Bicentenário da Imigração - 50

A implantação do projeto da Restauração Católica encontrava-se em pleno andamento no Sul do Brasil, sob o comando de D. Cláudio Ponce de Leão, bispo do Rio Grande do Sul. Em atenção a essa realidade os jesuítas do Ginásio Anchieta introduziram no quotidiano da instituição, vários instrumentos de grande eficácia a serviço da implantação do Projeto de Igreja. Foram eles o Apostolado da Oração, as Congregações Marianas, os Retiros Espirituais de Santo Inácio, o estímulo para a freqüência dos Sacramentos, e outros mais. As décadas de 1920, 1930 e 1940, podem ser consideradas de maior sucesso do Ginásio Anchieta, tanto o que diz respeito ao nível de formação profana dos seus egressos, quanto à formação de um laicato católico, no qual se destacou um elite intelectual de grande influência. O surgimento e a formação desse laicato e dessa elite deve-se, de modo especial, às Congregações Marianas. Os padres que dirigiam o Ginásio deram-se conta muito cedo de que era preciso acompanhar os ex-alunos no período em que freqüentavam a universidade e mais adiante na vida profissional, sob pena de, com o andar do tempo, a base adquirida nos anos do Ginásio, esmorecer e esvair-se de todo. A fim de prevenir esse mal, funcionavam nos recintos do Anchieta Congregações Marianas para os alunos próprios, para  universitários, para formados e para comerciantes militares, artesãos, operários, etc. Fica evidente com isso que o Ginásio Anchieta  atuou como escola de formação de uma elite católica autêntica e combativa, que marcou muito forte o período acima mencionado. Foi de modo especial a congregação dos estudantes universitários, sob a orientação do Pe. Werner von und zur Mühlen, que plasmou o grupo de intelectuais católicos de grande influência  na década de 1930. Além de ocuparem espaço e marcarem presença com profissionais liberais, como magistrados, funcionários públicos, militares,  políticos, influíram fortemente nos rumos da então Universidade do Rio Grande do Sul. O Dr. Armando Pereira Câmara, um dos nomes mais destacados do grupo, ocupou em 1937 a reitoria da Universidade. Quando no início da década de 1940 foi implantada a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, um número expressivo dos catedráticos fundadores tinham pertencido ou pertenciam  ainda aos quadros da Congregação Mariana com sede no Anchieta. 

Na época predominava entre os jesuítas  mais influentes no meio intelectual, a convicção que a docência numa universidade pública, em termos de influência doutrinaria indireta, era mais eficaz do que manter uma universidade própria. Segundo eles a demanda do envolvimento na administração, na burocracia, não compensava os resultados em termos de fermento humanístico cristão. Deve ter sido também um dos argumentos de peso que decidiu pela não aceitação da oferta por parte do Arcebispo, de assumir a Universidade Católica do Rio Grande do Sul, fundada em 1942.

Somente em 1953, em circunstâncias profundamente  modificadas pelo após-guerra, o Pe. Urbano Thiesen, conseguiu por parte do Ministério da Educação, a oficialização do Curso de Filosofia, o primeiro das perto de cinco dezenas de cursos de graduação e quase duas dezenas de cursos de pós-graduação stricto sensu, que hoje integram a Universidade do Vale do Rio dos Sinos.

Seguido a mesma orientação de valer-se da educação como instrumento de evangelização, os jesuítas da Missão do Sul do Brasil, ocuparam um outro ponto estratégico. Desta vez o local escolhido foi Florianópolis, capital do Estado de Santa Catarina. 

A Ilha do Desterro, hoje Florianópolis, contou com a presença esporádica de jesuítas desde 1622. Naquele ano o Pe. Francisco Dias Velho instalou aí uma residência, sendo por isso considerado o fundador da cidade do Desterro. Em 1651 juntaram-se a ele mais dois padres vindos de São Paulo. Em 1747 o rei D. João de Portugal solicitara dois padres jesuítas para fundar um colégio. O projeto não passou dos primeiros passos porque em 1759 os jesuítas foram expulsos de Portugal e de suas possessões ultramarinas. 

Depois da restauração da Ordem em 1814 não demorou muito  para que o Desterro acolhesse novamente jesuítas para fundar um colégio. Desta vez o motivo foi sua expulsão da Argentina pelo ditador Rosas. Os padres transferiram-se para o Desterro com 80 alunos. Não demorou para que muitos filhos de brasileiros também freqüentassem o colégio. Entre 1850 e 1853, sete padres morreram  de febre amarela, tornando inviável  a continuidade da instituição. Em 1865 o Governo Imperial assinou um acordo com a Província Romana da Ordem, segundo o qual o Governo garantia um subsídio aos professores e os jesuítas se comprometiam  a abrir um ginásio. Mas durante o Gabbinete Rio Branco, de orientação maçônica, um tal ou qual clima de Kulturkampf que reinava no Brasil, fez com que os subsídios demorassem a ser pagos. A situação tornou-se insustentável e em 1870 os padres decidiram fechar o ginásio, optando por uma residência em Nova Trento, uma colonização de imigrantes italianos, 80 quilômetros mais para o norte.

Em resumo foi  esta a história que precedeu ao atual Colégio Catarinense. Desde o desembarque dos primeiros jesuítas no Desterro se passaram 440 anos. Três colégios foram abertos e os três fechados.

Nos primeiros anos do século vinte, circunstâncias favoráveis terminaram por influenciar na decisão dos jesuítas alemães, responsáveis pela Missão no sul do Brasil, de lançarem mão de uma quarta tentativa de fundação de um colégio no antigo Desterro. O governador do Estado Vidal Ramos estudara no Colégio Nossa Senhora da Conceição em São Leopoldo, assim como os filhos de uma série de famílias influentes da capital do Estado de Santa Catarina. Desejavam contar com um  colégio de jesuítas na ilha. A tudo isso veio somar-se  o bom relacionamento do Pe. Schuler com a população e o entusiasmo de monsenhor Topp, pároco da cidade. Numa visita à Missão em 1905 o Pe. Provincial Schäfer, convidado a visitar Florianópolis, ficou tão bem impressionado que determinou a fundação do colégio. 

Digno de nota é o fato de que o Colégio Catarinense ter surgido pelo estímulo e interesse de ex-alunos do Conceição em São Leopoldo. Firmou-se e consolidou-se apesar de todas as dificuldades. Contou com a vantagem de por anos ter sido a única instituição de ensino reconhecida pelo governo e a única de nível mais elevado no Estado. Por suas salas de aula passaram gerações de comerciantes, políticos, funcionários públicos, profissionais liberais, magistrados, governadores do Estado, ministros e até um presidente da República interino. Como seu congênere, o Colégio Anchieta, cumpriu e ainda hoje cumpre, já  centenário, a missão que os fundadores lhe propuseram.

Os superiores da Missão do Sul do Brasil não se esqueceram de Pelotas, segunda cidade mais importante  do Rio Grande do Sul no começo do século vinte. A data oficial da fundação do Colégio Gonzaga, oriundo de uma escola dos jesuítas, recua na verdade para o ano de 1895. Em 1899 contava com 62 alunos, número que subiu para 301 em 1905  e 319 em 1907. O crescimento acelerado foi devido a um decreto de equiparação provisória ao D. Pedro II em 1902 e definitiva em 1905. O Colégio Gonzaga encerrou suas atividades apos cumprir rigorosamente, embora em escala mais modesta, a missão dos seus irmãos maiores, o Anchieta e o Catarinense. 

A jurisdição da Província Sulbrasileira da Companhia de Jesus estende-se também sobre  o estado do Paraná. Em sua capital os jesuítas  fundaram  na década de 1950 o Colégio Medianeira. Planejado nos mesmos moldes dos seus congêneres em Porto Alegre,  Florianópolis, Pelotas e Rio Grande. Também este continua prestando excelentes serviços à causa da educação na capital de um dos estados mais prósperos do Pais.

Este breve esboço da atividade dos jesuítas no Sul do Brasil, mostra como eles recorreram à educação em todos os níveis como um dos instrumentos mais eficazes para promover a obra da cristianização. Nada mais fizeram do  que manter-se fiéis à tradição da Ordem, inspirada na visão missionária do seu fundador que considerava a formação integral da pessoa humana como pressuposto para a promoção da Maior Glória de Deus.

(Obs. O Projeto Educacional dos jesuítas foi contemplado pelo autor da presente matéria com um livro com o título: “Um Sonho e  uma Realidade”.  Editora Unisinos  2.009).

This entry was posted on sábado, 2 de julho de 2022. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. Responses are currently closed.