Quando se fala em educação do corpo como precondição para a educação holística e harmônica do caráter e do espírito, lembramo-nos imediatamente da figura de Friedrich Jahn e do seu sistema proposto como instrumento pedagógico a serviço da nação alemã. Entretanto foram elaborados outros sistemas ou filosofias de vida, destinados a alcançar objetivos específicos. Entre outros destacam-se “Meu Sistema” de J. P. Müller na Europa e e o “Daly Dozen” de Walter Kamp na América. E para não prolongar-me demais vou ater-me um pouco mais à proposta do jesuíta norte americano William Lockington. Na apresentação da edição alemã de sua proposta lê-se:
O sistema de Lockington exibe o formato inaciano. Clara nos objetivos, liberdade na escolha dos meios, enquanto é permitido e se trata de meios aceitáveis e persistência no emprego nos meios escolhidos, foi sempre o espírito do herói de Pamplona. É exatamente este o espírito que perpassa esse sistema. Mas também é este o espírito que conduz ao sucesso em todos os campos. Fica evidente que, exercícios do corpo de 15 a 20 minutos todos os dias, não podem deixar de penetrar em nossa carne e sangue, não transformam apenas o nosso corpo como também o caráter e não demorará que, sem o percebermos, agiremos também em outras situações conforme os mesmos princípios, que neste particular nos conduziram a um inegável sucesso. Este sistema foi, portanto, concebido pela sua natureza para elevar e temperar as energias do espírito. A relação não permanece apenas no plano externo na medida em que todo e qualquer aprimoramento do corpo implica também no aperfeiçoamento do espírito, mas o direcionamento para a perfeição do espírito é a alma do negocio. (Lockington-Küble, 1925, p. 17-18) Mais adiante continua.
Aquele que é capaz de executar exercícios com certa facilidade e elegância dá prova irrefutável de que se trata de uma personalidade igualmente bem formada e forte. Os instrumentos são indispensáveis. Requer-se um espírito equilibrado e vontade. Onde há vontade abre-se um caminho. Não é tarefa para autômatos. Para o verdadeiro homem importa em primeiro lugar o objetivo, só depois a estética.
Diariamente passam para o campo inimigo exatamente jovens talhados para ser magníficos soldados de Cristo. Ao irem em busca de suas potencialidades naturais são simplesmente levados por uma tendência sadia da natureza. Se lhes oferecemos o que de direito procuram, não serão levados a desertar e a perder-se. No processo de educar a formação do corpo e da alma não podem ser claramente diferenciados. Quem possui o corpo da juventude terá facilmente a sua alma... Onde reina o verdadeiro espírito impõe-se por si próprio a justa medida. (Lockington-Küble, 1925, p. 23)
Na mesma direção vão as considerações de Tonl Sander em sua obra A Educação do Corpo entre a Juventude masculina.
Exercitar o corpo não significa simplesmente a “arte de movimentar o corpo”. Foi nesta concepção que Jahn já condenou os exercícios livres. Eram-lhe tão pouco conhecidos como também a Guts-Muths. Aqueles que criaram a educação do corpo na Alemanha e lhe formularam os fundamentos, basearam a sua doutrina tendo como pressuposto o cenário natural como primeiro e principal instrumentos de ginástica. Somente a orientação posterior (Spiess), que sistematizou a arte de exercitar o corpo, julgava que o corpo pudesse ser educado por meio de exercícios livres. Como elementos dos exercícios sem alma constavam o abrir as pernas, rodear, flexionar, alongar, etc. alienados de todo e qualquer objetivo dotado de sentido. Não passavam de movimentos sem vida e não como exercícios em função de um todo integrado. A orientação de Spiess foi a responsável que, durante meio século, a ginástica, o Turnen em escolas e sociedades, fosse sufocado por exercícios áridos, sem vida e artificiais. (Sander, p. 10)
Os professores de Educação Física Bensch e Fox observaram em seu livro: Como fazer Ginástica (Was wollen wir Turnen?)
É preciso refletir mais uma vês sobre o conceito de “Exercício do Corpo”. O exercício do corpo acompanhado de sua educação e eficiência, significa a educação do homem como um todo, pois corpo e alma formam uma só realidade e um não é capaz de realizar algo sem a colaboração do outro.
Por isso temos que afirmar claramente: Tudo aquilo que não visa uma formação maior e o que não torna mais vigoroso ou prejudica, não faz parte dos nossos exercícios corporais! Portanto, fora com os espetáculos, ( ... ), com os aparelhos unilaterais! Adotemos uma aprimoramento abrangente do homem, que contempla tudo: movimentar-se, praticar esportes, jogar, banhar-se, nadar, lutar, competir, caminhar. Não queremos tornar o homem mais forte, mais veloz, mais resistente, mais versátil, mais sadio, mas mais livre, mais nobre, mais belo. Afinal o que lucramos quando esgotamos as potencialidades no exercício do corpo e nem sequer tocamos na alma? (Bensch, 1930, p. 1)
A mesma opinião sobre os exercícios físicos e a educação do corpo, expressou Arhtur Latterner, na sua obra “Exercícios Físicos para Moças e Mulheres alemãs”. (Deutsches Mädchen=und Frauenturnen).
A educação do corpo, o “Turnen” constitui-se numa tarefa a serviço da educação do homem como indivíduo e do povo como um todo. Num breve resumo é possível expressar o que queremos alcançar com a educação do corpo, com o “Turnen”.
Queremos estimular a resistência e a tenacidade.
No que diz respeito ao corpo:
1. Preservar a alegria natural que homem experimenta pelo exercício do corpo.
2. Influir positivamente no desenvolvimento do homem, por meio do robustecimento dos órgãos internos mais importantes para a vida (coração e pulmões) – por meio da massa principal do corpo (músculos e ossos) – por meio do disciplinamento dos nervos (capacidade de coordenação).
No que diz respeito à alma: A confiança em si mesmo e a força de vontade, a disposição e a destreza, o discernimento e a tenacidade.
No que diz respeito ao caráter: Favorecer a clareza do espírito e a alegre disposição da alma.
No que diz respeito ao social e nacional: Desenvolver a consciência de grupo e a camaradagem – habituar-se à organização, à subordinação, à pontualidade e à obediência – cultivar e amadurecer o amor à terra natal e à pátria.
Trata-se de uma convicção totalmente equivocada achar que a educação do corpo, o “Turnen”, visa somente o robustecimento do corpo. O objetivo do “Turnen” vai além . As características da alma, o cultivo do espírito também fazem parte da educação do corpo. Em outras palavras: com a educação do corpo, com o “Turnen” pretende-se atingir o homem como um todo, a fim de educa-lo para se tornar um ser humano sadio, capaz, com disposição e alegria para viver e desta forma incorporá-lo como membro útil e de valor na sociedade como um todo. (Bensch – Fox, 1930, p. 8)
Das opiniões acima mencionadas podem-se tirar as seguintes conclusões.
Primeiro. Os exercícios do corpo (Turnen, ginástica, exercícios...), fazem parte de um amplo conceito que compreende todo e qualquer tipo de exercícios e movimentos do corpo. Tanto faz se se trata de exercícios em aparelhos, dum trivial andar pela natureza, duma respiração profunda, da participação num acampamento de escoteiros, de nadar, andar de bicicleta. O importante não é o que se faz, onde acontece, que aparelhos são utilizados ou se encontram disponíveis numa academia. Tudo deve acontecer num clima espontâneo, não em meio a uma rotina neorótica, no qual os exercícios em si, a estética, a competição, o número de quilômetros percorridos, a altura e a distância do salto, a resistência ou a velocidade são colocados como objetivo último.
Segundo. Todos os autores mencionados condenam o recurso à educação do corpo e os respectivos exercícios, com ou sem aparelhos, com a finalidade única de adestrar o físico na pessoa, ignorando ou até negando as implicações existenciais entre corpo e espírito. Para eles a orientação de Spies, responsável pela exagerada tecnificação, pela supervalorização dos resultados musculares dos exercícios, pela programação matemática dos exercícios, pelo exibicionismo que acompanham não poucas competições, pelo sentido político emprestado a muitas delas, quando métodos e exercícios levam o corpo aos limites extremos de suas potencialidades físicas pondo em risco a sua própria integridade e, pior ainda, quando se lança mão de artificialismos químicos que forçam os ossos e músculos a dar resultados não previstos no seu potencial natural. Trata-se de uma concepção oposta aos grandes teóricos da ginástica, do “Turnen”, como foram Fiedrich Jahn, Guts Muths, Lockington e muitos outros. Contraria também, para não falar em aberração, da compreensão holística do ser humano, que motiva a prática dos exercícios corporais, o “Turnen”, como instrumento pedagógico a serviço da formação da personalidade, do caráter dos praticantes, em função de objetivos mais maiores e mais nobres.
Terceiro. Os exercícios do corpo, a educação do corpo deve acontecer de acordo com a concepção holística do ser humano, a concepção que o ser humano forma uma realidade existencial una composta pelos dois coprincípios do corpo e do espírito. Seu corpo, seu caráter, suas manifestações sociais, culturais e religiosas, constituem um “unum” harmônico, conforme o propõe Ludwig von Bertalanffy na sua obra “Teoria geral dos Sistemas”. De acordo com essa concepção o corpo constitui-se no pressuposto de uma sadia vida do espírito, de um caráter equilibrado, de um relacionamento frutífero com os demais seres humanos e com a natureza em geral e de uma disposição alegre em todas as manifestações da vida. O mesmo já não é possível afirmar de um espírito perturbado, de um ânimo enfermo, de um convívio social mal sucedido, de uma postura religiosa sombria.
Quarto. A educação do corpo não pode estacionar ao nível dos diversos métodos e exercícios. Em outras palavras. Em nenhuma hipótese é aceitável que o método e os exercícios se transformem na finalidade última da educação do corpo. Devem obrigatoriamente servir um ideal superior, isto é, a formação do caráter, o desenvolvimento de uma personalidade harmoniosa a serviço da nação como o propõe Friedrich Jahn, a serviço da identidade étnica, como foi proposto em muitas sociedades no sul do Brasil e a serviço da formação do carter como o pede o sistema do jesuíta americano William Lockington.