amstad estava convicto que a Assembleia não estava em condições de resolver isoladamente cada uma das questões urgentes que constavam na pauta. Somadas a muitas outras exigiam um tratamento no seu conjunto. Por isso apresentou aos congressistas a proposta de fundação de uma associação com finalidades múltiplas e tirou do bolso um esboço para a futura organização. Para motivar os presentes proferiu um longo discurso, pintando com cores carregadas a situação econômica difícil que a colônia enfrentava. Segundo ele o enfrentamento dos problemas somente tinha chances de prosperar, na hipótese de os colonos se unirem e, solidários e mutuamente comprometidos, se empenharem na reconquista da prosperidade. A abertura do discurso que pronunciou na ocasião, dá bem uma idéia da motivação que pretendia despertar no público.
A honrada comissão encarregada de distribuir os temas para o Congresso do Católicos, agiu comigo como Saul com Davi. Colocou-me a mim, o “pequeno padre”, frente a frente com o gigante Golias com a pergunta: “De que maneira será possível a independência econômica face ao estrangeiro”, soa o titulo do tema sobre o qual tenho a honra de lhes falar. A dependência do estrangeiro na qual se encontra atualmente o Brasil, no que se refere à economia, representa o grande gigante Golias, que zomba de nós todos os dias, como o fez com Israel. Os frutos do trabalho pesado, o resultado do amargo suor, o colono o leva até a casa de comércio no lombo de animais carregados ou em carroças abarrotadas. O que consegue em troca, porém, em tralha importada carrega-o sem maiores esforços nos braços para casa. É por essa razão que se escuta hoje a queixa generalizada: “Pelos nossos produtos nada recebemos, por aquilo, porém, que precisamos comprar pagamos o dobro ou o triplo”. Todos concordarão comigo quando lhes digo: a dependência em que nos encontramos, no plano econômico, em relação aos países estrangeiros significa, na verdade, uma nova escravidão que ameaça o nosso pais. E como foi para o Brasil um dever de honra abolir a antiga escravidão, assim significa também para qualquer brasileiro autêntico, um dever de honra pôr mãos à obra, com determinação viril e manter afastado do nosso querido Brasil, essa forma de escravidão. (cf. Rambo, Arthur. 1988, 84-85)
Continuou depois com seu discurso analisando essa dependência econômica para, em seguida, apontar os remédios. Pregou a reativação dos artesanatos domésticos e profissionais, a fim de substituir, na medida do possível, os bens importados e achar uma forma de exportar mais. E para que esse objetivo se tornasse realidade, insistiu na racionalização modernização da agricultura e na introdução e divulgação de culturas novas, entre elas o trigo, o arroz irrigado, o algodão, a soja, o lúpulo, a uva e até o bicho da seda. Urgente se fazia também o aprimoramento das raças de gado e suínos e a introdução de novas e mais produtivas. De outra parte, sempre segundo o Pe. Amstad, urgia implantar pequenas indústrias, como tecelagens, curtumes, fábricas de calçados, cervejarias, cantinas, metalúrgicas, fábricas de móveis, etc., em condições de suprir a demanda local e evitar a evasão de divisas cada vez mais escassas e, ao mesmo tempo, se constituírem no embrião de uma futura industrialização de porte médio. Depois prosseguiu textualmente no seu discurso:
Como a prezada assembléia pode constatar, este é o retrato da nossa situação. Os tempos difíceis, a grande dependência do estrangeiro em que nos encontramos, pesam sobre nós como um enorme fardo. Aos indivíduos isoladamente fica impossível livrar-se dela. Na suposição, porém, de nos reunirmos, de criarmos uma associação de grande porte e abrangente, tornar-nos-emos fortes e sempre mais fortes. Mesmo que não consigamos alijar de um golpe só o fardo, com cooperação, com vontade e com persistência, muito poderá ser feito. Minha proposta é a seguinte: fundemos uma “Associação” que se destina ao auxílio mútuo. Numa primeira fase ela irá estender-se sobre a colônia alemã. Mais tarde, se Deus quiser atingirá um âmbito maior. O nome da Associação poderia ser: “Associação de Interesse comum para promover a produção do Pais”. Como sugere o nome a finalidade da Associação consistiria no estímulo da produção nacional, empregando todos os meios, tanto das matérias primas, quanto a produção artesanal e industrial. A estrutura da Associação poderia organizar-se de acordo com as características já existentes. Cada picada formaria a sua associação. Da reunião das associações distritais, ou paroquiais, surgiria a associação municipal. De todas as associações municipais reunidas, resultaria a grande Associação geral. (cf. Rambo, Arthur, 1988, 94).
Apos detalhar minuciosamente o projeto da Associação, o Pe. Amstad concluiu revelando uma característica no mínimo inusitada para o momento histórico, num projeto proposto por um padre jesuíta, em plena fase de implantação do Projeto da Restauração Católica:
Esta Associação para fins múltiplos, foi concebida como interconfessional. Também pessoas de outros credos deveriam filiar-se a ela já que os interesses representados pela Associação são de caráter comum a todos. (cf. Rambo, Arthur, 1988, 95)
Nas suas Memórias Autobiográficas o Pe. Amstad deixou apenas um registro lacônico sobre a Associação Riograndense de Agricultores:
No ano de 1900 eu fiz a primeira experiência e foi no Congresso Geral dos Católicos teutos do Rio Grande do Sul, criando a Associação dos Agricultores interconfessional. O plano deu certo. Também os italianos por isso passaram a unir-se nos assim chamados “Comitati” ou Comitês.
Se acaso essas experiência inicial não importou num sucesso total junto aos teutos, nem ainda junto aos italianos, teve contudo a vantagem de abrir o caminho para posteriores fundações associativas de caráter estável. (Amstad, 1981, p. 196)
O símbolo adotado para motivar a Associação dos Agricultores, foi a imagem bíblica do feixe de varas. Para parti-lo é preciso quebrar as varas uma a uma. O todo resiste a qualquer tentativa, inspirando o lema da Associação: “Viribus Unitis” – “Somando Forças”.
A conseqüência lógica dessa filosofia só podia ser uma. Fazer tudo, resolver todos os problemas de forma coletiva. E a forma coletiva associada, levou espontaneamente ao surgimento de inúmeros empreendimentos do tipo cooperativo. Quando se repassam as assembléias gerais, quando se lêm os discursos e as palestras proferidas nesses encontros anuais, ou quando se analisam as resoluções das reuniões dos delegados, é impressionante verificar como os projetos mais modestos foram apresentados como motivo para propor-se mais uma outra forma de cooperativa. (Rambo, Arthur, 1991, p. 190-191)
Foi no contexto econômico que as cooperativas encontraram sua aplicabilidade mais direta. A questão crucial do crédito para os pequenos proprietários buscou a solução no modelo Raiffeisen. A primeira dessas cooperativas foi criada em 1902 em Nova Petrópolis e continua ainda hoje prestando excelentes préstimos à economia da região. A tal ponto foi válida essa iniciativa que está sendo proposta pelo governo federal e estadual como um dos grandes instrumentos para solucionar os problemas da poupança e empréstimo enfrentados pela agricultura familiar e demais micro e pequenas empresas.
Não demorou e às cooperativas de crédito somaram-se cooperativas de produção de leite, de suinocultores, vitivinicultores, etc., etc., Cooperativas de comercialização e de consumo somaram-se como complemento para fechar o circuito da atividade econômica.
Um dos desafios mais graves enfrentados pela Associação Riograndense de Agricultores, logo após a sua fundação foi, a superpopulação das colônias da assim chamada “região colonial antiga” no Rio Grande do Sul. Levantamentos feitos na época dão conta que cada 1000 famílias geravam anualmente 200 excedentes. Assim a procura de terra por parte dos jovens agricultores transformara-se num grande problema. O efeito de três fatores somados, tornaram critica a questão da terra: Os lotes coloniais pequenos, a alta taxa de natalidade e a baixa mortalidade infantil.
A questão da colonização constou como destaque na ordem do dia da assembléia geral de 1902. A tarefa de detalhar a questão e apontar soluções ficou a cargo do Pe. Theodor Amstad. Para enfrentar o problema e dar-lhe uma solução pelo menos a médio prazo, apontou como pressupostos: o tamanho da área para abrir novas fronteiras de colonização compatível com a grande demanda a descoberto; a fertilidade dos solos acima da media no Estado; a topografia que permitisse a mecanização no futuro; a facilidade do escoamento dos produtos até os mercados consumidores.
Após uma análise minuciosa das terras disponíveis a opção caiu sobre a região das Missões e Alto Uruguai, no noroeste do Rio Grande do Sul, uma área com perto de 36000 quilômetros quadrados. Presente na assembléia estava o dr. Horst Hoffmann, representante da Companhia da Estrada de Ferro Noroeste, concessionária de uma parcela significativa da área em questão. Ofereceu uma parceria da parte da Companhia com a Associação dos Agricultores e sugeriu que uma comissão credenciada pela Assembléia, fosse examinar “in loco” as condições para uma colonização. A Assembléia designou de fato uma comissão de colonos que, por ordem do Superior da Missão dos Jesuítas, foi liderada pelo Pe. Max von Lassberg. Este registrou nas suas reminiscências como foi a inspeção e as conclusões dadas à consideração da Diretoria da Associação.
Em fins de abril fomos a cavalo até Serro Azul. A permanência aí foi de uns três dias, parcialmente perturbados pela chuva. Mas o tempo foi bem aproveitado por todos e percorremos com assiduidade em fase de medição em todas as direções no mato e, dentro das possibilidades, avaliamos tudo. Antes da viagem de volta reunimo-nos e conferimos as nossas observações, trocamos impressões, informamo-nos com a direção sobre muitos aspectos e, de posse desses dados, redigimos um parecer compreensivo, assinado por todos, incluindo tudo o que foi observado. O documento deveria ser publicado o mais breve possível no “Bauernfreund”, órgão oficial da Associação dos Agricultores, com a finalidade de esclarecer a todos que aguardavam notícias. Conforme o plano acima mencionado, fiquei para trás e realizei muitas excursões, até a margem argentina do rio Uruguai. Só em fins de junho regressei a Porto Alegre e Feliz. (Lassberg, 2.002, p. 91)
Transcorridos 100 anos a história dessa colonização mostrou o acerto do passo dado pela Associação dos Agricultores no remoto ano de 1902. Do núcleo original a colonização avançou sobre as matas virgens de todo o Alto Uruguai e transformou a região num vasto e rico celeiro. Mas há ainda um outro aspecto que envolveu esse cenário na aura de um simbolismo histórico todo especial, principalmente para o Pe. Lassberg e demais jesuítas que lideraram esse projeto na sua implantação e no acompanhamento posterior.