Pe. João E. Rick, SJ




Cientista, Colonizador, Apóstolo Social, Professor


Estávamos no começo da década de 1940. Entrei no Seminário Menor de Salvador do Sul em fevereiro de 1942. No Colégio Santo Inácio, como essa instituição era mais conhecida, moravam  também os professores todos padres jesuítas, os irmãos leigos e jesuítas jovens cumprindo o estágio do magistério. Grande parte dos padres professores eram ainda alemães, suíços ou austríacos natos. Donos de uma excelente formação em instituições de prestígio da Ordem na Europa, dedicavam-se de corpo e alma à formação dos um pouco mais de 100 seminaristas internos. Entre eles destacavam-se personalidades marcantes, autênticos “originais”, que exibiam em seus currículos uma excelente folha e serviços prestados à Igreja, à Ordem e à Pátria. Encontravam-se entre eles capelães militares da primeira guerra mundial, oficiais da marinha e do exército, professores calejados nas salas de aula na Europa e no Brasil, cientistas de renome, pregadores de fama e orientadores espirituais disputados.

Em 1942  integrou-se nesse grupo um personagem novo. Passava dos 70 anos, um gigante de perto de dois metros, físico robusto e postura ereta apesar da idade, cabelos castanho escuros e um olhar que penetrava até os ossos dos seus interlocutores. Silencioso passava o dia carregando para o seu quarto os fungos que coletava na magnífica mata virgem que cobria mais da metade da propriedade do colégio. Seu nome: Pe. João Evangelista Rick. Para a maioria dos seminaristas seu nome sugeria pouco ou nada. Eu o conhecia vagamente  como um grande pregador  respeitado e venerado pelos colonos. Havia, contudo, um bom grupo de seminaristas para quem era familiar. Tratava-se daqueles procedentes da então fronteira de colonização de Porto Novo, hoje Itapiranga São João do Oeste e Tunápolis. Esse projeto colonizador de iniciativa da Sociedade União Popular teve a sua implantação e consolidação garantida graças à capacidade de liderança, a visão profética e à determinação inquebrantável do Pe. Rick, apesar dos obstáculos vindos do próprio meio colonial, dos críticos até de dentro da própria Ordem e das autoridades eclesiásticas e dos empecilhos interpostos pela burocracia oficial. Consta dele a profecia em que afirmou, para o espanto de muitos, que “que lá no norte, onde em meio às grandes florestas, se encontram as fronteiras do Brasil  com os grandes países da América do Sul ( Colômbia, Perú, Bolívia e Paraguai)  localiza-se o futuro da século XX e XXI”.

Por algum tempo o Pe. Rick ministrou ainda aulas de matemática para os seminaristas. Depois que a resistência física e a saúde e as perturbações psíquicas não permitiram mais, dedicou-se inteiramente à grande paixão que o acompanhou a vida toda e tinha sido um dos motivos da sua destinação para o Brasil em 1903: o estudo dos fungos. A mata virgem preservada nas propriedade do colégio serviu então de cenário das suas incursões diárias em busca de novas espécies de fungos. Carregava-os para o seu quarto, classificava-os e os descrevia. De mês em mês viajava a Porto Alegre, onde se demorava por alguns dias no colégio Anchieta, então na rua Duque de Caxias perto da catedral. Aproveitava a ocasião para visitar seu velho amigo Borges de Medeiros que morava a poucos metros do colégio. Auxiliado pelo discípulo e amigo Pe. Balduino Rambo, aproveitava o tempo ordenando e classificando suas descobertas, pondo em dia a correspondência e pondo no papel as memórias que ocupam a maior parte da publicação que estamos oferecendo ao público.

Johannes Rick, Theodor Amstad e Max von Lassberg foram os três jesuítas que passaram para a história da colonização do Rio Grande do Sul e oeste de Santa Catarina na primeira metade do século XX, como os protótipos dos “patres collonorum – pais dos colonos”. Além de dezenas de outros nomes menos conhecidos que merecem o mesmo qualificativo. Max von Lassberg tem o seu nome imortalizado como fundador de colônias em frentes pioneiras até na província de Misiones na Argentina. Em parceria com  seu amigo Karl Culmey, engenheiro agrimensor e protestante, acompanhou a implantação das colônias de Serro Azul, hoje Cerro Largo, Santo Cristo e arredores e levou dezenas de colonizadores alemães vindos do sul do Brasil para dar inicia à colonização de San Alberto e Puerto Rico no norte da Argentina. Liderou em 1902 o grupo de 11 pioneiros para dar início ao povoamento de Cerro Azul e, na sombra da floresta virgem, celebrou a primeira missa onde hoje floresce a cidade de Cerro Largo. Conduziu também o primeiro contingente de pioneiros para margem direita do rio Uruguai e, na sombra de um laranjal celebrou a missa de fundação de Porto Novo, em 31 de julho de 1926.

Em Theodor Amstad encontramos um perfil quase como que oposto ao de Johannes Rick. Filho de um comerciante atacadista de produtos agrícolas, conviveu, desde criança, com contas, números e estatísticas. Levou como herança para o resto da vida uma quase obsessão pelo pragmatismo, pela exatidão dos registros e tabelas estatísticas. Os dois grandes projetos de desenvolvimento e promoção, A Associação Rio-grandense  de Agricultores e a Sociedade União Popular, o “Volksverein”, que levam sua assinatura, não foram concebidos no ar, como se fossem de um visionário. Nasceram com os pés no chão, fundamentados em bases objetivas que lhes garantiram o êxito que de fato obtiveram. Por mais audaciosos que tenham sido esses projetos não foram temerários, muito menos irresponsáveis, porque Amstad jamais teria dado um passo sem que os pressupostos para o sucesso tivessem sido exaustivamente meditados, calculados e meticulosamente dimensionados.

A Max von Lassberg e Theodor Amstad veio somar-se a personalidade avassaladora de Johannes Rick. Pouco ou nada chegado a detalhes, a registros exatos, a demonstrações estatísticas, impulsionava-o uma quase fúria do desbravador, que não perde tempo na limpeza e organização do terreno conquistado. Confiava essa tarefa a outros que o seguiriam. Ele dizia de si próprio que, se tivesse nascido na Renascença, não se se teria feito jesuíta mas um “condottieri” italiano. Essa caracterização aplica-se a ele em todas atividades que exerceu durante os pouco mais de 40 anos em que batalhou pelo bem-estar material e espiritual daqueles que lhe foram confiados. Foram muitas essas atividades, exigindo a envergadura de um gênio e a ousadia de um conquistador, para dar o lance certo no momento exato sobre o “multifacetado tabuleiro de xadrez” como costumava  caracterizar a sua vida. E, nesse tabuleiro de xadrez foi preciso colocar em xeque-mate os desafios a serem enfrentados no decorrer das pesquisas com fungos, nas aulas de matemática no colégio, na cátedra de moral no seminário maior, nas obras assistenciais, nas negociações com o Presidente do Estado, no desencontro com as autoridades eclesiásticas e religiosas, na batalha contra os sofrimentos crônicos de natureza nervosa e psíquica e, de modo especial, na implantação e consolidação de sua obra maior, a colonização de Porto Novo.

Estamos assim frente a três personagens de perfil quase diametralmente opostos e, contudo, representativos dos jesuítas que a Província Alemã da Ordem costumava enviar para a Missão do sul do Brasil: o espírito de conquistador de Johannes Rick, filho do Tirol austríaco, Theodor Amstad o suíço meticuloso mas de espírito aberto e de horizontes vastos para o seu tempo e Max von Lassberg, o pastor de almas por excelência e representante emblemático do autêntico catolicismo bávaro. Apesar da originalidade, os três tinham em comum o fato terem sido representantes em cultura pura, da cepa imaginada por Santo Inácio de Loiola; de terem trabalhado até a exaustão nos grandes projetos de desenvolvimento e promoção humana, durante a primeira metade do século XX; de como “patres collonorum” terem deixado marcas indeléveis da sua passagem  pela história do sul do Brasil e norte da Argentina. Por terem  pregado a verdade, a justiça e o amor ao povo que lhes fora confiado, seus nomes brilharão como estrelas do firmamento por perpétuas eternidades, conforme a promessa das Sagradas Escrituras.

NB. O livro que ofereço aos interessados consta de duas partes. A primeira de uma biografia de Johannes Rick, da autoria do Pe. Balduino Rambo e publicada em alemão na revista Monfort e traduzida por mim. A segunda consta da  tradução pelo Pe. Arhur Rabuske, das memórias deixadas pelo Pe. Rick, também em alemão. A edição foi da responsabilidade dos dois tradutores e dada ao público em 2004 pela Editora Unisinos.


Bicentenário da Imigração - 74

Imigração alemã e meio ambiente

A partir do final do século XX a preocupação pela preservação e saúde das florestas e a preocupação ambiental, passou a transforma-se num  tema obrigatório nos forums em que se discutem questões atuais. Não poucas vezes tem-se a impressão que  as gerações passadas nada mais fizeram do que depredar a natureza, espoliar a terra dos seus recursos naturais e comprometer o equilíbrio ambiental. 

Mesmo que as circunstâncias de cem ou cinquenta anos atrás  não favorecessem  a preocupação com questões ecológicas, os documentos que falam da colonização alemã no Rio Grande do Sul registram essa consciência. A  partir da década de 1880 nota-se uma crescente preocupação no sentido de evitar o desmatamento exagerado e, ao mesmo tempo, incentivar o florestamento e reflorestamento. 

No começo foram iniciativas modestas e assumidas por pessoas isoladas. Já na primeira década do século XX, a preocupação pela saúde ambiental, iria ocupar um lugar de destaque e cada vez mais frequente nas assembleias das organizações coloniais. Foram formuladas propostas concretas  de como enfrentar problemas originados de um desmatamento levado além do limite razoável, como conduzir os reflorestamentos e como recuperar as terras exaustas com técnicas que não degradassem o meio ambiente.

Os movimentos ecológicos de todos os matizes estão na ordem do dia. Não resta dúvida que este tipo de fenômeno tem a sua razão de ser nas próprias circunstâncias concretas que caracterizam nossa época. Representam uma tentativa de resposta aos desafios que se colocam e, ao mesmo tempo, vêm acompanhado de propostas concretas para solucionar os problemas e apresentar estratégias de ação.

Os lideres de tais movimentos apresentam-se, não raro, como os donos de uma capacidade fora do comum, para apontar as mazelas  do tempo e credenciar-se como os portadores de soluções definitivas. Quem não se alinha com sua visão do mundo e das coisas, merece ser estigmatizado como comprometido ou, no mínimo, conivente com uma situação que deve ser posta no banco dos réus. Admitir que uma situação momentânea não é  fruto do acaso, mas a resultante final de um processo que se vem desenrolando desde um passado mais ou menos distante, parece não fazer parte das variáveis admitidas como parâmetros para analisar a situação. Por ignorância ou por presunção ignora-se que alguém já possa ter-se preocupado com a questão. Age-se como se não houvesse história. Somente agora existem pessoas capazes de compreende-la em todas as suas dimensões e tirar da manga o corretivo infalível. Não raro esses profetas do apocalipse, parecem, como versões  de novos Quixotes do terceiro milênio. 

Os imigrantes que se estabeleceram na região da floresta pluvial do sul do Brasil, são acusados de terem sido os grandes vilões que arrasaram a mata e exterminaram a fauna. Se este quadro tem muito de verdadeiro, não menos verdadeiro é também o fato de que existiu, desde as décadas finais do século XIX, uma preocupação expressa de lideres coloniais, pelo futuro ecológico-preservacionista desta região, expressa numa série de registros e depoimentos da época. 

Uma das referências mais antigas à questão ecológica é do Pe. Ambros Schupp. Foi publicada na Alemanha. na revista Alte und neue Welt. Descrevendo uma das suas cavalgadas  de férias, partindo de Bom Princípio em direção a São Salvador, hoje Tupandi, entre outras observações deixou consignada a seguinte:

Despedimo-nos, montamos a cavalo e partimos para São Salvador. São mais ou menos duas horas da tarde e o calor é quase insuportável.

Agora, graças a Deus subimos a encosta  do morro. Uma porção de mata fechada cobre o dorso do morro, um último e solitário resto de mata virgem, poderíamos dizer, uma ilha tranquila que restou par testemunhar um mundo  desaparecido. 

Na verdade, há menos de trinta anos, balançavam, até perder de vista, como as ondas do mar, as copas das árvores, sem interrupção, uma encostando na outra. Os olhos topam por toda a parte com terra plantada. Só aqui e acolá conservam-se  algumas áreas de mato. O colono, como parece evidente, quer extrair do seu chão, todo o proveito o mais depressa possível. Só calcula com o presente e suas vantagens. Não pensa no futuro  e no bem da coletividade. (Schupp, 1889, p. 313)

Neste texto aparecem duas questões relevantes. Em primeiro lugar o Pe. Schupp chama a atenção à situação florestal que predominava no vale do rio Caí nos anos oitenta do século XIX. O desmatamento havia avançado até um limite que inspirava cuidados. Caso nada se fizesse, as pessoas lúcidas como era o caso do Pe. Schupp, previam para um futuro não muito longínquo, o desaparecimento, além do tolerável, da cobertura florestal da região. Em segundo lugar o Pe. Schupp chamou a atenção para o maior obstáculo, para sustar o processo: a mentalidade imediatista, individualista e egoísta de muitos colonos. Essa maneira de pensar dos colonos encontrava a sua explicação nas próprias circunstâncias da época. Havia urgência em conquistar à floresta o chão arável e extrair dele o mais rápido possível, os alimentos e os produtos destinados ao comércio. Pensar no futuro e preocupar-se com a coletividade eram questões para serem discutidas mais adiante, quando a premência das necessidades mais urgentes tivesse sido superada. É evidente que com isso não se vai querer desculpar simplesmente a ação predatória de uma agricultura de queimadas e, muito menos, justificá-la.

O depoimento do Pe. Schupp reveste-se de grande significado, na medida em que demonstra que, já na remota década de 1880,  as lideranças, entre as quais ele foi uma das mais representativas, estavam atentas ao problema do desmatamento e, consequentemente, à questão ambiental como um todo. 

A começar pelos anos noventa do século XIX, outras pessoas de visão mais ampla, começaram a chamar a atenção com frequência e insistência cada vez maior para a problemática ambiental, que tinha no desmatamento o seu foco mais visível,. Cresceu o esforço para que os danos causados pelo desmatamento além do recomendável, fosse disciplinado por meio de uma maior racionalização.

Como reforço a essa tendência colaboraram, a nível de legislação, as providências  tomadas  pelo do Governo do Estado. Logo nos primeiros anos após a implantação da República, foi elaborado o esboço de legislação de proteção às florestas. Continha uma série de dispositivos capazes de bloquear a destruição indiscriminada  das matas. Infelizmente a lei nunca passou muito  do nível de um projeto. A titulo de curiosidade seguem algumas das propostas.

O artigo 194, sessão primeira, determinava: “o proprietário que se orientar de acordo com as determinações do governo no que se refere ao zoneamento e ao uso da terra, recebe uma área de terra devidamente medida, com uma superfície nunca superior a 25 hectares”, Na sessão segunda    prometia-se: “O proprietário que planta terras de campo, de prados e pastagens com vários tipos de árvores, recebe em compensação para cada hectare reflorestado, cinco hectares de mato e 10 hectares de terras de campo”. Na sessão terceira, prometia-se: “O proprietário que replantar no lugar de árvores abatidas ou em clareias no mato, recebe terras devolutas de até 50 hectares”.

Parece que essas determinações, à primeira vista tão úteis, não tiveram resultados concretos  significativos. Em todo o c0302
aso, ficou registrado o exemplo do Sr. Friedrich Wilhelm Rauber de Venâncio Aires. Em troca de plantações de erva mate em Erechim, recebeu 34 hectares de terras do governo. (cf. Paulusblatt, 1931, p. 1-2)

Foi principalmente por iniciativa privada que se verificaram os primeiros resultados concretos em termos de proteção de florestas e de tentativas de reflorestamento. Na primeira metade da década de 1890, foi fundada em  Bom Jardim, hoje Ivoti, a primeira  “Associação de Proteção à Mata” –  “Waldschutzverein”. Os fundadores foram “o apóstolo  da mata”, Pe. Pedro Gasper e o pai da mata “o Sr. Edmund Grohmann”, morador de Lichtental, em Ivoti. A associação promoveu uma série de “Dias da Mata”, para incentivar o plantio de florestas na colônia. 

Para se ter uma ideia dos resultados obtidos pela Associação, ouçamos como os Sr. Grohmann contou suas experiência num desses “Dias da Mata”, em agosto de 1896: 

Há nove anos fiz a primeira experiência com pinheiros. Os pinhões germinaram muito bem, mas em duas noites as formigas terminaram com a plantação e as mudinhas novas secaram todas. Depois organizei um viveiro perto da minha casa. No segundo ano transferi as mudas para o lugar definitivo. Também esta tentativa teve o mesmo destino. Antes mesmo de dominar as formigas, elas já haviam devorado tudo. Na terceira tentativa deixei as mudas dois anos no viveiro. Transplantei-as só no terceiro. Todas vingaram porque as agulhas já estavam tão duras  que as formigas não as conseguiram cortar. A plantação alcança neste momento  de 16 a 20 pés (cinco a sete metros) e se compõe de mais de 300 pinheiros. Tive êxito também com louro, cinamomo e outras variedades de madeira. Tudo disto prova que também aqui é possível plantar mato

Procurei interessar pela causa as pessoas de vários lugares. Na maioria dos casos, porém, faltou a energia suficiente. Outros se desculparam dizendo que eles próprios não tirariam proveito e que os descendentes se virassem. Não raro, confirma-se o ditado: se o colono não se vê forçado ele não mexe nem a mão nem o pé. Existem contudo honrosas exceções. Quem sabe também neste particular eu tenha conseguido que um ou outro se decida a fazer ao menos uma tentativa, plantando mato. Diz o ditado: “No menor dos espaços planta uma árvore; cuida dela; será em teu beneficio”. (Paulusblatt, 1931, p. 2).

Apesar das queixas do Sr. Grohmann, dizendo que a receptividade de suas propostas de plantio de florestas não ter tido muita aceitação por parte dos colonos, a ideia conquistou seus adeptos. O autor deste trabalho tem três exemplos de tentativas que remontam à década de 1890 e a primeira década de do século XX. A primeira foi feita por meu avô que plantou cerca de um hectar de louro e depois deixou a natureza agir livremente. Depois de 50 anos desenvolvera-se  um bela floresta em miniatura. Alguns dos louros mediam mais de meio metro de diâmetro. Entre eles cresciam belos exemplares de angicos, cedros, canelas, cangeranas e outras. Mais ou menos na mesma época minha mãe recebera umas dezenas de pinhões. Plantou em torno de 100 deles ao longo das taipas do potreiro e do curral, perto de tocos de árvores nas proximidades da casa. Passados sessenta anos havia araucárias de perto de um metro de diâmetro. Um vizinho dos meus avós plantou cerca de dois hectares de araucárias e deixou a natureza agir livremente. Também neste caso passados 50 anos uma exuberante mini floresta havia-se formado com soberbas araucárias e exemplares viçosos de canelas, cedros, cangeranas, cabriúvas e outras mais. 

Esses três exemplos demonstram que, apesar dos pesares, a proposta do Pe. Gasper e o exemplo do Sr. Grohmann, caíram  em chão fecundo. É até compreensível que a grande maioria dos colonos não se sensibilizasse. No final do século XIX e o início do XX, as prioridades maiores eram ainda em grande parte, a comida, a roupa e a casa. Além disso o suprimento de lenha e madeira ainda estava garantida com certa folga. 

Mas a semente lançada com a “Associação de Proteção da Mata” e os exemplos esparsos de tentativas de plantio de mato, foi vingando lentamente. Em 1899 foi fundada a “Associação Riograndense de Agricultores”. À sua testa vamos encontrar muitas das lideranças coloniais, leigas e religiosas, das décadas de 1880 e 1890. Desta forma o assunto floresta e reflorestameto, conservação do solo, adubação orgânica, frequentou repetidas vezes, a pauta das assembleias gerais da Associação. 

Na quarta assembleia geral, realizada em Santa Cruz do Sul, em abril de 1904, uma das resoluções, a de número seis, chamou a atenção para a urgência de se dedicar ao cultivo de árvores.

“6. No que se refere à grande importância em que se reveste a cultura de árvores, em especial na região colonial antiga, a assembleia apoia um sistema de cultura de florestas adaptadas às características locais. Para tanto encarrega a diretoria central para tomar as iniciativas cabíveis junto ao governo do Estado, para que seja modificada a lei que prejudica a cultura da erva-mate, principalmente no que se refere à sua colheita”. (Bauernfreund, 1904, nr. 5, p. 33)

Na sétima assembleia geral da Associação dos Agricultores, realizada em Estrela, em abril de 1907, a questão do reflorestamento voltou ao debate e mereceu ser encarecida na resolução de número quatro. “4. É preciso dar maior atenção ao eflorestamento do que até agora se deu. Aconselha-se, para tanto, o plantio de cinamomo, de louro, de carvalho e de outras espécies de acordo com as características locais”. (Bauernfreund, 1907, nr. 6, p. 4)







Mas foi na nona assembleia geral da Associação dos Agricultores, realizada em Taquara em maio de 1909, que a questão do meio ambiente foi colocada em termos mais amplos. A conferência sobre o assunto esteve a cargo do Pe. Max von Lassberg.

O problema foi colocado, pelo religioso, numa perspectiva bem mais ampla do que a mera destruição física da cobertura florestal, ou as técnicas de florestamento e reflorestamento. A questão, segundo ele, tinha a ver com a garantia dos direitos e deveres dos indivíduos, da coletividade e do Estado. As florestas estão aí para  assegurar os interesses das pessoas  e para garantir  a qualidade da vida da coletividade. Uma correta política  florestal não pode abstrair de nenhuma das duas funções. Tendo como finalidade o tratamento da questão das florestas, salvaguardando tanto os direitos dos indivíduos como do Estado, o conferencista apresentou  um esboço de como esse objetivo poderia ser alcançado. 

Compete ao Estado zelar pela normalidade do clima e a higiene pública: salvaguardar a fertilidade e demais qualidades do solo e aproveitar ocasionalmente os imenso recursos oferecidos pelas florestas. Pressupõe-se para tanto a existência no Pais de uma vasta e rica cobertura floresta. Mais importante do que florestas gigantescas e ininterruptas é a existência de extensões razoáveis de matas bem distribuídas. Conforme demonstra a ciência, esse tipo de cobertura vegetal favorece sobremodo a pureza do ar, a regularidade das chuvas, o controle do granizo, a conservação do clima, o equilíbrio entre o calor e o frio, a formação de fontes e de mananciais de água, a proteção contra as enchentes e inestimável riqueza que a floresta representa quando racionalmente explorada. E, para reforçar a afirmação o Pe. Lassberg lembrou que, quanto mais crescer a população, tanto maiores ser\ao as demandas por madeira. Faz-se necessário que cresça no mesmo ritmo o interesse  pelo manejo racional das reservas de florestas. Neste caso a madeira representa uma extraordinária fonte de divisas para um pais com as características do Brasil. 

Continuando nas suas considerações o conferencista fez algumas observações sobre um outro aspecto dessa problemática. Os colonizadores, individualmente considerados, costumam, e isto é mais do que natural, preocupar-se em obter, o mais rápido possível, resultados concretos. Derrubam no menor espaço de tempo  o mata do seu lote colonial, utilizam alguma madeira para atender às necessidades próprias. Somente em situações especiais e não muito frequentes, vendem alguma coisa. Livram-se do restante das árvores abatidas, queimando-as ou, na melhor das hipóteses, amontoando-as e entregando-as à decomposição. Essa estratégia universalmente  difundida, vem acompanhada dos seus riscos. Não raro, em questão de anos, não sobra aos colonizadores, a madeira  suficientes pra suprir as necessidades diárias de lenha. O dano é duplo. De um lado o colono vê-se forçado a comprar lenha e madeira de construção. Do outro lado a coletividade exaure, em pouco tempo, suas reservas. Prejudica-se o dono do lote colonial e prejudica-se a região, o Estado e o Pais.

Continuando, o conferencista atacou um questão ainda mais condenável. Falou daqueles verdadeiros vampiros que penetram nas florestas alheias ou pertencentes ao governo. Sem o menor escrúpulo e sem a menor consideração para com a sociedade, depredam as matas, pilham as madeiras nobres, movidos pela única finalidade do lucro fácil. No final das suas considerações, o Pe. Lassberg formulou a seguinte proposta florestal. Obviamente não  de fácil execução. 

1. Em se tratando das regiões do nosso Pais cobertas de grandes extensões de florestas virgens, não apenas se justifica, mas se torna necessário franquea-las à agricultura e entrega-las a um abate parcial.

2. A escassez de florestas e de madeira não deve ser exagerada. Se de um lado há carência de madeira, ao ponto de se dar uma importância tão grande como esta está acontecendo, a culpa, em grande parte, cabe à utilização errada das matas e às precárias vias de circulação para o escoamento, dificultando transporte da madeira de lugares afastados. Os campos do sul  e do norte estão pontilhados com belos, numerosos e grandes capões. A zona colonial, mesmo aquela ocupada por várias décadas, nem de longe apresenta aquela feição desnuda, como acontece em numerosas regiões agrícolas da França, Alemanha e Itália. Consequentemente não ocorreram modificações climáticas apreciáveis, em razão do desmatamento. Em toda a parte subsistem serrarias pelas colônias antigas. De maneira geral os colonos tomam um cuidado maior para não abater as matas de uma forma tão irracional, como era comum nos primeiros tempos. 

3. Triste, sem dúvida, se apresenta a situação das zonas mais elevadas, como nas colônias italianas. Foram derrubadas florestas inteiras de araucárias, para, em seguida, as terras serem abandonadas sem terem sido aproveitadas. Muitos colonos derrubaram a mata sem nenhuma medida para, em seguida, verem-se forçados a ir embora por causa da baixa fertilidade do solo. A terra foi devastada e uma verdadeira floresta não se recompõe espontaneamente. 

4. Um reflorestamento sistemático das nossas florestas parece inviável, porque a mata virgem não possui sistema. Segundo a lei de 1899, calcula-se como produção media de madeira por ano, o volume de quatro a cinco metros cúbicos por hectare. De que maneira por em prática um dispositivo desses? Não vale a pena nem abrir uma trilha. 

5. Para resolver o problema não basta imitar unilateralmente as leis de outros países. É claro que devemos analisar essas leis, para depois adapta-las às nossas circunstâncias. Além disso é preciso verificar se determinadas medidas legais são aplicáveis entre nós e se dispomos de pessoal técnico. Caso não estejam presentes tais pressupostos em nada adianta a melhor das intenções do governo. Um outro aspecto não pode ser ignorado. No que se refere a questão florestal, as circunstâncias dentro do País diferem  muito. As imediações das cidades pedem um outro tipo de cultivo do que o interior. Diferentes tem que ser as medidas adotadas em regiões de florestas mistas ou de pinheiros, no campo ou na costa do mar. Em tudo que se relaciona com a floresta o problema mais grave é a lei que regulamenta a fiscalização. Qual, por exemplo, é a forma de impedir que um caboclo penetre  na mata do Alto Uruguai. Mesmo em regiões mais próximas a fiscalização enfrenta  visão e as longas tradições dos colonizadores e a preocupação de não sobrecarrega-los com novos deveres. Caso contrario só se consegue despertar mal entendidos e insatisfações. No momento então em que o governo aparece e diz ao colono que está derrubando mato: Daqui para frente não podes mais retirar madeira do mato, ou ao fazendeiro: Daqui para frente deves plantar tantos hectares de mato. Determinações deste tipo seriam simplesmente inexequíveis. Apenas nos casos em que uma derrubada chega a prejudicar os vizinhos, o poder público deve intervir, a fim de garantir os direitos da pessoa lesada. (Bauernfreund, 1909, nr. 6)

 Os complexos florestais tem que ser protegidos na sua integridade, de forma que sua exploração por parte dos não proprietários seja dificultada. Em vista disso o governo não deveria conceder com tanta facilidade, como vinha fazendo até agora, as concessões de exploração da madeira para obtenção de dormentes de trilhos, taboas, erva-mate ..... Conceder, se possível, somente para aqueles que comprarem  e pagarem o mato. Porque se alguém não é proprietário, pouco interesse terá em tratar o mato com cuidado. Semelhantes  prescrições não se aplicam assim no mais  a regiões de matas destinadas para a ocupação por colonos. Em se tratando de concessões maiores, costumam-se guardar certas medidas. Nestes casos o governo tem por norma munir-se de garantias para restringir a derrubada da mata a níveis aceitáveis. O próprio colono terá interesse pessoal em assegurar o valor do mato de sua propriedade. Além disso  deveriam ser aplicadas, com todo o rigor, as leis que se destinam à expulsão dos invasores de matas alheias. Isso, entretanto, não ocorre sempre. Neste caso os direitos dos proprietários de matas situadas em locais afastados, sofrem sérias violações por parte de outra praga, representada pelos tais de intrusos que, sem titulo de posse, fixam residência em glebas e, quando são solicitados a indenizar, retiram-se e deixam o prejuízo para os outros. Esses caso acontecem também em situação ilegal. Se alguém pretende estabelecer-se neste tipo de glebas, deveria certificar-se, antes de mais, a respeito da situação legal das mesmas. 

 Impõe-se como remédio mais adequado para as nossas circunstâncias,  a formação de matas plantadas. A floresta não cultivada é passível de resultados na medida na medida em que for derrubada. Uma floresta sistematicamente  plantada fornece um retorno no mínimo quádruplo. No Estado encontram-se faixas de terras mais do que suficientes, tanto na colônia quanto no campo, apropriadas para o reflorestamento deste tipo. Na Alemanha, por exemplo, aproveitou-se a charneca de Lüneburg. As dificuldades neste caso poderiam originar-se da presença de formigas e de outros insetos, de plantas parasitas, de ocorrência de incêndios. Apesar disso o plano pode ser posto em priatica com relativa facilidade. As iniciativas devem partir dos indivíduos, dos distritos e dos municípios. Em outros países comunidades individuais conseguiram florestas tão ricas que, com os seus ,resultados, foi possível cobrir todas as despesas da comunidade e os cidadãos liberados dos impostos. O melhor caminho é aquele em que os indivíduos e as cooperativas cultivam  determinadas áreas de mato. Fala-se  hoje tanto em estações experimentais. Porque não pensar em implantar estações experimentais de silvicultura? Representam obviamente empreendimentos sem retorno a curto prazo, como no caso de uma lavoura. Contando-se, entretanto, com paciência e os empreendimentos forem bem conduzidos, seu retorno mais tarde será tanto maior. (Bauernfreund, 1909, nr. 6, p. 43-44).

O Pe. Max von Lassberg concluiu a sua palestra, apresentando à assembleia  algumas das resoluções  tomadas no Congresso Agro-Agrícola, realizado no ano anterior em Pelotas. Entre elas, duas merecem atenção. 

1. Das glebas destinadas no futuro para fins de colonização, uma parte deveria ser destacada, não vendida e mantida como reserva florestal.

2. Aconselha-se introduzir uma série de árvores exóticas, como por exemplo, certas variedades de eucaliptos, plátanos, acácias, pinheiros, cinamomos.

Ao discurso seguiu-se um debato acalorado sobre o que tinha sido exposto pelo Pe. Lassberg. Foi desencadeada pelo Pe. Amstad com uma proposta concreta de reflorestamento. De acordo com suas observações era muito comum na colônia, que as casas e demais benfeitorias  se localizassem numa encosta. A área imediatamente atrás e acima da moradia compreendia, via de regra a área desmatada por primeiro e, em consequência a primeira com sinais de esgotamento do solo. Seria esta a área escolhida para o reflorestamento. Um empreendimento desses teria tanto mais chances de sucesso, quanto maior fosse a colaboração entre os diversos moradores. Como empreitada individual os resultados seriam duvidosos. Pela própria natureza a iniciativa era de caráter coletivo. Na hipótese de que um projeto dessa natureza fosse levado a bom termo, os resultados não tardariam em aparecer. Formar-se-ia em questão de poucos anos um cinturão de mato, a meia encosta, da largura de 200 a 300 metros. Num futuro relativamente próximo seria possível extrair toda a lenha necessária para o consumo e madeira suficiente para cobrir a demanda local. Nesta questão o próprio Estado faria bem em intervir, pressionando os proprietários para se engajarem efetivamente. O retorno altamente compensatório estaria assegurado. Seria possível, em grandes linhas,  que, em 15 anos, a lenha pagaria a mão de obra. Em 30 anos o mato começaria a render juros. Em 50 anos a faixa de 200 metros representaria um patrimônio bem maior do que os 1600 metros restantes.

Como se sabe, a nona assembleia geral da Associação dos Agricultores do Rio Grande do Sul, marcou o termino da Associação na sua forma original. Transformada em sindicato, reorientou  seus objetivos. As antigas lideranças, tanto católicas como evangélicas, partiram para a formulação de novas organizações. Surgiu, desta forma, em 1912, o “Volksverein”, a Sociedade União Popular, para os católicos. É explicável que a questão ecológica passasse para um segundo plano pois, foi necessário, em primeiro lugar, dar forma, vida e viabilidade à nova organização. Essa tarefa demandou dois a três anos. Sobreveio a Primeira Guerra Mundial e a nova sociedade congelou, pela foçra das circunstâncias, as suas atividades. Terminado o conflito, os primeiros anos da década de vinte foram necessários para retomar as atividades e solidificar a Sociedade. No período  de 1912 e 1924, não se  encontram referências significativas, nem no Paulusblatt, o periódico  da Sociedade, nem no Familienfeund Kalender, o almanaque anual,  relativas a questão florestal, em particular, ou à questão ecológica como um todo.

A retomada da temática aconteceu no número 12, de 1925 do Paulusblatt. Na secção da revista intitulada “Escola da Sociedade União Popular”, foram publicados os regulamentos disciplinando a medição e venda de terras do governo no Rio Grande do Sul. O artigo reproduziu, em primeiro lugar, os dispositivos que regulamentavam as reservas florestais, em segundo lugar, discriminou os deveres  dos compradores dos lotes coloniais. Em terceiro lugar fez algumas considerações sobre as condições impostas ao comprador dessas terras referentes e ao uso das mesmas. O articulista terminou apontando uma série de problemas  referentes à aplicabilidade dos dispositivos legais que, na sua essência, eram muito pertinentes e não menos urgentes. ( cf. Pulusblatt, 1925, nr. 12, p. 1)

Mas foi no número 9, do ano de 1927, do mesmo Paulusblatt, em que a preocupação com o reflorestamento foi retomada. Na mesma secção “A Escola da Sociedade União Popular”, o prof. Siegrfied Kniest, secretário itinerante, ocupou-se com o tema. 

Começou dizendo que, com suas andanças pelas diversas comunidades como secretário itinerante, pôde observar que em não poucas delas se faz um belo esforço em favor do reflorestamento, especialmente com variedades de eucaliptos; que em extensas regiões, a necessidade de algum tipo de reflorestamento tornara-se inadiável, já que os colonos tinham dificuldade em conseguir lenha, no caso de nada fosse feito. 

Depois o professor sugeriu que se criassem associações para incentivar o plantio de árvores, como estava acontecendo nos Estados Unidos, na França, na Alemanha e em outros países. Afirmou que, apesar das queixas, se faz muito de menos em questões de reflorestamento. Apesar de tudo, porém, há inúmeros exemplos que permitem um certo otimismo. Concluiu referindo o exemplo de um colono que comprou um lote de terra completamente esgotado. O povo dizia que ninguém era capaz de alimentar-se nele. Com paciência e perseverança plantou eucaliptos, árvores frutíferas e outras essências. Não demorou e a terra improdutiva começou a dar resultados além da expectativa e o colono transformou-se referência de como recuperar, aproveitar e fazer render uma terra considerada imprestável. (cf. Paulusblatt, 1927, nr. 9, p. 2-3)

A preocupação pelas florestas  nativas e, mais ainda, o despertar da consciência da necessidade de reflorestar, foi o assunto de  longos artigos  publicados nos números  7, 8,9,10, 11 e 12de Paulusblatt de 1931. 

O primeiro artigo já foi referido quando se falou na situação da cobertura vegetal remanescente no Rio Grande do Sul e na criação  da “Sociedade  de Proteção da Mata” e os “Dias dedicados à Mata”, na década de 1890, inspirados pelo Pe. Pedro Gasper eo Sr. Alfred Grohmann. No nº 8 do Paulusblatt de 1931, o articulista procurou responder a duas perguntas: Porque é preciso plantar mato e a quem cabe planta-lo?

A resposta para a primeira pergunta foi  pragmática. Havia urgência em garantir o suprimento de lenha e de madeira de construção. A escassez para ambas as finalidades alcançara um nível preocupante  na região colonial. A curto prazo previa-se a mesma situação para as colônias ao longo dos rios Pardo e Jacuí e a médio prazo para as colônias situadas na Serra, nas Missões e no Alto Uruguai. Para dar ênfase à sua análise, o articulista reproduziu a  carta de um sócio da Sociedade União Popular.

Aqui entre nós plantam-se enormes  áreas com erva-mate. Mas as pessoas não se dão conta que  a fabricação  da erva-mate requer lenha e que o mato vai sumindo cada vez mais. Da mesma forma a maioria dos colonos tem fornos para secar o tabaco e que exige enormes quantidades de lenha.  

Participei do Congresso dos Católicos em Arroio do Meio. A região agradou-me muito, principalmente no que diz respeito à qualidade dos solos. O que, porém, me entristeceu foi a quase total ausência de mato e em lugar algum foi possível observar a menor iniciativa de plantio de mato. (Paulusblatt, 1931, nr. 8, p. 2)

Depois de encarecer a urgência  de plantar mato por razões pragmáticas, o articulista levou a questão a um nível de discussão mais amplo. A problemática florestal ultrapassa uma simples análise de uma situação local, para transformar-se numa questão ética. Lembrou para tanto uma afirmação feita trinta anos antes pelo “apóstolo” da mata, Alfred Grohmann.

Quem priva a sua propriedade da madeira indispensável, comete um crime contra a geração futura. Num País uma reserva suficiente de matas é de grande importância para a economia nacional. O governo do nosso Estado faria muito bem em dedicar uma atenção maior ao reflorestamento. (Paulusblatt, 1931, nr. 8, p. 2))

Em resposta à pergunta “a quem cabe a obrigação do reflorestamento”, o articulista respondeu com as seguintes considerações.

Em primeiro lugar pela sua própria natureza cabe ao Estado a responsabilidade e a tarefa de proteger as reservas  florestais e, ao mesmo tempo, incentivar e orientar os florestamentos e reflorestamentos. 

Em segundo lugar, já que o Estado é incapaz  de faze-lo ou não se preocupa como deveria, o reflorestamento poderia ser posto em prática por meio de associações ou cooperativas, oriundas da iniciativa privada e para tal fim criadas. Colonos isolados em suas pequenas propriedades não tem condições para enfrentar o problema.

Já no nº 9 de 1931 do Paulusblatt, foi proposto um projeto completo de reflorestamento cooperativo que poderia ter sido implantado perfeitamente, por exemplo, no médio Caí. O ponto de partida poderiam ser as colônias localizadas a partir de São José do Hortêncio, em direção norte, passando pelo vale do Cai e o Cadeia, até Nova Petrópolis e Padre Eterno. As colônias mediam em  média  em 1931, 200 metros de largura por 2000 de comprimento. Começavam na barranca dos rios, subiam pelas encostas até o topo dos morros ou, conforme o caso, seguiam além até atingir o comprimento padrão. 

A proposta consistia em reunir os proprietários em grupos e 30, 40 ou 50. Esses grupos formariam a base para as cooperativas de reflorestamento. Na prática os procedimentos seriam os seguintes:

Uma vez definido o grupo, seria convocada uma primeira reunião na qual se analisaria a questão da plantação do mato. No caso de que o grupo fosse composto por 30 proprietários interessados e dispostos a se comprometer com o projeto, uma comissão seria escolhida para determinar a faixa de terra a ser destinada para o reflorestamento. Integrariam necessariamente a comissão os dois proprietários dos lotes limítrofes da área escolhida e cujas propriedades se avaliariam as condições requeridas para um reflorestamento. Mas não é suficiente que a comissão demarque a faixa de terra  a ser  replantada com mato. É preciso proceder também a uma análise do solo, verificar se a rocha aflora ou se encontra em maior profundidade, se o sub solo é saibroso, se a camada de solo é profunda, pantanosa ou mais enxuta. Esses dados fornecidos pelo proprietário, servem para organizar um cadastro que fornece a base para escolher o tipo de árvores mais adequadas e, desta forma, programar o plantio com a maior probabilidade de êxito possível. 

Por razões práticas, as faixas escolhidas para o reflorestamento deveriam localizar-se  a mais ou menos 1400  1600 metros contados a partir do travessão inferior. Localiza-se desta forma mais ou menos no meio da colônia e na meia encosta. A preferência por essa faixa é motivada, em primeiro lugar, pela relativa proximidade das moradias, tornando o abastecimento de lenha mais cômodo. Em segundo lugar corresponde a uma faixa localizada na propriedade onde o desmatamento se deu por primeiro. 

Uma vez concluídos esses trabalhos preliminares, seria convocada uma reunião na qual a comissão apresentaria  os resultados e as conclusões do levantamento. Todos teriam oportunidade de externar suas opiniões, dar sugestões e propor alternativas.

Vencida mais essa etapa partir-se-ia para a fundação da cooperativa de reflorestamento. A diretoria seria escolhida e estipulada a contribuição. Essa deveria ser no mínimo de 20$000, para formar um pequeno capital capaz de arcar com as despesas correntes do empreendimento. Na mesma reunião deveria verificar-se quem dos proprietários estaria em condições e com disposição para manter um viveiro no qual os demais se abasteceriam de mudas. (cf. Paulussblatt, 1931, nr. 9, p. 1-2)

Uma vez acertada a faixa a ser reflorestada, chegou o momento de passar para etapa seguinte: a escolha das espécies e as técnicas de plantio. Esse assunto foi tratado nos números  de outubro, novembro e dezembro de 1931, em Paulusbltt. No número de outubro foi apresentado um modelo concreto de reflorestamento, dando ênfase  à finalidade prática de plantio, à escolha das espécies, conforme a sua finalidade, como por exemplo, lenha, tábuas, madeira de construção e os respectivos cuidados a serem tomados em conta, no manejo da mata plantada. No número seguinte, novembro de 1931, o articulista concentrou-se no controle das pragas que ameaçam as faixas de replantio de árvores, com destaque para as formigas. 

No sexto seguimento, dezembro de 1931, foram enumeradas as vantagens de um plantio sistemático de mato.

- O suprimento contínuo e indefinido de lenha e madeira de construção.
- A distribuição regular e abundante das precipitações pluviométricas pois, as florestas são fatores importantes de equilíbrio neste particular. Além disso, as raízes e o sombreamento controlam a evaporação, garantem a perenidade dos mananciais subterrâneos e evitam que as fontes sequem com qualquer estiagem um pouco mais prolongada. 
- As matas garantem solos de alta fertilidade constantemente reforçada com a queda das folhas e dos galhos que, ao se decomporem, renovam e avolumam a cada de húmus.
- Essa vantagem está intimamente relacionada com a anterior. A camada de húmus é indispensável para garantir a fertilidade do solo. (cf. Paulusblatt,  1931, nr. 10, p. 10, 11, 12).

Essa sequência de seis matérias publicadas na revista de formação e informação mais importante da Sociedade União Popular, demonstra  uma preocupação inequívoca para com a conservação e reposição das matas. E isto há 90 anos, numa época  em que as grandes áreas de   matas virgens do Alto Uruguai, Centro-Oeste de Santa Catarina e oeste do Paraná, pareciam garantir opções de colonização a perder de vista. Na época assumir  uma posição tão decidida em favor da preservação das matas e propor projetos sérios de reposição das delas em áreas nas quais o desmatamento já havia ultrapassado os níveis desejáveis, significou, sem dúvida, uma definição de coragem e lucidez. 

Essa posição defrontava-se com três dificuldades nada desprezíveis: a primeira provinha do fato de os lotes coloniais com suas pequenas áreas não favorecerem a mentalidade preservacionista. A segunda tinha a ver com a mentalidade imediatista e individualista da maioria dos colonos. A terceira estava no fato de que há 90 anos passados os adeptos da preservação da natureza não passavam  em muito de figuras meio exóticas, meio fora do contexto, meio visionarias. A situação era quase a oposta de hoje.  Hoje, pertencer a uma entidade de proteção à natureza, discutir o assunto, estigmatizar os não preservacionistas como criminosos, como coveiros do planeta e dos seus habitantes humanos e não humanos, empresta uma certa aura às pessoas. Naquela época se dava o contrário. Por isso mesmo, uma atitude coletiva, como a da Sociedade União Popular, preocupando-se com a preservação das matas ainda existentes e pelo replantio das áreas devastadas, revestiu-se de um sentido muito mais profundo e de um valor incomparavelmente  maior do que  numa época como a nossa em que é politicamente correto e obrigatório adotá-lo. 

A preocupação para com o ambiente natural, a preservação da natureza original, a recomposição da paisagem adulterada pelo homem, encontrou adeptos qualificados na década de 1930 e 1940. Seria muito longo enumera-los todos no âmbito limitado de um capítulo. Como referência, escolhi o Pe. Balduino Rambo, maior botânico que o rio Grande do Sul já conheceu, inventariante incansável da flora do Estado e sincero admirador da nossa paisagem natural. Em maio de 1942, apareceu a primeira edição da sua obra prima, intitulada “A Fisionomia do Rio Grande do Sul”. Nela o autor retratou o Estado do Rio Grande do Sul em todos os seus aspectos naturais mais significativos, tais e quais se apresentavam no final da década de 1930:  a geologia, a topografia, a cobertura vegetal, campos, matas, áreas agrícolas, animais, clima, paisagens humanizadas. O último capítulo ele dedicou a considerações sobre a proteção à natureza. Sendo difícil acrescentar alguma coisa ou omitir outro tanto, é pertinente reproduzir o texto original.

O homem filho desta terra, que fornece o pão de cada dia e os símbolos da vida espiritual, sente um respeito inato perante a fisionomia desta sua mãe e pátria. Enquanto o espaço é suficiente e a densidade  demográfica pequena, não se tornam muito conscientes tais sentimentos; mas no momento em que as necessidades brutais da vida forçam a interferir sempre mais na expressão natural do ambiente, desperta a dor perante a destruição de suas feições naturais, e o desejo de as conservar, senão no conjunto, ao menos em alguns lugares e nos traços mais característicos.

Assim no curso de todas as culturas humanas, mais ou cedo ou mais tarde, surgem as tendências de proteção ativa da natureza; um povo que se descuidasse deste elemento, seria falto dum requisito essencial da verdadeira cultura humana total, e indigno  da terra, com que a pródiga mão do Criador  o presenteou.

Sob a rubrica de proteção à natureza vai a conservação dos monumentos naturais, das espécies botânicas e  zoológicas periclitantes, das paisagens típicas e originais – tudo isso enquanto as necessidades concretas da sociedade humana o permitirem. A proteção à natureza, em primeiro lugar está a serviço das ciências naturais, antropogeográficas e históricas; em segundo lugar, baseia-se sobre o princípio da ética natural, que considera imoral a destruição desnecessária  ou inconsiderada dos tesouros da beleza nativa; em terceiro lugar, protegendo o que há de preciosos, restaurando o que já sucumbiu, acomodando as obras da mão humana ao estilo da terá, torna-se um aliado de valor da higiene e pedagogia sociais, e um adjutório indispensável da educação nacional.   (Rambo, Balduino, 1942, p. 237-238)

Bicentenário da Imigração - 73

Quando se fala em educação do corpo como precondição para a educação holística e harmônica do caráter e do espírito, lembramo-nos imediatamente  da figura de Friedrich Jahn e do seu sistema proposto como instrumento pedagógico a serviço da nação alemã. Entretanto foram elaborados outros sistemas ou filosofias de vida, destinados  a alcançar objetivos específicos. Entre outros destacam-se “Meu Sistema” de  J. P. Müller na Europa e  e o “Daly Dozen” de Walter Kamp na América. E para não prolongar-me demais vou ater-me um pouco  mais à proposta do jesuíta norte americano William Lockington. Na apresentação da edição alemã de  sua proposta lê-se:

O sistema  de Lockington exibe o formato inaciano. Clara nos objetivos, liberdade na escolha dos meios, enquanto é permitido e se trata de meios aceitáveis e persistência no emprego nos meios escolhidos, foi sempre o espírito do herói de Pamplona. É exatamente este o espírito  que perpassa  esse sistema. Mas também é este o espírito que conduz ao sucesso em todos os campos. Fica evidente que, exercícios do corpo de 15 a 20 minutos todos os dias, não podem deixar de penetrar em nossa carne e sangue, não transformam apenas o nosso corpo como também o caráter e não demorará que, sem o percebermos, agiremos também em outras situações conforme os mesmos princípios, que neste particular nos conduziram a um inegável sucesso. Este sistema foi, portanto, concebido pela sua natureza para elevar e temperar as energias do espírito. A relação não permanece apenas no plano externo na medida em que todo e qualquer aprimoramento do corpo implica também no aperfeiçoamento do espírito, mas o direcionamento para a perfeição do espírito é a alma do negocio. (Lockington-Küble, 1925, p. 17-18) Mais adiante continua.

Aquele que é capaz de executar exercícios com certa facilidade e elegância dá prova irrefutável de que se trata de uma personalidade igualmente bem formada e forte. Os  instrumentos são indispensáveis. Requer-se um espírito equilibrado e vontade. Onde há vontade abre-se um caminho. Não é tarefa para autômatos. Para o verdadeiro homem importa em primeiro lugar o objetivo, só depois a estética.

Diariamente passam para o campo inimigo exatamente jovens talhados para ser magníficos soldados de Cristo. Ao irem em busca  de suas potencialidades naturais são simplesmente levados por uma tendência sadia da natureza. Se lhes oferecemos o que de direito procuram, não serão levados a desertar e a perder-se. No processo de educar a formação do corpo e da alma não podem ser claramente diferenciados. Quem possui o  corpo da juventude terá facilmente a sua alma... Onde reina o verdadeiro espírito impõe-se por si próprio a justa medida. (Lockington-Küble, 1925, p. 23)

Na mesma direção vão as considerações de Tonl Sander em sua obra A Educação do Corpo entre a Juventude masculina. 

Exercitar o corpo não significa simplesmente a “arte de movimentar o corpo”. Foi nesta concepção  que Jahn já condenou os exercícios livres. Eram-lhe tão pouco conhecidos como também a Guts-Muths. Aqueles que criaram a educação do corpo na Alemanha e lhe formularam os fundamentos, basearam a sua doutrina tendo como pressuposto o cenário natural como primeiro e principal instrumentos de ginástica. Somente a orientação posterior (Spiess), que sistematizou a arte de exercitar o corpo, julgava que o corpo pudesse ser educado por meio de exercícios livres. Como elementos dos exercícios  sem alma  constavam o abrir as pernas, rodear, flexionar, alongar, etc. alienados de todo e qualquer objetivo dotado de sentido. Não passavam de movimentos sem vida e não como exercícios em função de um todo integrado. A orientação de Spiess foi a responsável que, durante meio século, a ginástica, o Turnen em escolas e sociedades, fosse sufocado por exercícios áridos, sem vida e artificiais. (Sander,  p. 10)

Os professores de Educação Física  Bensch e Fox observaram em seu livro: Como fazer Ginástica (Was wollen wir Turnen?)

É preciso refletir  mais uma vês sobre o conceito de “Exercício do Corpo”. O exercício do corpo acompanhado de sua educação e eficiência, significa a educação do homem como um todo, pois corpo e alma formam uma só realidade e um não é capaz de realizar algo sem a colaboração do outro. 

Por isso temos que afirmar claramente: Tudo aquilo que não visa uma formação maior e o que não torna mais vigoroso ou prejudica, não faz parte dos nossos exercícios corporais! Portanto, fora com os espetáculos, ( ... ), com os aparelhos unilaterais! Adotemos uma aprimoramento abrangente do homem, que contempla tudo: movimentar-se, praticar esportes, jogar, banhar-se, nadar, lutar, competir, caminhar. Não queremos tornar  o homem mais forte, mais veloz, mais resistente, mais versátil, mais sadio, mas mais livre, mais nobre, mais belo. Afinal o que lucramos quando esgotamos as potencialidades no exercício do corpo e nem sequer tocamos na alma? (Bensch, 1930, p. 1)

A mesma opinião sobre os exercícios físicos e a educação do corpo, expressou Arhtur Latterner, na sua obra “Exercícios Físicos para Moças e Mulheres alemãs”. (Deutsches Mädchen=und Frauenturnen).

A educação do corpo, o “Turnen” constitui-se numa tarefa a serviço da educação do homem como indivíduo e do povo como um todo. Num breve resumo é possível  expressar o que queremos alcançar com a educação do corpo, com o “Turnen”. 

Queremos estimular a resistência e a tenacidade.
No que diz respeito ao corpo:
1. Preservar  a alegria natural que homem experimenta pelo exercício do corpo. 
2. Influir positivamente no desenvolvimento do homem, por meio do robustecimento dos órgãos internos mais importantes para a vida (coração e pulmões) – por meio da massa principal do corpo (músculos e ossos) – por meio do disciplinamento dos nervos (capacidade de coordenação).

No que diz respeito à alma: A confiança em si mesmo e a força de vontade, a disposição e a destreza, o discernimento e a tenacidade.

No que diz respeito ao caráter: Favorecer a clareza do espírito e a alegre disposição da alma.

No que diz respeito ao social e nacional: Desenvolver a consciência de grupo e a camaradagem – habituar-se à organização, à subordinação, à pontualidade e à obediência – cultivar e amadurecer o amor à terra natal e à pátria. 

Trata-se de uma convicção totalmente equivocada achar que a  educação do corpo, o “Turnen”, visa somente o robustecimento do corpo. O objetivo do “Turnen” vai além . As características da alma, o cultivo do espírito também fazem parte da educação do corpo. Em outras palavras: com a educação do corpo, com o “Turnen” pretende-se  atingir o homem como um todo, a fim de educa-lo para se tornar um ser humano sadio,  capaz, com disposição e  alegria para viver e desta forma incorporá-lo como membro útil e de valor na sociedade como um todo.  (Bensch – Fox, 1930, p. 8)

Das opiniões acima mencionadas podem-se tirar as seguintes conclusões.

Primeiro. Os exercícios do corpo (Turnen, ginástica, exercícios...), fazem parte de um amplo conceito que compreende todo e qualquer tipo de exercícios e movimentos do corpo. Tanto faz se  se  trata de exercícios em aparelhos, dum trivial andar pela natureza, duma respiração profunda, da participação num acampamento de escoteiros, de nadar, andar de bicicleta. O importante não é o que se faz, onde acontece, que aparelhos são utilizados ou se encontram disponíveis numa academia. Tudo deve acontecer num clima espontâneo, não em meio a uma rotina neorótica, no qual os exercícios em si, a estética, a competição, o número de quilômetros percorridos, a altura e a distância do salto, a resistência ou a velocidade são colocados como objetivo último. 

Segundo. Todos os autores mencionados condenam o recurso à educação do corpo e os respectivos exercícios, com ou sem aparelhos, com a finalidade única de adestrar o físico na pessoa, ignorando ou até negando as implicações existenciais entre corpo e espírito. Para eles a orientação de Spies, responsável pela exagerada tecnificação, pela supervalorização dos resultados musculares dos exercícios, pela programação matemática dos exercícios, pelo exibicionismo que acompanham não poucas competições, pelo sentido político emprestado a muitas delas, quando métodos  e exercícios levam o corpo aos limites extremos de suas potencialidades físicas pondo em risco a sua própria integridade e, pior ainda, quando se lança mão de artificialismos químicos que forçam os ossos  e músculos a dar resultados não previstos no seu potencial natural. Trata-se de uma concepção oposta aos grandes  teóricos  da ginástica, do “Turnen”, como foram Fiedrich Jahn, Guts Muths, Lockington e muitos outros. Contraria também, para não falar em aberração, da compreensão holística do ser humano, que motiva a prática dos exercícios corporais, o “Turnen”, como instrumento pedagógico a serviço da formação da personalidade, do caráter dos praticantes, em função de objetivos mais maiores e mais nobres. 

Terceiro. Os exercícios do corpo, a educação do corpo deve acontecer de acordo com a concepção holística do ser humano, a concepção que o ser humano forma uma realidade existencial una composta pelos dois coprincípios  do corpo e do espírito. Seu corpo, seu caráter, suas manifestações sociais, culturais e religiosas, constituem um “unum” harmônico, conforme o propõe Ludwig von  Bertalanffy na sua obra “Teoria geral dos Sistemas”. De acordo com essa concepção o corpo constitui-se no pressuposto de uma sadia vida do espírito, de um caráter equilibrado, de um relacionamento frutífero com os demais seres humanos e com a natureza em geral e de uma disposição alegre em todas as manifestações da vida. O mesmo já não é possível afirmar de um espírito perturbado, de um ânimo enfermo, de um  convívio social mal sucedido, de uma postura religiosa sombria.

Quarto. A educação do corpo não pode estacionar ao nível dos diversos métodos e exercícios. Em outras palavras. Em nenhuma hipótese é aceitável que o método e os exercícios se transformem na finalidade última da educação do corpo. Devem obrigatoriamente servir  um ideal superior, isto é, a formação do caráter, o desenvolvimento de uma personalidade harmoniosa a serviço da nação como o propõe Friedrich Jahn, a serviço da identidade étnica, como foi proposto em muitas sociedades no sul do Brasil e a serviço da formação do carter como o pede o sistema do jesuíta americano William Lockington. 

Bicentenário da Imigração - 72

A Educação do Corpo – “Turnen”

Os imigrantes alemães ao se estabelecerem no Sul do Brasil, implantaram um paradigma social, cultural, econômico e religioso, até então inédito no País. O Governo Imperial destinou-lhes   grandes áreas de terra cobertas com mata virgem no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. A demora pela distribuição dos lotes,  promessas não cumpridas por parte de funcionários destacados pelo governo para supervisionar os assentamentos, a ausência de uma  ajuda governamental efetiva, o total desconhecimento do entorno geográfico, social e  cultural, a natureza hostil, a falta de prática no enfrentamento da mata virgem e na sua transformação em terra arável, fizeram a vida dos pioneiros muito dura nas primeiras décadas. Os imigrantes foram entregues à própria sorte e o sucesso ou o fracasso dependiam exclusivamente deles próprios. Haviam partido da Alemanha com a firme determinação de nunca mais retornar e ao mesmo tempo construir uma nova querência na distante e desconhecida terra chamada Brasil. Entretanto não voltaram as costas  para a tradição cultural alemã. Pelo contrário. Foi exatamente desta fonte que  hauriram as energias e a perseverança para enfrentar todas dificuldades no afã de domar a mata virgem brasileira e legar aos filhos e netos um futuro seguro e despreocupado.

Depois que as primeiras dificuldades haviam sido superadas, os primeiros taliões de mata virgem  transformados em terra arável e a primeira colheita amadurecida, as famílias dos pioneiros reunira-se para lançar os fundamentos de um convívio social sadio. Onde dois alemães se encontram, diz o ditado, aí funda-se uma comunidade, uma associação, uma sociedade ou um clube.

Uma comunidade típica de colonos alemães no Sul do Brasil, oferece uma organização  tal  que atenda às preocupações maiores dessa gente. Quer dizer: a preservação do espírito e da prática religiosa, a formação escolar elementar mínima. A igreja, a  escola, o cemitério, a casa de comércio, o salão comunitário, a ferraria, o moinho, a serraria, a sapataria, etc.,  não podiam faltar em lugar nenhum. Ainda hoje igreja e escola significam nas pequenas e grandes comunidades a condição mínima, para se poder falar em uma comunidade. 

Pode-se afirmar que nesse sentido os imigrantes alemães não inventaram nada de novo para sobreviverem e prosperarem em meio ao mundo ambiente desconhecido. Também na velha pátria a igreja e a escola constituíam-se nos instrumentos mais importantes para enfrentar a deterioração e degenerescência cultural e religiosa. O ajustamento às circunstâncias peculiares do sul do Brasil, recorrendo aos mesmos instrumentos pedagógicos, fez com os colonos alemães, católicos e protestantes, fossem  cristãos praticantes e que entre eles se contassem muito poucos analfabetos. 

Uma avaliação semelhante pode ser feita em relação ao esporte, à pratica do “Turnen”, dos exercícios físicos visando a educação do corpo. As décadas de 1850 e 1860 podem ser consideradas como o marco referencial para a consolidação da imigração alemã. No interior floresciam centenas de comunidades, solidamente alicerçadas  sobre suas igrejas, escolas, casas de comércio e artesanatos. Na capital do estado, Porto Alegre, e nas florescentes  cidades do interior, comerciantes, artesãos, técnicos, profissionais liberais, professores, religiosos,.....organizaram as comunidades  alemãs urbanas. Também essas comunidades urbanas católicas, protestantes ou liberais, faziam da preservação da identidade uma das preocupações maiores da atividade comunitária. A par da igreja e da escola serviam-se da vida associativa como instrumento permanente para perpetuar a sua maneira de ser alemã, o tempo que fosse possível, mas adaptando-o paulatinamente às circunstâncias peculiares Brasil. E, como um dos meios mais eficientes ao lado do canto, da música, do teatro, etc., multiplicaram-se  por toda a parte instituições destinadas aos exercícios corporais, ao “Turnen”, à ginástica, enfim à educação e ao disciplinamento do corpo.

A intenção do presente texto consiste em avaliar o papel da educação do corpo como instrumento importante na preservação da identidade. Essa questão assume características peculiares em situações históricas determinadas. Por isso mesmo, ao avaliar a importância dos exercícios físicos regulares,  a ginástica, a educação do corpo, entre os imigrantes alemães  e seus descendentes, é forçoso referenciar a análise às condições ambientais, sociais e culturais específicas da região. Os imigrantes alemães que aí se fixaram, formavam um grupo minoritário em meio à população luso-brasileira original,  aos hispânicos e outros que povoaram a região. Transferiram-se para cá de forma definitiva, sem a intenção, mesmo remota, de algum dia retornarem à terra d origem. Pelas leis do Pais  os filhos e os filhos dos filhos, nasciam como cidadãos brasileiros. O entorno social e cultural, predominantemente luso-brasileiro, somado ao português como língua oficial e a consciência, a cada geração mais nítida, do seu pertencimento à nação brasileira como cidadãos, pos em marcha o processo de inserção dos assim chamados “alemães” no todo da nacionalidade brasileira, não apenas sob o aspecto jurídico como, de modo especial, no plano cultural. Em outras palavras, o “abrasileiramento” no seu sentido  global foi-se impondo progressivamente. Na fase mais característica do processo, entre 1920 e 1940, essa identidade em transição costuma ser definida como “teuto-brasileira” ou “teuto-brasileirismo”. Teutos porque continuavam fiéis aos valores, às tradições e, principalmente,  à língua. Brasileiros porque assumiam conscientemente a condição de cidadãos brasileiros natos com todas as consequências inerentes a essa situação legal. 

Foi a serviço dessa trajetória de inserção na realidade brasileira que os imigrantes e seus descendentes recorreram  a educação do corpo nas sociedades, nos clubes, nas instituições de ensino, como instrumento com duplo objetivo. De um lado havia o empenho em preservar de alguma forma, a herança cultural transmitida pelos antepassados e, neste contexto, a língua ocupava um lugar privilegiado. De outra parte havia também a consciência nítida que não havia como não encontrar caminhos para uma inserção cada vez mais profunda e mais definitiva na nacionalidade brasileira. Nessa  dinâmica a questão de fundo  resumia-se  em encontrar a via mais normal possível para colocar a serviço da nacionalidade em construção todo o potencial contido na tradição cultural. Nesse particular os teuto-brasisleiros costumavam pautar a sua ação como cidadãos de acordo com a seguinte  lógica: A pessoa que renega a sua tradição e por isso mesmo a sua identidade, não passa de um mercenário, dum aventureiro, que vende seus préstimos àquele que. lhe oferece o preço mais alto. Como tal jamais será  um cidadão confiável. Portanto a  fidelidade às tradições constitui-se num pressuposto de  cidadania, numa garantia de patriotismo.     Essa lógica  compreensivelmente não foi entendida e, por isso mesmo, não aceita pelo universo luso-brasieliro em geral.    Por um longo período, principalmente durante as quatro primeiras décadas  do século XX, motivou temores  e suspeitas sobre os reais sentimentos, sobre as verdadeiras intenções e a real posição dos teuto-brasileiros no tocante à cidadania.  

Submetendo a história e a dinâmica do associativismo  entre os teuto-brasileiros   a uma análise um pouco mais profunda, transparece  com mais ou menos evidência o que já foi apontado acima: o cultivo e a preservação dos valores culturais trazidos  como herança, a formação do caráter e  da  personalidade que iriam transformá-lo num cidadão existencialmente comprometido como brasileiro. E os fatos não deixam dúvidas sobre o acerto dessa visão histórico-antropológica dos imigrantes e seus descendentes.    

Na obra comemorativa do primeiro centenário da imigração alemã no Rio Grande do Sul, intitulada “ Cem Anos de Germanidade no Rio Grande do Sul – 1824-1924 (Hundert Jahre Deutschtum in Rio Grande do Sul – 1824-1924), são enumeradas 324 associações , mais de 300 no Rio Grande do Sul. Entre elas enumeram-se  sociedades de canto, de teatro, de orquestra, de fotógrafos, para fins múltiplos e até clubes para fumantes. Mas o que mais cai em vista  é a alta porcentagem de associações de canto e número ainda maior de associações e de clubes que se destinavam de alguma maneira a exercícios corporais e o bem estar do corpo. São 150 num número total de 352. Diversas modalidades de esportes podem ser encontradas: andar a cavalo, bolão, tiro ao alvo, etc., Sobressaem de modo especial associações e clubes de ginastas (Turnvereine e Turnklubs) e entre eles o mais importante a Federação dos Ginastas, o “Turenrbund”, a SOGIPA. A publicação comemorativa citada mostra resumida e objetivamente a importância dessas associações e clubes para a maneira de ser alemão ou melhor para a maneira de ser teuto-brasieliro.

Não é possível fazer justiça à Federação dos ginastas no âmbito dos breves dados sobre a vida associativa alemã no Rio Grande do Sul. Seria necessário escrever uma extensa monografia, mesmo que fosse apenas para dar uma noção do que essa Associação realizou para o aprimoramento corporal e moral da juventude teuto-brasileira de Porto Alegre, especialmente na condução exemplar do presidente J. Aloys Friederichs. A atuação da Federação de Ginastas é um hino de louvor ao idealismo alemão, à coerência e à persistência na perseguição dos objetivos que se julgam os acertados. Apoiado pelas simpatias e pela sustentação de praticamente  toda a germanidade da capital, a Federação pode ser considerada a Associação profana mais popular e mais profundamente ancorada em extensas camadas, comprovado pelo elevado número de associados. (Amstadt, 1999, p.)

Num pais como o Brasil em cuja formação concorreram e  concorrem ainda hoje, representantes  dos grupos étnicos de alguma fora significativos, a questão da etnicidade ou melhor da identidade étnica assume, a certa altura, um papel  de relevância toda especial. Manifesta-se claramente na fase inicial do encontro de diversas etnias num contexto de imigração. Essa situação encontra-se magistralmente resumida e expressa em moedas norte americanas: “ex pluribus unum – “de muitos povos origina-se um”. A expressão poderia  constar sem retoques e com o sentido exatamente idêntico, em moedas brasileiras, pois o afluxo imigratório nos dois países foi alimentado por uma heterogeneidade étnica muito parecida.

A gênese  das nações oriundas de raízes étnicas múltiplas começa com a predominância do aspecto “pluribus”. Por uma ou duas gerações, dependendo das circunstâncias geográficas somadas ao entorno social e cultural em que o imigrante foi colocado, além das leis que regem cada caso e disciplinam a imigração, observa-se a tendência de os diversos grupos étnicos desenvolverem mecanismos de defesa para sobreviverem  às dificuldades iniciais. Entre esses mecanismos de defesa o agrupamento por etnias, a preservação dos valores culturais e, principalmente, da língua desempenham um papel fundamental. Em princípio esse fenômeno não tem nada a ver com um enquistamento intencional e muito menos com a resistência a uma inserção comprometida na nacionalidade  a que os imigrantes passam a pertencer para o futuro. No momento em que esse tipo de fatos se verificarem, devem ser creditados a causas alheias ao fato em si da imigração. Tomando o exemplo dos  imigrantes  alemães, a relativa demora e  lentidão  que caracterizou a sua inserção definitiva no todo da nacionalidade   brasileira, ou como se costumava dizer, nos eu “abrasileiramento”, tem a sua explicação  em várias razões peculiares dessa imigração no decurso do século XIX principalmente. As terras a ela designadas eram formadas por um complexo de matas virgens no centro, no noroeste e norte do Estado do Rio Grande do Sul, enfaixadas no centro sul e no nordeste pelos campos naturais, configurava um eficiente isolamento geográfico. O regime da pequena propriedade familiar, voltada para a policultura de subsistência implantado na região, distanciava os imigrantes ainda mais dos luso-brasileiros, donos das vastas estâncias de criação extensiva de gado. Não havia como trocar experiências entre os dois modelos agrários e se houvesse não tinham como, pois se tratava de  duas tradições muito diferentes que se valiam de línguas  muito distantes entre si. O resultado não podia ser outro. Em linhas gerais os imigrantes  organizaram suas comunidades inspiradas no modelo que haviam deixado nas diversas regiões da Alemanha de onde procediam. Fizeram-nas funcionar de acordo com as tradições e costumes que haviam trazido e fizeram do dialeto de cada grupo em particular a sua língua de comunicação quotidiana. A impotência ou o desinteresse do Estado pela educação, fez com eles próprios se encarregassem do ensino e da educação dos filhos, construindo escolas, contratando professores, determinando conteúdos programáticos, implantando uma filosofia pedagógica própria e zelando pelo aprimoramento e a ampliação da oferta. Além desses fatores a distância física das instâncias do poder, principalmente o imperial nas primeiras décadas e, a partir de 1889, as republicanas no Rio de Janeiro, fez com que as comunidades de imigrantes no extremo sul do Pais se consolidassem e multiplicassem como que à margem do Brasil oficial. A não existência de leis específicas  que dispusessem sobre o disciplinamento da inserção do imigrante como, por ex., a obrigação de os nascidos aqui aprenderem o português, reforça a explicação da lentidão do processo.

Pode-se afirmar  sem maior risco de errar que o “Turnerbund”, a Federação dos Ginastas foi o protótipo  da educação, da formação do caráter, da maneira ser teuto-brasileira, no sentido mais amplo do termo. Neste sentido quero destacar o seguinte na Federação dos Ginastas.

Em primeiro lugar impõe-se  o fato de que a ginástica, o “Turnen”,  a educação física, o aprimoramento físico do corpo, por meio  dos mais diversos exercícios, perseguia um objetivo bem mais elevado e mais amplo do que a mera saúde  e  bem estar corporal. Toda essa atividade fundamentava-se  na filosofia de que um corpo sadio e harmonicamente desenvolvido se constitui no pressuposto para o cultivo do idealismo alemão, da coerência e da persistência na perseguição dos objetivos que se julgam acertados. 

Em segundo lugar, a resposta  correta do que se entende como objetivo, foi dada por Friedrich Ludwig Jahn, o pai da educação do corpo, do “Turnen” no seu  sentido original. O desenvolvimento harmonioso e a saúde corporal, “mens sana in corpore sano” – “uma mente sadia num corpo sadio”, serve como instrumento na edificação da nação. Esse objetivo é alcançado por meio de um esforço sistemático, permanente, persistente, na busca  de uma formação completa, de um aprendizado sólido, de um esforço permanente, e de não se deixar desencaminhar por nenhuma tentação e não entregar-se a diversões nocivas à virtude. 

 Em terceiro lugar, a  formação do corpo ao lado dos demais recursos da educação, é colocada como finalidade maior a serviço da formação ética e moral da pessoa, para desta maneira servir de pressuposto para uma sólida  e harmoniosa edificação da nação. Uma pessoa destituída de moral, de ética não é confiável. Assemelha-se a um legionário estrangeiro que vende seus préstimos de aventureiro para aquele que lhe paga o maior preço. 

Quarto. “Turnen”, ginástica, exercícios corporais em todos as suas modalidades, perseguem uma compreensão holística da pessoa, isto é, a disciplina corporal, a postura ética e moral sólida e coerente, devem servir como fundamento inabalável e duradouro para o Estado e a Nação.

Bicentenário da Imigração - 71

Assistência às parturientes.

Além da epedimia da varíola e dos seguidos surtos de tifo, uma outra questão relacionada com a saúde foi motivo de permanente preocupação. Vinha à tona quando da aproximação da data do nascimento de crianças na colônia. Falamos da assistência às paurientes. Complicações direta ou indiretamente relacionados com o parto contaram entre as principais causas  de óbitos de mulheres jovens.

Na sua tese de doutorado publicada na Alemanha com o título “Deutsche Auswanderinnen in Brasilien”, Giesela B. Lermen, começa a sua avaliação sobre a presença da mulher na imigração alemã, com a seguinte constatação: “A mortalidade materna em consequência do parto, é um dos capítulos mais obscuros da história da colônia”.

Não resta dúvida que nos encontramos frente a uma tema, de lado comum em todas as comunidades coloniais e, do outro, um dos menos comentados. De qualquer forma não é difícil formar-se uma ideia da exxtensção e profundidade do problema. Basta tornar conscientes as circunstâncias reinantes no meio colonial durante todo o século XIX e os primeiros anos do século XX, no que se refere à assistência às parturientes. Começa por ai que não havia nem médicos nem hospitais a quem recorrer. No que se relacionava com recursos em casos de doenças  e os problemas surgidos por ocasião de muitos partos, os colonos esetavam entregues à própria sorte. Com isso a mortalidade de mulheres jovens chegou a níveis preocupantes. A autora refere um levantamento feito pelo “Deutsches Volksblatt” em 1908 sobre a expectativa de vida  na colônia. Serviram como base os registros de óbitos da paróquia de São José do Hortêncio entre 1868 e 1908. Os números falam por si mesmos. Dos falecidos entre os 30 e 50 anos de idade, constavam 21 homens e 51 mulheres. O jornal fez o dado acompanhado da observação: “Certamente uma prova cabal da importância da questão das parteiras para a colônia e a urgência para encontrar uma solução para esse problema”.

Os alarmantes ados sobre a mortalidade em função da deficiente assistência às parturientes, reclamava por ações e iniciativas eficientes de duradouras. O Drd. Gabriel Schlatter que conhecia muito bem a sitação da assistência médica na colônia, manifestou-se da seguinte forma sobre o problema, na sétima Assembleia Geral da Associação dos Agricultores do Rio Grande do Sul, realizada em Estrela em 1907:

Posso assegurar-lhes que aqui na colônia alemã no Rio Grande do sul, centenas de colonas morrrem em consequência da assistência defeituosa durante o parato ou elas adoecem pouco temo depois, muitas delas morrem e muitas que, em aso favorável, melhoram parcialmente, continuam a vida toda com aquela sequela. Pois mal passa uma semana, na qual um ou outro dos nossos jornais alemães não traz a participação de luto de que uma mulher e mãe faleceu no apogeu da vida, em consequência de um parto. (citado por G.B. Lermen, 2006, p. 236)

Da fala do Dr. Schlatter resultou um acalorado debate do qual participaram os padres Amstad e Gasper e o pastor Gans. Concluíram que a situação era tão grave que exigia uma ação séria e urgente permanente e a longo prazo.Na proposta estava implícito o propósito  de, de alguma maneira treinar aprteiras para socorrer as parturientes nas comunidades coloniais. Na, entretanto, quela assesmbleia geral não foi proposta nenhuma resolução cdoncreta nesse sentido.  A adoção de uma solução aconteceu no ano seguinte na Assembleia Geral em Santa Cruz do Sul. Por decisão da garnde maioria foi aprovada a criação e uma instituição de treinamento de parteiras fora de Porto Alegre. A decisão apoiou-se na lógica e que a quase totalidade das candidatas procedia do interior colonial e sua atividade seria desenvolvida naqule meio. A escolha do local recaiu sobre a cidade de Estrela pelo fato de o Dr. Schlatter já manter um curso de treinamento junto ao seu consultório convencional. Bastava ampliá-lo.equipá-lo melhor e franquá-lo a candidatas procedentes de toda a região colonial. Infelizmente o curso de treinamente de aprteiras foi foi uma das primeiras iniciativas da Asssociação Riograndense de Agricultores, vítima quando essa Associação foi transformada em Sindicato no ano seguinte. Por decisão unilateral do Sindidcato de Santa  Cruz do Sul, o curso foi transferido para Porto Alegre com a alegação dos benefícios que poderia auferir com a proximidade da Faculdade de Medicina. A decisão implicou na mudança da própria natureza do curso e teve como consequência o afastamento do Ddr. Schlatter e frustrada a intenção de formar especificamente para o meio colônia profissionais procedenes daquele contexto e conhecedoras das características humanos do seu campo de trabalho. Giesla Lermen comentou a situação em foco: 

Apesar da situação assustadora pintada pelo Dr. Schlatter e amaprada nas estatísticas, sobre o estado das coisas relativo ao atendimento às parturientes durante o século XIX na colônia, a presença de parteiras e sua atuação provam igualmente que exercerama profissão  com prontidão e eficiência e cônscias da sua responsabilidade, gozando do reconhecimento da população da colônia. A memória delas foi perpetuada em anúncios fúnebres escsritos por maridos, filhos, noras e genros, assim como em manifestações de gratidão por parte de maridos pelos atendimentos dado às esposas (Lermen, G., 2006, p. 236).

A presença dessas parteiras, sua impotância para a colônia e sua dedicação à causa, foram objeto de referência, de manifestações de reconhecimento e gratidão, resgistrados em almanaques, jornais, periódicos e nas reuniões, associações e congressos. Os nomes de figuras emblemáticas de parteiras no final do século XIX e começos do XX já foram mencionados mais acima ao falamos da Mulher na Germanidade no capítulo sobre a “Gênese da Geramindade

Convém não esquecer que, apesar da dedicação das parteiras, a falta generalizada de médicos, deixava uma grave lacuna na assistência às paturientes. Em situações mais graves como complicações devido a infecções, necessidade de cesariana e outras, a ausência de édicos cobrava  preços muito altos, em não poucaos casos a própria vida da mulher e ou da criança.

Põe-se a essa altura a pergunta: E quem foram essas mulheres parteiras, qual o seu perfil humano e profissional. Para começar a quases totalidade  eram mulheres comuns, casadas com colonos, mães de famílias numerosas, donas de casa, agricultoras nos intervalos em que não se encontravam em missão de atendimento a alguma parturiente. Apropriavam-se dos conhecimentos e das práticas junto a uma profissional experimentada. Mais raros erm os casos em que as aspirantes à profissão passavam por um estágio em algum hospital em Porto Alegre. Em todo o caso todas as parteiras daquela geração dedicavam à profissão como uma autêntica missão, alimentada na solidariedade para com as mães, suas famílias e do compromisso das novas gerações. Por isso mesmo, gozavam do respeito e da simpatia geral. Em contrapartida respindiam com uma discrição à toda prova e um respeito profundo para com as pacientes. Eram personalidades conhecidas e respeitadas como era o padre, o professor. Costumavam ser apelidadas de “Tia-Cegonha – Storchentante”.

Por fom permito-me prestar uma homenagem especial às diaconisas, as “Schwester” e 
as irmãs de caridadae que, por dezenas de anos fizeram com que os hospitais, sanatórios e instituições do gênero, fossem de fato ambientes onde os enfermos e familiares, encotrassem um atendimento digno. Elas, religosoas de ambas as confissões, marcaram sua presença, entre 1900 e 1950, e mais tarde ainda, em dezenas de hospitais, grandes e pequenos, espalhados pelo sul do Brasil. No Moinhos de Vento, nos hospitais de Montenegro, Sinimbu, Panambi, Não me Toque, Taquara e outros atuaram as “Schwester”, as diaconisas. Na Santa Casa de Misericórdia, No Benificência Portuguesa, No Mãe de Deus, no Centenário em São Leopoldo, no Regina em Novo Hamburgo, no Sagrada Família em São Sebastião do Caí, no Pompeia em Caxias do sil e dezenas de outros hospitais menores, marcaram presença as irmãs de caridade de diversas congregações católicas. Ouso afirmar que o nível desses hospitais foi conquistado pela competência, o comprometimento, a dedicação e, porque não deixa-lo claro, pelo amor ao próximo que alimentava essas religiosas de ambas as confissões. O Moinhos de Vento, o Regina, o Mãe de Deus e tantos outros, não teriam a  fama de que hoje gozam, se não tivessem nascido, crescido e se sconsolidade nas mãos dessas religiosas de ambas as confissões. Acima da competência profissional e administrativa zelavam por um comportamento ético rigoroso e o respeito aos pacientes regia o quotidiano dos hospitais e marcava limites para médicos e demais profissionais da saúde.

“O arrumador de ossos – o Knochenflicker”
Outra figura emblemática que circulava pelo meio colônia, ainda até meados do século XX, era o “Knochenflicker – o arrumador de ossos”.

O trabalho pesado na roça, o derrubar mato, o andar a cavalo e outras tarefas do quotidiano, vinham acompanhadas  do risco permanente de fraturas nos braços ou nas pernas. Recorrer a um traumologista, se é que o havia, estava fora de cogitação. O problema costumava ser resolvido por práticos em recolocar ossos fraturados no lugar e imobilizar o braço ou a perna com talas para evitar que o osso se desloasse ou soldasse mal. Um homem ou, comenos frequência uma mulher, costumava socorrer os acidentados de uma ou mais comunidades vizinhas. Davam conta do trabalho com presteza e acustos perfeitamente suportáveis pelos colonos. Não poucas vezes contentavam-se com alguma remuneração em dinheiro, algum gênero alimentício ou até um simples “obrigado”. Colocavam os ossos no lugar valendo-se apenas do tato, imobilizavam o membro com sarrafos, tabuinhas, ou a base seca da folha da taquara, com tamanha habilidade que não se percesbia sequelas posteriores. Costumavam valer-se da cachaça com mestruço para amortecer a dor. Um representante típico de “arrumador de osso” foi o “tio” Anton Hoff, um solteirão que atendia a região de Bom Princípio e Tupandi. Tinha o hábito de tomar uns bons tragos durante a manipulação e feito o trabalho costumava pernoitar na casa do acidentado. Seu trabalho costumava ser tão perfeito que dificilmente ficava uma sequela e não se percebia que o braço ou a perna fora farturada. Assim como ele profissionais práticos circulavam em todas as regiões de colonização alemã, italiana, polonesa e outras. Em escala mais modesta faziam parte do cenário da época ao lado das parteiras.

A situação começou modificar-se lentamente, e para melhor, com o desesnvolvimento urbano, a partir da segunda metade do século XIX. Médicos diplomados foram abrindo cada vaez mais consultórios em Porto Alegre, Pelotas, Rio Grande, Santa Maria e outras cidade, oferecendo um atendimento qualificado nas Santas Casas e nos hospitais que foram surgindo. Médicos igualmente diplomados instalaram consultórios até em localidades mais remotas, arredando para o lado charalatães, os assim chamados “médicos práticos”, farmacêuticos e até contínuos de farmácia, fazendo-se de médicos.

Ao mesmo tempo multiplicaram-se as famácias, laboratórios de manipulação e nos jornais e almanaques multiplicaram-se  os anúncios oferecendo medicamentos para atender às necessidades mais comuns do dia a dia. Mas essa questão mereceria um capítulo à parte.