Com a eleição para a Constituinte Estadual encerrou-se a efêmera existência do Partido Católico do Centro. Como herança mais viva para os católicos do Rio Grande do Sul, permaneceu a Typographia do Centro. Essa casa editora não tardaria em passar para as mãos de Hugo Metzler que fez dela porta-voz dos interesses dos teuto-católicos e isso até a sua morte em 1929. Sucederam-no na mesma missão seus filhos Franz, Rudolf e Wolfram. Em 1956 um incêndio não totalmente esclarecido destruiu a Typographia do Centro com todas as instalações, coleções de jornais, periódicos, almanaques, etc. nela arquivados. Por ocasião do incêndio Nestor Pereira era seu diretor.
Além da Typographia do Centro o Partido do Centro lançara a semente para futuras organizações que congregariam os católicos de origem alemã, em torno de projetos sociais, políticos, econômicos educacionais, culturais, assistenciais e religiosos mais abrangentes. O malogro de um partido político fora o primeiro e importante passo no sentido de os alemães católicos se organizarem e, dessa maneira, encontrar um “modus vivendi” civilizado, favorável e produtivo com as autoridades constituídas e com os demais segmentos da sociedade riograndense. Vai neste sentido o comentário do Pe. jesuíta Georg Lutterbeck:
Como já vimos o Partido do Centro só existiu por alguns anos, mas deixou nas paróquias coloniais, como precioso legado, a consciência da necessidade de se organizarem para a consecução de seus fins: humanos, religiosos e culturais. Pode-se dizer que com o ano de 1890, começou em todas as paróquias dos jesuítas um nova vida, por meio das mais variadas organizações associativas. (Lutterbeck, 1977, p.)
Generalizou-se a convicção de que um partido confessional como fora o Partido Católico do Centro, contaria com chances quase nulas para se impor no cenário político regional e com muito mais dificuldade ainda no nacional. Essa realidade tinha ficado muito clara com as duas eleições em que o partido participou. As lideranças católicas defrontaram-se então com um desafio muito sério e, ao mesmo tempo, fascinante: encontrar caminhos e estratégias capazes de marcar a sua presença no contexto do Estado e com isso fazer valer seus direitos como cidadãos e participar, pelo menos de forma indireta, nas decisões políticas.
As lideranças católicas convenceram-se que a fórmula mágica estava na sólida organização das comunidades rurais e urbanas. E, para concretizar esse objetivo, era preciso conscientizar essas comunidades e arregimenta-las em torno de propósitos comuns, em torno de projetos comuns. Já não se trataria mais de agremiação política formal. Partiu-se então para a formulação e a concretização de projetos abrangentes de promoção humana que contemplavam todos os aspectos da vida humana: a educação, a economia, o lazer, a política, a assistência social, a cultura, a arte e a religião. Objetivou-se-se, portanto, uma sociedade composta de homens e mulheres comprometidos com o bem estar coletivo. Procurou-se promover o desenvolvimento humano em todas as suas dimensões, uma participação política em que os direitos e deveres dos cidadãos, o bem comum e os valores éticos cristãos, ocupariam o primeiro lugar. Essa era, sem dúvida, uma autêntica tomada de posição política, criando condições para o pleno exercício da cidadania. E as três décadas que se seguiram demonstraram à saciedade, o acerto dessa opção. Lutterbeck concorda com essa conclusão quando escreve: “Como já vimos, o Partido do Centro só existiu por alguns anos mas deixou nas paróquias coloniais, como precioso legado, a consciência da necessidade de se organizarem para consecução dos seus fins: humanos, sociais, religiosos e culturais”. (Lutterbeck, 1977, p. 120)
Superada a experiência do Partido do Centro com sua efêmera duração e seus resultados insignificantes, as lideranças católicas partiram para iniciativas mais abrangentes. Os cabeças do Partido do Centro, como é óbvio foram lideres católicos leigos. As grandes organizações das décadas posteriores encontraram no clero, de modo especial entre os padres jesuítas, seus condutores mais ousados e mais entusiastas. A razão é por todos conhecida. Foram os religiosos dessa Ordem que mantinham sob sua responsabilidade a fatia mais importante da pastoral nas comunidades e orientavam a educação nas escolas comunitárias nos colégios e ginásios dos centros urbanos mais importantes.
A filosofia que orientava as organizações de que trataremos a seguir, e as estratégias que as conduziram na prática, não foram inventadas aqui. Não foram originais. Inspiraram-se nos “Katholikentage”, nos “Katholikenversammlungen”, “os Congressos dos Católicos “ ou Assembleias Católicas”, muito em voga na época entre os católicos da Alemanha, Áustria e Suíça.
Três foram os padres que se tornaram credores dos maiores méritos no desencadear das organizações teutas: Peter Gasper, Eugen Steinhart e Carl Schlitz. Sob sua liderança realizou-se em 1897 em Bom Jardim (Ivoti) o primeiro encontro geral dos católicos. Não foi propriamente um Congresso Católico, um Katholikentag, mas uma espécie de ensaio, uma experiência para verificar a viabilidade desse tipo de assembleia. A experiência foi bem sucedida. Animou os organizadores a programar o primeiro Congresso Católico para valer, para fins de março de 1898. O local escolhido foi Harmonia, então distrito do município de Montenegro. Foi um sucesso total. Nos três dias que durou debateram-se os assuntos mais variados do interesse das comunidades teuto católicas. A iniciativa mais importante veio a ser a fundação da Associação dos Professores e Educadores Católicos do Rio Grande do Sul. (Deusch-Katholischer Lehrer- und Erziehungsverein von Rio Grande do Sul), conhecido simplesmente pelo nome “Lehrerverein”, Associação dos Professores. Dessa forma foi atendida uma das necessidades mais prementes das comunidades teuto católicas, isto é, garantir para a rede escolar comunitária, em crescente ritmo de expansão, unidade de objetivos, unidade didático-pedagógica, período escolar igual para todos, sob o comando único da orientação da Associação dos Professores.
Nos anos seguintes os Congressos repetiram-se a cada ano em locais diferentes. Para 1899 a sede escolhida foi Santa Clara, no interior de lajeado, em 1900 Santo Inácio da Feliz, em 1901 São José do Hortêncio. Depois a frequência foi espaçada para dois anos até 1940, o último Congresso durante a Segunda Guerra Mundial.
A respeito das temáticas debatidas nesses Congressos observou Lutterbeck:
O fim principal de tais Congressos era evidentemente a intensificação da vida e ação religiosa cristã, bem como a união dos católicos teutos a fim de solucionarem seus problemas mais candentes. As conferências proferidas por leigos e padres, versavam quase sempre sobre assuntos da atualidade, mas ocupavam-se também das questões sociais, econômicas e da imprensa. Não é de se admirar que desses Congressos surgissem novas organizações associativas concretas pois, não se pretendia ficar no mero debate verbal e sim proceder à ação. (Lutterbeck, 1977, 123-124)
Dede o começo o “Deutsches Volksblatt”, fundado em 1871, contribuiu para o êxito dos Congressos Católicos e as iniciativas neles deflagradas. Os registros, os comentários e as análises constantes em suas páginas, guardaram para a posteridade as provas do extraordinário vigor que animava as comunidades teuto católicas, no final do século XIX e nas três primeiras décadas de 1900. Impõe-se por isso mesmo como fonte obrigatória para qualquer pesquisador que se ocupa com essa temática.
Voltando agora para os Congressos Católicos, para as organizações e para os meios utilizados para incentivar o teuto-catolicismo, iremos constatar uma grande capacidade criativa e uma não menor versatilidade na prática.
Já o terceiro Congresso Católico em Feliz em 1900, tornou-se palco do surgimento de uma nova associação. Dessa vez não se tratou de reunir formalmente pessoas dedicadas a uma tarefa específica como foi a Associação dos Professores, mas arregimentar a população em geral em torno de um estatuto que se propunha a promoção, o desenvolvimento e o bem estar material, social e espiritual de todos. Depois de um discurso inflamado do Pe. Amstad, nasceu a “Associação Riograndense de Agricultores”, o “Riograndenser Bauernverein”. A ata de fundação foi assinada por aproximadamente 400 sócios fundadores, um número, sem dúvida, considerável para a época. É legítimo concluir daí que uma Associação numericamente tão expressiva e regionalmente considerável, dispusesse de um potencial de pressão e barganha, também política, nada desprezível.
Enquanto o “Deutsches Volksblatt” desempenhava o papel de veiculo de formação e informação geral, tanto a Associação dos Professores como a Associação Riograndense de Agricultores contavam com um veículo de comunicação específico: “Leherzeitung – Jornal do Professor” e “Bauernfreund – Amigo do Agricultor”, respectivamente. Essas folhas circulavam em edições mensais ou em edições de dois em dois meses. O primeiro teve início em janeiro de 1900 e foi fechado pela Campanha de Nacionalização em setembro de 1938. O Bauernfreund começou a circular também em 1900 e fechou em 1914 com o encerramento definitivo da Associação Riograndense de Agricultores.
Aqui é preciso chamar a atenção para um detalhe. A associação Riograndense de Agricultores foi criada pelos teuto-católicos. Desde a sua origem, porém, e pelos estatutos, ela franqueava as portas também aos protestantes e aos elementos de outras etnias como italianos, lusos e todos os demais. A pretensão, portanto, foi colocar em andamento uma organização suficientemente abrangente para arregimentar uma parcela significativa do Rio Grande do Sul, em torno de um objetivo comum: a promoção humana e a defesa dos interesses legítimos de todos. Em termos meramente políticos uma organização desse gênero, continha em potencial, uma força inegável com a vantagem de contornar os problemas que costuma acompanhar o sectarismo político partidário .
Durante a sua existência efêmera, 1900-1910, a Associação Riograndense de Agricultores promoveu uma série de iniciativas que visavam enfrentar e resolver os problemas que surgiam no meio teuto-brasileiro. Algumas resultaram em empreendimentos cujos efeitos perduram até hoje. Outras não passaram dos passos iniciais. Outras ainda não ultrapassaram o recinto dos debates das assembleias gerais.
Entre os projetos mais importantes e também mais duradouros enumera-se a colonização na região das Missões, começando por Cerro Largo e áreas contíguas, a criação da primeira cooperativa de crédito do tipo Raiffeisen em Nova Petrópolis e as primeiras cooperativas de produtores de leite. Seguiram-se depois dezenas dessas cooperativas e a elas somaram-se cooperativas de produção de tudo que é tipo, cooperativas de consumo e cooperativas de comercialização. Essas cooperativas serviram de modelo para o cooperativismo como uma via alternativa ao capitalismo liberal e ao capitalismo estatal. Entre as iniciativas que permaneceram ou até morreram nas primeiras tentativas, contam-se principalmente três: A proposta de um reflorestamento sistemático a partir de essências nativas, o uso racional e recuperação dos solos por meio de métodos naturais; a tentativa de fazer da Associação dos Agricultores uma agremiação interétnica e interconfessional: a introdução de culturas alternativas com finalidade de abrir o leque de opções de produção para os colonos como o soja, algodão, lúpulo, cevada e outras. Entre as propostas que não puderam ser postas em prática, ou por falta de tempo, ou por falta de interesse, figuram instituições de amparo mútuo, seguro privado, hospitais, asilos e orfanatos.
Em 1909 a Associação Riograndense de Agricultores foi transformada em sindicato. Com essa decisão as lideranças mais expressivas, tanto católicas como evangélicas retiraram.se e partiram para organizações independentes. Foi assim que no Congresso Geral dos Católicos realizado em Venâncio Aires em 1912, foi fundado o “Volksverein”, conhecida como Sociedade União Popular, destinada exclusivamente para os católicos.
A Sociedade União Popular pode ser considerada como herdeira e continuadora da filosofia e dos ideais da Associação Riogandense de Agricultores. Também ela tinha como objetivo a promoção integral do homem. Essa intenção fica clara quando se examina o esboço dos estatutos apresentados por ocasião da sua fundação: “A finalidade da Sociedade consiste em promover o bem estar tanto material como espiritual dos católicos de descendência alemã no Rio Grande do Sul”. (Paulusblatt, 1912, nr.1 , p. 8)
A concretização desse objetivo deveria acontecer na prática:
1. Pondo em prática as resoluções das Assembleias Gerais; 2. Preocupando-se com novas fronteiras de colonização para católicos; 3. Desenvolvendo iniciativas católicas de beneficência e assistência, concretizadas na medida em que as necessidades o aconselharem: 4. Tendo uma constante e geral preocupação em promover as escolas paroquiais católicas; 5. difundindo a boa imprensa e a boa leitura assim como a edição e distribuição gratuita aos associados de uma publicação periódica; cuidando da instrução popular mediante palestras e conversações; 7. intermediando empregos e informações; 8. Garantindo assistência jurídica aos associados. (Rambo, Arthur, 1993, p. 41).
Verificando agora até que ponto a Sociedade União Popular alcançou de fato seus objetivos nas cinco décadas que se seguiram à sua fundação pois, é esse o período que interessa mais de perto aqui. Podem-se destacar entre as realizações duradouras a preocupação com os colonos, geralmente casais jovens, que partiam para novas fronteiras de colonização. Para acompanha-los e ampara-los mais eficaz e mais permanentemente, a Sociedade patrocinou, a partir de meados da década 1920 a colonização de Porto Novo (Itapiranga, São João do Oeste e Tunápolis), no extremo oeste de Santa Catarina. No terreno da assistência social concretizou duas instituições de inestimável valor e significado: o asilo e hospital de São Sebastião do Caí, a Colônia de Leprosos e o Amparo Santa Cruz em Itapuã, destinado a abrigar os filhos sãos das mães leprosas internadas.
Mas foi em primeiro lugar durante as décadas de 1920 e 1930 que a Sociedade União Popular dedicou atenção toda especial à escola e educação, à consolidação das comunidades, à vida religiosa, à melhoria e aprimoramento das técnicas de manejo do solo e das lavouras, à difusão do cooperativismo de crédito, de produção, de consumo e de comercialização, à multiplicação e ao aprimoramento da imprensa. De tudo isso pode-se concluir que os teut-católicos ostentavam na época uma organização de grande solidez, coesa e dinâmica e de não pouco peso político. Centenas e milhares de comunidades rurais e urbanas participavam da viabilidade do projeto.