O Projeto Educacional dos Jesuítas no sul do Brasil





Em agosto de 1849, desembarcaram em Porto Alegre os padres jesuítas Augustin Lipinski e Johann Sedlac, acompanhados do irmão leigo Anton Sontag. Os superiores os tinham mandado para o sul do Brasil com a missão imediata de prestar assistência religiosa permanente aos colonos alemães aí radicados desde 1824. A metade católica desses colonos ficara durante os primeiros 25 anos privada de assistência religiosa regular. Para de alguma maneira compensar essa falta, os colonos organizaram comunidades solidamente estruturadas em torno de capelas e escolas e respetivos cemitérios. Compensaram de alguma forma a missa oficiada por sacerdotes com o culto dominical leigo presidido por alguém da comunidade. Na escola, ao lado da alfabetização, da leitura, do cálculo, a religião ocupava um espaço privilegiado. Supria e compensava-se assim de alguma maneira a ausência de sacerdotes na catequese na primeira geração dos nascidos aqui no sul do Brasil.

Nas décadas seguintes, os membros da Ordem foram chegando em número crescente.  Expulsos da Alemanha  pelo “Kulturkampf”, aportaram entre 1870 e 1890 jesuítas de excelente formação acadêmica, dotados de um grande abertura para com os desafios da época. Ao aqui chegarem encontraram as comunidades organizadas em torno de suas capelas, escolas e cemitérios. Encontraram, assim, postas as bases para, de imediato, partirem para uma ação pastoral promissora e, ao mesmo tempo, incentivarem a formação profana e religiosa das novas gerações.

Junto à tabuada, as quatro operações, o ler e o escrever, as crianças familiarizavam-se também com os fundamentos da religião. Essa realidade fez com que os padres se dessem conta do significado da escola como suporte à pastoral. E, no caso específico daquelas comunidades coloniais, o professor veio a desempenhar o papel de auxiliar e eventual substituto dos padres em funções que não eram privativas do sacerdote. A começarem a atividade pastoral o Pe. Lipinski em Dois Irmãos e o Pe. Sedlac em São José do Hortêncio, encontraram 10 escolas em pleno funcionamento na colônia alemã de São Leopoldo.  Nos casos em que não se dispunha de  uma capela para os cultos dominicais, eles eram realizados na própria escola. O professor que, durante a semana, dedicava o tempo ou  parte dele ao ensino, presidia o culto nos domingos. Entende-se assim que o professor ocupasse a posição de líder daquelas comunidades. Depois da chegada dos padres tornou-se o intermediário entre eles e os membros da comunidade. E nas comunidades filiais das paróquias o professor ocupava uma posição similar aos diáconos leigos de hoje. Não havendo missa aos domingos por falta de sacerdote, cabia ao professor presidir o culto, fazer os batizados de emergência e presidir os sepultamentos. Além disso cabia-lhe o papel de conselheiro dos colonos nas mais diversas situações e demandas  de natureza material, familiar, social, religiosa e outras. Pode-se afirmar que, nas comunidades  filiais o professor, sob muitos aspetos foi mais importante no quotidiano dos colonos do que o próprio padre.

O resultado foi que se consolidou uma estreita colabora entre a atividade pastoral propriamente dita e a educação nas escolas. Aliás não estamos falando de um novidade  na história dos Jesuítas. Quanto mais apurada a formação do povo, tanto mais fácil e eficiente a conquista espiritual. Santo Inácio, antes de fundar a Ordem foi com seus companheiros doutorar-se em humanidades na universidade de Paris. Fundada a Ordem, o espaço reservado para a educação nas mais diversas  instituições do Ensino Fundamental, Médio e, principalmente, no nível superior em universidades,  mereceu atenção igual à pastoral e à evangelização propriamente dita. O peso dado à educação tinha o seu fundamento numa lógica muito simples. O êxito na pregação do evangelho e a aceitação dos princípios doutrinários e disciplinares depende diretamente do nível de formação de uma determinada população. Fazer com que o humanismo cristão seja o norte no exercício das profissões liberais, ser referência nas decisões econômicas, políticas, administrativas e governamentais, assim como apontar o rumo para o ensino e a pesquisa, fez e faz ainda hoje parte da razão de ser da Ordem. Os exemplos ilustrativos são muitos. Não é aqui o lugar para lista-los. Basta lembrar que, ao longo dos caminhos percorridos pelas sucessivas gerações  dos discípulos de Santo Inácio, multiplicaram-se instituições de todos os níveis na Itália, Espanha, Portugal, Inglaterra, Alemanha, França, Índia, Japão, Brasil, na América Latina, Central e do Norte, ou em qualquer outro local onde foram abertas novas fronteiras de evangelização. O mesmo aconteceu no sul do Brasil. Na medida em que o ritmo de novas fronteiras de colonização foram abertas nos vales de caí, Taquari, Pardo, Jacuí, seguidos da Serra, Missões e Alto Uruguai, dezenas de comunidades se consolidaram em torno de suas igrejas, capelas e escolas comunitárias. Entre 1824 e 1850 foram criadas 10 escolas. Entre 1850 e 1875 acresceram mais 40, um aumento, portanto, de 400%. No final do século XIX o número elevara-se para 150. A última relação das escolas comunitárias católicas é de 1936, dois anos, portanto de a Campanha de Nacionalização fechá-las. Na lista contam 398 escolas. Somadas às de confissão luterana que eram sensivelmente mais numerosas, falamos em 1000 ou pouco mais dessas escolas. Detalhes de natureza institucional, administrativa, didático pedagógica encontram-se nos dois volumes sobre a Escola Comunitária já mencionados no começo dessa série de publicações. 

Um segundo capítulo não menos importante chama a atenção às instituições de ensino  médio com a abertura do Colégio Nossa da Conceição em São Leopoldo, em 1869. O ensino superior teve o seu começo em 1913 com o Seminário Central destinado à formação do clero diocesano e regular no nível da Filosofia e Teologia, culminando em 1969 com a implantação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos.

NB. A história do Projeto Educacional dos Jesuítas no sul do Brasil encontra-se detalhado no livro da minha autoria sob o título “Um Sonho e uma Realidade”, publicado pela Editora Unisinos em 2009.




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