Antes de nos demorarmos sobre as
diversas formas de associações que reuniram os imigrantes alemães e seus
descendentes em busca de objetivos comuns, é preciso identificar a ideia força
responsável pelo sucesso dos projetos de promoção humana promovidos pelas
associações das quais nos ocuparemos nas postagens que seguem. A ideia força
chama-se Solidarismo o que vem a ser na prática uma via alternativa ao
Individualismo e ao Coletivismo ou, se preferirmos, uma Terceira Via entra as
duas mencionadas. Começamos chamando a atenção de que não consiste na sua
essência da composição do que há de
positivo, tanto no Individualismo quanto no Coletivismo. Falamos de uma alternativa, uma via que parte de
fundamentos ontológicos essencialmente diversos das duas outras. No
Individualismo mais ou menos indivíduos comprometem-se, por meio de um pacto ou
qualquer outro vínculo, a formar uma unidade que recebe o nome de sociedade. O
compromisso não passa de um compromisso pactuado com a finalidade de produzir
bens, garantir serviços, estabelecer regaras de conduta, montar os
aparelhamentos de defesa externa e segurança interna e, acima de tudo,
garantir, como valor maior, a liberdade individual e o seu livre exercício.
Numa sociedade organizada sobre tais fundamentos, a produção e distribuição dos
bens é confiada à livre iniciativa e estimulada pela livre concorrência. As
constituições e as leis ordinárias dos estados que adotam o Individualismo
liberal como modelo limitam-se em assegurar o efetivo exercício da liberdade em
todos os sentidos. Nos modelos mais exacerbados, a prática da lei do mais forte
transforma o convívio das pessoas num autêntico devoramento mútuo. Os antigos
romanos falam em sociedade de lobos que se devoram mutuamente: “homo homini
lúpus”.
O Coletivismo, nas suas mais
diversas formas e modalidades, parte de uma concepção oposta da pessoa e do indivíduo. Para ele o que
vale é o coletivo. O indivíduo vale pelo que significa para a coletividade e é
capaz de contribuir. Anula-se dessa forma ou, no mínimo ignora-se que o
indivíduo é dotado por natureza de necessidades, desejos, aspirações materiais
e espirituais que radicam na natureza íntima da individualidade como pessoa. Também nesse caso, nos modelos
mais extremos como é, por ex., o Marxismo-Leninismo comunista, o indivíduo vira
peça de uma gigantesca máquina burocrática que o reduz a um ente sem direitos,
só com deveres. O ateísmo materialista como “religião” desvia a esperança das pessoas para o paraíso
utópico de uma sociedade sem classes vivendo em harmonia perfeita. O caminho
que deveria levar até esse ideal, porém, confiado a nomenclaturas tão ou mais
cruéis do que o Individualismo liberal, empurra o horizonte utópico da harmonia
final, a distanciar-se sempre mais. E,
de fato, vista com objetividade, a realização da promessa de uma harmonia final
apresenta-se como uma linha que, à maneira do horizonte, afasta-se na medida em
que se tenta alcançá-la.
O Solidarismo apresenta-se como
alternativa, como uma terceira via entre os dois extremos de que acabamos de
falar. Na obra “O Solidarismo”, de Aloysio Bohnen e Reinholdo Ullmann, de que
nos valemos amplamente aqui o Solidarismo fundamenta-se nas seguintes bases. O
jesuíta Heinrich Pesch, o filósofo e formulador das linhas mestras dessa
terceira via, define que se trata de um “sistema que se idnterpõe –
Vermitteldendes System” entre o coletivismo e o individualismo. Outro jesuíta,
Gustav Gundlach, discípulo de Pesch, apontou para a mesma direção e explicitou
ainda melhor as condições para que o Solidarismo poder ser considerado como uma
terceira via, para poder considera-lo como meio termo entre os “ismos” que lhe são opostos. Coforme
Gundlach o Solidadrismo assume as características de uma via intermediária, um
terceiro caminho – uma “Linie der Mitte”, capaz de superar as contradições
implícitas nas duas outras vias. O cardeal Höffner concorda que se trata de uma
terceira via e não de um arranjo, uma conciliação entre o Coletivismo e o
Individualismo. Chamou a atenção de que o “princípio do Solidarismo” não deve
ser entendido como um meio termo entre os “ismos” de que se costuma falar,
porque o princípio da solidariedade tem, ao mesmo tempo, como ponto de partida
a dignidade da pessoa e a natureza essencialmente social do homem. Assim
entendido o Solidarismo constitui-se numa terceira via essencialmente diversa
das outras. (cf. Bohnen-Ullmann, 1993, p. 125)
O cardeal Höffner identificou claramente o fundamento que
confere a solidez e originalidade da terceira via: a dignidade pessoal e
individual da pessoa humana e sua dimensão social. A individualidade
ontologicamente pessoal vem dotada de uma dignidade que não lhe pode ser
contestada por argumentos de qualquer espécie. De outra parte, a natureza
pessoa, individual é, ao mesmo tempo ontologicamente social. A conclusão lógica
é inequívoca. A realização plena da pessoa está condicionada ao pertencimento a
uma sociedade, a qual lhe garante a subsidiariedade indispensável para suprir
as limitações pessoais. De acordo com essa concepção define-se, como ponto de
partida, uma relação de todo diferente das pessoas com a sociedade na qual
estão inseridas e participam ativamente. Começa por aí que a sociedade não se
origina de um pacto acertado entre seus membros, estabelecendo as regaras, os
ordenamentos e os dispositivos legais, para elaborar projetos de
desenvolvimento, por exemplo. Tão pouco a sociedade é um ente inventado por
alguma filosofia ou ideologia na qual as
individualidades pessoais são degradados a pelas que movimentam a máquina social em direção a
uma utopia radical impossível. Avaliado a partir dessa perspectiva, o
Solidarismo cosntitui-se de fato numa via alternativa de caráter essencialmente
humano. Aprofundando um pouco mais a natureza dessa “via do meio – Linie der
Mitte” de Gundlach, é oporuno citar novamente os autores de “O Solidarismo”.
Eles classificam didaticamente suas caractere do mútuo influxositicas em quatro
níveis:
1.
Seu fundamento natural e real asseta na dependência recíproca do
ser humano com relação ao outro; se bem-estar e estar bem dependem do bem-estar
dos outros, por causa do mútuo influxo para o aperfeiçoamento da natural
carência humana.
2.
Como princípio jurídico, o Solidarismo conduz à responsabilidade
pelo bem comum. Envolve, pois, um dever ético, o qual defende e salvaguarda a
autonomia dos indivíduos e as associações intra-estatais; subordina os
interesses particulares aos da
comunidade; enquadra o direito privado no direito da sociedade, segundo o
princípio da colisão dos direitos, sem abolir, nem limitar, arbitrariamente,
nem reprimir a economia privada. A solidariedade representa a síntese de todas
as forças individuais e sociais, para colimar os objetivos do Estado, ao qual
cabe zelar pela parte mais fraca da sociedade.
3.
A solidariedade, como princípio formador da sociedade propicia e dá origem, de acordo
com as condições históricas e as necessidades dos diversos segmentos sociais
(associações, agremiações, etc.)A solidariedade não favorece nem patrocina
interesses unilaterais, porém, coo força cultural atuante, visa, exclusivamente
ao bem comum e à união dos opostos, tendo por meta a construção da harmonia
social, na busca do equilíbrio de interesses conflitantes.
4.
Finalmente não se pode silenciar que a solidariedade é, também, um
princípio criativo, com fundamento no amor de Cristo, o qual vê no outro um
irmão. (Bohnen – Ullmann, 1993, p. 126-127)
Parece que, com o que vínhamos
expondo, ficaram suficientemente delimitadas as fronteiras, os marcos
divisórios entre o Coletivismo, o Individualismo e o Solidarismo. São como água
e azeite. Não se misturam. São três vias paralelas mutuamente excludentes. O
Solidarismo exige que a justiça garanta os direitos de todos igualmente, sem
privilegiar uma ou outra classe ou nomenclatura e deixa no abandono a outra
como acontece no Individualismo ou aniquilada pelo aparelhamento burocrático
como sucede no Coletivismo. No Solidarismo, todas as energias, tanto dos
indivíduos quanto das agremiações, associações e das instituições públicas, são
canalizadas em favor do corpo social como um todo. E o corpo social como um todo
sadio, robusto, bem aparelhado, mas
cônscio de que cada pessoa é uma individualidade com direito à livre
determinação e escolha dos seus atos, favorece na outra ponta, a realização, a
satisfação e a harmonia entre as pessoas.
Pois, foram os princípios do
Solidarismo adotados como fundamentos para o associativismo teuto-brasileiro a
partir da década de 1890, que explicam os êxito em todos os seus empreendimentos.
As primeiras tentativas foram
feitas já na década de 1890. Tratava-se ainda de iniciativas com aspectos específicos. Sob o impacto da
proclamação da República e suas consequências, partiu-se para a fundação de um
partido político católico. Inspirado no “Zentrumspartei” – Partido do Centro,
da Alemanha, deveria definir e garantir o lugar da Igreja Católica no cenário
político republicano. Foi denominado de “Partido Católico do Centro”. Não
chegou nem perto da força e influência do seu irmão maior na Alemanha, que se
tornara a grande força de oposição a Bismarck e do seu projeto, o
“Kulturkampf”. Sua atuação efetiva limitou-se à participação na eleição da
assembleia constituinte federal e estadual. No primeiro caso, não logrou eleger
um único deputado. Para a constituinte estadual elegeu três deputados, mas
recorrendo a uma composição com outras legendas. Essa estratégia rendeu ao
partido uma cisão interna insuperável. Essas duas experiências eleitorais
provaram a inviabilidade do partido. Com isso a ideia de militância política
direta foi abandonada.
Uma segunda tentativa de
arregimentação também tópica, aconteceu com a “Associação de Proteção às
Florestas”. Duas lideranças destacaram-se nessa iniciativa: o Pe. Pedro Gasper,
apelidado de “apóstolo da floresta” e o sr. Alfred Grohmann, o “pai da
floresta”. A ideia resultou prematura e, por isso mesmo, não obteve a adesão, a
não ser de alguns colonos isoladamente.
De tentativa em tentative, terminou-se finalmente em 1897 por recorrer a
uma outra forma coletiva para enfrentar as questões de interesse comum, adotada
na Alemanha, na Suíça e na Áustria desde a década de 1860: “Os Congressos
Gerais dos Católicos”. os “Katholikentage”. Nesses eventos reuniam-se as
lideranças leigas e eclesiásticas, urbanas e rurais e o povo em geral, com a
finalidade de identificar e avaliar questões de interesse comum, procurar
soluções e traçar estratégias de ação. Serviram de fórum no qual se discutiam os rumos a serem
tomados na condução das grandes questões relacionadas com a economia, a assistência
social, a educação, a cultura e a religião. Como se pode ver pela sua natureza,
esses “Congressos” dispunham de legitimidade e de competência, mais do que
suficiente, para enfrentar cenários mais abrangentes e mais complexos.
A primeira experiência nesse
sentido aconteceu em 1897 em Bom Jardim (Ivoti). Serviu de prévia e de teste de
viabilidade daquele instrumento entre os católicos alemães no Rio Grande do
Sul. Os resultados foram suficientemente animadores, para que os congressistas
decidissem convocar o primeiro Congresso Geral oficial do Rio Grande do Sul,
para fins de março de 1898, a ser realizado em Harmonia, então
distrito do município de Montenegro. A escola e a educação deram o tom
ao congresso. Um grupo de professores, liderados pelo Pe. Pedro Gasper,
apresentou o diagnóstico sobre a
situação da rede escolar comunitária. A proposta da fundação de uma associação
de professores ocupou boa parte das discussões e debates, resultando na
“Associação dos Professores e Educadores Católicos do Rio Grande do Sul.”
Naquela ocasião, não se avaliou ainda a
possibilidade de propor um projeto global de desenvolvimento econômico e
promoção humana. Em todo o caso a fundação de uma associação de professores
que, daí para frente, encarregar-se-ia
da área vital da educação, conferindo unidade e consistência a uma proposta
pedagógica afinada com a necessidade da época, depunha em favor da seriedade do
Congresso. O entusiasmo dos congressistas reunidos em Harmonia foi tal que
decidiram marcar um segundo Congresso Geral dos Católicos já para o ano
seguinte, 1899, em Santa Catarina da Feliz.
Na programação daquele
Congresso, entre outros temas de grande relevância, fora prevista uma
conferência a cargo do Pe. Theodor Amstad, versando sobre a situação econômica
da colônia. Com o Pe. Asmtad entrou em cena o personagem-chave na formulação de
propostas para os quarenta anos que se
seguiriam. Suas peregrinações, principalmente pelo vale do rio Caí, haviam-lhe
dado uma percepção nítida do que estava acontecendo. Nas longas cavalgadas
solitárias, concebeu, aos poucos, o grande e audacioso projeto que proporia no
Congresso em Santa Catarina da Feliz. O discurso que proferiu e que será
reproduzido na íntegra mais abaixo, constitui-se numa peça extraordinária. Num
linguajar que até o mais modesto dos colonos foi capaz de entender, pintou a
situação real em que se encontrava a colônia. As coisas não poderiam continuar
como estavam. Era preciso envolver num projeto todos os aspectos da vida,
apoiado no pressuposto de uma união geral das forças e das potencialidades
disponíveis. Ao concluir a sua fala tirou da manga o esboço de uma proposta na qual se previam
objetivos múltiplos. Colheu aplausos entusiásticos e a adesão unânime para a fundação
da Associação Riograndense de Agricultores. No Congresso de 1900, realizado em
São José do Hortêncio aconteceu a instalação oficial da Associação.
No decorrer da última década do
século XIX e no início do século vinte, os colonos individualmente, as
comunidades coloniais, os comerciantes das picadas e das médias e grandes
cidades, começaram a sentir, com insistência cada vez maior, uma nova
problemática. O sucesso relativo da colonização tornara a economia cada mais
dinâmica, mais rentável e mais volumosa. A produção de excedentes em ritmo
crescente relegara ao passado a produção destinada unicamente para a
subsistência. Excedentes eram produzidos, exigindo para serem colocados no
mercado local, regional e nacional. Ao mesmo tempo, tornara-se rotina a
importação de produtos de toda a ordem a custos e preços elevados. Com a
indústria nativa ensaiando os primeiros passos tímidos, quase todos os produtos
manufaturados dependiam obrigatoriamente da importação. O resultado não deixa
dúvidas: uma dependência cada vez mais acentuada dos países industrializados da
Europa e uma manipulação crescente da economia e dos preços por parte dos
grandes comerciantes.
A tomada de consciência dessa
realidade despertou entre as lideranças leigas e religiosas dos imigrantes a
convicção de que era preciso fazer
alguma coisa e com muita urgência. O papel de porta-voz foi assumido por padres
jesuítas, por lideranças leigas, entre
as quais se destacaram professores das escolas comunitárias, e por
personalidades portadores de um grau de formação mais apurado, na sua maioria
residentes em Porto Alegre.
Personalidades como o P. Theodor
Amstad, o P. João E. Rick, Max von Lassberg e o Sr. Hugo Metzler tornaram-se
referências quando se tratava de discutir os problemas da colônia. O P. Amstad
era filho de um suíço comerciante de produtos coloniais. Como tal, trouxera da
casa paterna um rico acervo de conhecimentos e principalmente um arguto
espírito de percepção da problemática que envolvia a colônia na época.
Desembarcara em Porto Alegre em setembro de 1885, e foi designado para atuar
pastoralmente entre os colonos na região do vale do rio Caí. O contato diuturno
e prolongado com os problemas que afetavam as comunidades coloniais fizeram
dele em pouco tempo o grande condutor dos imigrantes. A par do bem-estar espiritual e religioso preocupavam-no também
a saúde social e o sucesso econômico das
ovelhas do rebanho que lhe fora confiado. Levava muito a sério tudo que
pudesse contribuir para a promoção
humana individual e coletiva. O mesmo espírito animava os demais líderes
tanto religiosos quanto leigos. E as ações concretas nesse sentido não se
fizeram esperar.