Reflexões sugeridas pela Encíclica Laudato si - 17 -

Depois de tomar conhecimento mais genérico dos solos é oportuno refletir um pouco mais sobre o seu significado ecológico e a vida que  neles prospera. Em outras palavras. O que significa a invasão destruidora desse mundo fantástico com procedimentos agrícolas inadequadas valendo-se  indiscriminadamente de agrotóxicos, fertilizante, queimadas, etc. Na agenda dos debates sobre ecologia costumam predominar temas que chamam a atenção pelo apelo econômico, político, ideológico e outros politicamente corretos e não levam em conta o preço que o solo paga por isso. O Papa  chamou  em poucas linhas a atenção sobre essa perigosa bomba-relógio armada com a agressão irresponsável dos solos. “A isto vem ajuntar-se a poluição, que afeta a todos causada pelo transporte, pelo fumo  das indústria, pela descarga de substâncias que contribuem  para a acidificação dos solos e da água, pelos fertilizantes, inseticidas, fungicidas, pesticidas e agrotóxicos em geral”).  (Laudato se, 20).

A seguir a Encíclica aponta para outros subprodutos  da atividade industrial, da concentração de milhares e milhões de seres humanos em poucos quilômetros quadrados. São nossos velhos conhecidos as inevitáveis realidades negativas do dia a dia.  A Encíclica enumera entre os principais vilões as centenas de milhões de toneladas de resíduos anualmente descartados para o meio ambiente. “Resíduos domésticos e comerciais, detritos de demolições, resíduos clínicos, eletrônicos e industriais, resíduos altamente tóxicos e radioativos. A terra, “nossa casa”, parece transformar-se num imenso depósito de lixo”. (Laudato se, 21)

A pergunta é; de que forma enfrentar os problemas causados pelo acúmulo assustador de resíduos de toda  espécie? Diminuir a curto prazo significativamente a sua produção até um nível aceitável, faria cair a oferta dos bens de consumo e serviços que alimentam o atual modelo de civilização. Interrompê-lo, nem pensar. Pelo visto o problema não tem solução a curto prazo. A médio e longo prazo a própria natureza ensina como agir. Basta observar como funciona um ecossistema natural. Num perpétuo “fieri – fazer-se”, a natureza edificada sobre seus ecossistemas, flui como um caudal sempre se renovando sem perder o equilíbrio. A Encíclica resumiu o círculo virtuoso que auto alimenta e preserva o equilíbrio da natureza como um  ecossistema global e cada um dos seus ecossistemas em particular. “Custa-nos a reconhecer que o funcionamento dos ecossistemas é exemplar: as plantas sintetizam substâncias nutritivas que alimentam os herbívoros,  que fornecem significativas quantidades de resíduos orgânicos, que dão origem a nova geração de vegetais. (Laudato si, 22).

Esse é o círculo virtuoso que mantém indefinidamente a evolução renovadora e a estabilidade da biosfera como um sistema global e seus subsistemas. Ressalvadas as peculiaridades, esse poderia ser um bom modelo para a auto sustentabilidade das civilizações. Acontece  que a atividade humana, com destaque para a industrial, resume-se nas duas primeiras etapas do modelo oferecido pela natureza. Retira os recursos naturais, os transforma em bens de consumo, atende às necessidade das pessoas, mas deixa de reaproveitar volumes gigantescos amontoados nos lixões, ou simplesmente jogados na beira das estradas, nos rios e nos oceanos. Considerados os resíduos não orgânicos, o círculo virtuoso não fecha. O desafio maior consiste, portanto, num reaproveitamento pela reciclagem de mais de 80% desses resíduos. A Encíclica insiste na  urgência de “adotar um modelo circular que assegure recursos para todos e para as gerações futuras” (Laudato se, 22)

0 nó maior da questão está a curto e médio prazo nos resíduos não biodegradáveis como plásticos,  vidros, cerâmicas e similares. A esse complexo de poluentes vem somar-se as emissões de gases com destaque para o carbônico, considerado o maior vilão do aquecimento global. Esse quadro não deixa de ser preocupante. A soma de todos esses fatores  e seus efeitos sobre “a nossa casa”, reclamam medidas globais urgentes tanto preventivas quanto corretivas.  Pelo fato de estarmos  frente a uma ameaça global que implica na saúde da terra e da viabilidade da própria espécie humana, as medidas têm que ser de caráter também global. Não é aqui  o lugar para aprofundar a identificação dos responsáveis. Já que o problema é global o desafio para as iniciativas cabe às personalidades e organizações que exercem liderança em nível internacional. Incluem-se nessa cruzada governantes, detentores do poder político, econômico, religioso. De momento as iniciativas mostraram-se viciadas por interesses geopolíticos, geoeconômicos, militares, ideológicos. Os resultados estão sendo pífios como demonstram os protocolos assinados no Rio de Janeiro, Kyoto e Paris.

Apesar de todo esse quadro pouco animador, uma tênue luz indicando o fim do túnel faz com que não deixemos de acreditar no quase impossível. A justiça manda que em nível mundial não se pode deixar de mencionar o Papa Francisco. Como líder máximo na formação de opinião de mais de um bilhão de católicos vem prestando uma colaboração preciosa por meio da “Encíclica  Ludato se”. Já que este documento é o objeto central dessas reflexões nesse momento basta citá-lo. O Patriarca Bartolomeu líder de  400 milhões  de cristãos ortodoxos, soma  a sua maneira de ver a natureza à do Papa Francisco. Embora nenhum dos dois líderes religiosos estivesse presente no encontro de Paris, seu significado como formuladores de opinião de no mínimo um bilhão e meio de cristãos, não é nada desprezível.

Não se podem esquecer as muitas iniciativas em andamento sob o rótulo de “agricultura orgânica” em plena expansão. Merece destaque especial a horticultura orgânica que ganha sempre mais adeptos. Presta um serviço difícil de avaliar para a qualidade da alimentação de um lado e do outro para a saúde e o equilíbrio do solo. Temos aqui “um modelo circular de produção” (Laudato se, 22) sugerido pela Encíclica. O solo organicamente em equilíbrio e por isso mesmo fértil, alimenta as hortaliças, estas chegam sem agrotóxicos à mesa do consumidor e os resíduos e sobras  -  raízes, folhas, caules e outros - voltam a ser incorporados no solo. Fecha-se assim o círculo virtuoso ao qual nos referimos há pouco. Todos saem ganhando: os solos, a qualidade dos produtos, a alimentação do consumidor e de cobro a rentabilidade do horticultor. Já é um bom começo.

Uma terceira boa notícia vem do agronegócio um dos setores mais estigmatizados como agressor e degradador em grande escala do meio ambiente. O modelo vem conquistando terreno sob a sigla ILPF – integração lavoura - pecuária – floresta. O pesquisador João Kluthcouski, pesquisador da Emprapa e no meio rural conhecido como “João K”, para evitar confusão com “JK” – Juscelino Kubischeck. O modelo, depois dos primeiros resultados animadores, ainda se encontra em teste na fazenda Santa Brígida em Ipemeri – Goiás. Como muitas outras essa fazenda era mais uma dessas grandes propriedades – 900 hectares – da região, fortemente degradas e de baixa produtividade. A dona da propriedade, a dentista Marize Porto Costa assumiu-a com o falecimento do marido. Sem nenhum conhecimento nem experiência no ramo agropecuário, recorreu à Emprapa. O diretor da época entregou-lhe um livro sobre Integração Lavoura – Pecuária e apresentou-a ao autor o João K. Ele opinou que, para reverter a situação, tudo tinha que ser feto ao contrário do usual nas fazendas da região. Ela apostou no pesquisador e “o milagre” foi acontecendo. Em resumo: Ele mandou começar por revirar os pastos degradados e  corrigir a acidez dos solo. A primeira colheita foi de soja surpreendendo pela produtividade. Depois da soja veio o sorgo que depois de crescido serviu de pasto de engorda do gado. Na seguinte etapa a área foi semeada com milho associado à braquiária. Enquanto o milho se desenvolvia as raízes da braquiária vascularizavam o solo facilitando a penetração dos nutrientes para fertilizá-lo. Colhido o milho voltou o gado para a engorda no inverno, fechando o círculo virtuoso. Os resultados passaram de todas as expectativas, tanto na produção de soja e milho, quanto no rendimento de duas engordas de gado ao ano. O recurso a  defensivos agrícolas  baixou a um nível insignificante. Faltava incluir a floresta no experimento. João K sugeriu plantar eucalipto (poderia ser outra espécie) por toda a propriedade, em fileiras deixando corredores de 24 metros de largura, destinadas no verão para o milho e a braquiária e no inverno como pastagem de engorda para o gado.

João K explica que o modelo ILP – Integração-Lavoura-Pecuária – pode ser implantado em qualquer tipo de solo, de clima e tamanho de área. Para acrescentar o F – Floresta – o tamanho da área é um limitador. De outra parte, como é aplicável à grande propriedade e as propriedades familiares de poucos hectares, vem a ser um fator que contribui para superar a avaliação preconceituosa do mundo do agronegócio como predatório, explorador, capitalista e por aí a fora, enquanto a agricultura familiar se aproxima do ideal de uma situação socialmente mais justa e economicamente mais saudável. A lógica dessa linha de avaliação leva à conclusão que as duas modalidades não são mutuamente excludentes, quando de fato são mutuamente complementares, especialmente num país como o Brasil que dispõe de milhões e mais milhões de hectares de terras aráveis, localizadas em latitudes e características geográficas as mais variadas. Os bons resultados de ambos os modelos somam-se em vez de se excluir. A pequena propriedade com sua agricultura familiar atende à demanda interna. Abastece a mesa dos brasileiros com feijão, batata, aipim e hortaliças de tudo que variedade. A prioridade do agronegócio é a exportação de alimentos para cobrir  a demanda mundial. Contribui também com uma parte substancial para equilibrar a balança comercial com as exportações e reforçar o produto interno bruto. É irracional e suicida a pregação contra o agronegócio com os argumentos fortemente viciados com ideologias, com os quais normalmente se argumenta. O agronegócio e a agricultura familiar são complementares e somam-se quando do atendimento das duas necessidades prioritárias do país: o abastecimento interno e a pressão crescente  para geração de divisas externas.


Concluindo, há boas razões para não perder as esperanças perante os danos causados à natureza, à “nossa casa”.

This entry was posted on segunda-feira, 9 de outubro de 2017. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. Responses are currently closed.