Entre as páginas 165 e 185, o Relatório reproduz dois memoradums, um da autoria de Victor Englert e J. Gross e o outro de Franz Metzler. Os dois dão uma boa idéia daquilo que os intelectuais católicos teuto-brasileiros pensavam do nazismo, do alerta que faziam às autoridades sobre a ameaça que representava para os alemães e seus descendentes radicados no Rio Grande do Sul e sugestões para prevenir o avanço da propaganda e seus agentes.
O memorandum de Englert e Gross começa apontando como, durante um século e pouco, os imigrantes realizaram gradativamente a sua integração na sociedade nacional. Sem renegar nem a língua nem as tradições, tornaram-se brasileiros de espírito e de intenções, como o provam inúmeros fatos dessa história.
As igrejas, as escolas, as sociedades e associações em geral foram vias de acesso dessa gente à realidade nacional e os grandes responsáveis pela adesão às coisas nacionais. O descobrimento da língua vernácula, o seu conhecimento apenas precário por parte de muitos, de forma alguma são provas de pouco ou nenhum espírito nacional. Essa situação foi o resultado inevitável das condições em que se deu a colonização nesse período. As escolas criadas e mantidas pelos colonizadores, garantiram a alfabetização para as novas levas de gerações, oferecendo-lhes o ferramental mais indispensável para que sobrevivessem e tivessem condições de participar da construção de uma sociedade cultural, econômica e religiosamente útil à nação em formação.
Na proporção em que os parco meios de vida e as condições técnicas vinham melhorando, também o ensino do vernáculo, da história e da geografia foram-se acentuando e hoje, entre as mil e quinhentas escolas particulares disseminadas pelas zonas de colonização alemã, está sendo ensinado a cerca de quarenta e cinco mil crianças, o vernáculo, menos bem ou menos mal, de acordo com o meio e as possibilidades materiais e técnicas. O que, porém, não se encontra é a falta de vontade de aprender. (Relatório I, 1942, p. 166)
Os autores continuam suas considerações sobre o esforço e a vontade dos imigrantes como autênticos cidadãos brasileiros, apesar talvez de nem falarem a língua nacional.
Com incalculáveis sacrifícios, os imigrantes e seus descendentes vêm mantendo as suas organizações culturais e sociais, através dos quais vem processando – lenta, mas seguramente – a assimilação das correntes imigratórias. A chamada “colônia germânica” tem vivido sempre na mais perfeita paz, trabalhando incessantemente a bem de sua pátria, que é a brasileira, tomando parte ativa no seu desenvolvimento material e cultural, sentindo-se, enfim, perfeitamente integrada nos problemas nacionais, colaborando com todo o ardor pela sua solução e a grandeza da pátria, sem prejuízo do culto ao tradicionalismo, em homenagem aos seus ancestrais. (Relatório I, 1842, p. 166)
Os autores continuam responsabilizando as células nacional-socialistas, instaladas no meio teuto-brasileiro, como perturbadoras dessa harmonia e tranqüilidade. Ao tentarem apoderar-se de sociedades e associações, conseguiram, até certo ponto, disseminar a discórdia entre os alemães. Em não poucos casos tiveram sucesso, na maioria, porém, foram rejeitados. Referiram-se como um caso exemplar o episódio ocorrido no Turnerbund, hoje Sogipa de Porto Alegre e a Federação Riograndense de Ginástica.
O memorandum passa depois a apontar os resultados que ele chama de “desunião na chamada colônia germânica.
De um lado temos os alemães ou descendentes de alemães que defendem sua condição de brasileiros sem renegar a tradição cultural e, do outro lado, o elemento nazista. Este não poupa esforços para anular e inviabilizar todo o processo e qualquer tentativa de assimilação dos alemães na sociedade nacional brasileira.
Depois o memorandum passa a identificar o cerne da organização da propaganda do nacional-socialismo no Rio Grande do Sul.
Encontramo-los na sede da célula do partido nazista desta capital no Deutsches Haus – Casa Alemã – na rua Voluntários da Pátria, onde se reúnem com toda a regularidade os Chefes e os Pg. (Parteigenossen) – correligionários – agora intitulados Kameraden – camaradas e demais simpatizantes. É centro irradiador de todas as atividades nazistas, modelarmente organizadas nos seus diversos departamentos de cultura, propaganda, imprensa, assistência social, etc. Com seus sub-chefes e doutrinadores, seu jornal próprio “Das Dritte Reich” e as organizações acessórias: a “Deutsche Frauenschaft im Ausland – Associação das Mulheres alemãs no estrangeiro – a Deutsche Arbeitsfront, oficialmente por eles denominada “Sociedade Beneficente e Caritativa” se bem que a tradução literal seja “Frente Alemã de Trabalho” e, ainda o “Deutschbrasilianischer Jugendring” – União da Juventude teuto-brasileira, erroneamente assim denominada pois, se trata de uma célula da “Hitler-Jugend”, organização da juventude hitlerista, como, aliás era sua denominação inicial, alterada em São Paulo numa concentração ai realizada pois, soa melhor no Brasil o titulo “União da Juventude Teuto-brasileira”, do que “Juventude Hitlerista”. Por mais que o neguem seus organizadores, inclusive seu chefe geral Karl Neubart, a União da Juventude Teuto-Brasileira é uma organização da Juventude Hitlerista. Se mais provas não existissem, bastaria a fotografia anexa, representando o seu desfile na parada de 19 de novembro de 1937 em Porto Alegre, onde se vêm as insígnias da Juventude Hitlerista no tambor e nos clarins da Juventude Hitlerista da Alemanha, reproduzidas no clichê que se ajunta a este, publicado numa revista alemã. (Relatório I, 1942, p. 168)
Em seguida o memorandum de Englert e Gross chama a atenção para o fato de os nazistas insistirem em afirmar que suas organizações não estão aí para fazer propaganda política, que o nacional-socialismo não é mercadoria de exportação e outras afirmações nesta linha. Há, contudo, provas mais do que suficientes de que tais atitudes não passam de tentativas de despiste. A verdade é que as células nazistas no exterior têm como incumbência real aliciar para o partido os alemães no exterior e arregimentá-los em torno do líder máximo, o Führer. Representam, portanto, uma ameaça real que tem que ser levada a sério e extirpado o mal pela raiz, sob pena de surgir uma autêntica minoria incrustada nas fronteiras do Brasil, carregando consigo todo o séqüito de conseqüências nefastas que costumam azedar o convívio nacional em tais circunstâncias.
Englert e Gross fazem referências ainda à campanha de esclarecimento contra o perigo nacional-socialista que o “Detsches Volksblatt” vinha encabeçando desde 1931. Acusam as autoridades pela pouca importância que atribuíram ao problema, por desconhecimento da sua gravidade e subestimando a sua importância. Concluem:
A excessiva tolerância havida até por parte do Governo para com o nazismo, estimulava sua ação e dificultava enormemente o trabalho preventivo de defesa, iniciado e mantido pelos brasileiros de descendência teuta. (Relatório I, 1942, p. 170)
Por fim os autores do memorandum recomendam ao chefe de policia três medidas que lhes pareciam necessárias para frear e acabar com a propaganda nazista.
1º Fechamento de todas as células nazistas, com todos os seus departamento e sub-organizações, inclusive a dissolução da chamada “Juventude Teuto-Brasileira”, adotando-se medidas eficientes capazes de evitar a sua organização sob outro rótulo;
2º Proibição da divulgação da doutrina racista e da comunhão sanguínea, inclusive a proibição da circulação de jornais, revistas e publicações na imprensa nacional da mesma doutrina;
3º Nas escolas primárias o ensino só deve ser ministrado por estrangeiros se estes residirem no Brasil há mais de cinco anos, não pertencerem a partido político e tiverem feito exame de suficiência em português, história geografia do Brasil (Relatório I, 1942, p. 170)
O segundo memorandum constante no Relatório I, foi enviado pelo Dr. Franz Metzler, diretor e proprietário do jornal brasileiro em língua alemã “Deutsches Volksblatt”. Em linhas gerais defendeu mesma posição de Englert e Gross. Há, porém, neste caso um detalhe que confere uma importância bem maior ao documento. Como redator do jornal católico em língua alemã mais influente do Rio Grande do Sul, expressa a linha editorial oficialmente adotada pelo jornal desde 1931, quando alertou por primeiro os seus leitores contra o nacional-socialismo.
O documento começa como uma declaração de fidelidade à cidadania brasileira e, ao mesmo tempo, com uma tomada de posição inequívoca contra a infiltração da propaganda nazista no Estado:
( ... ) pois, como jornalista brasileiro que consagra seus serviços à comunidade nacional, aos quais um bom cidadão não se pode eximir, venho de sustentar, já desde anos, ou melhor desde que se tornavam perceptíveis correntes que, por meio de uma desnacionalização consciente intentada na parte da população brasileira descendente de alemães acompanhado com vivo interesse e a qual posso, sem exagero e sem falsa modéstia, considerar como um serviço que presto à Pátria Brasileira (Relatório I, 1942, p. 171)
O Dr. Franz Metzler continua mostrando como desde o início de 1931 vinha combatendo o nazismo, muito antes que isso acontecesse em qualquer outro órgão da imprensa, inclusive da imprensa em língua vernácula. Sugere em seguida que não se proíbam indiscriminadamente os jornais em língua alemã. Pelo contrário. Que se permita a circulação daqueles e, também, de outras publicações seriamente engajadas nos interesses nacionais brasileiros. Propõe que esses jornais estampem ao lado do seu titulo: “Jornal brasileiro em língua alemã”. Sua lógica é simples. Assim como os jornais em língua alemã não são jornais brasileiros pelo fato de propagarem ideologias anti nacionais, assim também pode haver jornais em língua portuguesa a serviço dessas mesmas ideologias anti nacionais. Portanto, para ser classificado como brasileiro, um jornal deve estar a serviço do causa nacional. Não importa em que língua esteja publicado. De outra parte, um jornal é anti brasileiro ou anti nacional no momento em que é posto a serviço de agentes desnacionalizadores. Também neste caso é secundário o fato de ser publicado em alemão, em italiano ou até em português. Pondera ainda o autor do memorandum que a interdição pura e simples e a proibição de todos os jornais em língua alemã, faria com que as populações que os lêem e não entendem o português, ficassem privadas de toda e qualquer informação ou esclarecimento. Logicamente se tornariam mais vulneráveis à propaganda clandestina, seja de publicações, seja da parte de agentes doutrinadores, que conseguem burlar a vigilância policial e se infiltram nas comunidades alemãs.
Metzler analisa em seguida a questão das escolas. Começa afirmando que as escolas comunitárias, espalhadas pelas regiões coloniais, se serviam (na década de 1930) de maneira generalizada da língua alemã como língua de ensino. Comenta que com a escola ocorria o mesmo problema levantado em relação à imprensa em língua alemã, isto é, que estava serviço da resistência à nacionalização do elemento teuto-brasileiro, ou à sua completa e definitiva inserção na sociedade nacional. Pondera que medidas extremas visando a eliminação da língua alemã nas escolas seriam contraproducentes. Mais ainda. Dificultariam, em última análise, o aprendizado correto do português.
Refere-se depois a uma opinião muito generalizada que a escola alemã, não raro, funcionava em “pobres casebres” e era atendida por professores “aos quais faltava qualquer preparo profissional”. (Relatório I, 1942, p. 180) Criticava-se também o fato de terem sido “administradas outrora por professores que não dominavam o idioma do país”. (Relatório I, 1942, p. 1819). Sempre segundo Metzler, essas críticas mascaram um fato importante. Ao contrário do que se dizia, essas escolas prestaram, apesar de suas deficiências, um serviço patriótico apreciável.
Sem elas a infância, na falta de aulas públicas, teria ficado imersa nas trevas do analfabetismo; sem elas a zona colonial não teria alcançado o grau de prosperidade e progresso que ora apresenta. (Relatório I, 1942, p. 181).
Em seguida Metzler expõe ao chefe de policia a posição que era corrente entre os teuto-brasileiros e suas lideranças mais legítimas, na questão da escola, da língua e da manutenção da tradição cultural.
É sabido, e já foi confirmado frequentemente, por chefes do governo, que os imigrantes alemães em nosso estado se integraram na comunidade nacional como amigos da ordem e do progresso. Se até há bem pouco tempo os colonos alemães assim chamados ocupavam e ainda hoje ocupam uma posição toda especial na comunidade nacional por se servirem, entre si, do idioma dos antepassados e muitos desses ainda não se exprimiam na língua vernácula, não se deduza disso que eles se opõem à aprendizagem da língua do país. Sou, a bem da verdade, o último a negar que o brasileiro de etnia alemã, por um são respeito a si mesmo, sempre gostou de cultivar a língua e os costumes de seus antepassados; sim, tenho até prazer em afirmá-lo, por estar firmemente convencido de que não se conseguirá a realização do elevado ideal de brasilidade quem não possua a dignidade individual e coletiva. Mas duvido, baseado na experiência adquirida como diretor responsável e chefe de redação de um jornal brasileiro em idioma alemão, duvido, repito, e nego que os imigrantes alemães e seus descendentes não tenham querido aprender o português. Dá-se justamente o contrário, e provam-no os progressos que neste sentido foram alcançados nos últimos decênios, com recursos escolares primitivos, mas criados por iniciativa própria.
As escolas das colônias representam uma obra cultural de primeira ordem: os esforços culturais empenhados em prol da pátria brasileira têm suas bases nesses modestos estabelecimentos, organizados por gente singela, a poder de enormes sacrifícios. Elas nos são úteis, conquanto não possam ser apontadas como instituições modelares; preenchem uma lacuna que o Estado e o Município até hoje deixaram aberta Por isso, não se deve, a bem da justiça ao formular um juízo sobre as escolas dos núcleos coloniais, examinar como deveriam ser organizadas para passarem por institutos modelo; deve-se, ao contrário, perguntar que seria de certas regiões coloniais, se não existissem essas escolas....
Quem ante esses fatos, seria capaz de nutrir a suspeita de que as escolas particulares rurais se desenvolvem num ambiente anti-nacionalista? Deve-se exatamente à sua existência, o reconhecer-se a necessidade de generalizar, lentamente sim, mas com segurança, o conhecimento do nosso idioma! Não será um grande mérito dessas escolas o fato de os colonos, como coletividade de gênero especial, não figurarem como um órgão atrofiado ou uma excrescência exótica no organismo nacional? Pois, permita-se-me dizer, nesta conjuntura, que a índole patriótica não depende do conhecimento e uso exclusivo da língua pátria. Podemos imaginar traidores entre o povo que não conhece outro idioma senão a língua pátria, enquanto por outro lado, uma nacionalismo que esteja alheio a preconceitos, vem registrando com prazer e júbilo o espontâneo patriotismo entre os descendentes de alemães, que têm o Brasil como sua pátria, consagrando só a ele sua dedicação cívica e todos os seus esforços. (Relatório I, 1942, p. 181-182
O Dr. Metzler sugere depois ao chefe de policia que a nacionalização da escola se faça sob o lema “conservar melhorando”, (Relatório I, 1942, p. 183) já que a escola prestara tão relevantes serviços em termos de alfabetização e de educação relativa à brasilidade prática dos teuto-brasileiros. Alertou ainda que uma intervenção radical e brusca só serviria para despertar animosidade entre as populações de origem alemã. “Pois, nada fere tão profundamente a alma honesta e digna como a repulsa imponderada que sofre a boa vontade manifestada por corações sinceros”. (cf. Relatório I, 1943, p. 183) Finalmente pondera que as tentativas de infiltração nazista não surgiam no interior das escolas, mas incentivadas de fora, e o Governo nada mais fazia do que cumprir sua obrigação quando se propunha neutralizá-la.
No final do memorandum endereçado ao chefe de polícia, o Metzler resume seu pensamento sobre a escola:
A interdição das escolas alemãs assim denominadas, as quais, na realidade, são escolas particulares de associações brasileiras de descendentes alemães, não alcançaria o seu objetivo, isto é, a eliminação da doutrina racista totalitária, cujos progressos importariam na verdade, que se removeria assim uma entidade a cuja posse os apóstolos de um povo imaginário de cem milhões de habitantes aspiram, porém, a comunidade nacional brasileira ficaria, por força de uma proibição, privada da mesma forma de um fator que até então era de tanta utilidade e do qual, mediante uma ponderada reorganização, sem dúvida, auferiria vantagens ainda maiores.
Ou querem, talvez, dizer os boatos que não proíbem as escolas particulares rurais como tais, mas somente o uso elas da língua alemã? Também essa medida teria de revelar-se contraproducente visto que os pais a quem a nova constituição de 10 de novembro de 1937, no artigo 125, garante o direito de educarem os filhos, que falam o alemão aprendido na casa paterna, não poderiam, numa escola que não se articula no cabedal existente, da língua que os alunos falam, ter o desejado aproveitamento em nenhuma disciplina, nem na aprendizagem do vernáculo. (Relatório I, 1942, p. 184)
O memorandum sugere algumas considerações.
Primeiro. Expõe para a autoridade policial, com toda a clareza e sem reticências, a imagem que faziam de si próprios os teuto-brasileiros quando se tratava de situar-se no contexto brasileiro. Assumiam a cidadania com todas as conseqüências práticas. Estavam convictos de que o fato de continuarem a falar os seus dialetos, de usar a língua alemã como língua de ensino nas escolas, de se reunirem em suas sociedades e associações étnicas, de continuarem a editar seus jornais, almanaques e periódicos em lingu alemã de, enfim, preservarem seus hábitos, costumes e valores, em nada diminuía os compromissos e obrigações de cidadãos brasileiros. Pelo contrário. Oferecia-lhes condições melhores para assumir conscientemente a cidadania e praticá-la na sua plenitude.
Segundo. O memorandum chama a atenção a um ponto muito importante. No caso da imprensa faria muito sentido estabelecer a distinção clara entre jornais alemães, periódicos, almanaques e outros impressos alemães. Numa categoria seriam enumerados aqueles que de fato, além de publicados em língua estrangeira, estavam a serviço de ideologias estranhas como, por ex., nazismo, fascismo, comunismo e outras. Numa outra categoria constariam as publicações em língua estrangeira, no caso específico, em língua alemã, aquelas destinadas a veicular assuntos religiosos, notícias sociais, informações econômicas e conteúdos meramente culturais. Conviria, segundo a proposta de Metzler, falar em imprensa estrangeira propriamente dita e imprensa brasileira em língua alemã.
O autor continua raciocinando que, assim como as ideologias exóticas e perniciosas podem penetrar através de jornais e publicações em língua portuguesa, da mesma forma jornais em língua alemã estão em condições de combater com grande eficiência a infiltração dessas ideologias, combatendo-as diretamente ou pondo-se a serviço dos interesses nacionais e conclamando os imigrantes de origem alemã para assumirem plenamente a sua cidadania.
Neste ponto, aliás, ninguém mais autorizado para opinar do que o próprio Dr. Metzler. Já em 1931 ele denunciara, nas colunas do seu jornal “Deutsches Volksblatt”, a periculosidade da ideologia nacional-socialista e as suas tentativas de penetração no meio brasileiro. O alerta, portanto, ocorrera numa época em que nazismo contava com uma ampla simpatia também entre vastos círculos brasileiros, inclusive entre ocupantes da mais alta administração pública, tanto federal como estadual.
Em resumo, o que o Dr. Metzler propôs foi a vigilância e, em casos mais sérios, o fechamento de jornais ou publicações a serviço de qualquer ideologia perversa, editados em língua estrangeira e também em língua vernácula. De outra parte, deveriam ser preservados e até incentivados os jornais, mesmo em língua estrangeira, que se opusessem a essas correntes exóticas e deletérias e assumissem uma postura patriótica em relação ao Brasil.
Essa questão assumia, na época, uma importância indiscutível, porque a população colonial de origem alemã, quando tinha acesso a jornais em português, na sua imensa maioria não os aproveitava pois, do domínio do vernáculo era precário demais. Privá-los dos seus jornais, almanaques ou revistas em alemão, significava expô-los, sem defesa à propaganda clandestina de publicações as mais diversas e ao assédio dos agentes mascarados do nacional-socialismo.
Terceiro. Ao falar da escola, o autor do memorandum seguiu um raciocínio semelhante ao utilizado quando comentou a imprensa. A escola teuto-brasileia, em vez de ser transformada em vilã retardando o “abrasileiramento” dos assim chamados “alemães”, poderia ser considerada também como um fator positivo, e por várias razões, Em primeiro lugar, fora ela a responsável pelo baixíssimo índice de analfabetos entre os imigrantes alemães no Sul do Brasil. A ela, portanto, se devia creditar que essas populações não se deculturassem, mas conseguissem firmar-se e prosperar. Em segundo lugar, coube à escola teuto-brasileira o mérito de que, aqui o Brasil, os alemães não se isolassem numa minoria irredenta, como aconteceu em vários países da Europa. Era na escola que se inculcava que culto da língua e dos costumes alemães de forma alguma deveria servir de pretexto para se sentirem menos comprometidos como cidadãos brasileiros. E, de fato, ao longo da história da presença alemã no Brasil, nunca partiu deste meio qualquer movimento apreciável de separatismo. As tentativas sérias de secessão, como Guerra dos Farrapos, e os grupos atuais, embora com a participação de alemães, tiveram e têm sua origem em outras plagas e não foram motivadas por razões de enquistamento ou nacionalismo étnico. Essa dedução confirma-se com o que consta no Relatório I:
Os brasileiros descendentes de alemães são hoje, sem exceção, concordes em que, por motivo de seu apego ao que lhes é paterno e da sua predileção pela língua de seus progenitores, não formam, de modo algum, uma minoria nacional no seio da família brasileira, como na velha Europa, onde há minorias entre vários povos, cuja existência constantemente dá margem a graves tensões na política interna e externa. O Brasil não possui minorias nacionais. (Relatório I, 1942), p. 185)
Quarta. Sempre segundo o memorandum do Dr. Metzler, não se pretendeu que a escola teuto-brasileira permanecesse indefinidamente como estava, isto é, usando a língua alemã como língua de ensino. Aliás, essa discussão já se achava em curso nos meios educacionais teuto-brasileiros. Os tempos exigiam adaptações urgentes, e a forma de fazê-las fazia parte das discussões. As preocupações de Metzler iam no sentido de que a adaptação da escola não se fizesse de maneira brusca, intempestiva e, pior, suprimindo-a pura e simplesmente. Conforme ele o correto era “conservar melhorando”.