O associativismo teuto-brasileiro Origem na Alemanha

A gênese do associativismo católico na Alemanha
Gigantesco era desafio que a Igreja foi obrigada a enfrentar. Em última análise, resumia-se no seguinte: como administrar a situação sem que os danos se tornassem irreversíveis; encontrar os instrumentos capazes de superar os problemas; escolher as estratégias capazes de devolver à Igreja o lugar e o brilho perdidos.

Mais acima ficou claro que o caminho da concordata era inviável. O apelo ao imperador da Áustria para intermediar a negociação resultou inútil. Mais frustrante  deve ter sido a resposta pessimista do papa  aos bispos alemães, afirmando que, naquela situação, só Deus poderia ajudar.

Diante dessa situação próxima ao desespero forçoso, era encontrar uma saída no âmbito mesmo da Igreja da Alemanha e dos católicos alemães. A convicção expressa pelo alto dignitário eclesiástico   prognosticava que as circunstâncias negras levariam ou um colapso irreversível da Igreja ou que nas entranhas da borrasca estava a gestar-se uma nova ordem, uma nova Igreja, uma Igreja restaurada na sua doutrina, na sua disciplina, uma Igreja em condições de enfrentar o século XIX com todos os seus avanços tanto no  campo da Filosofia, como da Teologia, da Sociologia, da Economia e em todos os campos da Ciência e Tecnologia.

Finalmente, na década de 1840, a situação na Alemanha atingira um nível de desorganização próximo ao caos. O ingrediente mais perturbador nessas circunstâncias deve creditar-se aos movimentos revolucionários, que atingiram o ponto mais crítico em 1848. Em meio a esse furacão, a Igreja viu-se entregue  a si mesma. Não tinha como contar com os governos fragilizados, com o prestígio abalado e a autoridade minada nos seus fundamentos. Da mesma forma, a perplexidade e  falta de  referenciais seguros, deixaram a sociedade civil num estado beirando a anarquia.

Com o estado falido, com a ausência ou a falta de outras lideranças para sinalizar um rumo seguro foi necessário procurar  uma saída no seio mesmo das massas populares em geral e nos segmentos setoriais, perseguindo interesses específicos. A organização dessas massas e dos segmentos setoriais oferecia-se como uma saída, talvez a única, em meio ao caos generalizado. Para as autoridades eclesiásticas  e para as lideranças católicas leigas, não restava dúvida que a restauração do prestígio e da revitalização da Igreja na Alemanha passava pelo povo católico.

A resposta do povo católico veio em 1848 em Mainz. A explicação dada para o  porque dessa cidade ter servido de berço das organizações católicas alemãs, deve ser procurada na sua localização geográfica além do seu significado histórico para a nação alemã. A cidade fica a poucos quilômetros  da fronteira com a França e situada no centro de umas regiões mais conturbadas . A constante passagem das tropas durante  décadas, a indefinição, o avanço e recuo constante das linhas de fronteira e o vazio perigoso de uma identidade nacional, acentuaram ainda mais a desestruturação e o caos social. Na condição de  região de fronteira com a França, as idéias inovadoras e revolucionárias emanadas de Paris encontravam não pouco ressonância na sua população, antes do que qualquer outra da Alemanha.

Por isso urgia arregimentar aí, mais do que em qualquer outra região, os católicos numa associação. O ponto de partida veio com a reunião de um grupo relativamente pequeno de homens, que, no início, ao menos parece, não ter alimentado ambições maiores do que a cidade e os arredores de Mainz. Os fundadores da associação inspiraram-se em agremiações semelhantes, perseguindo os mesmos objetivos daquelas que já atuavam com êxito na Inglaterra, na Irlanda e na França. O objetivo central resumia-se na conquista e na defesa da Igreja e da liberdade religiosa. Estatutos muito simples deram foram e personalidade jurídica para a associação.

De início, alguns obstáculos tiveram que ser removidos. Em primeiro lugar, foram os tempos tumultuados do final da década de 1840. A população vivia confusa, sem rumo, sem referências confiáveis nem civis, nem eclesiásticas, nem religiosas. Em segundo lugar, faltava a tradição  de qualquer tipo de associativismo entre a população. Não estava acostumada a  enfrentar desafios organizada em grupos mutuamente comprometidos. Uma terceira dificuldade provinha das próprias lideranças católicas. Pessoas bem intencionadas desse meio desaconselhavam a fundação de uma associação. Julgavam-na inoportuna, prematura e, por isso mesmo, condenada ao fracasso.

As três dificuldades mencionadas e mais outras tantas terminaram sendo superadas. Na data combinada, vinte e quatro homens reuniram-se para uma sessão preparatória. A fundação da associação ficou decidida, os estatutos examinados e aprovados. No final, uma nova reunião foi acertada e os participantes convidados fazerem-se acompanhar por tantas pessoas quantos fossem capazes de arregimentar. O resultado surpreendeu pela numerosa assistência que se fez presente. Os estatutos tiveram a aprovação ratificada e a Associação oficializada por meio de um documento assinado por trezentos a quatrocentos  sócios fundadores. Um dos associados propôs o nome de “Associação de São Pio”, aceito por unanimidade pelos presentes. O nome  devia simbolizar o espírito de liberdade que animava a Associação. Estava criada a Associação de São Pio de Mainz. Em pouco tempo ela transformou-se no paradigma para dezenas de outras “Associações de São Pio”, surgidas por toda a Alemanha. Unia-as todas o mesmo espírito e integravam-nas homens comprometidos com o mesmo objetivo de defender a liberdade  da Fé e da Igreja.

Essas associações com seus associados alimentaram  o desejo de reunir-se numa grande federação alemã de associações católicas. Entre todas elas circulou, desde o início, uma ativa correspondência, veiculando  a troca de experiências, comunicando resultados e, principalmente, reavivando a autoestima entre os católicos, o respeito à Religião e a veneração pela Igreja.

O seguinte passo decisivo para a história do associativismo católico da Alemanha foi dado por ocasião da inauguração da catedral de Colônia. Na ocasião fez-se presente um grande número de associados de Associações de São Pio de toda a Alemanha. No encontro, decidiram reunir todas as associações numa única federação e, assim, unir  as forças numa só, pela conquista e a garantia de liberdade para a Igreja e a Religião. A premência da situação exigia uma ação rápida, e um encontro de representantes de toda a Alemanha foi acertado para os dias três a seis de  outubro de 1848 na cidade Mainz. A abertura aconteceu no dia três de outubro de manhã, precedida por uma solene missa pontifical na catedral. A assembléia de trabalho que seguiu ao ato religioso foi assim registrada nos anais do evento:

Logo após a solenidade religiosa aconteceu no castelo da cidade a primeira reunião da assembleia geral. Desde logo ficou claro o caráter e o significado do encontro. A profundidade das reflexões feitas durante a sessão, sinalizaram claramente que o momento era do  prelúdio de um grandioso drama que arrebataria os espíritos no decorrer das sessões que se seguiriam. Ficou evidente também que a assembléia significava algo mais e algo maior do que se podia imaginar.[1]  

A Federação das Associações Católicas elegeu como objetivo maior a conquista e a reconquista da liberdade da Igreja, da Religião e da Educação. A grande pergunta que os congressistas se fizeram foi esta: Mas para que serve a liberdade da Igreja  em nível institucional, se não for para fazer valer seus princípios no dia a dia dos católicos? A doutrina católica e seus valores morais perpassam a vida e orientam o quotidiano  das pessoas. Sem esse pressuposto não há como esperar que o povo católico tenha condições para enfrentar com êxito as investidas contra a liberdade da Igreja e da Religião.

Dois obstáculos principais foram apontados. Em primeiro lugar, de há muito as massas populares  são contaminadas pela atmosfera hostil à Igreja e à Religião. Os espíritos estão sendo minados pelo vendaval de idéias revolucionárias que varrem a Europa inteira, encontrando eco entre as pessoas comuns, abalando sua fé e minando os costumes e os valores tradicionais. Em segundo lugar, e, como consequência da anterior respira-se uma autêntica atmosfera de paganismo no dia a dia das pessoas, comprovada pela deterioração dos costumes e ausência de qualquer tipo de motivação religiosa. Diretamente relacionada com a ignorância, a confusão e o desinteresse religioso, aparece a desestruturação  da sociedade e a grande miséria do povo.

Eis o quadro que motivou as lideranças católicas da época a dar uma resposta eficaz a tamanhos desafios. A lógica que  alimentou a organização, em primeiro lugar das Associações de São Pio e, em seguida, da Federação das Associações Católicas, fundamentava-se no seguinte raciocínio: O objetivo último da Associação é a liberdade da Igreja, da Religião e da Educação. Ora num ambiente de  ignorância e desorientação religiosa, num ambiente em que a Igreja como instituição tem o seu prestígio abalado; num ambiente em que a educação serve mais como instrumento de subversão dos valores e dos costumes;  num ambiente em que a antiga ordem está desmoronando; num momento histórico em que o estado e a sociedade civil e religiosa estão entregues ao sabor dos movimentos revolucionários, alimentados pelo ideário iluminista, liberal, socialista, anarquista, materialista, evolucionista etc.; no momento em que as massas populares vivem uma crise de desorientação do espírito sem precedentes; no momento em que a sociedade dos limites do colapso institucional; no momento em que a miséria material atingiu o nível insuportável, diante deste  quadro, o recurso a iniciativas individuais e tópicas nada resolveriam.  Foi preciso atacar o problema coletivamente, unindo e comprometendo o maior número de pessoas e o maior número de grupos organizados.

Nas decisões tomadas e nas linhas de ação traçadas naquele remoto ano de 1848 em Mainz, estão formuladas as razões de ser e os procedimentos que orientaram  e deram força ao associativismo católico na Alemanha, na Suíça e na Áustria e, mais adiante inspiraram as grandes organizações associativas de tanta repercussão no Sul do Brasil na primeira metade do século vinte.

A liberdade da Igreja, da Religião e da Educação pressupõe como condição um povo dotado de um nível de formação profana e religiosa tal que lhe dê condições de um discernimento seguro e de tomada de decisões conscientes e responsáveis.

Aqui há um destaque da maior importância a ser feito. A referência à “miséria social como conseqüência da situação”, demonstra que o catolicismo em vias de organização, começava a preocupar-se seriamente com os problemas sociais. O momento histórico obrigava os católicos a uma reflexão objetiva e responsável sobre o próprio sentido da miséria social. Já não foi mais possível escamotear a realidade e procurar consolar o homem sofrido, espoliado e sem esperança, com o aceno de que a resignação, lhe franquearia as portas do paraíso. A assembléia reunida era formada por homens com os pés no chão, dispostos a refletir seriamente sobre o drama da sociedade presente e real e encontrar  saídas partindo de dentro dela mesma. Afinal, estamos em pleno ano da publicação do “Manifesto Comunista”.

E não pode deixar de ser notado que Marx nasceu e cresceu  naquela região fronteiriça com a França, socialmente tão problemática  na primeira metade do século dezenove. Por isso mesmo, ele pode ser visto como o intérprete e a expressão das angústias e das perplexidades daquele povo e daquela época. Marx fez a sua leitura da situação e as lideranças católicas reunidas em Mainz fizeram a deles. E cada  qual formulou  respostas, e apontou saídas de acordo com a compreensão que tivera da realidade. O velho princípio “mens sana in corpore sano” voltou a nortear os princípios de ação. Ou parafraseando. O homem  carente dos meios mais elementares para prover o bem-estar, não tem condições  de se interessar-se e, muito menos, a  comprometer-se com esforços para a melhoria social, do aperfeiçoamento político, do progresso econômico, da defesa da Igreja e da Religião e da Educação do povo. A assembléia de Mainz e a consequente mobilização do mundo católico por  meio de uma federação nacional de associações confessionais, constituiu-se, sem a menor dúvida, num  marco histórico que garantiu  um lugar ao sol para a Igreja nas regiões de cultura alemã e, por extensão, para o Sul do Brasil.

A formulação, o aperfeiçoamento e a consolidação desse ideário no plano teórico e na implantação na forma de projetos de ação concreta, terminou por resultar na via católica para resolver os problemas humanos de toda a ordem. Entre os estudiosos da questão no Sul do Brasil esse caminho está sendo chamado de “Catolicismo Social”.

O ponto alto do encontro de Mainz aconteceu na assembléia geral de 4 de outubro. Na condição de observadores convidados, participaram 23 integrantes do parlamento alemão. Os discursos sucederam-se ininterruptamente  durante seis horas. O cronista da ocasião registrou o acontecimento nos seguintes termos:

Esta assembleia, como foi observado com toda a precisão, pode ser comparada a um verdadeiro Pentecostes, um grandioso encontro de línguas, no qual se manifestou o vigor do catolicismo e o amor por ele. Todos falaram de improviso, movidos pela inspiração do Espírito Santo. De improviso no sentido corrente do termo. Num sentido mais elevado, porém, todos estavam mais do que preparados. Sem exceção os oradores todos eram homens possuídos das mais profundas convicções e conhecimentos católicos. Pois o tema sobre o qual discorriam fazia parte do seu pensamento, do seu querer e das suas expectativas, das suas preocupações e das suas esperanças. Como lhes faltaria a palavra nesta sua preocupação maior e mais sagrada? E em que tipo de assembléia falavam? Numa assembléia da qual participavam representantes de todos os rincões da pátria alemã, possuídos pela mesma convicção sagrada. Os espíritos não podiam deixar de inflamar-se mutuamente e os corações incendiar-se. Cercava-os o povo católico que os entendia, um povo que os apoiava e lhes dava segurança. Há quanto tempo nós católicos esperamos por este dia? Foi o primeiro grande encontro dos católicos alemães. Mais. A Alemanha católica em peso encontrava-se física e espiritualmente presente. Até este momento os católicos estavam dispersos,  isolados, cada qual só e entregue a si mesmo no seu canto, enredado nas próprias contradições, ignorado, hostilizado, acuado. Aqui, pelo contrário, estávamos unidos e nos entendendo mutuamente. Livres e alegres como jamais havia acontecido. Refletimos sobre a nossa própria causa, num clima  de parlamento católico. Perguntamos. Neste caso a explosão do entusiasmo seria, por acaso, um milagre?[2]   

Um pouco mais adiante continua o cronista:

E em que momento da história aconteceu a assembléia? Num momento que costuma repetir-se apenas em séculos de intervalo; num momento crucial da história,  no qual a velha ordem naufraga em ruínas e uma nova tenta nascer; num momento de tomada de decisões, de sobressaltos, de esperanças; num momento em que se questiona  tudo quanto não é eterno; um tempo em que como em nenhum outro nos sentimos nas mãos de Deus.[3] 

Depois de relatar como, nos discursos que se sucederam, os oradores analisaram a edificação da nação alemã sobre os princípios pregados por São Bonifácio; como essa nação desmoronou e tornou-se vítima da anarquia civil e religiosa; como as propostas visam simplesmente a implantar uma nova ordem sobre o direito, a liberdade e o amor, fruto não da luta por segurança, mas do sacrifício, da benemerência e da conciliação; como todo esse quadro levou, por fim, ao colapso da sociedade como um todo. Na conclusão o cronista insistiu que o problema social e a sua solução tem que ser assumida como uma obrigação pelos católicos.

( ... ) nenhuma lei é capaz de resolver a questão social, mas o cristianismo, a Igreja desprezada irá resolvê-la. É obrigação nossa resolvê-la e queremos resolvê-la, antes de mais nada por meio de um amor operoso e diuturno. Esta é uma obrigação nossa que saldemos a dívida  de amor que por tanto tempo não exercitamos, a fé que negamos pelas obras. Cabe-nos expiar essa culpa agora.[4]  

E para dar conta dessa dupla tarefa, é indispensável  a renovação interna do cristianismo e a solução da questão social.

( ... ) cabe a nós, cabe ao povo católico renovar-se no espírito e no vigor da fé. Tudo isto deverá acontecer por meio de uma grande associação católica destinada para ao Alemanha toda, destinada à preservação da liberdade da Igreja, da salvação e do restabelecimento do espírito e da moralidade e os costumes do povo, a fim de, pelo exercício da sabedoria e da operosidade cristã,  superar a pobreza e a miséria, fruto dos males sociais.[5]  

A semente da renovação lançada na assembleia dos católicos em 4 de outubro de 1848 em Mainz estava destinada a orientar  no futuro o esforço empenhado na restauração do verdadeiro espírito católico na Igreja como instituição e na comunidade dos fiéis. No primeiro sermão  sobre “os grandes problemas sociais da atualidade” proferidos na catedral de Mainz, o futuro bispo Wilhelm von Ketteler, parafraseou, por assim dizer, a decisão da assembléia geral dos católicos do ano anterior. Depois de mostrar a situação deplorável em que a Igreja e o povo foram jogados pelas circunstâncias das últimas décadas, pronunciou-se nestes termos:

Novamente nos encontramos numa encruzilhada da história. Mais numerosos e mais poderosos os inimigos  cercam a Igreja  e a cruz na qual a pregaram. A zombaria, o desprezo, a mentira e a injustiça são as cordas e os pregos que a prendem firmemente, para que não se livre jamais do seu poder. Inclusive o povo e os pobres alinharam-se em grande parte nas fileiras dos inimigos da Igreja e entre seus próprios filhos enumeram-se os seus inimigos mais ácidos. Será que nesta situação a Igreja tem condições de reerguer-se, despertará também desta vez da morte aparente? Frente ao avanço da descrença terá condições de manter  em pé a antiga fé em Deus e no cristianismo dos antepassados?, estará em condições de restabelecer a pureza dos costumes cristãos em meio à avalanche da sua deterioração?, estará em condições de, em meio à penúria e impotência, oferecer conselhos, socorros e consolos? Respondemos sem receios. Sim estamos em condições e estamos dispostos para dar testemunho desta fé, empenhando cada gota de  sangue que flui em nossas veias e conosco muitos milhões de católicos dispersos pelo vasto mundo, reafirmam o mesmo. Eis a razão da tranqüilidade e da certeza dos católicos possuídos de uma fé sólida nestes dias tempestuosos. Enquanto  ondas gigantescas ameaçam engolir tudo, o católico fiel apóia-se firmemente na rocha que as portas do inferno não logra destruir.
A fé piedosa, entretanto, não é o suficiente nestas circunstâncias. É preciso que a verdade seja  testemunhada por atos.[6]  

Duas coisas merecem destaque nessa citação. A primeira diz respeito às decisões tomadas nas assembleias dos católicos. Não só não ultrapassaram os recintos em que foram discutidas e acertadas, como logo depois foram levados aos púlpitos das igrejas e catedrais e aí apresentadas ao povo. A fermentação das massas que necessariamente tinha de preceder a recristianização foi leveda muito a sério. A segunda diz respeito ao fato de o sermão do qual extraímos  a citação acima, ter sidoroferido por Wilhelm Ketteler futuro bispo de Mainz. Notabilizou-se como principal formulador  da visão social do catolicismo na Alemanha e um dos responsáveis pela resposta oficial dada pela Igreja referente à questão social, consubstanciada na encíclica “Rerum Novarum” de Leão XIII.

Examinando um pouco mais de  perto os diversos passos  da história do associativismo  católico na Alemanha, outras evidências  aparecem, talvez mais nas entrelinhas do que formalmente expressas nos relatos. Uma delas tem muito a ver  com o fato de as referidas  iniciativas  que levaram à fundação daquelas associações, partiram do laicato católico. Percebe-se, é claro,  que esse movimento leigo contava com o respaldo e a participação do clero e das autoridades eclesiásticas. Na sua origem e essência, portanto, essas organizações foram fruto de um despertar da consciência católica, num momento de crise generalizada que levara a sociedade civil e religiosa à beira do colapso. O Estado, a Igreja, a ordem política, social, econômica e religiosa encontravam-se numa encruzilhada. Nessa conjuntura histórica, contrariamente aos tempos da Idade Média, uma multiplicidade de idéias conflitantes e cosmovisões opostas, digladiavam-se para ver quem arrebatava o maior número de adeptos. Estava mais do claro que a Igreja já não dispunha dos meios e instrumentos eficazes o bastante para uma saída única. Sua autoridade fora minada, sua doutrina e suas normas de conduta hostilizada e posta em questão, inclusive por um número assustador de católicos. O recurso ao princípio da autoridade, o argumento da santidade dos valores católicos, já não surtia um efeito seguro e generalizado no confronto com as idéias inovadoras que impregnavam a atmosfera civil e religiosa da Europa. A superação do impasse  começou a ser vislumbrado na organização dos católicos e, por meio delas, pôr em andamento um movimento para a restaurar a liberdade da igreja e a liberdade religiosa. Como a  raiz dos problemas localizava-se na esfera das idéias e dos princípios, a saída tinha que acontecer necessariamente nesse nível. E, pelo que nos permite uma leitura nas entrelinhas dos relatos, quem percebeu com muita clareza o fato foi a elite intelectual católica. A interpretação correta dos sinais dos tempos garantiu a essa “inteligentia” católica a consciência nítida  de que a reconquista da verdadeira catolicidade dar-se-ia em várias instâncias. Em primeiro lugar, o confronto seria no plano das ideias, das filosofias e das cosmovisões. Urgia demonstrar perante a sociedade culta que os princípios doutrinários da Igreja significavam algo a mais do que uma mistificação sem consistência; que as regras de conduta e a moralidade pregada pela Igreja não se resumiam num instrumento do coerção ou submissão; que a doutrina e a ordem moral estavam a serviço da defesa de um universo de valores que fazem paste integrante da cultura ocidental. Em segundo lugar, ninguém podia negar de que o ideário iluminista, racionalista, socialista, materialista etc. tivesse contaminado perigosamente  as massas populares. A aceitação por elas de muitas ideias, e de modo especial, socialistas e anarquistas, encontrou o seu maior facilitador nas circunstâncias da época.

Esse panorama compôs o pano de fundo sobre o qual as elites do laicato católico alicerçaram o seu projeto de redenção. Movidos por ele,  apontaram também o caminho por onde andar, os meios e as estratégias de ação. De saída, ficou claro que não havia espaço para soluções tópicas ou para iniciativas isoladas. A situação reclamava soluções de grande abrangência, conduzidas por meio da mobilização do maior número possível de pessoas, comprometidas em organizações ou associações bem estruturadas.

Num primeiro momento, surgiu em Mainz a “Associação de São Pio”. Ela serviu de protótipo a muitas outras similares que se multiplicaram com rapidez pela Alemanha, Suíça e Áustria. No encontro dos representantes de muitas dessas associações por ocasião da inauguração da catedral de Colônia, foi acertado um encontro em Mainz em outubro de 1848. Com a participação dos representantes da maioria   das Associações de São Pio nessa assembleia, resultou a fundação da “Federação das Associações católicas da Alemanha”. Estavam assim postas as bases para dar início à ação.

As décadas que se seguiram  iriam demonstrar o potencial quase ilimitado oferecido pela “Federação”. Inspiradas nela e, por assim dizer, à sua sombra,  multiplicaram-se dezenas de associação católicas com propostas e finalidades específicas.

Entre todas elas, e revestida da maior importância e visibilidade, foi, sem dúvida o “Partido do Centro Católico”. A hostilidade crescente contra a Igreja nos anos da unificação da Alemanha, culminando no confronto durante o “Kulturkampf”, obrigou os católicos a  arregimentar-se num partido político. A sua postura foi firme e combative, e assegurou para a Igreja e para o catolicismo um espaço definido e uma posição de respeito no cenário do império alemão unificado.

Muitos jesuítas alemães, austríacos e suíços que foram trabalhar entre os imigrantes alemães no Sul do Brasil, tinham colaborado nessas associações. Um grupo considerável deles, por sinal dos melhores quadros da ordem, haviam sido expulsos  da Alemanha por Bismarck. É compreensível que lançassem mão do associativismo católico inspirado no da Alemanha, para enfrentar os problemas de toda a ordem que vinham encontrando no novo campo de trabalho. Não tiveram que inventar nada. Bastou transplantar  o modelo e o espírito do associativismo que tão bem conheciam, direcionando-o para a realidade do sul do Brasil no final do século XIX e os início do século XX.




[1] Verhandlungen der ersten Versammlung des Katholischen Vereins Deutschlands am 3, 4, 5, 6 Oktober zu Mainz. Amtlicher Bericht, Mainz, Verlag von Kirchenheim und Schott, p. VI.
[2] Verhandlungen. op. cit. p. X.
[3] Verhandlungen. op. cit. p. X.
[4] Verhandlungen. op. cit. p. XII.
[5] Verhandlungen. op. cit. p. XIII
[6] KETTELER, Wilhelm. Die gorssen socialen Fragen – sechs Predigten gehalten im hohem Dohm zu Mainz. Mainz Verlag Kirecheim und Schott. 1849. p. 4.

This entry was posted on sábado, 24 de janeiro de 2015. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. Responses are currently closed.