O Clima
Em
apenas duas frases o Papa Francisco resumiu o gigantesco desafio que envolve o conceito “clima”. “O
clima é um bem comum, um bem de todos e para todos. A nível global é um sistema
complexo, que tem a ver com as muitas condições essenciais para a vida humana”.
(Laudato se, 23).
No
decorrer dessas reflexões já insistimos o bastante que os bens da natureza são
bens comuns. Sendo comuns todos tem o direito natural de usufruí-los, com
destaque para o clima. E, novamente, sendo assim, constitui-se numa obrigação
ética permitir o uso e fruto a qualquer pessoa pelo simples fato de ser um ser
humano. Seria redundante insistir neste
momento com mais comentários.
A
complexidade que envolve o conceito “clima” e seu significado como condição sem
a qual a espécie humana não existiria, menos ainda subsistiria, é um dos
maiores desafios para quem lida com a ecologia. A análise da natureza, a
extensão e profundidade da ameaça do aquecimento global, acha-se tão bem caracterizado
na Encíclica, que merece ser oferecida ao público na sua versão original. Entre
os números 23, 24, 25 e 26 a Encíclica
fala da questão.
(23) O clima é um bem comum,
um bem de todos. A nível global, é um sistema complexo, que tem a ver com muitas condições essenciais para a
vida humana. Há um consenso científico muito consistente, indicando que estamos
perante um preocupante aquecimento do sistema climático. Nas últimas décadas,
este aquecimento foi acompanhado por uma elevação constante do nível do mar,
sendo difícil não relacionar ainda com o aumento dos acontecimentos metereológicos
extremos, embora não se possa atribuir
uma causa cientificamente determinada a cada fenômeno particular. A humanidade
é chamada a tomar consciência da necessidade de mudanças de estilos de vida, de
produção e de consumo, para combater este aquecimento ou, pelo menos, as causas
humanas que o produzem em acentuam.. É verdade que há outros fatores (tais como
o vulcanismo, as variações da órbita e do eixo terrestre, o ciclo polar), mas
numerosos estudos científicos indicam que a maior parte do aquecimento global
das últimas décadas é devido à alta concentração de gases com efeito de estufa
(anidrido carbônico, metano, óxido de azoto, e outros). A sua concentração na
atmosfera impede que o calor dos raios
solares refletidos pela terra se dilua no espaço. Isto é particularmente
agravado pelo modelo de desenvolvimento baseado no uso intensivo de
combustíveis fósseis, que está no centro do sistema energético mundial. E
incidiu também a prática crescente de mudar a utilização do solo,
principalmente o desflorestamento para finalidade agrícola.
(24) Por sua vez, o
aquecimento influi sobre o ciclo do carbono. Cria um círculo vicioso que agrava
ainda mais a situação e que incidirá sobre a disponibilidade de recursos
essenciais como a água potável, a energia e a produção agrícola das áreas mais
quentes e provocará a extinção de parte da biodiversidade do planeta. O
derretimento das calotas polares e dos glaciares a grande altitude ameaça com
uma libertação, de alto risco, de gás metano, e da decomposição da matéria
orgânica congelada poderia acentuar ainda mais a emissão de anidrido carbônico.
Entretanto a perda das florestas tropicais piora a situação, pois estas ajudam
a mitigar a mudança climática. A poluição produzida pelo anidrido carbônico
aumenta a acidez dos oceanos e
compromete a cadeia alimentar marinha. Se a tendência atual se mantiver, este
século poderá ser testemunha de mudanças
climáticas inauditas e de uma destruição sem precedentes dos ecossistemas, com
graves consequências para todos nós. Por exemplo, a subida do nível do mar pode criar situações de
extrema gravidade, se se considera que um quarto da população mundial vive à
beira-mar ou muito perto dele, e a maior parte das megacidades estão situadas
em áreas costeiras.
(25) As mudanças climáticas
são um problema global de graves implicações ambientais, sociais, econômicas,
distributivas e políticas, constituindo atualmente um dos principais desafios
para a humanidade. Provavelmente os
impactos mais sérios recairão, nas próximas décadas, sobre os países em
desenvolvimento. Muitos pobres vivem em lugares particularmente afetados por
fenômenos relacionados com o aquecimento, e seus meios de subsistência dependem
fortemente das reservas naturais e dos
chamados serviços do ecossistema como a agricultura e os recursos florestais.
Não possuem outras disponibilidades econômicas nem outros recursos que lhes
permita adaptar-se aos impactos climáticos ou enfrentar situações catastróficas, e gozam de reduzido
acesso a serviços sociais de proteção. Por exemplo, as mudanças climáticas dão
origem a migrações de animais e vegetais que nem sempre conseguem adaptar-se; e
isto, por sua vez, afeta os recursos produtivos dos mais pobres, que são
forçados também a emigrar com grande incerteza quanto ao futuro da sua vida
e dos filhos. É trágico o aumento de
emigrantes em fuga da miséria agravada pela degradação ambiental, que, não
sendo reconhecidos como refugiados nas convenções internacionais, carregam o
peso da sua vida abandonada sem qualquer tutela normativa. Infelizmente,
verifica-se uma indiferença geral perante estas tragédias, que estão
acontecendo agora mesmo em diferentes partes do mundo. A falta de reações diante destes dramas dos nossos irmãos e
irmãs é um sinal de perda do sentido de responsabilidade pelos nossos
semelhantes, sobre o qual se funda toda a sociedade civil.
26. Muitos daqueles que detêm
mais recursos e poder econômico ou político parecem centrar-se sobretudo em
mascarar os problemas ou ocultar os seus sintomas, procurando apenas reduzir
alguns impactos negativos de mudanças climáticas. Mas muitos sintomas indicam
que tais efeitos poderão ser cada vez
piores, se continuarmos com os modelos atuais de produção e consumo. Por isso,
tornou-se urgente e imperioso o desenvolvimento de políticas capazes de fazer
com que, nos próximos anos, a emissão de anidrido carbônico e outros gases
altamente poluentes se reduza drasticamente,,
por exemplo, substituindo os combustíveis fósseis e desenvolvendo fontes de
energia renovável. No mundo, é exíguo o nível de acesso a energias limpas e renováveis.
Mais ainda é necessário desenvolver adequadas tecnologias de acumulação. Entretanto,
nalguns países, registraram-se avanços que começam a ser significativos, embora
estejam longe de atingir uma proporção importante. Houve também alguns
investimentos em modalidades de produção e transporte que consomem menos
energia exigindo menor quantidade de matérias primas, bem como em
modalidades de construção e
restruturação de edifícios para melhorar
a sua eficiência energética. Mas estas práticas promissoras estão longe de se
tornar onipresentes. (Laudato si,
23,24,25,26)
A
intenção do Papa ao escrever a “Encíclica Verde” foi chamar a atenção para o
clima como um bem comum, como os outros dons da natureza; que a sua qualidade é
fundamental para uma vida saudável; que a sua degradação põe em risco crescente
pessoas populações e a espécie humana como
um todo; que urge rever o atual modelo
de civilização industrial e produtivo movido a combustíveis fósseis com
alto potencial de poluentes, para sustar
e reverter o processo de degradação
ambiental; que são urgentes medidas preventivas e corretivas para diminuir e se possível interromper o ritmo do
aquecimento global; que entre as medidas globais é fundamental partir para um
modelo energético menos ou nada poluente. Este cenário refere-se às alterações
climáticas diretamente relacionadas com a interferência humana no processo.
Mas
no nº 23 da Encíclica, como que de passagem e entre parêntesis, o Papa enumera “outros
fatores (tais como vulcanismo, variações da órbita e do eixo da terra, o ciclo
solar”). A essas causas somam-se outras, não citadas no documento, porém, de
impacto profundo sobre a vida na terra. Referimo-nos à queda de meteoros, a
mudança de curso das correntes marítimas e as glaciações. Os meteoros ocasionam
perturbações climáticas mais ou menos graves numa frequência irregular, enquanto
as outras duas causas são cíclicas.
As
glaciações são por natureza períodos de longa duração de 40.000 a 100.000 anos,
nos quais a temperatura média mundial cai entre 8 e 10 graus C. No intervalo de
dois ciclos glaciais intercalam-se períodos interglaciais de temperatura média
semelhante à nossa e com duração média
de 10.000 anos.
A
explicação desses fenômenos cíclicos parece relacionar-se com o fato de os
mares e oceanos funcionarem como reguladores térmicos. Quanto maior é o volume
de água acumulada, tanto maior e mais abrangente é o seu potencial de manter o equilíbrio térmico. Em outras
palavras a oscilação da temperatura é menor. Esses fenômeno pode ser observado
nos assim chamados clima continentais e marítimos, O clima marítimo é característico
nas faixas costeiras e nas ilhas e o clima continental no interior dos
continentes. No primeiro caso os extremos não são tão acentuados quanto no
segundo.
Os
oceanos que no seu nível máximo, que
corresponde ao atual, chegam a 100 metros acima do nível do pico da
glaciação. Esse fenômeno leva a dois efeitos. Em primeiro lugar equilibra
melhor a temperatura, pois o potencial estabilizador é diretamente proporcional
ao volume de água acumulada, evitando extremos acentuados. Em segundo lugar, um
volume maior e uma superfície de evaporação mais extensa carregam a atmosfera
com aumento da umidade relativa do ar acompanhada com a saturação da atmosfera
e a intensificação das precipitações. Uma porcentagem sempre maior das
precipitações cai na forma de neve cobrindo as montanhas mais altas, com um
manto de gelo de centenas de metros de espessura que desce lentamente as
encostas na forma de geleiras, que nada mais são do gigantescos rios de gelo.
Na sua passagem cavam vales característicos em forma de U. Os fragmentos de rocha, as morainas, arrancados das margens e do fundo do vale são
carregadas e empurrados pelo caudal de gelo até os vales e planícies mais
baixas, onde as geleiras derretem
dando origem a arroios e rios. O
material sólido fica depositado no local onde a geleira derrete. Em latitudes
mais próximas ao círculo polar os mantos
de gelo descendo das montanhas cobrem também as planícies. Resultam daí campos
ininterruptos de gelo e neve, cobrindo milhões de quilômetros, principalmente
no hemisfério norte, onde as massas continentais avançam até além círculo polar
ártico, emendando o gelo do continente com a calota polar propriamente dita.
Com centenas de metros de espessura inviabilizam praticamente toda vida terrestre. Animais e vegetais migram
para o sul ou então são extintos. Na América do norte os campos de gelo
avançaram até o centro norte dos Estados Unidos. Assim todo o centro norte do
país, mais o Canadá, Alasca, as ilhas do Ártico e a Groenlândia, permaneceram
sepultados sob uma espessa camada de neve e gelo de centenas de metros de
espessura. O mesmo aconteceu com a Euro-Ásia central e do norte. Com
tamanho volume de água retido na forma de gelo e neve, os mares e oceanos
baixaram cerca de 100 metros em relação ao nível atual. Como consequência
diminuiu a umidade da atmosfera e o aquecimento dos oceanos subiu com diminuição significativo do volume das suas
massas de água. Um ciclo glacial se fecha e começa outro. A maior parte das
regiões onde hoje se concentram as assim chamadas civilizações do primeiro
mundo, não passavam de gigantescos campos de gelo de centenas de metros de
espessura. A fronteira sul desses territórios pode ser traçada com referência a
blocos de rocha – os blocos erráticos –
carregados pelas geleiras de centenas de quilômetros de distância. Ficaram para
trás quando os campos de gelo recuaram par o norte com o final da era glacial.
Aos blocos erráticos são também marcadores do limite extremo do avanço do gelo,
as morainas. Não são nada mais do que os entulhos dos vales cavados pelo avanço
das geleiras e deixados para trás com seu recuo para o norte.
No
decorrer do último milhão de anos sucederam-se quatro ciclos glaciais, ou
quatro glaciações batizadas com nomes de
localidades na Europa e na América do norte. Da mais antiga à mais recente
foram denominadas de Günz–Mindel-Riss-Würma na Europa. Nos Estados Unidos também da mais antiga à mais recente
receberam os nomes de Nebraska-Kansas-illinois-Wisconsin. A diferença média de
temperatura entre o pico da glaciação e o interglacial oscilou em torno de 8
graus C. A soma da duração de um ciclo glacial
durou por um espaço de tempo de em
torno de 100.000 anos. As eras frias, ou era glaciais, prolongaram-se por cerca de 90.000 anos e o interglacial quente
por 10.000 anos. A primeira glaciação ocorreu por volta dos 700.000 anos; a
segunda 500.000 anos; a terceira 230.000 anos; a quarta 70.000 anos com o pico
máximo por volta dos 18.000 anos. A partir de 15.000 anos fala-se em pós
glacial. Supondo que a lógica da natureza continue deveríamos estar entrando
num período glacial. Ao que tudo indica, porém a temperatura média da terra
ainda está subindo. Há certamente uma relação entre esse fenômeno e
interferência do homem. A dúvida fica por conta de eventos naturais ainda não devidamente
identificados.
No
decorrer do último período glacial a humanidade ficou concentrada, na Europa em
volta do Mediterrâneo, Norte da África, o Oriente Próximo e Médio, no centro
sul do Oriente Remoto e na Indonésia. Vale lembrar que com o final da era
glacial, por volta de 15.000 anos passados começa a expansão da agricultura. As
aldeias dos agricultores multiplicaram-se a partir do Egito na África e da
Mesopotâmia no Oriente Médio e, no Oriente Remoto, a partir do centro sul da
China. A agricultura com seu potencial de alimentar com segurança populações
mais numerosas concentradas em espaços geográficos menores, teve como
consequência um constante superpovoamento. Os excedentes assim gerados
avançavam sobre sempre novas fronteiras agrícolas. Na medida em que os campos
de gelo do norte derretiam e deixavam descobertas mais e mais terras aráveis,
os agricultores subiram para povoar todo o centro e norte da Europa, deitando
as raízes da civilização ocidental. Mas não é esse assunto que pretendemos desenvolver
aqui, A intenção é mostrar como as oscilações climáticas são um dos fatores
determinantes mais decisivos, influenciando diretamente no rumo da evolução
histórica das civilizações.
Acontece
que as leis que regem a longo prazo as relações
do homem com seu habitat natural, são as mesmas que marcam o compasso
nas situações de curto prazo. E é do curto prazo de que estamos falando que cobre
os últimos dois séculos com destaque para os 100 anos finais. Nesse período
foram desenvolvidas tecnologias cada vez mais eficientes postas a serviço das
demandas que também se multiplicaram e tornaram-se mais complexas. Esta é a
face indiscutivelmente positiva do modelo. Em contrapartida ele gerou um
“senão” preocupante. Ele é movido por energias oriundas de combustíveis
perigosamente agressivos ao meio ambiente pela emissão de gases e resíduos
poluentes. De outra parte as tecnologias permitem a invasão e destruição em
grande escala dos ecossistemas naturais, substituindo florestas e campos
naturais por pastagens e plantações de soja, milho, sorgo, algodão cana de
açúcar, mandioca e outras culturas. Também para esse setor vale a afirmação que
os benefícios que essa atividade trás em favor do homem são benvindos. Não se
pode deixar, porém, de reconhecer que também vem acompanhado de um “senão”
cujas consequências somam-se ao “senão” anterior. Interferem direta e indiretamente no meio ambiente na
“nossa casa”, preocupação maior do Papa
nessa passagem da “Encíclica Verde”. É isso que causa uma das maiores dores de
cabeça no atual momento histórico: o aquecimento global e seus reflexos sobre a
vida na terra.
Sobre
o aquecimento global em si os cientistas que a ele se dedicam são praticamente
unânimes sobre a extensão dos danos que acompanha o processo. Há-os que suspeitam
que a redução das áreas e volumes de gelo, principalmente do Ártico, alteraria
o curso das correntes marítimas. O impacto a longo prazo sobre o clima no
hemisfério norte terminaria num resfriamento exagerado daquela metade da terra. O hemisfério sul, ao
contrário, sofreria um aumento também excepcional de temperatura. Esse
desequilíbrio terminaria de um lado em tornados e ciclones com chuvas
catastróficas em outas regiões estiagens extremas. Uma outra suspeita dos
cientistas consiste num possível retardamento de uma nova era glacial,
prolongando o interglacial além do esperado. O argumento baseia-se no fato de,
se o atual ciclo glacial for de duração
semelhante os do passado, a quinta era glacial já deveria estar em
andamento. Especulações à parte, tudo isso não resolve a situação momentânea
criada pelo aquecimento global.
Penso
que seja oportuno lembrar que o clima é um dos grandes artistas responsáveis
pela modelagem da fisionomia da terra e de todas as formas de vida. Para tal as
marcas dos seus cinzeis são tão antigos
quanto a própria crosta sólida do planeta. Mais de uma dezena de bilhões de
anos se passou para chegarmos ao momento atual. Nessa mega história o que
significam os 200 anos de que falamos mais acima, mais ainda os últimos 100? Considerando agora o último milhão de anos
com suas eras glaciais e a humanidade vivendo e sobrevivendo aos extremos de
temperatura, faz concluir que os 200 anos continuam sendo um momento da
história e as possíveis catástrofes climáticas não passam de episódios pontuais
que dificilmente interromperão a caminhada da humanidade ao encontro do seus
destino.
É
claro que o cenário muda radicalmente no momento em que imaginarmos mudanças
tão drásticas que levam à extinção do último representante da espécie humana.
Improvável mas não impossível. O impacto de um meteoro gigante reduzindo a
terra a fragmentos ou um vulcanismo universal, poderiam levar a esse efeito.
Como se pode concluir, a hipótese da
extinção global da vida é remota, improvável, mas não impossível. Significaria
o fim do mundo em toda extensão do termo.