A gênese do associativismo católico na Alemanha
Gigantesco era desafio que a
Igreja foi obrigada a enfrentar. Em última análise, resumia-se no seguinte:
como administrar a situação sem que os danos se tornassem irreversíveis;
encontrar os instrumentos capazes de superar os problemas; escolher as
estratégias capazes de devolver à Igreja o lugar e o brilho perdidos.
Mais acima ficou claro que o
caminho da concordata era inviável. O apelo ao imperador da Áustria para
intermediar a negociação resultou inútil. Mais frustrante deve ter sido a resposta pessimista do papa aos bispos alemães, afirmando que, naquela
situação, só Deus poderia ajudar.
Diante dessa situação próxima ao
desespero forçoso, era encontrar uma saída no âmbito mesmo da Igreja da
Alemanha e dos católicos alemães. A convicção expressa pelo alto dignitário eclesiástico prognosticava que as circunstâncias negras
levariam ou um colapso irreversível da Igreja ou que nas entranhas da borrasca
estava a gestar-se uma nova ordem, uma nova Igreja, uma Igreja restaurada na
sua doutrina, na sua disciplina, uma Igreja em condições de enfrentar o século
XIX com todos os seus avanços tanto no
campo da Filosofia, como da Teologia, da Sociologia, da Economia e em
todos os campos da Ciência e Tecnologia.
Finalmente, na década de 1840, a
situação na Alemanha atingira um nível de desorganização próximo ao caos. O
ingrediente mais perturbador nessas circunstâncias deve creditar-se aos
movimentos revolucionários, que atingiram o ponto mais crítico em 1848. Em meio
a esse furacão, a Igreja viu-se entregue
a si mesma. Não tinha como contar com os governos fragilizados, com o
prestígio abalado e a autoridade minada nos seus fundamentos. Da mesma forma, a
perplexidade e falta de referenciais seguros, deixaram a sociedade
civil num estado beirando a anarquia.
Com o estado falido, com a
ausência ou a falta de outras lideranças para sinalizar um rumo seguro foi
necessário procurar uma saída no seio
mesmo das massas populares em geral e nos segmentos setoriais, perseguindo
interesses específicos. A organização dessas massas e dos segmentos setoriais
oferecia-se como uma saída, talvez a única, em meio ao caos generalizado. Para
as autoridades eclesiásticas e para as
lideranças católicas leigas, não restava dúvida que a restauração do prestígio
e da revitalização da Igreja na Alemanha passava pelo povo católico.
A resposta do povo católico veio
em 1848 em Mainz. A explicação dada para o
porque dessa cidade ter servido de berço das organizações católicas
alemãs, deve ser procurada na sua localização geográfica além do seu significado
histórico para a nação alemã. A cidade fica a poucos quilômetros da fronteira com a França e situada no centro
de umas regiões mais conturbadas . A constante passagem das tropas durante décadas, a indefinição, o avanço e recuo
constante das linhas de fronteira e o vazio perigoso de uma identidade
nacional, acentuaram ainda mais a desestruturação e o caos social. Na condição
de região de fronteira com a França, as
idéias inovadoras e revolucionárias emanadas de Paris encontravam não pouco
ressonância na sua população, antes do que qualquer outra da Alemanha.
Por isso urgia arregimentar aí,
mais do que em qualquer outra região, os católicos numa associação. O ponto de
partida veio com a reunião de um grupo relativamente pequeno de homens, que, no
início, ao menos parece, não ter alimentado ambições maiores do que a cidade e
os arredores de Mainz. Os fundadores da associação inspiraram-se em agremiações
semelhantes, perseguindo os mesmos objetivos daquelas que já atuavam com êxito
na Inglaterra, na Irlanda e na França. O objetivo central resumia-se na
conquista e na defesa da Igreja e da liberdade religiosa. Estatutos muito
simples deram foram e personalidade jurídica para a associação.
De início, alguns obstáculos
tiveram que ser removidos. Em primeiro lugar, foram os tempos tumultuados do
final da década de 1840. A população vivia confusa, sem rumo, sem referências
confiáveis nem civis, nem eclesiásticas, nem religiosas. Em segundo lugar,
faltava a tradição de qualquer tipo de
associativismo entre a população. Não estava acostumada a enfrentar desafios organizada em grupos
mutuamente comprometidos. Uma terceira dificuldade provinha das próprias
lideranças católicas. Pessoas bem intencionadas desse meio desaconselhavam a
fundação de uma associação. Julgavam-na inoportuna, prematura e, por isso
mesmo, condenada ao fracasso.
As três dificuldades mencionadas
e mais outras tantas terminaram sendo superadas. Na data combinada, vinte e
quatro homens reuniram-se para uma sessão preparatória. A fundação da associação
ficou decidida, os estatutos examinados e aprovados. No final, uma nova reunião
foi acertada e os participantes convidados fazerem-se acompanhar por tantas
pessoas quantos fossem capazes de arregimentar. O resultado surpreendeu pela
numerosa assistência que se fez presente. Os estatutos tiveram a aprovação
ratificada e a Associação oficializada por meio de um documento assinado por
trezentos a quatrocentos sócios
fundadores. Um dos associados propôs o nome de “Associação de São Pio”, aceito
por unanimidade pelos presentes. O nome
devia simbolizar o espírito de liberdade que animava a Associação.
Estava criada a Associação de São Pio de Mainz. Em pouco tempo ela
transformou-se no paradigma para dezenas de outras “Associações de São Pio”,
surgidas por toda a Alemanha. Unia-as todas o mesmo espírito e integravam-nas
homens comprometidos com o mesmo objetivo de defender a liberdade da Fé e da Igreja.
Essas associações com seus
associados alimentaram o desejo de
reunir-se numa grande federação alemã de associações católicas. Entre todas
elas circulou, desde o início, uma ativa correspondência, veiculando a troca de experiências, comunicando
resultados e, principalmente, reavivando a autoestima entre os católicos, o respeito
à Religião e a veneração pela Igreja.
O seguinte passo decisivo para a
história do associativismo católico da Alemanha foi dado por ocasião da
inauguração da catedral de Colônia. Na ocasião fez-se presente um grande número
de associados de Associações de São Pio de toda a Alemanha. No encontro,
decidiram reunir todas as associações numa única federação e, assim, unir as forças numa só, pela conquista e a
garantia de liberdade para a Igreja e a Religião. A premência da situação
exigia uma ação rápida, e um encontro de representantes de toda a Alemanha foi
acertado para os dias três a seis de
outubro de 1848 na cidade Mainz. A abertura aconteceu no dia três de
outubro de manhã, precedida por uma solene missa pontifical na catedral. A
assembléia de trabalho que seguiu ao ato religioso foi assim registrada nos
anais do evento:
Logo após a
solenidade religiosa aconteceu no castelo da cidade a primeira reunião da
assembleia geral. Desde logo ficou claro o caráter e o significado do encontro.
A profundidade das reflexões feitas durante a sessão, sinalizaram claramente
que o momento era do prelúdio de um
grandioso drama que arrebataria os espíritos no decorrer das sessões que se
seguiriam. Ficou evidente também que a assembléia significava algo mais e algo
maior do que se podia imaginar.[1]
A Federação das Associações
Católicas elegeu como objetivo maior a conquista e a reconquista da liberdade
da Igreja, da Religião e da Educação. A grande pergunta que os congressistas se
fizeram foi esta: Mas para que serve a liberdade da Igreja em nível institucional, se não for para fazer
valer seus princípios no dia a dia dos católicos? A doutrina católica e seus
valores morais perpassam a vida e orientam o quotidiano das pessoas. Sem esse pressuposto não há como
esperar que o povo católico tenha condições para enfrentar com êxito as
investidas contra a liberdade da Igreja e da Religião.
Dois obstáculos principais foram
apontados. Em primeiro lugar, de há muito as massas populares são contaminadas pela atmosfera hostil à
Igreja e à Religião. Os espíritos estão sendo minados pelo vendaval de idéias
revolucionárias que varrem a Europa inteira, encontrando eco entre as pessoas
comuns, abalando sua fé e minando os costumes e os valores tradicionais. Em
segundo lugar, e, como consequência da anterior respira-se uma autêntica
atmosfera de paganismo no dia a dia das pessoas, comprovada pela deterioração
dos costumes e ausência de qualquer tipo de motivação religiosa. Diretamente
relacionada com a ignorância, a confusão e o desinteresse religioso, aparece a desestruturação da sociedade e a grande miséria do povo.
Eis o quadro que motivou as
lideranças católicas da época a dar uma resposta eficaz a tamanhos desafios. A
lógica que alimentou a organização, em
primeiro lugar das Associações de São Pio e, em seguida, da Federação das
Associações Católicas, fundamentava-se no seguinte raciocínio: O objetivo
último da Associação é a liberdade da Igreja, da Religião e da Educação. Ora
num ambiente de ignorância e
desorientação religiosa, num ambiente em que a Igreja como instituição tem o
seu prestígio abalado; num ambiente em que a educação serve mais como
instrumento de subversão dos valores e dos costumes; num ambiente em que a antiga ordem está
desmoronando; num momento histórico em que o estado e a sociedade civil e
religiosa estão entregues ao sabor dos movimentos revolucionários, alimentados
pelo ideário iluminista, liberal, socialista, anarquista, materialista,
evolucionista etc.; no momento em que as massas populares vivem uma crise de
desorientação do espírito sem precedentes; no momento em que a sociedade dos
limites do colapso institucional; no momento em que a miséria material atingiu
o nível insuportável, diante deste
quadro, o recurso a iniciativas individuais e tópicas nada
resolveriam. Foi preciso atacar o
problema coletivamente, unindo e comprometendo o maior número de pessoas e o
maior número de grupos organizados.
Nas decisões tomadas e nas
linhas de ação traçadas naquele remoto ano de 1848 em Mainz, estão formuladas
as razões de ser e os procedimentos que orientaram e deram força ao associativismo católico na
Alemanha, na Suíça e na Áustria e, mais adiante inspiraram as grandes
organizações associativas de tanta repercussão no Sul do Brasil na primeira metade
do século vinte.
A liberdade da Igreja, da
Religião e da Educação pressupõe como condição um povo dotado de um nível de
formação profana e religiosa tal que lhe dê condições de um discernimento
seguro e de tomada de decisões conscientes e responsáveis.
Aqui há um destaque da maior
importância a ser feito. A referência à “miséria social como conseqüência da
situação”, demonstra que o catolicismo em vias de organização, começava a
preocupar-se seriamente com os problemas sociais. O momento histórico obrigava
os católicos a uma reflexão objetiva e responsável sobre o próprio sentido da
miséria social. Já não foi mais possível escamotear a realidade e procurar
consolar o homem sofrido, espoliado e sem esperança, com o aceno de que a
resignação, lhe franquearia as portas do paraíso. A assembléia reunida era
formada por homens com os pés no chão, dispostos a refletir seriamente sobre o
drama da sociedade presente e real e encontrar
saídas partindo de dentro dela mesma. Afinal, estamos em pleno ano da
publicação do “Manifesto Comunista”.
E não pode deixar de ser notado
que Marx nasceu e cresceu naquela região
fronteiriça com a França, socialmente tão problemática na primeira metade do século dezenove. Por
isso mesmo, ele pode ser visto como o intérprete e a expressão das angústias e
das perplexidades daquele povo e daquela época. Marx fez a sua leitura da
situação e as lideranças católicas reunidas em Mainz fizeram a deles. E
cada qual formulou respostas, e apontou saídas de acordo com a
compreensão que tivera da realidade. O velho princípio “mens sana in corpore
sano” voltou a nortear os princípios de ação. Ou parafraseando. O homem carente dos meios mais elementares para
prover o bem-estar, não tem condições de
se interessar-se e, muito menos, a
comprometer-se com esforços para a melhoria social, do aperfeiçoamento
político, do progresso econômico, da defesa da Igreja e da Religião e da
Educação do povo. A assembléia de Mainz e a consequente mobilização do mundo
católico por meio de uma federação nacional
de associações confessionais, constituiu-se, sem a menor dúvida, num marco histórico que garantiu um lugar ao sol para a Igreja nas regiões de
cultura alemã e, por extensão, para o Sul do Brasil.
A formulação, o aperfeiçoamento
e a consolidação desse ideário no plano teórico e na implantação na forma de
projetos de ação concreta, terminou por resultar na via católica para resolver
os problemas humanos de toda a ordem. Entre os estudiosos da questão no Sul do
Brasil esse caminho está sendo chamado de “Catolicismo Social”.
O ponto alto do encontro de
Mainz aconteceu na assembléia geral de 4 de outubro. Na condição de
observadores convidados, participaram 23 integrantes do parlamento alemão. Os
discursos sucederam-se ininterruptamente
durante seis horas. O cronista da ocasião registrou o acontecimento nos
seguintes termos:
Esta assembleia,
como foi observado com toda a precisão, pode ser comparada a um verdadeiro
Pentecostes, um grandioso encontro de línguas, no qual se manifestou o vigor do
catolicismo e o amor por ele. Todos falaram de improviso, movidos pela
inspiração do Espírito Santo. De improviso no sentido corrente do termo. Num
sentido mais elevado, porém, todos estavam mais do que preparados. Sem exceção
os oradores todos eram homens possuídos das mais profundas convicções e conhecimentos
católicos. Pois o tema sobre o qual discorriam fazia parte do seu pensamento,
do seu querer e das suas expectativas, das suas preocupações e das suas
esperanças. Como lhes faltaria a palavra nesta sua preocupação maior e mais
sagrada? E em que tipo de assembléia falavam? Numa assembléia da qual
participavam representantes de todos os rincões da pátria alemã, possuídos pela
mesma convicção sagrada. Os espíritos não podiam deixar de inflamar-se
mutuamente e os corações incendiar-se. Cercava-os o povo católico que os
entendia, um povo que os apoiava e lhes dava segurança. Há quanto tempo nós
católicos esperamos por este dia? Foi o primeiro grande encontro dos católicos
alemães. Mais. A Alemanha católica em peso encontrava-se física e
espiritualmente presente. Até este momento os católicos estavam dispersos, isolados, cada qual só e entregue a si mesmo
no seu canto, enredado nas próprias contradições, ignorado, hostilizado,
acuado. Aqui, pelo contrário, estávamos unidos e nos entendendo mutuamente. Livres
e alegres como jamais havia acontecido. Refletimos sobre a nossa própria causa,
num clima de parlamento católico.
Perguntamos. Neste caso a explosão do entusiasmo seria, por acaso, um milagre?[2]
Um pouco mais adiante continua o
cronista:
E em que
momento da história aconteceu a assembléia? Num momento que costuma repetir-se
apenas em séculos de intervalo; num momento crucial da história, no qual a velha ordem naufraga em ruínas e
uma nova tenta nascer; num momento de tomada de decisões, de sobressaltos, de
esperanças; num momento em que se questiona
tudo quanto não é eterno; um tempo em que como em nenhum outro nos
sentimos nas mãos de Deus.[3]
Depois de relatar como, nos
discursos que se sucederam, os oradores analisaram a edificação da nação alemã
sobre os princípios pregados por São Bonifácio; como essa nação desmoronou e
tornou-se vítima da anarquia civil e religiosa; como as propostas visam
simplesmente a implantar uma nova ordem sobre o direito, a liberdade e o amor,
fruto não da luta por segurança, mas do sacrifício, da benemerência e da
conciliação; como todo esse quadro levou, por fim, ao colapso da sociedade como
um todo. Na conclusão o cronista insistiu que o problema social e a sua solução
tem que ser assumida como uma obrigação pelos católicos.
( ... ) nenhuma
lei é capaz de resolver a questão social, mas o cristianismo, a Igreja
desprezada irá resolvê-la. É obrigação nossa resolvê-la e queremos resolvê-la,
antes de mais nada por meio de um amor operoso e diuturno. Esta é uma obrigação
nossa que saldemos a dívida de amor que
por tanto tempo não exercitamos, a fé que negamos pelas obras. Cabe-nos expiar
essa culpa agora.[4]
E para dar conta dessa dupla
tarefa, é indispensável a renovação
interna do cristianismo e a solução da questão social.
( ... ) cabe a
nós, cabe ao povo católico renovar-se no espírito e no vigor da fé. Tudo isto
deverá acontecer por meio de uma grande associação católica destinada para ao
Alemanha toda, destinada à preservação da liberdade da Igreja, da salvação e do
restabelecimento do espírito e da moralidade e os costumes do povo, a fim de,
pelo exercício da sabedoria e da operosidade cristã, superar a pobreza e a miséria, fruto dos
males sociais.[5]
A semente da renovação lançada
na assembleia dos católicos em 4 de outubro de 1848 em Mainz estava destinada a
orientar no futuro o esforço empenhado
na restauração do verdadeiro espírito católico na Igreja como instituição e na
comunidade dos fiéis. No primeiro sermão
sobre “os grandes problemas sociais da atualidade” proferidos na
catedral de Mainz, o futuro bispo Wilhelm von Ketteler, parafraseou, por assim
dizer, a decisão da assembléia geral dos católicos do ano anterior. Depois de
mostrar a situação deplorável em que a Igreja e o povo foram jogados pelas
circunstâncias das últimas décadas, pronunciou-se nestes termos:
Novamente nos
encontramos numa encruzilhada da história. Mais numerosos e mais poderosos os
inimigos cercam a Igreja e a cruz na qual a pregaram. A zombaria, o
desprezo, a mentira e a injustiça são as cordas e os pregos que a prendem
firmemente, para que não se livre jamais do seu poder. Inclusive o povo e os
pobres alinharam-se em grande parte nas fileiras dos inimigos da Igreja e entre
seus próprios filhos enumeram-se os seus inimigos mais ácidos. Será que nesta
situação a Igreja tem condições de reerguer-se, despertará também desta vez da
morte aparente? Frente ao avanço da descrença terá condições de manter em pé a antiga fé em Deus e no cristianismo
dos antepassados?, estará em condições de restabelecer a pureza dos costumes
cristãos em meio à avalanche da sua deterioração?, estará em condições de, em
meio à penúria e impotência, oferecer conselhos, socorros e consolos?
Respondemos sem receios. Sim estamos em condições e estamos dispostos para dar
testemunho desta fé, empenhando cada gota de
sangue que flui em nossas veias e conosco muitos milhões de católicos
dispersos pelo vasto mundo, reafirmam o mesmo. Eis a razão da tranqüilidade e
da certeza dos católicos possuídos de uma fé sólida nestes dias tempestuosos.
Enquanto ondas gigantescas ameaçam
engolir tudo, o católico fiel apóia-se firmemente na rocha que as portas do
inferno não logra destruir.
A fé piedosa,
entretanto, não é o suficiente nestas circunstâncias. É preciso que a verdade
seja testemunhada por atos.[6]
Duas coisas merecem destaque
nessa citação. A primeira diz respeito às decisões tomadas nas assembleias dos
católicos. Não só não ultrapassaram os recintos em que foram discutidas e
acertadas, como logo depois foram levados aos púlpitos das igrejas e catedrais
e aí apresentadas ao povo. A fermentação das massas que necessariamente tinha
de preceder a recristianização foi leveda muito a sério. A segunda diz respeito
ao fato de o sermão do qual extraímos a
citação acima, ter sidoroferido por Wilhelm Ketteler futuro bispo de Mainz.
Notabilizou-se como principal formulador
da visão social do catolicismo na Alemanha e um dos responsáveis pela
resposta oficial dada pela Igreja referente à questão social, consubstanciada
na encíclica “Rerum Novarum” de Leão XIII.
Examinando um pouco mais de perto os diversos passos da história do associativismo católico na Alemanha, outras evidências aparecem, talvez mais nas entrelinhas do que
formalmente expressas nos relatos. Uma delas tem muito a ver com o fato de as referidas iniciativas
que levaram à fundação daquelas associações, partiram do laicato
católico. Percebe-se, é claro, que esse
movimento leigo contava com o respaldo e a participação do clero e das
autoridades eclesiásticas. Na sua origem e essência, portanto, essas
organizações foram fruto de um despertar da consciência católica, num momento
de crise generalizada que levara a sociedade civil e religiosa à beira do
colapso. O Estado, a Igreja, a ordem política, social, econômica e religiosa
encontravam-se numa encruzilhada. Nessa conjuntura histórica, contrariamente
aos tempos da Idade Média, uma multiplicidade de idéias conflitantes e
cosmovisões opostas, digladiavam-se para ver quem arrebatava o maior número de
adeptos. Estava mais do claro que a Igreja já não dispunha dos meios e
instrumentos eficazes o bastante para uma saída única. Sua autoridade fora
minada, sua doutrina e suas normas de conduta hostilizada e posta em questão,
inclusive por um número assustador de católicos. O recurso ao princípio da
autoridade, o argumento da santidade dos valores católicos, já não surtia um
efeito seguro e generalizado no confronto com as idéias inovadoras que
impregnavam a atmosfera civil e religiosa da Europa. A superação do impasse começou a ser vislumbrado na organização dos
católicos e, por meio delas, pôr em andamento um movimento para a restaurar a
liberdade da igreja e a liberdade religiosa. Como a raiz dos problemas localizava-se na esfera
das idéias e dos princípios, a saída tinha que acontecer necessariamente nesse
nível. E, pelo que nos permite uma leitura nas entrelinhas dos relatos, quem
percebeu com muita clareza o fato foi a elite intelectual católica. A
interpretação correta dos sinais dos tempos garantiu a essa “inteligentia”
católica a consciência nítida de que a
reconquista da verdadeira catolicidade dar-se-ia em várias instâncias. Em
primeiro lugar, o confronto seria no plano das ideias, das filosofias e das
cosmovisões. Urgia demonstrar perante a sociedade culta que os princípios
doutrinários da Igreja significavam algo a mais do que uma mistificação sem
consistência; que as regras de conduta e a moralidade pregada pela Igreja não
se resumiam num instrumento do coerção ou submissão; que a doutrina e a ordem moral
estavam a serviço da defesa de um universo de valores que fazem paste
integrante da cultura ocidental. Em segundo lugar, ninguém podia negar de que o
ideário iluminista, racionalista, socialista, materialista etc. tivesse
contaminado perigosamente as massas
populares. A aceitação por elas de muitas ideias, e de modo especial,
socialistas e anarquistas, encontrou o seu maior facilitador nas circunstâncias
da época.
Esse panorama compôs o pano de
fundo sobre o qual as elites do laicato católico alicerçaram o seu projeto de
redenção. Movidos por ele, apontaram
também o caminho por onde andar, os meios e as estratégias de ação. De saída,
ficou claro que não havia espaço para soluções tópicas ou para iniciativas isoladas.
A situação reclamava soluções de grande abrangência, conduzidas por meio da
mobilização do maior número possível de pessoas, comprometidas em organizações
ou associações bem estruturadas.
Num primeiro momento, surgiu em
Mainz a “Associação de São Pio”. Ela serviu de protótipo a muitas outras
similares que se multiplicaram com rapidez pela Alemanha, Suíça e Áustria. No
encontro dos representantes de muitas dessas associações por ocasião da
inauguração da catedral de Colônia, foi acertado um encontro em Mainz em
outubro de 1848. Com a participação dos representantes da maioria das Associações de São Pio nessa assembleia,
resultou a fundação da “Federação das Associações católicas da Alemanha”.
Estavam assim postas as bases para dar início à ação.
As décadas que se seguiram iriam demonstrar o potencial quase ilimitado
oferecido pela “Federação”. Inspiradas nela e, por assim dizer, à sua
sombra, multiplicaram-se dezenas de
associação católicas com propostas e finalidades específicas.
Entre todas elas, e revestida da
maior importância e visibilidade, foi, sem dúvida o “Partido do Centro
Católico”. A hostilidade crescente contra a Igreja nos anos da unificação da
Alemanha, culminando no confronto durante o “Kulturkampf”, obrigou os católicos
a arregimentar-se num partido político.
A sua postura foi firme e combative, e assegurou para a Igreja e para o
catolicismo um espaço definido e uma posição de respeito no cenário do império
alemão unificado.
Muitos jesuítas alemães,
austríacos e suíços que foram trabalhar entre os imigrantes alemães no Sul do
Brasil, tinham colaborado nessas associações. Um grupo considerável deles, por
sinal dos melhores quadros da ordem, haviam sido expulsos da Alemanha por Bismarck. É compreensível que
lançassem mão do associativismo católico inspirado no da Alemanha, para
enfrentar os problemas de toda a ordem que vinham encontrando no novo campo de
trabalho. Não tiveram que inventar nada. Bastou transplantar o modelo e o espírito do associativismo que
tão bem conheciam, direcionando-o para a realidade do sul do Brasil no final do
século XIX e os início do século XX.
[1]
Verhandlungen der ersten Versammlung des Katholischen Vereins Deutschlands am
3, 4, 5, 6 Oktober zu Mainz. Amtlicher Bericht, Mainz, Verlag von Kirchenheim
und Schott, p. VI.
[2]
Verhandlungen. op. cit. p. X.
[3]
Verhandlungen. op. cit. p. X.
[4]
Verhandlungen. op. cit. p. XII.
[5]
Verhandlungen. op. cit. p. XIII
[6]
KETTELER, Wilhelm. Die gorssen socialen Fragen – sechs Predigten gehalten im
hohem Dohm zu Mainz. Mainz Verlag Kirecheim und Schott. 1849. p. 4.