Depois
de tomar conhecimento mais genérico dos solos é oportuno refletir um pouco mais
sobre o seu significado ecológico e a vida que
neles prospera. Em outras palavras. O que significa a invasão
destruidora desse mundo fantástico com procedimentos agrícolas inadequadas
valendo-se indiscriminadamente de
agrotóxicos, fertilizante, queimadas, etc. Na agenda dos debates sobre ecologia
costumam predominar temas que chamam a atenção pelo apelo econômico, político,
ideológico e outros politicamente corretos e não levam em conta o preço que o
solo paga por isso. O Papa chamou em poucas linhas a atenção sobre essa
perigosa bomba-relógio armada com a agressão irresponsável dos solos. “A isto
vem ajuntar-se a poluição, que afeta a todos causada pelo transporte, pelo
fumo das indústria, pela descarga de
substâncias que contribuem para a
acidificação dos solos e da água, pelos fertilizantes, inseticidas, fungicidas,
pesticidas e agrotóxicos em geral”).
(Laudato se, 20).
A
seguir a Encíclica aponta para outros subprodutos da atividade industrial, da concentração de
milhares e milhões de seres humanos em poucos quilômetros quadrados. São nossos
velhos conhecidos as inevitáveis realidades negativas do dia a dia. A Encíclica enumera entre os principais vilões
as centenas de milhões de toneladas de resíduos anualmente descartados para o
meio ambiente. “Resíduos domésticos e comerciais, detritos de demolições,
resíduos clínicos, eletrônicos e industriais, resíduos altamente tóxicos e
radioativos. A terra, “nossa casa”, parece transformar-se num imenso depósito
de lixo”. (Laudato se, 21)
A
pergunta é; de que forma enfrentar os problemas causados pelo acúmulo assustador
de resíduos de toda espécie? Diminuir a
curto prazo significativamente a sua produção até um nível aceitável, faria
cair a oferta dos bens de consumo e serviços que alimentam o atual modelo de
civilização. Interrompê-lo, nem pensar. Pelo visto o problema não tem solução a
curto prazo. A médio e longo prazo a própria natureza ensina como agir. Basta
observar como funciona um ecossistema natural. Num perpétuo “fieri – fazer-se”,
a natureza edificada sobre seus ecossistemas, flui como um caudal sempre se
renovando sem perder o equilíbrio. A Encíclica resumiu o círculo virtuoso que
auto alimenta e preserva o equilíbrio da natureza como um ecossistema global e cada um dos seus
ecossistemas em particular. “Custa-nos a reconhecer que o funcionamento dos
ecossistemas é exemplar: as plantas sintetizam substâncias nutritivas que
alimentam os herbívoros, que fornecem
significativas quantidades de resíduos orgânicos, que dão origem a nova geração
de vegetais. (Laudato si, 22).
Esse
é o círculo virtuoso que mantém indefinidamente a evolução renovadora e a
estabilidade da biosfera como um sistema global e seus subsistemas. Ressalvadas
as peculiaridades, esse poderia ser um bom modelo para a auto sustentabilidade das
civilizações. Acontece que a atividade
humana, com destaque para a industrial, resume-se nas duas primeiras etapas do
modelo oferecido pela natureza. Retira os recursos naturais, os transforma em
bens de consumo, atende às necessidade das pessoas, mas deixa de reaproveitar
volumes gigantescos amontoados nos lixões, ou simplesmente jogados na beira das
estradas, nos rios e nos oceanos. Considerados os resíduos não orgânicos, o
círculo virtuoso não fecha. O desafio maior consiste, portanto, num
reaproveitamento pela reciclagem de mais de 80% desses resíduos. A Encíclica
insiste na urgência de “adotar um modelo
circular que assegure recursos para todos e para as gerações futuras” (Laudato
se, 22)
0
nó maior da questão está a curto e médio prazo nos resíduos não biodegradáveis
como plásticos, vidros, cerâmicas e
similares. A esse complexo de poluentes vem somar-se as emissões de gases com
destaque para o carbônico, considerado o maior vilão do aquecimento global.
Esse quadro não deixa de ser preocupante. A soma de todos esses fatores e seus efeitos sobre “a nossa casa”, reclamam
medidas globais urgentes tanto preventivas quanto corretivas. Pelo fato de estarmos frente a uma ameaça global que implica na
saúde da terra e da viabilidade da própria espécie humana, as medidas têm que
ser de caráter também global. Não é aqui
o lugar para aprofundar a identificação dos responsáveis. Já que o
problema é global o desafio para as iniciativas cabe às personalidades e
organizações que exercem liderança em nível internacional. Incluem-se nessa
cruzada governantes, detentores do poder político, econômico, religioso. De
momento as iniciativas mostraram-se viciadas por interesses geopolíticos,
geoeconômicos, militares, ideológicos. Os resultados estão sendo pífios como
demonstram os protocolos assinados no Rio de Janeiro, Kyoto e Paris.
Apesar
de todo esse quadro pouco animador, uma tênue luz indicando o fim do túnel faz
com que não deixemos de acreditar no quase impossível. A justiça manda que em
nível mundial não se pode deixar de mencionar o Papa Francisco. Como líder
máximo na formação de opinião de mais de um bilhão de católicos vem prestando
uma colaboração preciosa por meio da “Encíclica
Ludato se”. Já que este documento é o objeto central dessas reflexões
nesse momento basta citá-lo. O Patriarca Bartolomeu líder de 400 milhões de cristãos ortodoxos, soma a sua maneira de ver a natureza à do Papa
Francisco. Embora nenhum dos dois líderes religiosos estivesse presente no
encontro de Paris, seu significado como formuladores de opinião de no mínimo um
bilhão e meio de cristãos, não é nada desprezível.
Não
se podem esquecer as muitas iniciativas em andamento sob o rótulo de
“agricultura orgânica” em plena expansão. Merece destaque especial a
horticultura orgânica que ganha sempre mais adeptos. Presta um serviço difícil
de avaliar para a qualidade da alimentação de um lado e do outro para a saúde e
o equilíbrio do solo. Temos aqui “um modelo circular de produção” (Laudato se,
22) sugerido pela Encíclica. O solo organicamente em equilíbrio e por isso
mesmo fértil, alimenta as hortaliças, estas chegam sem agrotóxicos à mesa do
consumidor e os resíduos e sobras - raízes, folhas, caules e outros - voltam a
ser incorporados no solo. Fecha-se assim o círculo virtuoso ao qual nos
referimos há pouco. Todos saem ganhando: os solos, a qualidade dos produtos, a
alimentação do consumidor e de cobro a rentabilidade do horticultor. Já é um
bom começo.
Uma
terceira boa notícia vem do agronegócio um dos setores mais estigmatizados como
agressor e degradador em grande escala do meio ambiente. O modelo vem
conquistando terreno sob a sigla ILPF – integração lavoura - pecuária – floresta.
O pesquisador João Kluthcouski, pesquisador da Emprapa e no meio rural conhecido
como “João K”, para evitar confusão com “JK” – Juscelino Kubischeck. O modelo,
depois dos primeiros resultados animadores, ainda se encontra em teste na
fazenda Santa Brígida em Ipemeri – Goiás. Como muitas outras essa fazenda era
mais uma dessas grandes propriedades – 900 hectares – da região, fortemente
degradas e de baixa produtividade. A dona da propriedade, a dentista Marize
Porto Costa assumiu-a com o falecimento do marido. Sem nenhum conhecimento nem
experiência no ramo agropecuário, recorreu à Emprapa. O diretor da época
entregou-lhe um livro sobre Integração Lavoura – Pecuária e apresentou-a ao
autor o João K. Ele opinou que, para reverter a situação, tudo tinha que ser
feto ao contrário do usual nas fazendas da região. Ela apostou no pesquisador e
“o milagre” foi acontecendo. Em resumo: Ele mandou começar por revirar os
pastos degradados e corrigir a acidez
dos solo. A primeira colheita foi de soja surpreendendo pela produtividade.
Depois da soja veio o sorgo que depois de crescido serviu de pasto de engorda
do gado. Na seguinte etapa a área foi semeada com milho associado à braquiária.
Enquanto o milho se desenvolvia as raízes da braquiária vascularizavam o solo
facilitando a penetração dos nutrientes para fertilizá-lo. Colhido o milho
voltou o gado para a engorda no inverno, fechando o círculo virtuoso. Os
resultados passaram de todas as expectativas, tanto na produção de soja e
milho, quanto no rendimento de duas engordas de gado ao ano. O recurso a defensivos agrícolas baixou a um nível insignificante. Faltava
incluir a floresta no experimento. João K sugeriu plantar eucalipto (poderia
ser outra espécie) por toda a propriedade, em fileiras deixando corredores de
24 metros de largura, destinadas no verão para o milho e a braquiária e no
inverno como pastagem de engorda para o gado.
João
K explica que o modelo ILP – Integração-Lavoura-Pecuária – pode ser implantado
em qualquer tipo de solo, de clima e tamanho de área. Para acrescentar o F –
Floresta – o tamanho da área é um limitador. De outra parte, como é aplicável à
grande propriedade e as propriedades familiares de poucos hectares, vem a ser
um fator que contribui para superar a avaliação preconceituosa do mundo do
agronegócio como predatório, explorador, capitalista e por aí a fora, enquanto
a agricultura familiar se aproxima do ideal de uma situação socialmente mais
justa e economicamente mais saudável. A lógica dessa linha de avaliação leva à
conclusão que as duas modalidades não são mutuamente excludentes, quando de
fato são mutuamente complementares, especialmente num país como o Brasil que
dispõe de milhões e mais milhões de hectares de terras aráveis, localizadas em
latitudes e características geográficas as mais variadas. Os bons resultados de
ambos os modelos somam-se em vez de se excluir. A pequena propriedade com sua
agricultura familiar atende à demanda interna. Abastece a mesa dos brasileiros
com feijão, batata, aipim e hortaliças de tudo que variedade. A prioridade do
agronegócio é a exportação de alimentos para cobrir a demanda mundial. Contribui também com uma
parte substancial para equilibrar a balança comercial com as exportações e
reforçar o produto interno bruto. É irracional e suicida a pregação contra o
agronegócio com os argumentos fortemente viciados com ideologias, com os quais
normalmente se argumenta. O agronegócio e a agricultura familiar são
complementares e somam-se quando do atendimento das duas necessidades
prioritárias do país: o abastecimento interno e a pressão crescente para geração de divisas externas.
Concluindo,
há boas razões para não perder as esperanças perante os danos causados à natureza,
à “nossa casa”.