Bicentenário da Imigração - 59

Entre as páginas  165 e 185, o Relatório reproduz dois memoradums, um da autoria de Victor Englert e J. Gross e o outro de Franz Metzler. Os dois dão uma boa idéia daquilo que os intelectuais católicos teuto-brasileiros pensavam  do nazismo, do alerta que faziam às autoridades sobre a ameaça que representava para os alemães  e seus descendentes radicados no Rio Grande do Sul e sugestões para prevenir o  avanço da propaganda e seus agentes. 

O memorandum de Englert e Gross começa apontando  como, durante um século e pouco, os imigrantes  realizaram gradativamente a sua integração na sociedade nacional. Sem renegar  nem a língua nem as tradições, tornaram-se brasileiros de espírito e de intenções, como o provam inúmeros fatos dessa história.

As igrejas, as escolas, as sociedades e associações em geral foram vias de acesso dessa gente à realidade nacional e os grandes responsáveis pela adesão às coisas nacionais. O descobrimento da língua vernácula, o seu conhecimento apenas precário por parte de muitos, de forma alguma são provas  de pouco ou nenhum espírito nacional. Essa situação foi o resultado inevitável das condições em que se deu a colonização nesse período. As escolas  criadas e mantidas pelos colonizadores, garantiram a alfabetização para as novas levas de gerações, oferecendo-lhes o ferramental mais indispensável para que sobrevivessem  e tivessem condições de participar da construção de uma sociedade cultural, econômica e religiosamente útil à nação em formação.

Na proporção em que os parco meios de vida e as condições  técnicas vinham melhorando, também o ensino do vernáculo, da história e da geografia foram-se acentuando e hoje, entre as mil e quinhentas escolas particulares disseminadas  pelas zonas  de colonização alemã, está sendo ensinado a cerca de quarenta e cinco mil crianças, o vernáculo, menos bem ou menos mal, de acordo com o meio e as possibilidades materiais e técnicas. O que, porém, não se encontra é a falta de  vontade de aprender. (Relatório I, 1942, p. 166)

Os autores continuam  suas considerações sobre o esforço e a vontade dos imigrantes como autênticos cidadãos brasileiros, apesar talvez de nem falarem a língua nacional.

Com incalculáveis sacrifícios, os imigrantes e seus descendentes vêm mantendo as suas organizações culturais e sociais, através  dos quais vem processando – lenta, mas seguramente – a assimilação das correntes imigratórias. A chamada “colônia germânica”  tem vivido sempre na mais perfeita paz, trabalhando incessantemente a bem de sua pátria, que é a brasileira, tomando parte ativa no seu desenvolvimento material e cultural, sentindo-se, enfim, perfeitamente integrada nos problemas nacionais, colaborando com todo o ardor pela sua solução e a grandeza da pátria, sem prejuízo do culto ao tradicionalismo, em homenagem aos seus ancestrais. (Relatório I, 1842, p. 166)

Os autores continuam responsabilizando  as células nacional-socialistas, instaladas no meio teuto-brasileiro, como perturbadoras dessa harmonia e tranqüilidade. Ao tentarem apoderar-se de sociedades e associações, conseguiram, até certo ponto, disseminar a discórdia entre os alemães. Em não poucos casos tiveram sucesso, na maioria, porém, foram rejeitados. Referiram-se como um caso exemplar o episódio ocorrido no Turnerbund, hoje Sogipa de Porto Alegre e a Federação Riograndense de Ginástica.

O memorandum passa depois a  apontar os resultados que ele chama de “desunião na chamada colônia germânica.

De um lado temos os  alemães ou descendentes de alemães que defendem sua condição  de brasileiros sem renegar a tradição cultural e, do outro lado, o elemento nazista. Este  não poupa esforços para anular e inviabilizar todo o processo e qualquer tentativa de assimilação dos alemães na sociedade nacional brasileira. 

Depois o memorandum passa a identificar o cerne da organização da propaganda do nacional-socialismo no Rio Grande do Sul.

Encontramo-los na sede da célula do partido nazista  desta capital no Deutsches Haus – Casa Alemã – na rua Voluntários da Pátria, onde se reúnem com toda a regularidade os Chefes e os Pg. (Parteigenossen) – correligionários – agora intitulados  Kameraden – camaradas e  demais simpatizantes. É centro irradiador de todas as atividades nazistas, modelarmente organizadas nos seus diversos departamentos de cultura, propaganda, imprensa, assistência social, etc.  Com seus sub-chefes e doutrinadores, seu jornal próprio “Das Dritte Reich” e as organizações acessórias: a “Deutsche Frauenschaft im Ausland – Associação das Mulheres  alemãs no estrangeiro – a Deutsche Arbeitsfront, oficialmente por eles denominada “Sociedade Beneficente e Caritativa” se bem que  a tradução literal seja “Frente Alemã de Trabalho” e, ainda o “Deutschbrasilianischer Jugendring” – União da Juventude teuto-brasileira, erroneamente assim denominada pois, se trata de uma célula  da “Hitler-Jugend”, organização da juventude hitlerista, como, aliás era sua denominação inicial, alterada em São Paulo numa concentração ai realizada pois, soa melhor no Brasil o titulo “União da Juventude Teuto-brasileira”, do que “Juventude Hitlerista”. Por mais que o neguem seus organizadores, inclusive seu chefe geral Karl Neubart, a União da Juventude Teuto-Brasileira é uma organização da Juventude Hitlerista. Se mais provas não existissem, bastaria a fotografia anexa, representando o seu desfile na parada de 19 de novembro de 1937 em Porto Alegre, onde se vêm as insígnias da Juventude Hitlerista no tambor e nos clarins da Juventude Hitlerista da Alemanha, reproduzidas no clichê que se ajunta a este, publicado numa revista alemã. (Relatório I, 1942, p. 168)

Em seguida o memorandum de Englert e Gross chama a atenção para o fato de os nazistas insistirem em afirmar que suas organizações não estão aí  para fazer propaganda política, que o nacional-socialismo não é mercadoria de exportação e outras afirmações nesta linha. Há, contudo, provas mais do que suficientes de que tais atitudes não passam de tentativas de despiste. A verdade é que as células nazistas no exterior têm como incumbência real aliciar para o partido os alemães no exterior  e arregimentá-los em torno do líder máximo, o Führer. Representam, portanto, uma ameaça real que tem que ser levada a sério e extirpado o mal pela raiz, sob pena de surgir uma autêntica minoria incrustada nas fronteiras do Brasil, carregando consigo todo o séqüito de conseqüências nefastas que costumam azedar o convívio nacional em tais circunstâncias. 

Englert e Gross fazem referências ainda à campanha de esclarecimento contra o perigo nacional-socialista que o “Detsches Volksblatt” vinha encabeçando desde 1931. Acusam as autoridades  pela pouca importância que atribuíram ao problema, por desconhecimento da sua gravidade e subestimando a sua importância. Concluem:

A excessiva  tolerância havida até por parte do Governo para com o nazismo, estimulava sua ação e dificultava enormemente  o trabalho preventivo de defesa, iniciado e mantido pelos brasileiros de descendência teuta. (Relatório I, 1942, p. 170)

Por fim  os autores do  memorandum recomendam ao chefe de policia três medidas que lhes pareciam  necessárias para frear e acabar com a propaganda nazista.

1º Fechamento de todas as células nazistas, com todos os seus departamento e sub-organizações, inclusive a dissolução da chamada “Juventude Teuto-Brasileira”, adotando-se medidas eficientes capazes de evitar a sua organização sob outro rótulo;

2º Proibição da divulgação da doutrina racista e da comunhão sanguínea, inclusive a proibição da circulação de jornais, revistas e publicações na imprensa nacional da mesma doutrina; 

3º Nas escolas primárias o ensino só deve ser ministrado por estrangeiros se estes residirem no Brasil há mais de cinco anos, não pertencerem a partido político e tiverem feito exame de suficiência em português, história geografia do Brasil  (Relatório I, 1942, p. 170)

O segundo memorandum constante no Relatório  I, foi enviado pelo Dr. Franz Metzler, diretor e proprietário do jornal brasileiro em língua alemã “Deutsches Volksblatt”. Em linhas gerais defendeu  mesma posição de Englert e Gross. Há, porém, neste caso um detalhe que confere uma importância bem maior ao documento. Como redator do jornal católico em língua alemã mais influente do Rio Grande do Sul, expressa a linha editorial  oficialmente adotada pelo jornal desde 1931, quando alertou por primeiro os seus leitores contra o nacional-socialismo.

O documento começa como uma declaração de fidelidade  à cidadania brasileira e, ao mesmo tempo, com uma tomada de posição inequívoca contra a infiltração da propaganda nazista no Estado:

( ... ) pois, como jornalista brasileiro que consagra seus serviços à comunidade nacional, aos quais um bom cidadão não se pode eximir, venho de sustentar, já desde anos, ou melhor desde que se tornavam perceptíveis correntes que, por meio de uma desnacionalização consciente intentada na parte da população brasileira descendente de alemães acompanhado com vivo interesse e a qual posso, sem exagero e sem falsa modéstia, considerar  como um serviço que presto à Pátria Brasileira   (Relatório I, 1942, p. 171)

O Dr. Franz Metzler continua mostrando como desde o início de 1931 vinha combatendo o nazismo, muito antes que isso acontecesse em qualquer outro órgão da imprensa, inclusive da imprensa em língua vernácula. Sugere em seguida que não se proíbam indiscriminadamente os jornais em língua alemã. Pelo contrário. Que se permita a circulação daqueles e, também, de outras publicações seriamente engajadas nos interesses nacionais brasileiros. Propõe que esses jornais estampem ao lado do seu titulo: “Jornal brasileiro em língua alemã”. Sua lógica é simples. Assim como os jornais em língua alemã não são jornais brasileiros pelo fato de propagarem ideologias anti nacionais, assim também pode haver jornais em língua portuguesa a serviço dessas mesmas ideologias anti nacionais.  Portanto, para ser classificado como brasileiro, um jornal deve estar a serviço do causa nacional. Não importa em que língua esteja publicado. De outra parte, um jornal é anti brasileiro ou anti nacional no momento em que é posto a serviço de agentes desnacionalizadores. Também neste caso  é secundário o fato de ser publicado em alemão, em italiano ou até em português. Pondera ainda o autor do memorandum que a interdição pura e simples e a proibição de todos os jornais em língua alemã, faria com que as populações  que os lêem e não entendem o português, ficassem privadas de toda e qualquer informação ou esclarecimento. Logicamente  se tornariam mais vulneráveis à propaganda clandestina, seja de publicações, seja da parte de agentes doutrinadores, que conseguem burlar a vigilância policial e se infiltram nas comunidades alemãs.

Metzler analisa em seguida a questão das escolas. Começa afirmando que as escolas comunitárias, espalhadas pelas regiões  coloniais, se serviam (na década de 1930) de maneira generalizada da língua alemã como língua de ensino. Comenta que com a escola ocorria o mesmo problema  levantado em relação à imprensa em língua alemã, isto é, que estava  serviço da resistência à nacionalização do elemento teuto-brasileiro, ou à sua completa e definitiva inserção na sociedade nacional. Pondera que medidas extremas  visando a eliminação da língua alemã nas escolas  seriam contraproducentes. Mais ainda. Dificultariam, em última análise, o aprendizado correto do português.

Refere-se depois a uma opinião muito generalizada que a escola alemã, não raro, funcionava  em “pobres casebres” e era  atendida por professores “aos quais faltava qualquer preparo profissional”. (Relatório I, 1942, p. 180) Criticava-se também o fato de terem sido “administradas outrora por professores que não dominavam  o idioma do país”. (Relatório I, 1942, p. 1819). Sempre segundo Metzler, essas críticas mascaram um fato importante. Ao contrário do que se dizia, essas escolas prestaram, apesar de suas deficiências, um serviço patriótico apreciável.

Sem elas a infância, na falta de aulas públicas, teria ficado imersa nas trevas  do analfabetismo; sem elas a zona colonial não teria alcançado o grau de prosperidade e progresso que ora apresenta. (Relatório I, 1942, p. 181).

Em seguida  Metzler expõe ao chefe de policia a posição que era corrente entre os teuto-brasileiros e suas lideranças mais legítimas, na questão da escola, da língua e da manutenção da tradição cultural.

É sabido, e já foi confirmado frequentemente, por chefes do governo, que os imigrantes alemães  em nosso estado se integraram na comunidade nacional como amigos da ordem e do progresso. Se até há bem pouco tempo os colonos alemães assim chamados ocupavam e ainda hoje ocupam uma posição toda especial na comunidade nacional por se servirem, entre si, do idioma dos antepassados e muitos  desses ainda não se exprimiam  na língua vernácula, não se deduza disso que eles se opõem à aprendizagem da língua do país. Sou, a bem da verdade, o último a negar que o brasileiro de etnia alemã, por um são respeito a si mesmo, sempre gostou de cultivar a língua e os costumes de seus antepassados; sim, tenho até prazer em afirmá-lo, por estar firmemente convencido de que não se conseguirá a realização do elevado ideal de brasilidade quem não possua a dignidade individual e coletiva. Mas duvido, baseado na experiência adquirida como diretor responsável e chefe de redação de um jornal brasileiro em idioma alemão, duvido, repito, e nego que os imigrantes alemães  e seus descendentes não tenham querido aprender o português. Dá-se justamente o contrário, e provam-no os progressos que neste sentido foram alcançados nos últimos decênios, com recursos  escolares primitivos, mas criados por iniciativa própria.

As escolas das colônias representam uma obra cultural de primeira ordem: os esforços culturais empenhados em prol da pátria brasileira têm suas bases nesses  modestos estabelecimentos, organizados por gente singela, a poder de enormes sacrifícios. Elas nos são úteis, conquanto não possam ser apontadas como instituições  modelares; preenchem uma lacuna que o Estado e o Município até hoje deixaram aberta Por isso, não se deve, a bem da justiça ao formular um juízo sobre as escolas dos núcleos coloniais, examinar como deveriam ser organizadas para passarem por institutos modelo; deve-se, ao contrário, perguntar que seria de certas regiões coloniais, se não existissem essas escolas....

Quem ante esses fatos, seria capaz de nutrir a suspeita de que as escolas particulares rurais se desenvolvem num ambiente anti-nacionalista? Deve-se exatamente à sua existência, o reconhecer-se a necessidade de generalizar, lentamente sim, mas com segurança, o conhecimento do nosso idioma! Não será um grande mérito dessas escolas o fato de os colonos, como coletividade de gênero especial, não figurarem como um órgão atrofiado ou uma excrescência exótica no organismo nacional? Pois, permita-se-me dizer, nesta conjuntura, que a índole patriótica não depende do conhecimento e uso exclusivo da língua pátria. Podemos imaginar traidores entre o povo que não conhece outro idioma senão a língua pátria, enquanto por outro lado, uma nacionalismo que esteja alheio a preconceitos, vem registrando com prazer e júbilo o espontâneo patriotismo entre os descendentes de alemães, que têm o Brasil como sua pátria, consagrando só a ele sua dedicação cívica e todos os seus esforços. (Relatório I, 1942, p. 181-182

O Dr. Metzler sugere depois ao chefe de policia que a nacionalização da escola se faça sob o lema “conservar melhorando”, (Relatório I, 1942, p. 183) já que a escola prestara tão relevantes serviços em termos de alfabetização e de educação relativa à brasilidade prática  dos teuto-brasileiros. Alertou ainda que uma intervenção radical e brusca só serviria para despertar animosidade  entre as populações de origem alemã. “Pois, nada fere tão profundamente a alma honesta e digna como a repulsa  imponderada que sofre a boa vontade manifestada por corações sinceros”. (cf. Relatório I, 1943, p. 183) Finalmente pondera que as tentativas de infiltração nazista não surgiam no interior das escolas, mas incentivadas de fora, e o Governo nada mais fazia do que cumprir sua obrigação quando se propunha neutralizá-la.

No final do memorandum endereçado ao chefe de polícia, o  Metzler resume seu pensamento sobre a escola: 

A interdição das escolas alemãs assim denominadas, as quais, na realidade, são escolas particulares de associações brasileiras de descendentes alemães, não alcançaria o seu objetivo, isto é, a eliminação da doutrina racista totalitária, cujos progressos importariam  na verdade, que se removeria assim uma entidade a cuja posse os apóstolos de um povo imaginário de cem milhões de habitantes aspiram, porém, a comunidade nacional brasileira ficaria, por força de uma proibição, privada da mesma forma de um fator que até então era de tanta utilidade e do qual, mediante uma ponderada reorganização, sem dúvida, auferiria vantagens ainda maiores.

Ou querem, talvez, dizer os boatos que não proíbem as escolas particulares rurais como tais, mas somente o uso elas da língua alemã? Também essa medida teria de revelar-se contraproducente visto que os pais a quem a nova constituição de 10 de  novembro de 1937, no artigo 125, garante o direito de educarem os filhos, que falam o alemão aprendido na casa paterna, não poderiam, numa escola que não se articula no cabedal existente, da língua que os alunos falam, ter o desejado aproveitamento em nenhuma disciplina, nem na aprendizagem do vernáculo. (Relatório I, 1942, p. 184)



O memorandum sugere algumas considerações.
Primeiro. Expõe para a autoridade policial, com toda a clareza e sem reticências, a imagem que faziam de si  próprios os teuto-brasileiros quando se tratava de situar-se no contexto  brasileiro. Assumiam a cidadania com todas as conseqüências práticas. Estavam convictos de que o fato de continuarem a falar os seus dialetos, de usar a língua alemã como língua de ensino nas escolas, de se reunirem em suas sociedades e associações étnicas, de continuarem a editar seus jornais, almanaques e periódicos em lingu alemã de, enfim, preservarem  seus hábitos, costumes e valores, em nada diminuía  os compromissos e obrigações de cidadãos brasileiros. Pelo contrário. Oferecia-lhes  condições melhores para assumir  conscientemente a cidadania e praticá-la na sua plenitude.

Segundo. O memorandum chama a atenção a um ponto muito importante. No caso da imprensa faria muito sentido estabelecer a distinção clara entre jornais alemães, periódicos, almanaques e outros impressos alemães. Numa categoria seriam enumerados aqueles que de fato, além de publicados em língua estrangeira, estavam a serviço de ideologias estranhas como, por ex., nazismo, fascismo, comunismo e outras. Numa outra categoria constariam as publicações em língua estrangeira, no caso específico, em língua alemã, aquelas destinadas a veicular assuntos religiosos, notícias sociais, informações econômicas e conteúdos meramente culturais. Conviria, segundo a proposta de Metzler, falar em imprensa estrangeira propriamente dita e imprensa brasileira em língua alemã.

O autor continua raciocinando que, assim como as ideologias exóticas e perniciosas podem penetrar através de jornais e publicações em língua  portuguesa, da mesma forma jornais em língua alemã estão em condições de combater com grande eficiência a infiltração dessas ideologias, combatendo-as diretamente ou pondo-se a serviço dos interesses nacionais e conclamando os imigrantes de origem alemã para assumirem plenamente a sua cidadania. 

Neste ponto, aliás, ninguém mais autorizado para opinar do que o próprio Dr. Metzler. Já em 1931 ele denunciara, nas colunas do seu jornal “Deutsches Volksblatt”, a periculosidade da ideologia nacional-socialista e as suas tentativas  de penetração no meio brasileiro. O alerta, portanto, ocorrera numa época em que nazismo contava com uma ampla simpatia também entre vastos círculos  brasileiros, inclusive entre ocupantes da mais alta administração pública, tanto federal como estadual.

Em resumo, o que o Dr. Metzler propôs foi a vigilância e, em casos mais sérios, o fechamento de jornais ou publicações a serviço de qualquer ideologia perversa, editados em língua estrangeira e também em língua vernácula. De outra parte, deveriam ser preservados e até incentivados  os jornais, mesmo em língua estrangeira, que se opusessem  a essas correntes exóticas e deletérias e assumissem uma postura patriótica em relação ao Brasil. 

Essa questão assumia, na época, uma importância  indiscutível, porque a população colonial de origem alemã, quando tinha acesso a jornais em português, na sua imensa maioria não os aproveitava pois, do domínio do vernáculo era precário demais. Privá-los dos seus jornais, almanaques ou revistas em alemão, significava expô-los, sem defesa à propaganda clandestina de publicações  as mais diversas e ao assédio dos agentes mascarados do nacional-socialismo. 

Terceiro. Ao falar da escola, o autor do memorandum seguiu um raciocínio semelhante ao utilizado  quando comentou a imprensa. A escola teuto-brasileia, em vez de ser transformada em vilã retardando o “abrasileiramento” dos assim chamados “alemães”, poderia ser considerada também como um fator positivo, e por várias razões, Em primeiro lugar, fora ela a responsável pelo baixíssimo índice de analfabetos entre os imigrantes alemães no Sul do Brasil. A ela, portanto, se devia creditar que essas populações não se deculturassem, mas conseguissem firmar-se e prosperar. Em segundo lugar, coube à escola teuto-brasileira o mérito de que, aqui o Brasil, os alemães não se isolassem  numa minoria irredenta, como aconteceu em vários  países da Europa. Era na escola que se inculcava que culto da língua e dos costumes alemães de forma alguma deveria servir de pretexto para se sentirem menos comprometidos como cidadãos brasileiros. E, de fato, ao longo da história da presença alemã no Brasil, nunca partiu deste meio qualquer movimento apreciável de separatismo. As tentativas sérias de secessão, como Guerra dos Farrapos, e os grupos atuais, embora com a participação de alemães, tiveram e têm sua origem em outras plagas e não foram motivadas por razões de enquistamento ou nacionalismo étnico. Essa dedução confirma-se com o que consta no Relatório I:

Os brasileiros descendentes de alemães são hoje, sem exceção, concordes em que, por motivo de seu apego ao que lhes é paterno e da sua predileção pela língua de seus progenitores, não formam, de modo algum, uma minoria nacional no seio da família brasileira, como na velha Europa, onde há minorias entre  vários povos, cuja existência  constantemente dá margem a graves tensões na política interna e externa. O Brasil não possui minorias nacionais. (Relatório I, 1942), p. 185)

Quarta. Sempre segundo o memorandum do Dr. Metzler, não se pretendeu que a escola teuto-brasileira permanecesse indefinidamente como estava, isto é, usando  a língua alemã como língua de ensino. Aliás, essa  discussão  já se achava em curso nos meios educacionais teuto-brasileiros. Os tempos exigiam adaptações urgentes, e a forma de fazê-las fazia parte das discussões. As preocupações de Metzler iam no sentido de que a adaptação da escola não se fizesse de maneira brusca, intempestiva e, pior, suprimindo-a pura e simplesmente. Conforme ele o correto era “conservar melhorando”.

Bicentenário da Imigração - 58

O Relatório continua sua exposição sobre as atividades nazistas nos estados do Sul do Brasil, reproduzindo uma matéria publicada  no Times de Londres, no dia 3 de setembro de 1937, reproduzido  no Diário de Notícias de Porto Alegre no dia seguinte, 4 de setembro. Levava como título: As atividades alemãs no Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

Antes de tentar avaliar  o conteúdo do artigo do Times, convém assinalar um detalhe. A data da publicação antecede à implantação do Estado Novo e à Constituição imposta de  novembro de 1937. Até aquele momento não havia no Brasil nenhuma restrição de formação de agremiações de caráter político, profissional, cultural, religiosa e outras. O aparecimento, portanto, de organizações de caráter político e ideológico do NSDAP, eram esperáveis num clima democrático como era vigente até então no Brasil. As coisas mudaram depois da implantação do Estado Novo e a proscrição das  agremiações comprometidas coma difusão de natureza étnica e político-ideológico.

De outra parte, as relações diplomáticas e comerciais do Brasil com Alemanha fluíam normalmente, como é usual entre duas nações  amigas. O excesso ou o suposto excesso  das atividades nacional-socialistas no Brasil deveria ser tratado no nível dos canais da diplomacia. Sendo assim, parece no mínimo estranho, que se emprestasse um destaque tão grande a um artigo de um jornal inglês, mesmo sendo o Times, com afirmações flagrantemente exageradas.

A existência de numerosas células do NSDAP, em centros urbanos um pouco  maiores e nas capitais dos estados do Centro Sul e até do Nordeste, não era segredo para ninguém. A natureza das suas atividades, também não. Seus endereços e a identidade dos seus dirigentes eram do conhecimento público. Sabia-se que a propaganda nacional-socialista e formação de núcleos para promovê-la fora da Alemanha era uma das atribuições da Organização para o Estrangeiro do Ministério do Exterior Alemão.

Parece claro que a matéria  faz parte de uma campanha, três anos antes de eclodir a Segunda Guerra Mundial, com a finalidade aliciar para uma aliança contra a Alemanha países da importância do Brasil. E não se conhece estratégia melhor e mais eficaz do que acirrar os sentimentos nacionalistas, numa época em que estes faziam parte da ordem do dia  nos países que se recuperavam de grandes crises, como a Alemanha, a Itália e outros, ou ensaiavam os primeiros passos para ascenderem ao status de nacionalidades modernas, como foi o caso do Brasil. Apontar, neste contexto, tendências contrárias à idéia nacionalista oficial produzia um efeito infalível. Quanto mais carregado o quadro e quanto mais exagerada a avaliação dos fatos, tanto melhor. É o que temos de forma exemplar no artigo do Times. 

A matéria começa afirmando que as numerosas colônias alemãs, mesmo antes da Grande Guerra (1ª Guerra Mundial) , merecem um apoio e um interesse todo especial por parte da Alemanha. Esse apoio, em termos de subsídios a escolas, professores, centros patrióticos, teria chegado ao extremo de afirmar que “ao espírito da grande maioria dos brasileiros que descendiam de colonos alemães, foi incutido que não ao Brasil, mas à Alemanha  é que deviam obrigações e tinham compromissos”. (Relatório I, 1942, p. 90)

Na afirmação do Times, há uma outra questão vital relacionada com todo o problema da nacionalização  dos alemães.  Não fica claro o que significa “compromisso” com a Alemanha. Se se  trata de compromisso político, o articulista dá uma demonstração de lamentável ignorância. Se entende compromisso cultural, a afirmação perde toda a sua importância. Se, finalmente, entende compromisso político e cultural simultaneamente, mistura duas coisas que foram exatamente o ponto de desencontro entre os nacionalizadores e os imigrantes alemães. 

Depois o autor da matéria do Times, faz outra afirmação no mínimo exagerada e, por isso mesmo, de difícil comprovação. Aliás em toda  matéria não se arrola  uma única prova documental. Tudo são afirmações que parecem ter a clara intenção de exagerar ao máximo, a importância da infiltração da propaganda  e dos resultados obtidos pelo nazismo entre as populações de origem alemã n Brasil. 

Afirma o artigo que as leis que obrigavam o ensino da língua vernácula “não foram tomadas em consideração pela maioria” (Relatório I, 1942, p. 90). Este fato pode ser facilmente desmentido pela documentação existente sobre a matéria.

Uma outra questão, também discutível, refere-se à espionagem recíproca que teria tomado conta das colônias alemãs e papel exercido pelos padres católicos e pelos pastores protestantes que administravam a cura de almas no meio colonial. Agentes nacionalizadores , inclusive muitos alemães que com eles colaboravam, infernizaram a vida dos colonos entre os anos de 1938 e 1945. Que tenha havido uma atitude, mais ainda, uma ação organizada de espionagem contra esses agentes contradiz, ao que tudo indica, a evidência dos fatos e a objetividade dos documentos disponíveis. 

O problema muda um pouco de feição, quando se trata de grupos de alemães concentrados nos centros urbanos. Repete-se aqui mais uma vez um aspecto da avaliação da questão da nacionalização. Classificam-se no mesmo nível e avaliam-se da mesma forma os alemães inseridos no contexto urbano e os alemães  espalhados pelas comunidade coloniais. Foram realidades étnico-culturais completamente distintas. Quanto à adesão ou rejeição da ideologia nacional-socialista, reagiam de maneira diferente. Fato aliás óbvio pelo nível de informações que chegava a uns e a outros e, pelo conhecimento que tinham, a respeito do complexo assunto da nacionalização. Para a imensa maioria dos alemães nas colônias, nazismo ou não nazismo, era um problema que, pelas razões já referidas em outra parte deste estudo,  nem se punha. 

Seguem depois  três informações no documento do Times que deixam o analista de hoje no mínimo perplexo. 

A primeira. “O regime hitlerista fortificou e ampliou a propaganda alemã no Brasil e o sentimento de simpatia à Alemanha desenvolveu-se como nunca durante o “Império”. (Relatório I, 1942, p. 90).

 Segunda. “É natural que tais medidas intensas tragam consigo a espionagem recíproca nas colônias, que fomentam antes a discórdia na população do que a harmonia”. (Relatório I, 1942), p. 90)

A terceira. “Estes atritos internos tiveram ainda mais tensão quando as relações entre as unidades religiosas na Alemanha e o governo hitlerista se ajudaram pois, no trabalho da conservação da raça alemã, dos teuto-brasileiros, sacerdotes católicos  e protestantes desempenharam sempre um papel importante”. (Relatório I, 1942, p. 90)

As três afirmações  que se acabam de citar sugerem algumas considerações. No que toca à primeira, é correta a firmação de que o regime hitlerista ampliou e intensificou a propaganda com a finalidade de aumentar sempre mais a simpatia para com a Alemanha. Uma crescente simpatia  em relação a tudo que era alemão se constituía, sem dúvida, no pressuposto para atrair os alemães e seus descendentes  a aderirem a tudo que vinha da Alemanha: a cultura, a língua, o sucesso econômico, os feitos militares e também a ideologia política implantada na época. A questão toda está no fato  de a “simpatia”, de que fala o texto, sugerir uma postura generalizada e favorável dos teuto-brasileiros para com o nacional-socialismo. O grande problema coloca-se novamente  no fato, intencional ou não, de vincular  como causa e efeito, o apreço à tradição e à língua e adesão ao nazismo. É claro que se constituía num passo importante, embora não obrigatório, mas não significava culminar obrigatoriamente numa confissão de um credo ideológico. Este passo, como provam as evidências, nunca foi dado pela absoluta maioria dos teuto-brasileiros.

Um segundo detalhe refere-se à admiração de que “durante o Império”, como nunca teria havido um sentimento de simpatia para com a Alemanha. Parece que há aqui uma lamentável confusão de períodos: o tempo do império no Brasil no século dezenove e o período hitlerista na década de 1930. As situações históricas foram tão diversas  que não há como estabelecer uma ponte entre os dois. No caso do império os interesses não ultrapassavam o nível das relações culturais e econômicas. No caso do “Terceiro Reich”, o objetivo último das relações consistia em conquistar a adesão política dos assim denominados “alemães no estrangeiro”.

A segunda afirmação fala de espionagem  recíproca nas colônias alemãs, devido às  intensas medidas de propaganda nazista. Os casos de espionagem  mútua, se de fato ocorreram e deram-se novamente em centros  urbanos. O recurso à espionagem na colônia restringiu-se a casos isolados.  Afirmações deste tipo só podem ter emanado da pena de um perfeito desconhecedor da realidade colonial alemã da época. O que houve e, com uma freqüência  considerável, foi uma verdadeira espionagem dos agentes do programa de nacionalização no meio colonial. Não eram alemães nazistas  que espionavam alemães na nazistas, mas agentes a serviço da nacionalização que espionavam os alemães nas colônias, à revelia dos direitos fundamentais da pessoa humana, como a inviolabilidade do lar, a  liberdade de ir e vir, a integridade física e moral.

A terceira afirmação de que os pastores protestantes e os padres católicos  desempenharam sempre um papel importante na conservação da raça alemã entre os teuto-brasileiros é mais uma dessas afirmações que requerem no mínimo uma distinção. No caso dos sacerdotes católicos o autor ignorou que a hierarquia católica no Rio Grande do Sul, embora presidida por um arcebispo alemão nato, há anos assumira uma posição declaradamente favorável à nacionalização dos alemães. Essa decisão já fora tomada no decorrer da Primeira Guerra Mundial. Continuou entre as duas guerras, por meio de atos da Cúria Metropolitana, publicados no órgão oficial da arquidiocese “Unitas”, em cartas pastorais, em ofícios e em outros atos  oficiais. Quando, enfim, a Campanha de Nacionalização se transformou num assunto oficial do Estado, tais atos tornaram-se rotineiros, de modo especial, a partir de 1938. Generalizar uma atitude de rebeldia da parte do clero católico em relação à autoridade eclesiástica, só pode ter sido fruto do desconhecimento das relações hierárquicas que norteavam o relacionamento entre as autoridades maiores e os escalões subalternos do clero. Se houve casos de desobediência formal, foram tão raros que não chegaram a  pesar no todo. As resistências passivas  de sacerdotes e religiosos em todo o caso não foram de molde a justificar a generalização feita apelo articulista do Times.

No que se refere aos pastores protestantes, ocorreram realmente casos de  adesão explícita  ao nacional-socialismo, de modo especial antes de 1938. Houve também, conforme consta,  casos de pregadores que se valeram da sua condição para propagar as idéias nazistas. Em todo o caso não ocorreu uma tomada de posição formal em defesa do movimento nacionalizador, pelo Sínodo Riograndense. Mesmo assim, as circulares expedidas pelo presidente do Sínodo, pastor Dohms, deixando clara a necessidade de pregar em alemão para que os fieis entendessem a palavra de Deus, sempre aconselhou o respeito e o acato  às autoridades do civis.  Quando se deu a proibição definitiva do uso da língua alemã em cerimônias e cultos públicos o pastor Dohms  não instigou à desobediência civil. Preferiu um prejuízo temporário da vida religiosa, suspendendo simplesmente os cultos. 

Os documentos em que o presidente do Sínodo Riograndense oficializou essas decisões foram inclusive  publicados nos relatórios da policia. Também nesse caso, uma generalização simplista, inspirou o autor do artigo do Times.

Aliás, o exagero, as generalizações, uma ausência lamentável de objetividade, em nada condizente com a importância do jornal em foco, ocupam as páginas finais do artigo. O lamentável foi que as autoridades  nacionalizadoras, sem um mínimo de precaução crítica, o tivessem utilizado como um argumento importante. Do lado do jornal, a intenção de tumultuar as relações entre as autoridades brasileiras  e os teuto-brasileiros parece evidente. Do lado dos agentes da nacionalização conclui-se por uma xenofobia que obstruía qualquer  possibilidade  de uma avaliação serena dos acontecimentos. Nada mais ilustrativo do que alguns parágrafos do documento.

Quase todas as escolas no sul do Brasil são mantidas pelo governo alemão, seguem este programa: calar sobre tudo o que é brasileiro, e espalhar o que é alemão.

Brasileiros e alemães natos que não simpatizaram com Hitler e seu regime, vão para a lista negra e sofrem todas as perseguições, tanto na vida social como comercial.

Verifica-se abertamente que a Alemanha se esforça  para ter no Sul do Brasil uma população de 100 milhões de habitantes e que os alemães ai residentes, são convocados a ajudar a Pátria no seu crescimento e desenvolvimento. 

Oferecem-se prêmios às famílias de prole numerosa. Mas como as crianças nascidas no Brasil são legítimos brasileiros, cuida-se que os “bebês” nazistas que ainda deverão ser súditos mais fervorosos de Hitler do que seus pais, nasçam no torrão do velho mundo e comecem a sua vida como cidadãos verdadeiros e legais da Alemanha.

Os navios ancorados em portos brasileiros tem instruções  de conduzir a bordo  as mães grávidas, alemãs e teuto-brasileiras, a fim de que seus filhos nasçam sob o pavilhão alemão. 

Os moços  de origem alemã são estimulados a preferir moças loiras e alemãs e o governo cuidadoso encarrega-se  de “exportar” moças arianas puras, como noivas, às quais fornecem um atestado oficial neste sentido.

Tudo o que entrar por terra e mar é sujeito a um controle rigoroso pelos agentes nazistas, mesmo a correspondência. Enquanto o movimento brasileiro fascista-nacionalista, o “integralismo” está proibido pelas autoridades de Santa Catarina o movimento nazista cresce sem freios. (Relatório I, 1942, p. 91-92)

A matéria do Times termina com uma referência ao “Deutsches Volksblatt” de Porto  Alegre. Como se sabe, o jornal em questão vinha, desde 1931, chamando a atenção  sobre os perigos que o nacional-socialismo oferecia, de modo especial para a religião. Foi boicotado pelos nazistas daqui e sua circulação proibida na Alemanha. 

O Relatório I transcreve depois, em tradução para o português, uma série de trabalhos apresentados por ocasião do terceiro congresso anual do Círculo Teuto-Brasileiro, com sede em Berlim. O evento se deu entre os dias 19 e 22 de março de 1937, na cidade de Benneckenstein. 

Trata-se de três conferências  que nos dão uma idéia muito clara sobre o ponto de vista teuto-brasileiro a respeito de termos como povo, nação, cidadania, nacionalidade e outros.

A primeira delas, sob o titulo “Problemas e Tarefas das Nova Geração Teuto-Brasileira”, foi proferida por Rudolf Batke.

A segunda a cargo de Friz Sudhaus, levou o titulo: “Os Trabalhos de Ensino Teuto-Brasileiro e  Questão da sua Existência”.

O dr. Karl Heinrich Hunsche proferiu  terceira palestra com o titulo: “Problemas Brasileiros sob o prisma Teuto-Brassileiro”.

Na época da elaboração do Relatório da Policia, devido à identidade dos seus autores, essas conferências foram entendidas como uma prova a mais de uma ameaça iminente do nazismo entre as populações alemãs no Sul do Brasil. Na verdade não passam de documentos que pretendem mostrar  o que significou para um alemão ou um teuto-brasileiro o conceito de cidadão, de etnia, de nacionalidade, de povo, de nação... e as relações necessárias ou não necessárias à vinculação causal ou meramente  casual, possível entre esses e outros conceitos. 

Objetivamente analisados esses documentos nada provam em termos de comprometimento político dos teuto-brasileiros para com o nazismo. É claro que, para alguém que não é capaz de distinguir compromissos políticos e ideológicos de compromissos  étnico-culturais, o raciocínio adotado  e os pontos de vista defendidos deveria causar no mínimo suspeitas. As três palestras referidas ocupam as páginas 97-152 do Relatório.

Bicentenário da Imigração - 57

A seguir, no capítulo IX, o Relatório I refere-se, quase que de passagem, à “Frente Negra” – (Schwarze Front), uma dissidência surgida já em 1930 no seio do partido Nacional-Socialista na Alemanha. Não fica muito claro qual a razão da referência a essa organização.

Parece que a polícia se valeu dela, uma organização também fora da lei, para obter informações sobre o NSDAP. 

As fotografias anexas p. 57-61, mostram flagrantes de diversas concentrações nazistas em várias ocasiões diferentes. 

O capítulo dez fala do nazismo em Santa Cruz. A questão relacionada com o nazismo em Santa Cruz, tal como consta no Relatório I, resume-se num memorandum enviado ao delegado de policia daquela cidade pelo cidadão Luiz Beck da Silva. 

O memorandum começa fazendo considerações a respeito da posição dos cidadãos de descendência alemã de Santa Cruz, diante da questão da nacionalização. Segundo o documento, apesar da predominância da língua alemã e dos hábitos alemães, a população achava-se  “mais ou menos integrada ao espírito da nacionalidade brasileira”. (Relatório I, 1942, p. 64) Depois da ascensão de Hitler ao poder na Alemanha, os agentes nazistas, com raras exceções estrangeiros, desencadearam uma campanha de aliciamento dos teuto-brasileiros. Sempre de acordo com o memorandum, teriam tido êxito neste meio devido ao fato de a brasilidade dessa gente não estar completa. Refere depois que houve algumas dezenas de adesões, incluindo alguns cidadãos nascidos aqui. 

Alem do aliciamento propriamente dito, as táticas incluíam ameaças, perseguições e até boicote sistemático. Esta estratégia teria atingido, principalmente, algumas pessoas que tinham a intenção de naturalizar-se. Entre elas são citados os senhores Alfredo Heine, Henrique Frohwien, Arno Seer e Eugênio Feil .

A proposta nazista conseguiu para a sua causa a adesão definitiva de Ernesto Germano Becker, o qual trocara o nome por Hermann Becker, e de seu cunhado Oscar Agte. Hermann Becker iria desempenhar  a função de vice-cônsul em Santa Cruz. 

O memorandum continua relatando que, mediante uma ação ardilosa e cautelosa, os agentes nazistas conseguiam apoderar-se de uma série de associações ocupando, sempre que possível, a presidência. Foi o que sucedeu com o Turnverein – Sociedde de Ginástica; Ortsschulverein – Sociedade Escolar; Deutsches Haus – Casa Alemã; Deutsche Arbeiter Front – Frente Alemã de Trabalhadores.

As informações continuam com a revelação de que a Sociedade de Ginástica conseguira, gratuitamente, um professor de ginástica vindo da Alemanha. Na sua cidade ele não teria feito nada mais do que aliciar a juventude para o ideal nacional-socialista. Teria formado um grupo paramilitar denominado “Wartburg-Jugend”, ao qual ministrava instrução militar. Recebia da Alemanha livros e aparelhos de ginástica. Para a Sociedade Escolar teria sido destinado um subsídio de 3:000$000.

Outra questão abordada foi a tentativa de filiar à VDV – Verband Deutscher Vereine no estrangeiro, todas as sociedades e associações teuto-brasileiras. O memorandum refere-se também ao seqüestro de um livro intituldo “Als Deutscher Pfarrer und Schulleiter in Südbrasilien”. A obra de autoria do Pastor Sigfried Heine, que continha ofensas aos brasileiros de origem alemã, foi entregue ao quartel general da 3ª Região Militar. 

O memorandum narra ainda que o seu autor obtivera a informação no quartel general de Porto Alegre, de que quase todas as associações locais haviam sido filiadas à “VDV im Ausland”. Quando o fato se tornou público nos jornais, a maioria dessas sociedades declarou nada saber a respeito, mas uma única, “A Aliança Católica”, lavrou um protesto formal.

Em seguida o memorandum  registra o episódio em que a Sociedade de Ginástica, por meio de uma manobra do Sr. Paulo Eraht e do vic-cônsul Becker, teria mantido relações culturais com a “VDV im Ausland” e isto, depois de 10 de novembro de 1937, data da decretação do Estado Novo. 

Concluindo o memorandum, seu autor refere-se o decreto do Governo do Estado que declarava o 25 de julho de 1934 ou 1935 como feriado em homenagem ao colono. Os nazistas teriam aproveitado a ocasião para congregar todas as sociedades numa só para festejar o evento, diminuindo assim consideravelmente as despesas. Nenhum das sociedades viu nisso um inconveniente, com exceção do Clube União. Surgiu assim o “Verband Deutscher Vereine Santa Cruz”. O nome “Deutschbrasilianische Vereine Santa Cruz” não fora aceito, para facilitar a filiação à “VDV im Ausland”.

Aqui termina o memorandum e as considerações do Relatório I sobre o nazismo em Santa Cruz d Sul. 

O memorandum do sr. Luiz Beck da Silva, sobre o nazismo em Santa Cruz sugere uma série de questões que parecem de alguma relevância. 

Primeiro. Já que o núcleo de Santa Cruz  foi para as autoridades nacionalizadoras, um dos mais ativos e, por isso mesmo, um dos mais perigosos, deveriam existir mais documentos comprobatórios do que um simples memorandum desacompanhado de documentos incriminatórios. Mesmo nele fazem-se muitas afirmações, acusam-se pessoas e insinuam-se conclusões, sem o devido amparo em provas objetivas. Neste caso o valor do documento como um todo, tem que se avaliado na sua devida dimensão. 

Segundo. O memorandum admite expressamente que o elemento germânico ainda fiel à língua e às tradições dos antepassados, achava-se mais ou menos integrado no espírito da nacionalidade brasileira. Não havia, portanto um risco imediato de se transformar em massa de manobra dos agentes do nazismo. Supor que a “brasilidade” dessa gente  (Relatório I, 192, p. 64) não se achava  a tal ponto consolidada que não se deixassem aliciar pela nova ideologia parece uma conclusão precipitada. 

Terceiro. Toda a questão que envolveu a filiação das sociedades à “VDV im Ausland” merece ser colocada no seu devido lugar. Pelo que é licito deduzir é que, quando o autor  fala em “todas”, isto significa “todas da cidade de Santa Cruz”. A conclusão é coerente com os dados numéricos constantes no Relatório II, também elaborado pela Chefia de Policia, sob o comando do major Aurélio da Silva Py. Na listagem das sociedades de Santa Cruz filiadas à VDV, constam 18   (Relatório I, 1942, p 147-148). Na época funcionavam no município todo em torno de 150 associações, sociedades e clubes. O “todos” de que fala o memornadum reduz-se assim a menos de vinte por cento.

Quarto. O memorandum, ao mencionar nomes, cita uma lista extensa de cidadãos  brasileiros de origem alemã contrários à penetração  do nazismo e apenas meia dúzia de propagandistas do nacional-socialismo. 

Quinto. Um detalhe, no final do memorndum, põe sob suspeita a seriedade do documento. Afirma que, em 1934 ou 1935, o Governo do Estado decretou o 25 de julho com feriado. Que não se assinale o dia e o mês da emissão do ato governamental até é admissível. Deixar dúvidas sobre o ano num dado tão recente, sugere superficialidade. 

Sexto. Sendo assim, as alegadas provas da existência do nazismo em Santa Cruz, revelam que o problema existiu. Mas revelam também que houve exagero e precipitação na avaliação, além de distorções ao se atribuírem aos fatos características que não existiam. 

O Relatório I contém uma tentativa de caracterizar a atividade nazista no Colégio Sinodal de São Leopoldo. O relatório que resultou do inquérito policial instaurado naquele estabelecimento de ensino, foi comandado pelo inspetor-chefe Armin Walter Bernhard e enviado ao chefe de policia no dia 14 de julho de 1838.

O encarregado do inquérito começa relatando um episódio de boicote que um cidadão austríaco, de nome Lucian, estava sofrendo por parte de nazistas de São Leopoldo. Seu crime teriam sido manifestações contrárias ao Führer de um lado e, do outro de aprovação ao Governo Brasileiro. O austríaco atraíra também a ira dos seus adversários por haver denunciado um certo senhor Jurbak, que estaria fazendo viagens à Alemanha a chamado do NSDAP. 

Partindo desta denúncia, o inspetor Armin foi procurar mais evidências em São Leopoldo. Partiu para uma busca na residência do pastor Knaepper. Encontrou, de fato, uma série de documentos que provavam um relacionamento assíduo entre o pastor  os diversos setores do NSDAP. Provam igualmente, como afirma o relatório, que o pastor Knaepper era uma figura chave no esquema nazista daqui. A suspeita parece confirmar-se quando se analisam os 17 documentos anexados. Parece interessante dar o resumo desses documentos. (Relatório I, 1942, p. 72-76)

Documento 1. Refere-se a uma carta na qual se afirma que o pastor Grabs é pessoa de confiança pois, sempre se empenhou pelo NSDAP no Brasil.

Documento 2. Fala da situação difícil do Centro 25 de Julho, que se teria desviado da sua finalidade original, isto é, comemorar  imigração  alemã no Rio Grande do Sul  empenhar-se no cultivo das tradições. A influência nazista, entretanto, teria conseguido colocar a entidade  sob seu controle. Apela também para um auxílio de 3.000 marcos para tirar o 25 de Julho de suas dificuldades.

Documento 3. O pastor Knaepper refere-se a uma carta do Dr. Fritz Rotermund, estranhando a equipe do Turnerbund nos jogos olímpicos de São Leopoldo, porque só estaria causando confusão. Para entender essa queixa, convém recordar que o Turnerbund (Sogipa de hoje), recusara sua filiação  à VDV com sede em Berlim.

No mesmo documento o pastor Knaepper expressa sua admiração por Eduard Springer, incentivador do atletismo em Novo Hamburgo e que desfilara com a bandeira com a suástica nas paradas da organização. O documento refere-se ao Dr. Fritz Rotermund como um homem que sempre produziu muito. Cita o pastor Pommer como gande incentivador das escolas alemãs. Por fim, nomeia o prof. Waslawik de Santa Cruz, como um dos melhores professores e adversário ferrenho da frequência das escolas públicas. Como observação final acrescenta que todos eram teuto-brasileiros.

Documento 4. Fala de uma carta assinada por Walter Hornig, chefe do Partido Nazista no Rio Grande do Sul. Começa expressando a esperança  de que o pastor Knaepper se faça presente nos festejos  da Organização Alemã no Estrangeiro, a realizar-se em Stuttgart, e na concentração do Partido Nazista em Nürenberg. 

Documento 5. Walter Hornigo escreve ao pastor Knaepper comentando uma coleta entre os teuto-brasileiros para a Casa Alemã, que rendera  230 contos. 

O autor do relatório sobre o nazismo em São Leopoldo, tira duas conclusões dos cinco documentos arrolados. 

Primeiro. Prova que os teuto-brasileiros eram obrigados a contribuir com 5% dos seus negócios em favor da Casa Alemã, caso contrário sofreriam boicote. 

Segundo. O pastor Knaepper, valendo-se da sua condição  de pregador e ministro religioso, do respeito e da influência   de que por isso gozava entre a população e uma certa  tolerância por pare do Governo, aproveitou  essas circunstâncias para desviar ideologicamente  os jovens teuto-brasileiros. 

Terminada a investigação na casa do pastor Knaepper, o inspetor dirigiu-se à residência do diretor do Colégio Sinodal, dr. Olderich Franzmeyer. Este  senhor  não teve nenhum problema em admitir que era brasileiro nato, que concorrera para o episódio do boicote ao comerciante Lucian e que alimentava uma grande admiração por Hitler e seu partido.

No arquivo do colégio, foram apreendidos vários documentos. Alguns constam no Relatório I. 

Documento 6. Este documento divide-se em três partes, o que ao que aprece corresponde aos números 6, 7 e 8 pois, no texto o número seguinte é o 9.

O documento 6 refere-se a uma carta da embaixada  alemã ao dr. Franzmeyer, comunicando que o Ministro da Educação, em comunicação  com a VDV, resolvera custear os estudos de professores na Alemanha.  O dr. Franzmeyer responde dizendo da satisfação pela oportunidade tão esperada dos professores  que, desta maneira, teriam melhores condições de divulgar a cultura do seu país de origem. 

Mais adiante (doc. 8) o mesmo dr. Franzmeyer frisa que esse  intercâmbio seria de real proveito, porque assim seria possível avaliar melhor o real progresso da nova Alemanha, o que favoreceria o desenvolvimento de um trabalho futuro aqui no Rio Grande do Sul.

No documento 8 o dr. Franzmeyer se põe à disposição do pastor Knaepper para ministrar algumas aulas no Morro do espelho sobre a doutrina do Führer. O documento acentua que todos esses documentos vinham com o clássico “Heil Hitler”. 

O documento 9 data de primeiro de janeiro de 1938. Nele o consulado reclama por ainda não ter recebido nenhuma resposta sobre os filmes de doutrinação enviados pela Intendência Geral do Estrangeiro a qual estaria reclamando  a confirmação do recebimento. 

No documento 10  a Intendência Geral do Estrangeiro acusa o recebimento dos aparelhos de projeção e dos filmes de que se falou no documento 9.

No documento 11 o cônsul comunica o pedido de pais cujos filhos nasceram na Brasil, para que possam fazer algum curso na Alemanha com a dupla finalidade de: afastar esses meninos  do ambiente estranho em que vivem e conhecer a nova Alemanha. O cônsul informa ter recebido prospectos de internatos na Prússia onde se ministram cursos de Política Nacional-Socialista. 

Nos  documentos 12,13, e 14, o Relatório simplesmente afirma, sem nenhuma prova concreta, que os colégios do interior recebem, por intermédio do consulado, “prêmios e regras para o ensino do alemão”  (Relatório I, 1942, p. 75)

O documento 15 refere-se ao pedido de uma professora  de nome Mônica Hahn. Ela pede ao dr. Franzmeyer uma viagem para a Alemanha com a seguinte motivação: “pois como brasileira sem conhecer a Alemanha durante a minha atividade sempre tenho encontrado dificuldades para um resultado eficaz no verdadeiro sentido alemão, em minhas preleções e vejo a necessidade que tenho de adquirir novos conhecimentos para o nosso trabalho”. (Relatório I, 1942, p. 75)

O documento reproduz apenas o desejo da professora Mônica Hahn: “Espero algum dia ver a  juventude brasileira no Reich.

No documento  16 o cônsul recomenda ao dr. Franzmeyer que contribua para que o consulado tenha fichário completo sobe as tendências do corpo docente. 

O Relatório continua dizendo ser muito lamentável que um diretor, responsável por centenas de alunos e que fala com muita dificuldade o português, tenha contribuído  com o boicote  de um estabelecimento cujo proprietário havia falado mal de Hitler. 

Ainda o mesmo documento registra  o que o dr. Franzmeyer  declarou ao autor, na presença de um oficial do 8º BC de São Leopoldo: “Que será de nós se souberem que aqui no estrangeiro não cumprimos com o nosso dever de nazistas? Sofreremos certamente um castigo por parte da Alemanha e é isto que procuro evitar”. (Relatório I, 1942, p. 76)

O Relatório sobre a atividade nazista em Santa Cruz e sua continuação, envolvendo pessoas do Morro do Espelho, em São Leopoldo, em especial o pastor Knaepper e o dr. Franzmeyer, do Colégio Sinodal, sugerem algumas considerações.

Primeiro. É inegável que, no contexto do Morro do Espelho, onde se localiza ainda hoje o Colégio Sinodal e o centro de formação eclesiástica da Igreja Evangélica de Confissão Luterana, a ideologia nazista encontrou defensores confessos. Basta rever o documento  nº 1, no qual o pastor Knaepper afirma textualmente numa carta: “Nada consta contra o pastor Grabs, porquanto este sempre se tem mostrado ótimo correligionário e por ter trabalhado muito pelo NSDAP aqui no Brasil”. (Relatório I, 1942), p. 72)

No documento de nº 2 aprece outro dado comprometedor: “Eduardo Springer de Novo Hamburgo, desenvolveu muito o atletismo e conseguiu que a organização teuto-brasileira em suas marchas perfilasse com a bandeira da cruz suástica”. (Relatório I, 1942, p. 73)

Também o interesse de mandar jovens para a Alemanha para frequentarem cursos especializados em política nacional-socialista, demonstra a intenção de formar lideranças nazistas no Rio Grande do Sul. 

No documento 16 põe-se na boca da professora Mônica Hahn seu interesse  de “algum dia ver a juventude brasileira no Reich”. (Relatório I, 1942), p. 75)

Esses dados todos indicam, sem a menor dúvida, que a infiltração nazista existiu e causava uma justa preocupação nas autoridades.

Segundo. Apesar de todas evidências de uma propaganda e doutrinação, a questão se põe novamente em termos de extensão do perigo. O inspetor chefe  encarregado do Relatório, pelo visto, só conseguiu provas consistentes para incriminar duas pessoas: o pastor Knaepper e o dr. Franzmeyer. Os demais nomes listados como o do Dr. Fritz Rotermund, pastor Pommer, professor Waslawik, entram como suspeitos de simpatia pela propaganda nazista. 

Terceiro. Esse Relatório aponta para a mesma conclusão. Estamos diante de um fato real, de um problema existente, porém localizado. As autoridades policiais conheciam  a identidade dos responsáveis, sabiam  seus endereços pessoais e profissionais. Neutralizar a sua atuação não representava nenhum problema especial. Novamente um caso de policia localizado enxergando-se agentes nazistas em tudo o que era lugar e qu serviu como pretexto para uma ação generalizada de extermínio de tudo  o que pudesse sugerir a presença alemã. 

Relendo as páginas do Relatório tem-se  desagradável impressão de tratar-se de um documento apressado, despido carente de um rigor maior na apuração dos fatos e cheio de conclusões e julgamentos apressados.

O Relatório I continua com um capítulo que fala  do NASDAP em São Paulo. Sua análise aqui não tem maior cabimento, porque o objetivo consiste em caracterizar as atividades nazistas no Rio Grande do Sul. O presente capítulo está deslocado, ainda mais que nada acrescenta para esclarecer a atividade nazista no Estado. A intenção da Chefatura da Policia parece óbvia. Mostrar como o nacional-socialismo se transformara  num problema nacional e com isso mostrar a necessidade de combater seus agentes e as suas organizações.

Bicentenário da Imigração - 56

Nacionalização  e ação policial no  Estado Novo

O Contexto
Entre os anos de 1938 e 1945, os órgãos da policia do Rio Grande do Sul, produziram uma série de documentos, pelos quais procuraram comprovar o avanço do nazismo entre as populações  de descendência alemã no Estado. Entre estes documentos destacam-se  dois relatórios elaborados pela Chefatura da Policia, sob o comando do major Aurélio Py, ambos publicados em 1942. Analisando Esses documentos  8 décadas depois da sua publicação, fica a impressão que seu autor estava convicto de que os imigrantes alemães e seus descendentes no sul do Brasil, formavam um poderoso e perigoso enclave nacional-socialista. Por essa razão, as autoridades resolveram desencadear uma campanha de propaganda maciça de nacionalização, com o objetivo de neutralizar a ação dos agentes de propaganda do nazismo e, ao mesmo tempo, extirpar suas bases de operação no Estado. Com essa finalidade proibiram o uso da língua alemã, interditaram os veículos de comunicação, como jornais, revistas, almanaques e outras publicações em língua alemã, fecharam escolas e associações e vigiaram os cultos religiosos .

As circunstâncias explicam, sem dúvida, os temores das autoridades e  explicam também até certo ponto os exageros cometidos mas, porém não os justificam.  Os dois relatórios confirmam o que muitos outros documentos registraram sobe o episódio da nacionalização. 

Primeiro. A ameaça nazista existiu e, como tal, foi necessário combatê-la com instrumentos eficazes. 

Segundo. As organizações nacional-socialistas encontravam-se perfeitamente localizadas nos centros urbanos maiores.

Terceiro. No mínimo oitenta por cento dos assim chamados alemães das comunidades coloniais, estava fora  do alcance direto dos agentes de propaganda, em primeiro lugar porque para eles o nazismo significava muito pouco ou nada e, em segundo lugar porque a natureza anticristã dessa ideologia esbarrava na mentalidade profundamente religiosa da absoluta maioria. 

Apresento o primeiro  dos dois relatórios da polícia, acompanhado de algumas interpretações, comentários e conclusões.

Relatório  -  I
O Relatório I divide-se em dezessete capítulos que, ao todo, ocupam cerca de 200 páginas. Os títulos na sua versão original, são os seguintes: 1. O mundo debaixo da cruz suástica; 2. Aspecto geral da colonização alemã no Rio Grande do Sul; 3. Primórdios da infiltração nazista; 4. A tática de penetração; 5. Organização do NSDAP no Rio Grande do Sul; 6. Alas do partido nacional-socialista; 7. Combate oferecido pela polícia do Rio Grande do Sul; 8. O partido nacional-socialista nos demais estados do País; 9 A “Schwarze Front”  (Frente Negra): 10. Conclusão; 11. O nazismo em Santa Cruz; 12. O Colégio Sinodal em São Leopoldo; 13. O NSDAP em São Paulo; 14 As atividades alemãs no Rio Grande do Sul e Santa Catarina vistas pelo “Times”; 15. Cartas e conferências  do círculo de colaboradores teuto-brasieliros; 16. Memoranda apresentados à Chefia de Policia; 17. Documentos e traduções.

A fim de se ter uma ideia do significado do Relatório I, vamos proceder a uma análise suscinta do conteúdo dos diversos capítulos de que se compõe. 

O capítulo primeiro, na verdade, ocupa apenas uma página. Reproduz, sem comentário algum, o organograma da “Rede Parda”, extraído do livro “Das Braune Netz”. Trata-se da base organizacional  da estrutura  que orientava a estratégia da propaganda, da penetração e da expansão do nacional-socialismo na Alemanha e no exterior. Nada prova, portanto, nem a favor, nem contra a adesão dos teuto-brasileiros ao nazismo. É, sem dúvida, um documento interessante para conhecer o esquema de propaganda, montado com a finalidade de expandir a ideologia nazista dentro e fora da Alemanha. 

No capítulo segundo, que também ocupa apenas uma página, o Relatório I pretende, como diz o próprio titulo, dar uma visão geral sobre a colonização alemã no Rio Grande do Sul. É óbvio que num espaço tão exíguo não tenha sido possível sequer traçar um esboço superficial  dessa questão. Menciona algumas localidades significativas da presença alemã. Em seguida insiste em pontos sempre lembrados pelos nacionalizadores da época: que os alemães que aqui se estabeleceram, imigraram com o objetivo de aqui se fixarem com o único interesse de trabalhar e educar os filhos; que as autoridades de então deixaram os colonos  no abandono total; que os colonos cuidaram  eles próprios de atender às suas necessidades e, que para tanto, construíram escolas, hospitais, igrejas, clubes e organizaram a sua vida  comunal e associativa e criaram uma imprensa rica e diversificada; que toda essa infra-estrutura consolidou no Sul do Brasil, núcleos de cidadãos brasileiros, cultivando valores, praticando costumes antibrasileiros  e falando uma língua estrangeira. 

O capítulo três também ocupa menos de uma página e se refere, de maneira superficial, aos “primórdios da infiltração nazista”. Neste particular o Relatório toca num ponto  muito relevante ao qual normalmente não se empresta a devida importância. Já no início da década de 1930, antes mesmo de Hitler assumir o poder, foi ensaiada a primeira ofensiva de penetração nacional-socialista entre os alemães daqui. Acontece, e é isto que o relatório consigna, que a reação contrária, uma atitude de rejeição,  partiu dos próprios alemães e não das autoridades constituídas. Essa afirmação é procedente pois, foi nesta época, em 1931, que o “Detusches Volksblatt”, o mais importante jornal católico em língua alemã, alertou seus leitores contra a estranha ideologia pregada pelo nazismo. Como represália começou um boicote contra o jornal, levando à proibição da sua circulação na Alemanha. O Relatório chama a atenção que as autoridades da época não levaram a sério o fato que mais tarde as alarmou.

Nas linhas e entrelinhas do presente titulo, transparecem duas questões  que até hoje intrigam. 

Em primeiro lugar a posição ostensiva do “Deutsches Volksblat” contra o nazismo desde o começo. Fica aqui uma pergunta. Porque, ao serem fechados mais tarde os jornais, almanaques e demais publicações em língua alemã, também o “Deutsches Volksblatt” foi jogado na vala comum? Já que era o jornal de maior penetração entre a metade católica  da população teuto-brasileira, porque não aproveitá-lo para imunizar essa gente contra o nazismo?

Aqui parece legítimo deduzir das entrelinhas que, se houve simpatizantes do nazismo entre os teuto-brasileiros, eles se reduziam  a uma minoria, perfeitamente esperável em tais circunstâncias. De outra parte insinua-se a incômoda suspeita de que os não alemães, alimentavam simpatias de iguais proporções em relação ao nazismo, partindo até de pessoas de responsabilidade. 

Em segundo lugar fica aberta um outra questão: as autoridades constituídas não se aperceberam do real perigo representado pelos agentes nazistas ou o ignoraram, ou quem sabe, até simpatizavam com ele. Afinal os eventos nacional-socialistas sopravam pelos cinco continentes e suas primeiras rajadas agitavam também a atmosfera política brasileira. Quem sabe  uma tal ou qual simpatia pelo novo modismo fez calar as autoridades que só mudaram de lado no começo e no decorrer da Segunda Guerra Mundial, ao se moldarem as alianças internacionais contra o Eixo.

O tópico refere-se depois ao esquema de penetração utilizados pelos agentes de propaganda: primeiro, sensibilizar pelo chamariz étnico e racial; em seguida insistir  na preservação do espírito germânico. O quarto capítulo analisa em duas páginas, a tática da penetração nazista no Rio Grande do Sul. Começa mostrando como as pessoas são atraídas para se alistarem como  voluntários pelos  métodos de persuasão  utilizados pelo NSDAP.

Uma segunda via para influenciar os teuto-brasileiros e obter entre eles, o maior número possível de adeptos, foram, segundo o Relatório, as escolas. Ao referir esse particular, defrontamo-nos com um evidente exagero. Eis o que pode ser lido no Relatório da policia.

Para tanto dominaram as Escolas Particulares, às centenas espalhadas pelo Estado.

Esse domínio tornado absoluto, foi conseguido por meio de subvenções distribuídas pelo consulado alemão em Porto Alegre. 

Faz prova cabal dessa assertiva a farta documentação colhida em diligências dessa Policia e da qual foram extraídos os documentos que acompanham esse Relatório.
Dominadas as escolas, eram, então, catequizados os alunos. Através destes obtinham os agentes pardos o apoio das mães. E as mães, estavam certos, arrastavam os pais. (Relatório I, 1942, p. 9)

Examinando o conteúdo os documentos que constam no Relatório, chega-se à conclusão de que há um evidente exagero na avaliação da penetração do nazismo através da escola. “A farta documentação” não parece ser tão farta assim e, além disto, muito pouco significativa e ainda amenos convincente. Entre os documentos constantes do Relatório, apenas três dizem respeito diretamente a essa questão. O primeiro deles encontra-se na página 203. É um ofício do cônsul alemão, datado de 30 de março de 1937, no qual comunica a concessão de 100$000 mensais a um jardim de infância aberto pela senhorita Irene Schwaderer.

A página 215 reproduz o ofício do Seminário Teuto-Brasileiro, indicando o nome de seis alunos a serem contemplados com uma bolsa de estudos através  do NSDAP, representado pelo chefe Walter Hornig, datado de 31 de maio de 1937.

Na página 219 está reproduzido  um recibo do Dr. Alderich Franzmeyer, dirtor do Seminário Teuto-Brasileiro de São Leopoldo. Acusa o recebimento de 1:500$000 destinados a alunos pobres, com data de 6 de julho de 1937. 

Fica um tanto difícil de entender que apenas três documentos, e com conteúdos tao pouco significativos, comprovem um dominação ideológica generalizada nas centenas de escolas alemãs, mantidas pelas comunidades e por entidades diversas. Significativo também é o fato de os documentos citados serem anteriores à implantação do Estado Novo em novembro de 1937

Outro alvo da penetração nazista foram as diferentes modalidades de associações. O êxito dessa investida foi, sem dúvida digno ne nota. Mas afirmar, sem provas mais consistentes, que todas, menos 12 das trezentas e cinqüenta associações, foram dominadas pelo nazismo, não passa de exagero. Na listagem das sociedades associadas à VDV (Verband Deutscher Vereine)  no Rio Grande so Sul, constante no Relatório II, p. 147-148, somam apenas 44 e, dessas, 18  em Santa Cruz do Sul. 

Sempre, segundo o Relatório, a tática do nazismo encontrou nos pastores protestantes os seus melhores colaboradores. Até que ponto esse comportamento foi intencional da parte dos pastores  e até que ponto o fato foi exagerado, é difícil de decidir. Em todo o caso, houve uma diferença muito acentuada entre a hierarquia da Igreja Católica  do Rio Grande do Sul  e a hierarquia do Sínodo Riograndense. A Cúria Metropolitana, com o arcebispo D. João Becker à testa, já no começo da década de 1920, orientara, para não dizer, ordenara aos padres sob sua jurisdição substituir, na medida do possível, o alemão pelo português nas pregações, nas catequeses e nas escolas sob sua influência. Logo que a Campanha de Nacionalização foi posta em marcha, seus promotores  contaram com a adesão formal das autoridades eclesiásticas e, de modo especial, do arcebispo D. João Becker.

No caso do Sínodo Riograndense, várias peculiaridades fizeram com que fosse adotada uma posição muito mais pró-germânica. Três razões merecem destaque. Primeiro. Os súditos  do Sínodo, os luteranos evangélicos, na época ao menos, na sua quase totalidade eram alemães ou descendentes de alemães. Uma porcentagem muito alta não entendia o português. 

A segunda razão tem a ver com a primeira. Para os protestantes a pregação da Palavra constituía-se na essência do culto. Neste caso, portanto, se a pregação da Palavra não pudesse ser  feita na língua que os fieis entendiam, o próprio culto perderia a razão de ser. Esse raciocínio, aliás, foi submetido à consideração do Chefe de Polícia pelo pastor Hermann Dohms, num ofício publicado  no Relatório II, p. 200-202. A língua alemã era, na época, a língua ritual dos protestantes, como o latim era a língua ritual dos católicos. 

Há ainda uma terceira razão que favoreceu uma maior adesão de pregadores protestantes  à ideologia nazista. A  submissão dos pastores aos superiores eclesiásticos é menos rígida  do que a do clero católico em relação aos bispos e aos superiores religiosos. 

Por esses e outros motivos, entende-se que, entre os protestantes do Rio  Grande do Sul, a propaganda nazista encontrasse terreno bem mais favorável para lançar raízes e prosperar do que entre os católicos de origem alemã. 

Fundamentar-se, porém, nesta constatação para afirmar que os pastores na sua quase totalidade não passavam de agentes  nazistas travestidos de pregadores, transformando o púlpito em tribuna política, certamente não passa de um exagero e duma injustiça. A seguinte afirmação merece uma reflexão:

Para completar o círculo de penetração o Nazismo utilizou-se  dos Pastores da Igreja Evangélica Alemã, que se ajustaram admiravelmente, intercalando sagrados trechos da Bíblia com a doutrina nacional-socialista. 

Esta policia tem surpreendido muitos desses pastores em plena atividade.

Entre eles merecem especial atenção pela atividade desenvolvida os seguintes: Pastor Dohms (Presidente da Igreja Evangélica) – Pastores Knaepper, Hoppe, Engelbrecht, Pommer e Braun. (Relatório I, 1942, p. 10)

Pelas peculiaridades acima assinaladas, envolvendo a Igreja Evangélica, suas hierarquia, seus pastores e seus fiéis, admite-se a procedência das preocupações das autoridades naciconalizadoras. Até que ponto, porém, os mesmos  pastores citados nos relatórios achavam-se de fato comprometidos com a propaganda nazista o, até  que ponto foram mal interpretados, é uma questão a ser considerada. O exemplo mais ilustrativo oferece o Pastor Hermann Dohms. Como presidente da Igreja Evangélica, seus pronunciamentos e sua posição  oficial, expressa em ofícios à Chefatura da Policia, em circulares dirigidas aos subordinados, as orientações oficiais da Igreja, indicando as diretrizes pastorais, apontam, antes de mais nada, para mal-entendidos, interpretações equivocadas e juízos precipitados. Basta ler e analisar os documentos assinados pelo Pastor Dohms, publicados no Relatório II do DOPS. 

Com isso não se pretende negar que houvesse pastores como também houve padres católicos, que se prestaram como propagandistas das idéias nacional-socialistas. As ocorrências registradas, entretanto, se deram, na sua grande maioria, antes do começo da Segunda Guerra Mundial, num clima de relações absolutamente normais entre a Alemanha e o Brasil. 

O capítulo quinto analisa a organização do partido nazista no Rio Grande do Sul. Nele o Relatório dá uma visão sucinta, porém, bastante clara e objetiva da organização e do funcionamento do Círculo nº V, ou do “Kreis” de nº V, do partido nazista com jurisdição sobre o Rio Grande do Sul. O Círculo ou “Kreis” representou o núcleo organizacional  central para o Estado, tendo como chefe o “Kreisleiter” – chefe de Círculo. O círculo dividia-se em células. Em todo o Brasil havia sete círculos: I. Na Capital Federal; II. São Paulo; III. Paraná; IV. Santa Catarina; V. Rio Grande do Sul; VI. Bahia; VII. Pernambuco.

Fica até certo ponto claro como funcionou o círculo do Rio Grande do Sul, quais seus expoentes mais importantes, o método de aliciamento, as técnicas  de coerção utilizadas, a própria gerencia, examinando-se os documentos reproduzidos no Relatório I, p. 11-52.

O texto do Relatório e os documentos  que o acompanham chamam a atenção a três coisas.

Em primeiro, lugar demonstram que a Policia tinha amplo conhecimento da organização. Conhecia os endereços do círculo, dos grupos, de ao menos a maioria das células e a identidade dos seus dirigentes  e as listas dos filiados. 

Em segundo lugar, os documentos comprobatórios todos, menos dois, datam de 1838. A tentativa de manter funcionando o círculo do partida nazista, portanto, era uma atividade ilegal, já que a Constituição de novembro de 1937 dissolvera e colocara na ilegalidade tais  atividades. As autoridades e, principalmente, a policia dispunha de instrumentos legais eficazes para enfrentar a situação. De posse dos endereços e dos nomes e amparados pela lei, não parece que a neutralização dessa atividade ilegal exigisse tamanho alarde, tanto aparato e tanta retórica. Uma ação da polícia conduzida com inteligência, teria resolvido o caso dentro dos limites objetivos de um caso de polícia, o que de fato era.

Com esta constatação chegamos à terceira conclusão. A organização do círculo nazista do Rio Grande do Sul, ao menos aqui, estava confinado na capital e em algumas cidades maiores como São Leopoldo, Novo Hamburgo, Santa Cruz, Santa Maria e algumas outras. Até então ao menos, o grande universo das comunidades coloniais, permanecera fora do alcance da propaganda nazista. De um lado porque a sua rede organizacional ainda não chegara até elas e, em segundo lugar, porque os colonos do interior estavam fora do alcance dos meios de propaganda de que se valia o Círculo e seus Grupos, de modo especial o rádio. Os jornais que circulavam pela colônia eram controlados por entidades, na maioria alheias e/ou hostis ao nacional-socialismo, como foi o caso típico do “Deutsches Volksblatt”, o jornal mais lido entre os teuto-católicos. 

Estamos diante da mesma constatação de outras ocasiões.  O nazismo aqui no Estado  significou um problema  localizado e localizável, exigindo rigor no seu controle por ser ilegal, mas influenciando apenas uma minoria dos descendentes de alemães. A grande maioria dos teuto-brasileiros ou não sabia do que se tratava ou tinha uma noção vaga da nova ideologia ou a hostilizava pelas razões já apontadas. As autoridades policiais incorreram num lamentável equívoco, ao porem em prática uma estratégia de terra arrasada contra tudo que sugeria germanidade ou algo parecido. 

O capítulo VIII com o titulo: “O Partido Nacional-socialista nos demais estados do País”, não chega a apresentar algo de novo ou relevante. E não poderia ter sido diferente pois, o texto ocupa pouco mais de uma página (53-54). Reafirma o dado amplamente difundido de que, em Santa Catarina, o nazismo assumira proporções alarmantes. E o autor não deixa por menos. Aproveita a ocasião para mandar um recado para as autoridades daquela unidade da Federação:  “Sente-se a falta de maior cuidado na ação repressiva”. (Relatório I, 1942, p.53)

O Relatório I acusa as autoridades de outros estados de negligentes, quando essas concedem vistos de retorno aos jovens filiados à Juventude Teuto-Brasileira, na viagem destes para estágios na Alemanha. No Rio Grande do Sul esses vistos de retorno não eram concedidos. 

A recomendação do Chefe de Policia, autor do Relatório, propõe que as autoridades  federais intervenham naqueles estados para sustar a propaganda nazista. Justifica a iniciativa com o fato de o partido nazista no Brasil ser uma organização desdobrada em “Círculos” implantados em sete estados. 

O Projeto Social dos Jesuítas no sul do Brasil

As comunidades de agricultores foram-se multiplicando e expandindo geograficamente na medida que se abriam sempre novas fronteiras de colonização. No final do século XIX os vales médios dos rios do Sinos, Caí, Taquari, Pardo e Jacuí estavam povoados. A partir de 1870 imigrantes poloneses, italianos e de outras procedências da Europa Central e do Norte fundaram Forqueta, Caxias do Sul, Farroupilha, Garibaldi, Bento Gonçalves, Veranópolis, Noa Prata, Nova Bassano, Nova Araçá, São Marcos, Guaporé e muitas outras. A colonização da Serra, Missões e Alto Uruguai estava sendo começada. Como se pode perceber nas entrelinhas do processo de expansão, o modelo de agricultura familiar em andamento deitara raízes e se consolidava rapidamente. Uma série de senões e problemas de tamanho maior, inerentes à natureza do próprio modelo começaram a se tornar cada vez mais preocupantes. Com o constante crescimento populacional apareceram os primeiros sinais de degradação dos solos, a necessidade  de diversificar as culturas, a renovação e aprimoramento genético das raças de bovinos e suínos. A tudo isso somava-se a urgência de um projeto global de educação, um programa de assistência social centrado na saúde e amparo jurídico dos agricultores. Na área econômica urgia criar instituições de poupança e empréstimo, incentivar cooperativas de produção, comercialização e consumo, abrir novas fronteiras de colonização para desafogar o excesso populacional das regiões mais antigas.

No decorrer da década de 1890, as lideranças coloniais lideradas pelos padres jesuítas chegaram a conclusão de que iniciativas tópicas já não eram suficientes para enfrentar os   problemas que se vinham acumulando. Faziam-se necessárias ações mais abrangentes e para diagnosticá-las, analisá-las, propor soluções e estratégias, recorreram aos “Katholikentage” (Congressos Católicos) amplamente praticados desde a década de 1850 na Alemanha, Suíça e Áustria, tendo como finalidade a identificação, avaliação das demandas de caráter globais, encontrar as soluções e propor ações. A realização experimental da primeira assembleia geral nesses moldes aconteceu em Bom Jardim – hoje Ivoti em 1897. O resultado foi tão animador que um segundo Congresso foi convocado para 1898 e realizado em Harmonia, então município de Montenegro. Nos 40 anos que se seguiram os “Katholikentage”, no começo realizados a cada ano e mais tarde de dois em dois, serviram de fórum nos quais as lideranças religiosas e leigas, com a participação maciça dos colonos, identificavam e planejavam soluções e estratégias do interesse comum. Assim, o grande tema desse congresso foi a Escola e a Educação. A resposta foi a fundação da “Associação Rio-grandense dos Professores e Educadores Católicos”. A nova agremiação foi encarregada de elaborar e submeter ao Congresso de 1900 uma proposta de educação unificando tanto a duração do período de duração escolar, quanto o currículo e as práticas didático pedagógicas. No congresso em Santa Catarina da Feliz em 1899, aconteceu a fundação  da “Associação Rio-grandense dos Agricultores” – o “Bauernverein”, um amplo projeto de desenvolvimento econômico e promoção humana cujos fundamentos foram apresentados pelo Pe. Theodor Amstad. Embora a iniciativa  tivesse partido das lideranças católicas, pelos estatutos abria as portas para receber  protestantes, italianos, poloneses, luso-brasileiros e quem mais mostrasse interesse Tendo como  lema “Virbus Unitis” – “Somando Esforços”, calcada no comprometimento mútuo, todas as iniciativas fundamentavam-se no solidarismo. Estamos, portanto, frente a um proposta  interconfessional e interétnica. O inusitado e surpreendente está no fato de ela ter sida apresentada por um jesuíta, 60 anos antes do Concílio vaticano II e num momento em que as comunidade das diversas procedências étnicas prosperavam num relativo isolamento.

Já no  Congresso de 1902 a Associação começou a tratar questões de fundo. Foram dados os primeiros passos efetivos para solucionar problemas relacionados com a melhoria e diversificação da produção agrícola, aprimoramento das raças de gado leiteiro e suínos, a instalação de bibliotecas em todos os distritos, um esquema de proteção legal e assistência jurídica aos colonos, o desafogo da superpopulação com a abertura de novas fronteiras de colonização na região das Missões, incentivo a instalação de cooperativas de crédito, melhoria nas estradas e outras mais. Nos nove anos que se seguiram, a Associação Rio-grandense de agricultores promoveu um série de outras iniciativas que interessavam as comunidades como um todo. Entre elas, destacaram-se propostas de reflorestamento, propostas de manejo racional do solo, a recuperação de áreas degradadas, as primeiras iniciativas com arroz irrigado, a implantação do projeto comum de educação adotado em todas as escolas comunitárias,  propostas para criar um sistema de previdência privada e, não em último lugar a multiplicação das cooperativas de crédito e as primeiras cooperativas de produtores de leite e suinocultores. No Congresso de Taquara em 1909 a Associação Rio-grandense de Agricultores foi transformada em sindicato. Essa decisão radical privou-a da sua essência e originalidade como associação fundamentada no compromisso da solidariedade. O promissor projeto de desenvolvimento econômico e promoção humana, foi truncado, perdeu seu caráter interétnico e interconfessional. Os italianos criaram seu sucedâneo nos “Comitati”, os protestantes na “Liga União Colonial” e os católicos na “Sociedade União Popular – o Volksverein”. O caráter interétnico e intercultural  foi abandonado. A Sociedade União Popular, com o Pe. Amstad, Rick e Max von Lasssberg deram continuidade à proposta de um projeto de desenvolvimento econômico e promoção humana. Entre 1912 e o começo da Segunda Guerra Mundial, intensificou e diversificação de suas iniciativas e ações concretas. Levou ao apogeu o cooperativismo nas suas diversas modalidades, encabeçou a abertura de novas fronteiras de colonização no oeste de Santa Catarina, prestou assistência técnica, cultural, social e religiosa aos colonos. Coordenou o desempenho da rede de escolas comunitárias, construiu hospitais e asilos entre    eles o hospital de São Sebastião do Caí e a Colônia de Leprosos de Itapuã e anexo o Amparo Santa Cruz, além de muitas outras iniciativas tópicas que se faziam necessárias. O arquivo da sociedade União Popular, somando redondos 70000 documentos encontra-se guardado no sexto andar da biblioteca, disponível a quem interessar.

A Segunda Guerra Mundial induziu alterações profundas em todo mundo, atingindo em cheio a Sociedade União Popular. Entre elas merece destaque o fato de o Estado Novo com o seu projeto de nacionalização ter assumido um número considerável de atribuições que antes do conflito estiveram nas mãos da iniciativa privada. O ministério da Educação chamou a si tudo que se relacionava com educação. A abertura de novas fronteiras de colonização, a assistência aos agricultores, a saúde, etc. passaram para a responsabilidade da União, dos Estados e ou Municípios. Com a mudança nos estatutos em 1961 a Sociedade União Popular deixou ser étnica e concentrou os esforços na modernização da agricultura com destaque para um programa de treinamento de jovens agricultores na Alemanha, Suíça e Áustria.  A atualmente a SUP continua existindo, com sede em Nova Petrópolis, mas limitada a uma agremiação cuja grande razão de ser foi superada pelo andar da história. 

NB. Para maiores informações ofereço o livro da minha autoria com o título: “Somando Forças – O Projeto Social dos Jesuítas no sul do Brasil.  Edit. Unisinos,  2011).