Finalmente nos dias dois e três de abril de 1923, na Assembléia Geral dos Professores, comemorativa dos 25 anos da existência da entidade, foi decidida a criação da Escola Normal. O Jornal do Professor publicou a seguinte “conclamação ao reverendo clero, professores e amigos da escola”:
A décima primeira Assembléia Geral da Associação do Ensino Católico, em Porto Alegre concretizou o desejo tão longamente cultivado de fundar uma instituição para a formação dos professores. Essa instituição para a formação de professores católicos que gozou de aprovação expressa de sua excelência reverendíssima o sr. Arcebispo Metropolitano D. João Becker, iniciará em breve as suas atividades em Estrela. A Associação Riograndense dos Professores arrecadou, como fundo inicial para a manutenção desta obra tão importante para a catolicidade, a soma de quinze contos. A intenção é aumentar esse fundo para cinqüenta a sessenta contos. Com os juros desse capital mais contribuições posteriores, será possível arcar com a manutenção do Seminário destinado aos professores. (Lehrerzeitug, 1923, nº 6, p. I)
Uma análise dos estatutos da nova Escola Normal, alguns pontos merecem atenção.
Primeiro. Embora regida por estatutos próprios, a Escola Normal foi o fruto da iniciativa da Associação dos Professores e permaneceu sob sua orientação como uma das suas atividades normais. Prova-o o fato de a autoridade maior, responsável pela gestão da escola, ser o Conselho Fiscal formado pelo presidente, o tesoureiro e o redator do boletim da Associação dos Professores, um assistente eclesiástico indicado pela Cúria Metropolitana e um quinto integrante indicado pela Sociedade União Popular. A eles cabia escolher o Diretor da escola.
Segundo. Os estatutos demonstram que a Escola Normal estava sujeita a uma severa vigilância da Cúria Metropolitana de Porto Alegre. Alguns dispositivos dos estatutos deixam bem clara essa situação.
O Diretor da Escola escolhido pelo Conselho Fiscal tinha que ter a aprovação da Cúria para poder ser efetivado no cargo (§15). À mesma Cúria ficava reservada a prerrogativa de escolher e nomear o professor de religião, sacerdote ou leigo, bem como estipular a remuneração quando religioso. No caso de o professor de religião fosse um sacerdote e quisesse lecionar outra disciplina além da religião, necessitava igualmente autorização da Cúria (§1-18). A autoridade eclesiástica mantinha um controle rigoroso sobre o material didático, principalmente os livros. Os livros de religião, tanto para o uso dos alunos como do professor, exigiam o beneplácito da Cúria para evitar que neles se veiculassem ensinamentos em dissonância com doutrina católica e os bons costumes (§34). A concluir o curso normal, o candidato a professor era obrigado a se submeter a um exame de conclusão, presidido pelo representante do Arcebispo Metropolitano (§35). A solução dos casos omissos nos estatutos cabia ao Conselho Fiscal, sempre de acordo com a Cúria (§39). No mesmo parágrafo previa-se a competência da Assembléia Geral dos Professores para modificar os estatutos, ressalvando-se novamente que a entrada em vigor exigia a aprovação da Cúria.
Não resta pois, nenhuma dúvida que a autoridade eclesiástica exercia uma vigilância e uma fiscalização permanente, por meio do seu representante de confiança no Conselho Fiscal e pelos dispositivos estatutários que foram apontados. Pertencia à Cúria Metropolitana o papel de última instância em tudo que dizia respeito a questões de natureza administrativa, curricular, didático-pedagógica e, de modo especial, doutrinária. Estamos, portanto, diante de uma instituição de formação confessional no sentido mais rigoroso do termo. O motivo não deixa dúvidas. Em jogo estava a formação de professores católicos comprometidos, capazes de, também nas disciplinas profanas e na sua conduta pessoal, servirem de exemplo e de fermento para a vida católica no meio rural. Este objetivo fica explícito nos estatutos que regiam a Escola Normal. Para ser admitido à Escola exigia-se do candidato, conforme o § 21, os seguintes documentos:
§ 21. À admissão da Escola Normal, precederá um exame devendo o aspirante ao professorado ter completado 15 nos e apresentar:
a) um atestado de conducta passado pelo pároco, provando a capacidade moral e intelectual do candidato.
b) Uma declaração do pai, tutor ou outros interessados, responsabilizando-se pelas despesas dos estudos. (Lehrerzeitung, 1923, nº 7, p. 1-7)
O § 25 dos mesmos estatutos traçou, em poucas palavras o perfil do professor comunitário que se pretendia formar na Escola Normal:
§ 25 Na formação dos candidatos ao magistério parochial, a Escola Normal terá em mira professores, que sejam habilitados para educarem bons católicos e dignos cidadãos, sem prejuízo do direito à língua e do caráter étnico de sua origem. (Lehrerzeitung, 1923, nº 7, p. 1-7)
Traduzir na prática didático-pedagógica os conteúdos para que os egressos da Escola estivessem em condições de cumprir a sua missão nas comunidades coloniais constituiu-se no grande desafia da Escola. Tanto a sua montagem, desde a infra-estrutura, quanto o material didático e, principalmente, o currículo, demonstram essa preocupação. Para começar para sede da escola foi escolhida a pequena cidade de Estrela. De fato ela começou a funcionar em 1924 em Arroio do Meio e partir de 1929, até o seu fechamento em 1938 em Hamburgo Velho. A preferência por um centro menor no interior baseava-se no princípio de que não era aconselhável que os futuros professores fossem formados longe do ambiente social em que iriam atuar mais tarde como profissionais.
Mas é o currículo praticado na Escola que nos oferece os elementos que compunham o cerne do professor colonial imaginado para a época. Com alguns anos de experiência chegou-se à conclusão que a duração da formação não deveria ser inferior a três anos. A Escola alcançara o seu apogeu em 1938, ano em que também ela foi vitima da Campanha de Nacionalização. O currículo então praticado foi extraído do boletim do professor de janeiro/fevereiro de 1937.
Disciplina C. Adiantado C. Médio C. Inferior Estágio
1. Religião 2 4 4
2. H. Da ped. e Metodol. 3 1 - -
3. Psicol.Pedagógica 3 1 - -
4. Alemão 4 4 5 5
5. Português 5 5 5 5
6. Matemática 3 3 4 5
7. Hist. Da Al. e Brasil 2 2 2 2
8. Hist. Natural 2 2 2 -
9. Geografia geral de Brasil 2 2 2 2
10. Desenho e Caligrafia 1 1 2 2
11. Contabilidade 2 2 - -
12.Canto, violino, harmônio 2 2 2 2
13. Educ. Física 2 2 2 2
(Lehrerzeitung, 1937, nº 1/2, p. 1)
O espaço disponível nesta publicação não permite uma análise exaustiva do currículo em foco com todo o potencial de formação nele contido. Não é difícil, entretanto, visualizar que com ele pretendia-se formar o protótipo do professor comunitário colonial; o personagem presente em todas as comunidades organizadas; presente em todas as ocasiões, religiosas ou profanas; o a amigo sempre disposto ajudar; o líder por todos respeitado, o modelo de virtudes sociais, humanas e religiosas; o elemento humano indissoluvelmente vinculado e comprometido com a sorte da comunidade a que servia.
A perseverança de muitos dos professores comunitários, por dezenas de anos e pela vida toda, não se explica pelos salários que percebiam, pelo prestígio de que gozavam. Prendia-os a consciência de estarem cumprindo uma missão confiada a eles como uma vocação semelhante a um sacerdócio. Somente desta forma explica-se o terem dado o melhor de si no exercício do magistério e a liderança comunitária em localidades, muitas vezes pequenas, afastadas, pobres e isoladas, considerando que a formação recebida lhes franqueava as portas para opções de vida mais rentáveis e convidativas.
A Campanha de Nacionalização varreu do cenário educacional das escolas comunitárias do sul do Brasil, este personagem que durante um século, foi a alma das comunidades teuto-brasileiras e o responsável que o analfabetismo nelas fosse uma exceção quando no restante do País, se situava em níveis preocupantes. Fechando este texto quero citar a opinião do Pe. Balduino Rambo, referindo-se ao significado da retirada de cena do professor comunitário, vitimado pela Campanha de Nacionalização.
Para colocar todo esse problema nos seus devidos moldes, é necessário frisar de novo, que o dano mais sensível não veio da abolição do alemão, mesmo na forma extrema de o limitar à igreja, mas nos fenômenos que acompanharam a nacionalização brusca das escolas. Nas comunidades de origem alemã, igreja e escola foram os dois pólos ao redor dos quais gravitava toda a vida pública; nas comunidades evangélicas, pastor e professor muitas vezes eram uma e a mesma pessoa; nas católicas, o professor costumava ser a mão direita do vigário, como sacristão, dirigente do canto litúrgico, organizador das festas, responsável pelas devoções dominicais nas capelas filiais nos domingos sem missa, catequista nas escolas das picadas secundárias. O professor paroquial estava de tal maneira ligado aos interesses mais vitais da comunidade, que em tempos antigos, sua morte, sua mudança, seu afastamento voluntário ou forçado, constituíam a perene causa de preocupação, dissensões e até a formação de partidos hostis. (Rambo, Balduino. 1958, p. 17)
(Obs. A história e a natureza da Escola comunitária foi contemplada com um livro do autor dessa matéria, com o título: A Escola Comunitária Teuto-Brasileira pela Editora Unisinos, 1994. O mesmo autor publicou também pela Editora Unisinos em 1996 o livro intitulado: A Escola Comunitária Teuto-Brasileira: A Associação dos Professores e a Escola Normal).