Viagem pelo Rio Grande do Sul
Na segunda metade de janeiro e primeiros dias de fevereiro de 1963 aproveitei o convite do sr. Jorge Berensen, chefe do escritório da Ferrostahl em Porto Alegre, uma empresa alemã empenhada nas instalação da metalúrgica “Aços finos Piratiny”. Esse senhor embora protestante, cultivava uma grande amizade com meu colega Alcides Giehl, coordenador da Faculdade de Ciências Econômicas, na qual eu coordenava o Departamento de Economia. Em meio a essas circunstâncias, isto é, como amigo de longa data do Alcides, somado ao envolvimento funcional com o coordenador na condição de chefe do Departamento de Economia, somado à participação dos projetos acadêmicos e de desenvolvimento do vale do Rio dos Sinos, aproximei-me também do sr. Berensen. Mais abaixo volto aos projetos que estavam sendo incubados e delineados pela Direção da Faculdade de Ciências Econômicas e do importante suporte logístico a partir do representante da empresa alemã, na época também prestando serviços na implantação do porto de Tubarão no Espírito Santo e da metalúrgica Mannesmann em Minas Gerais. Acontece que convidou o Alcides e a mim para acompanhá-lo numa viagem de carro pelo centro sul do Rio Grande do Sul. O roteiro por ele traçado começou em Porto Alegre pela Br 116 passando por São Lourenço, Pelotas, Rio Grande, Palmares, Chui e de volta a Pelotas, Jaguarão, Herval, Piratini, Bagé, Livramento, Alegrete, Urugaiana, São Borja, Itaqui, São Luiz Gonzaga, São Miguel das Missões, Sto. Ângelo, Sobradinho, Santa Cruz do Sul, Tabaí, Montenegro, até em casa.
Toda a viagem foi feita numa “Wemagete” da DKW pertencente ao Berensen. Não me lembro exatamente quantos dias durou a viagem. Antes de entrar em recordações propriamente ditas é oportuno lembrar que na época o asfalto terminava em Guaiaba e em todo o restante da viagem enfrentamos estradas de chão batido. Como era verão nas centenas de quilômetros percorridos não nos surpreendeu nenhuma chuva significativa. No começo da manhã lá por 15 de janeiro partimos de Porto Alegre. A primeira parada aconteceu em São Lourenço. Além de uma circulada pela cidade fomos recebidos pelo prefeito do município Oscar Westendorf, mais tarde um político influente como deputado estadual. A visita teve o objetivo de tomar contato com as características sócio econômicas, étnicas e culturais daquela região pois um boa parte dela fora colonizada por imigrantes alemães. O encontro com o prefeito não durou mais do que uma hora. Seguimos depois viagem até Pelotas. O Berensen providenciou o pernoite num hotel e o Alcides e eu na residência dos jesuítas. Na manhã seguinte, depois de rezar missa e tomado café, o Berensen veio nos buscar para darmos uma circulada por aquela cidade emblemática pela importância histórica na formação das bases econômicas, culturais e estratégicas do extremo sul do País, envolvendo as constantes escaramuças com o espanhóis na fixação definitiva das fronteiras. Além disso o padrão arquitetónico da cidade, principalmente da área central, testemunha da época em que Pelotas dominava, por assim dizer, o abate de gado, comercialização da carne e couros. Os imigrantes alemães que se fixaram em Pelotas não tardaram em estimular o comércio, artesanatos, além de ocuparem espaço como profissionais liberais: médicos, arquitetos, engenheiros. Merece destaque o fato de os grandes frigoríficos e abatedores costumarem descartar ossos, chifres, cebo, vísceras, etc. Artesãos vindos da Alemanha deram origem a toda uma rede de pequenas indústrias utilizando esses descarte como matéria prima para fabricar sabão, farinha de osso, pentes e outras utilidades tendo os chifres e ossos como matéria prima. Para mim como jesuíta e professor Pelotas vinha com significado histórico que marcou de forma significativa a elite social no final do século XIX e primeira quinzena do século XX. Por ocasião do nosso pernoite na residência dos jesuítas em 1963 eles cuidavam de capelanias e, principalmente, da capelania da Santa Casa. Os jesuítas não se esqueceram de Pelotas, no final do século XIX a segunda cidade mais importante do Rio Grande do Sul. Em 1895 fundaram o Colégio Gonzaga oriundo de uma escola que os jesuítas mantinham na cidade. Em 1907 o número de alunos subira para 319. Em 1905 o Gonzaga foi equiparado ao D. Pedro II. Encerrou suas atividades como consequência da Lei Rivadavia de 5 de abril de 1911, que privou os colégios da equiparação com o D. Pedro II.
Depois de um segundo pernoite em Pelotas, seguimos viagem até Rio Grande. A visita foi rápida, menos de um dia. Os poucos quilômetros que separam Rio Grande de Pelotas foram na época a única estrada pavimentada que percorremos no restante da viagem. Para aqueles que têm um mínimo de conhecimento da história do Rio Grande do Sul conhecem Rio Grande com seu porto que recua até período colonial e exerceu um papel decisivo na consolidação das fronteiras com as colônias sob o domínio espanhol, mais tarde, com as repúblicas do Uruguai e Argentina. Não é aqui o lugar para entrar em detalhes do conhecimento das pessoas minimamente informadas sobre essa fase da história da região do Prata. Não vou me demorar também com considerações sobre a importância do Rio Grande e, de modo especial seu porto com sua localização estratégica. Estava em andamento a ampliação e modernização do porto para atender a estratégia do desenvolvimento do País no momento como embarque de exportação da produção agropecuária e importação de mercadorias que contribuem com um importante reforço do PIB do País como um todo.
Rio Grande com suas características geomorfológicas permitiu o acesso, como porto de entrada para o Rio Grande do Sul. Somava-se a isso a sua localização estratégica, junto com a ilha de Santa Catarina, na rota dos navios que desciam pela costa vindos do norte com destino ao Prata. O que, porém, merece destaque especial foi o papel que coube ao porto de Rio Grande como ponto de desembarque dos imigrantes alemães a partir de 1824. Na primeira etapa os veleiros e mais tarde os vapores que transportavam os imigrantes faziam a travessia do Atlântico até o Rio de Janeiro. De lá navios costeiros os levavam até o porto de Rio Grande. Subiam depois pela Lagoa dos Patos até o Guaíba e Porto Alegre para seguirem viajem pelo rio Dos Sinos até São Leopoldo, polo a partir do qual foram colonizando o vale desse rio, avançando sempre mais sobre as florestas virgens para o interior do Estado. Caminhando pelas ruas da cidade 140 anos depois do desembarque dos primeiros imigrantes alemães naquele porto, passou-me pela imaginação a extensão do significado daquele fato histórico. Procurei imaginar-me o ânimo daqueles homens e mulheres obrigados a deixarem suas querências seculares por absoluta falta de perspetivas de um futuro para seus filhos e netos. Com a certeza de nunca mais retornarem reuniam no cais do porto os poucos pertences que conseguiram trazer, junto com os filhos, geralmente pequenos, devem ter olhado com um misto de surpresa, apreensão e esperança aquele cenário em que prosperariam ou sucumbiriam os filhos e netos. Sabiam muito bem que os esperava um duro começo, que não os esperava um paraíso mas, em compensação um futuro que já não vislumbravam na pátria de origem. Imaginei o que deve ter passado pela mente e apertado o coração do meu trisavô Mathias e minha trisavó Susana com dois filhos pequenos tomando pé em fins de março de 1830, no chão em que nasceriam seus numerosos descendentes, hoje já na décima geração e encontráveis em praticamente todo o Brasil, com destaque para região sul. Como aconteceu em Pelotas estabeleceram-se em Rio Grande comerciantes, profissionais liberais, empresários imigrados com os colonos, influindo sensivelmente no perfil da sociedade da cidade portuária. A justiça manda destacar um outro elemento presente em qualquer centro urbano onde jesuítas alemães se encarregavam do atendimento religioso. Falamos da educação como ferramenta pastoral direta ou indireta. Mais acima destacamos o empenho na formação profana e religiosa no Colégio Gonzaga. Pois, em Rio Grande os jesuítas instalaram uma residência e a partir dela atendiam capelanias e hospitais. Puseram a funcionar o Colégio Stella Maris, mais tarde sob a direção do Pe. Reus passou a chamar-se Colégio Sagrado Coração de Jesus. Para concluir nossa visita a Rio Grande não posso deixar de mencionar deixar a fundação da Liga dos Operários Católicos por iniciativa do Pe. Reus que se informara ainda na Alemanha sobre esse tipo de organizações em pleno vigor e florescimento naquele país, Suíça e Áustria. Pode-se afirmar que foi a primeira organização de operários, embora confessional, criada no Brasil. Inspirado nessa organização o Pe. Leopoldo Brentano fundou, em 1932, os “Círculos Operários” que tiveram um desempenho marcante na organização dos operários no Brasil inteiro, ao ponto de coordenarem as organizações filiadas a partir da central sediada na capital do País. Quem estiver interessado sobre os detalhes dessa história protagonizada pelo Pe. Reus, recomendo a Biografia da minha autoria sobre ele, ainda não publicada de forma convencional mas, no formato de Eboock.