Por onde começar?
A
salvação da vida na terra, o cuidado com o meio ambiente, a recuperação do que
foi danificado e frear as agressões a “nossa mãe e pátria”, pressupõe educação.
Não uma educação qualquer, mas uma educação que conscientize as pessoas da sua
inserção existencial na natureza; uma educação que mostre como fazem parte e
dependem para a vida e a morte do ambiente natural em que passam a sua
existência; uma educação que alerta as pessoas sobre as consequências da exploração fora de controle dos
recursos naturais; uma educação que
convença as pessoas que a natureza é um bem comum; uma educação que, em sendo
um bem comum, todos indistintamente tem o mesmo direito de usufruir das dádivas
da natureza e ao mesmo tempo o dever de zelar por elas; e para concluir, uma
educação que convença que estamos diante de uma questão que implica em
responsabilidade ética e moral.
Não
há necessidade de insistir que a educação
ambiental oferece desafios de proporções incomuns. Acontece que a
humanidade neste começo de milênio vive longe
e afastada da natureza. Salvo raras exceções, quase como que curiosidades
antropológicas, os humanos passam a vida na total artificialidade. Já não são
capazes de distinguir uma ovelha de uma
cabra ou um pé de mandioca de um pé de milho. Contato e familiaridade só com
cães, gatos e pássaros de gaiola, por
sua vez caricaturas, frutos da domesticação e do cativeiro. Mas, apesar de toda
a artificialidade em que o povo vive nas metrópoles e megalópoles, debaixo das
cinzas que a civilização acumulou,
continua viva a brasa do vínculo com o chão original. Na menor brecha que se abre no quotidiano urbano, a brasa
transforma-se em braseiro relembrando essa relação atávica. Edward Wilson
descreveu assim esse fenômeno.
Mesmo assim, os instintos
ancestrais continuam vivos dentro de nós. Eles se expressam na arte, nos mitos
e na religião, nos parques e jardins, nos esportes de caça e pesca, tão
estranhos (pensando bem). Os americanos
passam mais tempo nos jardins zoológicos do que em eventos esportivos
profissionais, e ainda mais tempo nas
áreas protegidas dos parques nacionais, cada vez mais abarrotados de
visitantes. A recreação nas florestas nacionais e reservas naturais - isto
é, nas parte que permanecem intactas
- gera uma renda substancial, da
ordem de 20 bilhões de dólares, ao Produto Interno Bruto do país. A televisão,
o cinema do mundo industrializado estão saturados de imagens da natureza
virgem. Um símbolo de riqueza pessoal é a casa de campo localizada em um
ambiente pastoral natural. Ela serve como refúgio para quem deseja encontrar
paz de espírito e como ponto de retorno a algo que foi perdido, mas não
esquecido. Observar pássaros se tornou um importante hobby e uma próspera
indústria. Ser naturalista não é apenas uma honrosa atividade, e sim um honroso
estado de espírito. (Wilson, 2.008, p. 159). (verificar a repetição)
O
cientista citado tem como referência a formação de “naturalistas”. O “estado de
espírito” de que deve caracterizar o verdadeiro naturalista cabe perfeitamente
quando o assunto é “salvar a vida na terra”, ou salvar “a nossa casa”. O
compromisso com esse salvamento supõe que as pessoas tenham interiorizado a
essência do conceito natureza, como sendo a “nossa casa”, a “nossa mãe e
pátria”. Em outras palavras. Esses conceitos revelam um “estado de espírito” nas
pessoas que de fato chegaram a esse nível de relação com o ambiente natural.
São muito mais do que zoólogos, botânicos, geógrafos, geólogos ou
ambientalistas especializados. São amantes do chão em que pisam, enamorados das
paisagens naturais que os rodeiam, apaixonados pela arte pintada, esculpida e
desenhada em todos os detalhes a seu redor,
enlevados pela harmonia dos panoramas e a sinfonia dos sons, e
sobretudo, empolgados pelo belo que envolve os fenômenos naturais. Esse estado
de espírito permite perceber que o chão que gerou a espécie humana e a fez
acompanhada de animais e plantas como parceiros de jornada, é sagrado. Por essa
razão é que o Papa Francisco definiu a natureza como “nossa casa” e Francisco
de Assis os animais e as plantas como “irmãos e irmãs”. Devaneios românticos ou
desvios místicos indevidos que deformam a visão da realidade objetiva da
natureza? Penso que não pois, assim, à avaliação quantitativa da natureza pela
ciência soma-se o conteúdo qualitativo sugerido pela intuição e a percepção
sensorial. Cérebro e coração, razão e emoção complementando-se resultam no
“estado de espírito” de que estamos falando.
Posta
nesses termos a relação do homem com a natureza deparamo-nos com a pergunta
chave da qual depende a médio e longo prazo
o sucesso ou fracasso de qualquer iniciativa em favor dela. Dito de
outra maneira, qual o caminho para alguém perceber e avaliar a natureza como um
“estado de espírito?”. Educação é a resposta, curta, porém, prenhe de desafios
de bom tamanho.
Para
início de conversa é preciso ter bem claro que falamos em educação e não
reeducação. Nesse caso o alvo da educação são as crianças a começar pela primeira
infância. Quanto mais cedo tanto melhor.
“A ascensão começa na
infância, portanto o ideal é que a ciência da biologia seja introduzida logo
nos primeiros anos. de vida. Toda a
criança é um naturalista e explorador principiante. Caçar, coletar, explorar
novos territórios, buscar tesouros, examinar a geografia, descobrir novos
mundos -
tudo isso está presente em seu cerne mais íntimo, talvez
rudimentarmente, mas procurando se expressar. Desde tempos imemoriais as
crianças foram criadas em estreito contato com o ambiente natural. A
sobrevivência da tribo dependia de um conhecimento íntimo, tátil dos animais e
plantas silvestres. (Wilson, 2.oo8, p. 158)
Não
há necessidade de um esforço maior de imaginação para concluir que o resultado
desse tipo de aprendizado, termina numa simbiose da alma da criança com seu
meio geográfico. Pela visão, ouvido, tato, olfato e gosto, o ambiente, por
assim dizer, não se transforma numa segunda natureza, mas permeia o tecido todo
do seu ser íntimo, terminando numa amálgama existencial, enfim num estado de
espírito. A esse aprendizado em que a natureza é escola e mestre, soma-se o
ensinamento dos mais velhos. Cabia a eles passar para as crianças as tradições inspiradas
na natureza e a distinguir as plantas, frutas, raízes e tubérculos comestíveis
dos não comestíveis. Familiarizavam-se
igualmente com os animais, seus hábitos, sua utilidade como também os riscos
que ofereciam. À relação utilitária com o meio geográfico somava-se a
identificação simbólica consagrada pela tradição e aplicada a plantas, animais,
acidentes geográficos, fenômenos metereológicos e astros, com destaque para o
sol e a lua. O coroamento desse aprendizado vinha com as crenças mágicas e
religiosas. Da soma de todas essas informações e conhecimentos resultava a
cosmovisão, que nada mais é do que a forma singular como cada tradição concebe
a sua inserção existencial no entorno ambiental em que constrói a sua
identidade.
Foi
nesse cenário, vivendo em simbiose com a natureza virgem, original e intata,
que a humanidade passou acima de 95% da sua história. Essa relação entrou num
processo irreversível de distanciamento, com a
revolução agrícola e pastoril. Darcy Ribeiro chamou-a de “revolução dos alimentos” e Edward Wilson
de “a primeira traição à natureza”. A visão aparentemente paradoxal do
julgamento do antropólogo e do profundo conhecedor do funcionamento dos
ecossistemas, deixa às claras a dupla face dessa “Revolução”. De um lado abriu
o caminho sem volta para o controle e multiplicação dos recursos naturais e
respectivas tecnologias de apoio. De outro lado a humanidade foi-se
distanciando e desenraizando do chão da
“sua mãe e pátria”. Edward Wilson resumiu assim essa transição.
Foi então que, depois de
milhões de anos dessas existência, a revolução agrícola retirou a maioria das
pessoas do habitat onde seus antepassados tinham evoluído. A agricultura prometia multiplicar-se e atingir uma
densidade populacional mais alta, porém
ao preço de acorrentá-la a um ambiente muito mais simples. O ser humano passou
a depender de um número drasticamente reduzido de plantas e animais que podiam
ser cultivados em ambiente biologicamente pauperizado, por meio de trabalho
repetitivo. À medida que as populações aumentavam, sustentadas pelos excedentes
agrícolas, e migravam para vilas e cidades, as pessoas iam-se afastando mais e
mais do seu ambiente ancestral. Hoje a maior
parte da humanidade reside em um
mundo fabricado artificialmente. O berço, o lar inicial da nossa espécie foi
quase que esquecido por completo. (Wilson, 2.008, p. 158-159)
Ninguém
de sã razão, muito menos o Papa Francisco, defende um retorno utópico a um
passado de 15.000 anos passados. Postula-se, isso sim, o justo e indispensável
equilíbrio no uso e fruto dos recursos naturais. Para tanto, requer-se uma
educação que capacita as pessoas a perceberem, e acima de tudo, orientarem a
sua maneira de ser e agir, dentro desses parâmetros. Na atual conjuntura
mundial fazem falta pessoas dotadas de senso do responsabilidade para com “a casa”
em que moramos. Estão sobrando técnicos frios, exploradores gananciosos,
políticos interesseiros e ecologistas a serviço de ideologias duvidosas.
O
desafio maior da educação de hoje resume-se em assumir para valer a tarefa de
formar uma nova geração que volte a sentir-se existencialmente inserido na “mãe
e pátria” e por isso mesmo comprometida com “a casa” na qual mora e que lhe
oferece sustento e abrigo. Voltamos a insistir que o esforço da educação
ambiental deve acontecer na educação infantil e fundamental. “O pepino se torce
de pequenino”, ensina a sabedoria popular. Convém lembrar que a educação de que
falamos é responsabilidade da família, da escola e da comunidade. Pressupõe-se
para tanto que essas instâncias tenham consciência da sua inserção existencial
na natureza. É fundamental insistir que o meio ambiente é pela sua própria
natureza um bem comum e, em o sendo, implica em responsabilidade solidária no
uso e fruto de suas dádivas. Dito de outra maneira. O que deve motivar atitudes
e ações chama-se compromisso ético e responsabilidade moral, como norma
universal de ação. Felizmente já se detectam sinais nesse sentido. O Papa mostra otimismo. “Depois de um período
de confiança irracional no progresso e na capacidade humana, uma parte da humanidade
vive num clima de maior conscientização. Nota-se uma crescente sensibilidade no relacionamento
com a natureza e cresce um sincero sentimento de preocupação pelo que está a
acontecer com nosso planeta. (cf.
Laudato se, 19).