O professor na História da escola comunitária
A história da escola comunitária teuto-brasileira pode ser divida em etapas. Cada uma delas revela de um lado o nível de formação que se oferecia aos alunos e, do outro, o tipo de corpo docente responsável por ela.
O primeiro período foi de 1824-1850. Define-o o caráter emergencial tanto do nível do ensino ministrado, como dos métodos pedagógicos, do material didático e do preparo dos docentes. O ensino neste período restringia-se ao absolutamente necessário. O caráter emergencial da escola mostrava-se de várias formas. As próprias instalações físicas não passavam de recintos com paredes trançadas com varas e revestidas com barro, cobertos com tabuinhas, em nada diferentes das primeiras moradias dos colonos. A escola podia funcionar também na própria residência do professor. O caráter precário dessas escolas ficava evidente também pelo material didático nelas utilizado. Resumia-se num quadro negro rústico, algum mapa, a lousa e o estilete de ardósia. Caneta, papel e tinta só bem mais tarde.
Mas o que identificava, de modo especial, esse período foram os professores sem uma formação específica para a função. Raros eram os profissionais do magistério. Tratava-se, ou de pessoas menos aptas para a agricultura, ou de pessoas com uma instrução um pouco melhor, ou de artesãos que dedicavam uma parte do seu tempo a ensinar as crianças, ou de religiosos que se compadeciam da penúria em termos de educação dos colonos. Às instalações precárias e à deficiência na formação, os professores tiveram que cumprir a sua missão, superando outros inconvenientes próprios da época. A duração do período escolar irregular e muito curto. Costumava ser de alguns meses até o máximo de um ou dois anos. Como era irregular a duração de período escolar assim também era irregular a freqüência da escola. Entre os motivos dessa situação conta-se, em primeiro lugar, as distâncias até a escola que as crianças eram obrigadas a percorrer, a pé ou a cavalo. À distância somava-se a precariedade das estradas, não raro trilhas perigosas no meio do mato. As dificuldades de percorrê-las acentuavam-se em muito durante o inverno e nas épocas de chuva no outono e na primavera. A evasão temporária da escola nos períodos do plantio na primavera e colheita no outono, costumava ser outro fator negativo para a educação escolar da época. Os pais retinham os filhos em casa para auxiliarem na lavoura ou cuidarem das casas e dos irmãos menores, enquanto os adultos era requisitados de sol a sol, nos dois períodos de pique do trabalho na propriedade.
Apesar de todos esses problemas, contratempos, percalços, dificuldades e deficiências, é forçoso creditar a essas escolas de emergência, com seus mestres improvisados, a façanha de terem salvo a primeira geração dos filhos dos imigrantes nascida no Sul do Brasil, da desculturação, da deterioração dos costumes, do enfraquecimento da fé e do desinteresse pelas práticas religiosas.
Segundo período; 1850-1900-1938. Se o primeiro período cobriu os 25 primeiros anos da imigração, o segundo cobre os 50 anos seguintes. O primeiro caracterizou-se pelo nascedouro da escola comunitária entre os imigrantes alemães, mostrando em todos os sentidos seu perfil de instituição de emergência. No segundo período a escola consolida-se como uma instituição que, ao lado da igreja, do cemitério, das oficinas dos artesãos, das casas de comércio, dos locais de lazer, não pode ser dispensada. Não se encontra um comunidade organizada sem a sua escola. Uma das conseqüências foi a multiplicação das escolas no mesmo ritmo da multiplicação dos novos núcleos coloniais e formação de novas comunidades de colonos. As 10 escolas católicas em funcionamento em 1850, saltaram para 50, um acréscimo, portanto, de 400% em apenas 25 anos. Vários fatores colaboraram nessa dinâmica. A primeira geração aqui nascida tornara-se adulta, somada a intensificação do desembarque de novos imigrantes vindos da Alemanha, começou o avanço sobre novas fronteiras de colonização no vale do Caí, Taquari, Pardo e Jacuí.
Além da superação das dificuldades dos primeiros 25 anos a colonização veio a contar com um novo e poderoso fator de dinamização. Em agosto de 1849 chegaram à colônia de São Leopoldo os dois primeiros jesuítas. A eles seguiram-se muitos outros nas décadas seguintes. Fixaram residência em Dois Irmãos e São José do Hortêncio. Partindo destes postos avançados prestaram assistência religiosa a todos os colonos da região. Encontraram as comunidades organizadas em torno de suas escolas e, de imediato, intuíram a importância destas como fatores de primeira ordem para manter o nível cultural, religioso e moral da população. De então em diante, a escola contou com a aprovação, o aval e o apoio irrestrito dos padres que vinham chegando. Os nomes de muitos deles acham-se indelevelmente vinculados com a escola. Sobressaem nesta fase os nomes dos padres Klueber, Feldhaus, Queri, Gasper e Steinhart. Mais tarde acresceram os nomes dos padres Amstad, Rick, Lassberg, Hann e muitos outros.
Se os padres jesuítas vindos da Europa representaram uma importante fator de dinamização da escola e da educação entre os colonos, verificou-se também uma sensível elevação do nível da formação profissional dos professores. A improvisação das décadas anteriores foi, aos poucos, superada, pela entrada de um corpo docente profissionalizado e com formação específica. Desta forma a multiplicação numérica e dispersão geográfica, vem acompanhada pela melhora da qualidade do ensino ministrado. Durante a segunda parte do século dezenove entrou em cena um número apreciável de professores com formação seminarística (formal) imigrados diretamente da Alemanha. Entre eles destacaram-se nomes como dos professores Wallau e Volkmer em Porto Alegre. Müssnich no Morro dos Bugres, pertencente a Dois Irmãos, M. Bittenbender no Frankental, também na área de Dois Irmãos, Vier no Erval, Adams em Dois Irmãos e Maratá, no Maratá encontramos ainda o prof. Rücker, na Walachai o professor Wickert, na Picada Café W. Jung, Picada Café ainda C. Fuehr e Birnfeld, O professor Ody lecionou na Vila Nova e São José do Hortêncio, O prof. Back regeu a escola de São José e Linha Francesa e o prof. Phillipsen a escola de D. Diogo (São José do Sul), o professor M. Schütz a escola de Bom Jardim (Ivoti). Em Estrela atuou o prof. Schmidt e, em Santa Cruz o prof. Hillesheim. Ainda na região de Santa Cruz destacaram-se os professores Brixner e Simonis com 41 e 35 anos de magistério respectivamente.
Os mestres que acabamos de nomear e muitos outros compuseram o núcleo de homens inteiramente dedicados ao magistério nas escolas comunitárias. Coube a eles dar forma institucional a elas, unificar gradativamente a duração do período de freqüência à escola, propor um currículo unificado e formular uma proposta didático pedagógica comum a todas. A implantação efetiva deste perfil da escola aconteceria na reunião anual da Associação dos Professores e Educadores Católicos, em Bom Princípio no ano de 1902.
O dia 26 de março de 1898 representa uma data decisiva na história da qualificação do ensino nas escolas comunitárias e da profissionalização e formação dos professores. Durante o primeiro Congresso Geral dos alemães católicos do Rio Grande do Sul, realizado naquela data em Harmonia, foi fundada a Associação dos Professores e Educadores Católicos. Esta data marca, de fato, o momento em que a escola comunitária alcançou a idade adulta em todos os sentidos. A rede de escolas católicas contava naquela data com 82 escolas. O corpo docente pode ser considerado profissionalizado com a habilitação específica obtida em escolas normais ou em instituições similares. Poucos eram ainda os docentes improvisados que se “tornaram professores lecionando”.
Como se acaba de registrar a Associação dos Professores tratou de imediato de formalizar a entidade, dando-lhe personalidade jurídica, por meio de estatutos que foram aprovados na assembléia geral em Bom Princípio, 1º de abril de 1902 e registrados no cartório distrital de Dois Irmãos em 1907.
Por várias razões a Assembléia Geral de Bom Princípio foi de capital importância para o futuro da escola comunitária. A duração do período de freqüência da escola foi fixado em quatro anos. Foi implantado um currículo único para todas as escolas sob a responsabilidade da Associação dos Professores, fruto de um filosofia educacional consolidada, ditada pela experiência de setenta anos. A garantia de uma unidade mínima na condução da escola ficou a cargo, principalmente de um informativo de circulação mensal, editado pela Associação dos Professores e pelas assembleias gerais anuais da Associação: “Lehrerzeitung – Jornal do Professor.”
Perfil do Professor.
Nesta caminhada de sete décadas, o contexto peculiar em que a escola comunitária teuto-brasileira se consolidou, definiu-se aos poucos o perfil dos mestres que foram os responsáveis por ela. E quando se fala em contexto peculiar entendem-se as características da própria organização comunal servida pela escola e o papel que coube ao professor desempenhar, além do de mestre-escola.
A análise da formação das comunidades coloniais teuto-brasileiras no Sul do Brasil, mostra que duas lideranças garantiram a sua consolidação: os padres, de modo especial os jesuítas e os professores responsáveis pelas escolas. Em termos de importância fica muito difícil decidir a favor de um ou de outro. Em todo o caso, cronologicamente, encontramos o professor antes do padre, regendo as escolas de emergência das duas primeiras décadas, liderando a organização das comunidades e, na medida do possível, mantendo viva a fé e a prática religiosa.
A tarefa do professor não se esgotava com o ensinamento das primeiras letras, os rudimentos mais indispensáveis do cálculo e ensino do catecismo. A investidura como mestre-escola credenciava-o para assumir tarefas que extrapolavam as quatro paredes de um escola. Cabia-lhe liderar atividades importantes referentes à religião e a sua pratica, iniciativas de natureza social, cultural e econômica. Sua presença inconfundível, marcou indelevelmente o perfil dessas comunidades até o final da década de 1930, quando a Campanha de Nacionalização arredou criminosamente e para sempre do cenário colonial esse personagem tão familiar.
Uma comunidade podia dispensar perfeitamente a presença permanente de um padre. Bastava, a rigor, uma ou outra visita por ano a fim de regularizar a situação sacramental dos fieis, de modo especial os batizados e os matrimônios. O professor, pelo contrário, residia com sua família na comunidade e sempre estava a postos. Sua presença, seus conselhos, suas opiniões, enfim, sua liderança não podiam ser dispensadas. Fazia o papel de árbitro nas disputas, de conselheiro nas dúvidas, de modelo de virtudes, de orientador e guia seguro. Com todas essas funções a cumprir o professor de então se equiparava, sob muitos aspectos, com o diácono leigo na Igreja de hoje. O professor Lúcio Kreutz na sua tese de doutorado, defendida na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e publicada com o titulo: O Professor Paroquial – Magistério e Imigração Alemã, assim se referiu ao professor:
O professor paroquial é personagem típico da zona de colonização teuto-brasileira no sul do Brasil. Ele é fruto da iniciativa dos imigrantes alemães e seus descendentes na tentativa de estabelecerem-se econômica e culturalmente nas colônias que lhes eram destinadas. Seu surgimento tem raízes na já tradicional preocupação com a questão escolar entre os alemães. As funções do professor paroquial junto às comunidades rurais católicas dos teuto-brasileiros do Rio Grande do Sul, eram muito mais amplas e diversificadas do que as meramente docentes e restritas à escola. Ele foi um elemento de unificação, um agente de síntese e promoção das percepções do grupo humano no qual se inseria ativamente, seja no campo social, político, religioso e cultural. ( Kreutz, Lúcio, 1991, p. 102 )
Os atributos que se acabam de enumerar como próprios do professor comunitário acham-se discriminados no Manual Didático-Pedagógico elaborado pelo prof. Rudi Schäfer, editado em 1924:
A habilitação do professor
O exercício adequado de sua função exige do professor uma considerável preparação corporal, espiritual e moral.
O professor necessita de um corpo sadio sobretudo para enfrentar os esforços exigidos pela sua missão. São principalmente a visão, a audição e o aparelho fonador que precisam corresponder à profissão.
È o óbvio que o professor esteja de posse dos conhecimentos necessários. Quem não domina suficientemente os conhecimentos, não estará em condições de transmiti-los. A tudo isso é preciso aliar a capacidade didático-pedagógica, sem a qual de nada adianta o mais rico cabedal de conhecimentos. Em parte trata-se de um dom natural. Pode, contudo, ser adquirido a um nível satisfatório, por meio do esforça e dedicação. Para tanto o presente livro pretende ajudar.
Acima de tudo, porém, o professor precisa ficar atento, que a educação fundamenta-se especialmente no exemplo. Não pode dispensar uma sólida formação moral, não apenas na escola, como deverá ser um modelo na vida pública e familiar.
A virtude maior do professor é o amor às crianças que lhe são confiadas. É o sol que fecunda toda uma ação educadora.
Para garantir a satisfação do professor em sua atividade repleta de bênção, mas discreta e trabalhosa, são indispensáveis a satisfação e a ausência de ambições exageradas.
Não se proíbem ao professor, como a qualquer outra pessoa, as diversões permitidas em sociedade. Quando os encontros sociais se dão com pessoas de espírito nobre, estimulando conversas também de nível, só podem trazer bênção. O bom humor e a alegria sentem-se aí em casa.
Para uma profissão tão importante requer-se uma esmerada formação profissional. Os tempos estão superados em que se confiava a tarefa de lecionar a qualquer desocupado que dominava alguns conhecimentos. Em primeiro lugar exige-se que o futuro professor adquira um conhecimento aprofundado em todas as disciplinas constantes do currículo da escola. É preciso que saiba mais e com maior profundidade do que aquilo que deve ensinar aos alunos. Quem não souber mais do que vai ensinar aos alunos, não será capaz de apresenta-lo com profundidade.
Cabe ao professor considerar como sua área específica o tirocínio didático-pedagógico. Princípios e regras por si só não são capazes de produzir um educador. Mesmo que aprenda com cuidado as lições didático-pedagógicas, não se transforma, por isso só, nem num professor, nem num educador. O mestre se faz com a prática. A tarefa da didática consiste em mantê-lo na direção certa evitar que se desgarre do caminho correto. Onde quer que atuem homens, é impossível evitar o erro, nem mesmo no ensino e na educação. É preciso, porém, evitar as falhas enquanto possível. É para isso que serve a didática e a pedagogia.
É evidente que o professor não pode permanecer no nível de formação que adquiriu durante o tirocínio profissional. É preciso ampliar os conhecimentos. Uma formação pela metade e ilusória se crê na condição de dominar o campo do saber todo inteiro, pelo simples fato de não perceber sua vastidão. Soma-se a isso que, sem o esforço de ampliar a formação, os próprios conhecimentos com o tempo se diluem.
Os meios mais eficazes para o aperfeiçoamento do professor são:
Uma preocupação conscienciosa daquilo que irá ensinar; leitura assídua de bons livros; o relacionamento com homens instruídos; assembléias e reuniões de professores.
A preparação do professor para o ensino deve compreender: 1º o que ensinar, 2º o como ensinar.
Esta preparação é especialmente proveitosa quando o jovem professor a escreve no papel e a fixa com exatidão na mente.
Uma assídua leitura de bons livros auxilia o aperfeiçoamento do professor. Não raro são eles que lhe oferecem a única oportunidade de encontrar uma companhia culta. Não pode prescindir dela sob pena de correr o risco de sua formação se encolher e seus pensamentos se empobrecerem.
O relacionamento com homens cultos significa para o professor, como para qualquer pessoa, um meio de ampliar a formação. Para o jovem professor é de grande estímulo frequentar as escolas nas quais atuam mestres mais antigos e mais experientes. Aprenderá assim mais depressa e com maior segurança do que nos livros.
Como quarto meio de aperfeiçoar e ampliar a formação devem ser consideradas as assembléias de professores, quando forem bem conduzidas e como conseqüência desenvolverem a consciência profissional e o amor à vocação. (cf. Schär, Rudolpf, 1924, p. 7-9)
O professor paroquial, prefiro chama-lo professor comunitário, portanto, encarnava para as comunidades teuto-brasileiras, no caso católicas, a liderança por excelência e sob hipótese nenhuma dispensável. As demais lideranças importantes, como os padres, os negociantes e outras espontâneas, ocupavam, em relação ao professor, uma posição de segunda instância. Essa posição ímpar, acompanhada de atribuições de fundamental importância, exigia do professor uma habilitação peculiar e, por isso mesmo, complexa.
Uma característica de grande significado diferenciava o professor da época do professor ou a professora de hoje. O exercício do magistério comunitário era encarado e assumido como uma autêntica vocação de vida. O professor não se equiparava a um profissional qualquer. Ele próprio se considerava e os outros o consideravam como alguém investido da sagrada missão de conduzir a comunidade ao encontro do seu bem-estar material, social e cultural, tendo em vista, em última análise o bem-estar espiritual.
É neste nível que se situa o divisor que separa a natureza do magistério comunitário da primeira metade do século vinte, do conceito que prevalece hoje. A largura do fosso tem as dimensões exatas do compromisso assumido por alguém que age motivado por uma autêntica vocação e aquele que exerce suas funções de professor levado por motivações friamente profissionais.
Esta diferença foi identificada pelo professor Lúcio Kreutz em sua tese já várias vezes citada.
E a ação educacional constituía em fazer andar, estimular o avanço para a perfeição e de Deus. Considerado como guardião desta ordem e destes valores, cabia ao professor paroquial assegurá-los não apenas pelo ensino, mas especialmente pelo seu exemplo de vida e pela sua incansável atuação no campo religioso e social. Era ofício seu fomentar a já notável religiosidade dos camponeses, levando-a a seu melhor desenvolvimento. E toda a história do professor paroquial comprova que esta sua missão só era fecunda quando realizada em harmonia e sob orientação do clero local. Junto com o padre, ele era responsável pela organização e animação das comunidades rurais.
Atribuía-se, portanto, ao professor paroquial uma função basicamente educativa, normativa e religiosa. A diversidade de suas funções se hierarquizava nesta prioridade, em função da suposta harmonia e ordem pré-estabelecida. Daí a concepção do magistério e suas extensões de serviço social como uma vocação, um sacerdócio, uma missão. (Kreutz, Lúcio, 1991, p. 102-103)
Compreende-se, assim, que a figura do professor vinha envolta numa atmosfera de respeito e veneração. Não era um homem qualquer, um homem comum. Embora casado e pai de família, envolvia-o uma aura quase mística. Representava tudo que se venerava na comunidade: as virtudes humanas e religiosas, os valores familiares, sociais, culturais, morais e religiosos. Como guardião desses tesouros entende-se que, qualquer desvio do comportamento dele esperado, fosse levado tão a sério pelas comunidades.
Que a tarefa do professor se avizinhava em muito da missão do sacerdote, pode-se concluir de certos termos empregados na época. As escolas normais que formavam os professores eram conhecidas como Seminários para Professores (Lehrerseminare), numa concepção muito próximos dos Seminários para a formação do clero (Priesterseminare). Não se tratava de instituições de formação profissional quaisquer. Nelas admitiam-se os candidatos selecionados, recomendados pelas comunidades, portadores de um atestado de idoneidade subscrito pelo pároco, comprovando serem exemplares nas virtudes sociais e religiosas. Os critérios de seleção em nada ou muito pouco diferiam daqueles utilizados na seleção dos candidatos aos seminários de formação do clero. O professor poderia ser chamado de um sacerdote não ordenado, não credenciado para a administração dos sacramentos, mas idôneo, habilitado e autorizado para todas as outras tarefas de um sacerdote. Hoje convidaríamos a imensa maioria desses professores comunitários para exercer o ministério do diácono leigo.
Implícita ou explicitamente a questão da habilitação o corpo docente das escolas comunitárias foi como que uma preocupação permanente de todo o texto que apresentamos até aqui. E faz todo o sentido já que o professor foi o personagem central não só da educação nas escolas como da vida comunitária. Se é verdadeiro que a escola comunitária é impensável sem o mestre-escola, igualmente é verdadeiro que, sem o seu professor, faltava a alma para uma comunidade. Superada a fase crítica das primeiras décadas da implantação do projeto de colonização, o corpo docente das escolas comunitárias foi sendo qualificado. Professores portadores de uma habilitação específica, formados e escolas normais da Alemanha tomaram o lugar dos pioneiros das primeiras décadas. Foram eles que, no final do século dezenove terminaram por consolidar o perfil e a dinâmica que as comunidades esperavam da escola.
Para preencher as vagas que se abriam por diversas razões nas escolas já existentes e as novas que se abriam com a fundação de novas escolas, dispunham-se de profissionais egressos, na sua maioria, de escolas de aperfeiçoamento, de seminários de formação do clero ou de juvenatos de congregações religiosas, ou de seminários de formação específica (escolas normais). Nos dois primeiros casos os jovens com uma boa formação, mas não específica para o magistério, costumavam passar por uma espécie de estágio junto a um mestre veterano para, só depois, assumir uma escola. Acontece que apenas uma pequena porcentagem dos egressos das instituições religiosas se decidiam pelo magistério nas escolas de comunidade. A maioria tomava outro rumo. Os professores formados em escolas normais vinham da Alemanha. Por essa razão os padres jesuítas não tardaram em encontrar uma forma para oferecer formação específica para os jovens que pretendiam dedicar-se ao magistério colonial.
Os jesuítas alemães aperceberam-se desde logo de uma questão de fundo inerente à dinâmica que as colônias alemãs deixava clara. O ritmo acelerado da multiplicação numérica e a rápida expansão geográfica, deixavam claro duas coisas. A primeira. A médio prazo não haveria como a crescente demanda na assistência pastoral ser suprida por religiosos vindos da Europa. A segunda. Da mesma forma não haveria como suprir com professores formados em escolas normais da Alemanha. Era preciso encontrar uma saída doméstica para o impasse inevitável, no prazo de algumas décadas. Não havia dúvida que nas comunidades coloniais não faltavam vocações tanto para o sacerdócio quanto para o magistério. Coube ao Pe. Feldhaus, como superior da Missão dos jesuítas alemães no Rio Grande do Sul, tomar as medidas concretas para formar sacerdotes e professores.
O Colégio Nossa Senhora da Conceição, foi fundado em 1869 em São Leopoldo, exatamente com esse duplo objetivo: Formar sacerdotes e professores nativos. Deveria ser a versão brasileira do Seminário de formação de sacerdotes e Seminário de formação de professores. E, de fato, nos primeiros anos cumpriu essa função. Tanto assim que os primeiros sacerdotes, filhos de imigrantes alemães começaram a sua formação na instituição. Mas o Conceição não demoraria em abrir as portas para candidatos de qualquer procedência e com mais diversos objetivos profissionais. Com isso deixou de formara exclusivamente sacerdotes e professores. Mesmo assim o Colégio de São Leopoldo contou sempre entre os seus egressos futuros sacerdotes e professores.
Uma vez consolidada e em pleno funcionamento, a Associação dos Professores e Educadores Católicos, levou a sério o nível de formação dos novos professores. Foi por essa razão que ela acalentou, desde a sua criação em 1898, a fundação de uma Escola Normal para a formação de professores oriundos do próprio meio em que iriam atuar. A idéia não pôde ser posta em prática devido a uma série de fatores que não vem ao caso tratar aqui.