Bicentenário da Imigração - 68

Religião e Participação política.

Jean Roche na sua obra “A Colonização Alemã no Rio Grande do Sul”, tornada clássica e obrigatória para todo aquele que pretende compreender o significado da presença alemã no Estado, introduziu suas considerações  sobre a participação política dos imigrantes  e seus descendentes  com essas palavras: “Durante todo o século dezenove e quase toda a primeira parte do século vinte, o papel político dos teuto-riograndenses foi quase nulo” (Roche, 1969, p. 227)

Roche baseou essa sua afirmação numa série de fontes, de testemunhos e de declarações de alemães ou dos seus descendentes, durante a segunda metade do século dezenove. Entre os mais conhecidos citou Handelmann, Koseritz, Tschudi e Kohen. 

Vários foram os fatores que contribuíram para essa situação. Entre eles merecem destaque os seguintes:

Primeiro. Os grandes latifundiários, os estancieiros criadores de gado, controlavam de fato toda a política local, regional e por vezes também  a nacional. Esse fator apontado por Jean Roche, foi certamente de um significado inegável, já que as estâncias  se transformaram em autênticos feudos dos quais emanava todo o poder político e a partir deles eram ditadas as diretrizes e as regras da ação política. Ao colono alemão e aos outros  não restava outra saída senão entrar no jogo das oligarquias estancieiras ou permanecer à margem do processo político. Esse pelo menos parece ter sido o quadro dominante em toda a segunda parte do século XIX. 

Segundo. Além desse, um outro fator foi de grande relevância. Na região colonial que, na época estava confinada grosso modo nos vales do Sinos, Caí, Taquari, Pardo e Jacuí, assim como nas comunidades urbanas das cidades maiores, os alemães preservavam a sua feição germânica. O contato e intercâmbio com o mundo luso-brasileiro não passava de episódico e superficial. Para os detentores do poder político essa população praticava uma economia de baixo potencial de competição comparada com a criação de gado das estâncias. Essa população que falava alemão e não oferecia ameaça política alguma, embora pudessem contribuir  com um precioso reforço eleitoral, quando seus interesses estivessem em jogo. Essa situação foi assim descrita pelo Pe, Schupp:

Nos primeiros tempos certamente nenhum alemão da colônia teria alimentado a veleidade de participar ativamente na vida oficial do Estado, pela simples razão de dificilmente encontrar-se alguém que compreendia português. Só era possível encontrar candidatos para determinadas funções  que pela sua natureza podiam ser exercidas no âmbito da própria colônia. De outra parte não faltavam os padres que por razões muito ponderáveis que defendiam esse isolamento. Tal situação foi superada com o correr do tempo. Generalizou-se a convicção de que o colono, caso quisesse fazer valer seus direitos teria que apropriar-se  da língua a um nível suficiente. (Schupp, 2.004, p. 184)

Terceiro. Esse elemento reforça os anteriores. Até o final do Império os alemães  não se haviam congregado em organizações  mais abrangentes. Na capital e no interior do estado pululavam centenas de sociedades, associações, clubes e outros tipos de agremiações. Entre elas, porém, não se estabelecera, até então, uma unidade ao ponto de serem capazes de empreender e perseguir objetivos comuns, também no terreno da participação política.

Quarto. Mais um fator pode se destacado. É conhecido e notório que um dos propósitos  de maior peso ao promover-se a colonização com imigrantes europeus não lusos, consistiu em povoar as regiões devolutas e estimular uma agricultura alternativa aos latifúndios monocultores. A intenção dos governos fora  convidar os alemães para serem colonos e não para servirem de fermento visando uma futura transformação do modelo político. 

Entretanto a multiplicação das comunidades dos imigrantes e de seus descendentes, a abertura constante de novas fronteiras de colonização e consequente dispersão geográfica nas duas últimas décadas do século XIX, deixaram claro que era preciso partir para organizações mais abrangentes. Esse fato ficou de modo especial evidente naquilo que representava a essência das comunidades teuto-brasileiras: a religião, a educação, a economia agrícola, o lazer e a cultura. A interrogação que se colocava nesse contexto perguntava pelas pretensões políticas dessa população tatno rural como urbana. Se até o final do Império o interesse nesse sentido não fora muito visível com a proclamação da República começou a fazer parte  cada vez maior das preocupações. Contribuíram para tanto dois outros fatores. 

O primeiro já foi mencionado há pouco. O território ocupado, o nível de desenvolvimento e o volume da produção agrícola, o comércio, os artesanatos e as indústrias incipientes, somados à organização comunal, educacional e eclesiástica, fizeram com que os alemães católicos não se contentassem mais em fazer o papel de meros espectadores do processo político. Aspiravam  por uma participação  ativa e, dessa forma, influir nas decisões governamentais e administrativas. 

O segundo foi consequência direta da mudança do regime monárquico para o republicano. A nova situação teve reflexos profundos sobre as comunidades teuto-católicas. Da Monarquia, um regime em que vigorava a união do Estado com a Igreja, passou-se  para a República e a consequente implantação do Estado laico, sob muitos aspectos desfavorável e não raro hostil à Igreja Católica. A nova situação estava a exigir dos católicos  a tomada de uma posição política mais definida e mais combativa. Caso contrario pouco ou nada conseguiriam das autoridades responsáveis pela nova ordem. O tempo em que o governo civil e o governo eclesiástico conviviam numa parceria compulsória por imposição constitucional,  ficara definitivamente parra trás. Foi preciso empenhar-se com muita seriedade e ir em busca de uma fórmula adequada para conviver com a nova realidade. 

Não tardou e uma solução veio oferecer-se. No terreno da participação e da militância política, os católicos alemães no Rio Grande do Sul, encontraram uma fonte de inspiração no Partido do Centro Católico da Alemanha. Essa agremiação política constituiu-se de fato no protótipo para o Partido Católico do Centro, fundado em 1890. O Partido do Centro foi uma tentativa de reação e uma resposta ao governo republicano, por causa de uma série de medidas que incomodavam os católicos. Entre elas sobressaíam a obrigatoriedade do casamento civil antes do religioso, a legislação dos cemitérios, a inelegibilidade do clero, a proibição do ensino religioso nas escolas públicas  e outras mais. 

Uma observação prévia se faz necessária. Embora o Partido do Centro aqui no Rio Grande do Sul tivesse a sua inspiração no Partido do Centro Alemão, não significou que tenha sido pensado como um partido católico exclusivamente para alemães. Registraram-se nele também católicos de outras etnias. Participaram dele de modo especial elementos da tentativa mal sucedida de um Partido Católico na década de 1870. Dessa forma assinaram  a ata de fundação do Partido Alfredo Clemente Pinto, Francisco de Paula Lacerda de Almeida, Clemente Wallau e João Mayer Junior. Ao constituir-se o diretório  acresceu um nome luso, o do Pe. José Marcelino Bittencourt. Mais tarde numa proclamação e aí sim os novos nomes foram todos de alemães: Mathias José Sehl, Anton Klein, Pe. Carlos Becker, Prudêncio Matte, Wilhelm Bernd, Anton Wolfenbütel e Franz Raht.

Constava das intenções do Partido um projeto de jornal em língua portuguesa. Para viabiliza-lo foi adquirida a gráfica “Século”, em seguida fundida com a gráfica de Franz Rath. Na verdade a casa editora assim constituída, deveria dar suporte a um projeto publicitário bem mais ambicioso. Incorporou o jornal “A Época”, “Il Corrieri Cattolico” e o “Deutsches Volksblatt”. Este último estava sendo publicado desde 1871 pelos padres jesuítas em São Leopoldo. Publicar-se-iam assim três jornais nas três línguas mais importantes da época no Rio Grande do Sul. 

Não demorou e a editora transformou-se numa sociedade anônima tendo como diretor o sr. Clemente Wallau. Responsabilizou-se  pela continuidade, pela impressão e  circulação do “Deutsches Volksblatt” e, a partir de maio de 1890, pelas edições semanais da “Época” e, a partir de meados de 1891 do “Il Corriere Cattolico”. 

Os pontos programáticos do Partido do Centro foram assim resumidos por René Gertz em seu artigo intitulado: “Catolicismo Social no Rio Grande do Sul: A União Popular”. 

1. Liberdade religiosa para o catolicismo, sem intromissão do Estado; 2. Isenção do serviço militar para clérigos e seminaristas, inclusive; 3. Intangibilidade e garantia para as  propriedades eclesiásticas, inclusive as das comunidades locais; 4. Fim das escolas ateias mantidas pelo Estado (pois isso contribui para a malversação de impostos e atenta contra a liberdade de ensinar e fundar escolas; 5. Fim da obrigatoriedade do casamento civil (um incentivo à vida desregrada. (Gertz, 1992, p. 555)

O novo partido não perdeu tempo. Participou das primeiras eleições republicanas em que foram eleitos em 15 de setembro os constituintes. O resultado, como não podia deixar de ser, foi insignificante. D. José Cláudio Ponce de Leão, recém nomeado bispo de Porto Alegre, fora indicado como candidato a senador. Além de mineiro só chegou ao Rio Grande do Sul depois de realizadas as eleições. Mesmo que tivesse sido eleito não poderia ter assumido por duas razões. Em primeiro lugar as obrigações como bispo não o teriam permitido e em segundo lugar sua eventual eleição teria sido nula porque a legislação previa a inelegibilidade do clero.

Na mesma ocasião haviam sido indicados como candidatos a deputados os senhores Luis Englert, Carlos  Wallau, Alfredo Clemente Pinto, Francisco de Paula Lacerda e outros. No decorrer da campanha aconteceu uma  séria divisão interna do partido. De um lado alinhavam-se os católicos ortodoxos extremados. Condenavam simplesmente qualquer regime republicano e pregando o catolicismo extremo. René Gertz registrou um exemplo típico dessa posição.

Um exemplo temos em Santa Clara (Lajeado), onde o Pe. Maierhofer disse algum tempo depois das eleições: No juízo final Deus não perguntará apenas  pelas boas obras e pela vida correta de cada um, mas ele  perguntará também se vocês votaram no Partido Católico ou na República. Poucos meses depois o Pe. Haltmeier instigava os fieis do mesmo lugar contra os republicanos a ponto de ocorrerem agressões físicas. (Gertz, 1992, p. 555)

Diante dos fatos e dos resultados eleitorais a grande maioria dos filiados ao Partido do Centro e os simpatizantes assumiram um posição mais objetiva e mais pragmática. Certos de que as potencialidades eleitorais, ao menos no momento, eram muito limitadas, optaram por transformar a agremiação num grupo de pressão sobre o partido governista e dessa maneira conseguir uma fórmula de convivência com os donos do poder, garantindo assim os interesses dos católicos do Rio Grande do Sul. Essa decisão foi registrada na “Deutsche Zeitung” de 22 de agosto de 1890, citada por Gertz:

Nos princípios claros do Partido Católico está o fato básico para que o Partido vote a favor do governo, na firme convicção de que o governo não incomodará e muito menos proibirá nossos curas em seu trabalho, que até agora trouxe  o bem e o útil. Sabemos muito bem que a felicidade e a salvação do nosso Brasil estão no fortalecimento de um vigoroso partido governamental  e estamos longe de querer representar um entrave ao desenvolvimento abençoado de um pais que anseia pelo progresso. Deixem-se em paz os nossos curas e protejam-se os educadores de nossa juventude, e não se encontrarão republicanos menos exigentes e mais fieis do que nós do Partido Católico. (Gertz, 1992, p. 555-556)

O “modus vivendi” entre a ala moderada que representava a maioria do Partido do Centro e os republicanos, transpareceu claramente  quando se tratou de montar a nominata  dos candidatos para a eleição dos constituintes em setembro de 1890. No conhecido episódio da não inclusão de Barros Cassal na lista dos candidatos do Partido Republicano, achava-se na lista de assinaturas dos dissidentes do partido e de Carlos Wallau que era candidato católico. A própria direção do partido republicano sugeriu mais tarde que os eleitores de origem alemã que se sentissem prejudicados pela não inclusão de um nome alemão na nominata, incluíssem Luis Englert e Carlos Wallau. De outra parte estando incompleta a nominata da chapa católica, foram vários nomes, até de positivistas como o de Júlio de Castilhos, Barros Cassal e Antão de Farias, entre outros.

A política de abertura, de quase conluio da ala mais liberal do Partido do Centro com o Partido Republicano, resultou numa séria crise interna, seguida da demissão de vários membros importantes do diretório. O resultado foi óbvio. Enfraqueceu-se em muito o Partido do Centro. O governo aproveitou a situação e mandou seus agentes manipular descaradamente as eleições nas colônias alemãs católicas como Bom Princípio, São José do Hortêncio, Santa Cruz do Sul e outras. 

Aconteceu então o previsível. Nenhum dos candidatos católicos foi eleito. O mais votado foi Carlos Wallau com 2271 votos, quando o menos votado do Partido Republicano obteve 30635 votos. 

A segunda e derradeira tentativa de participação do Partido do Centro se deu em maio de 1891, quando da eleição estadual. Foram apresentados três candidatos: Luis Englert, Alfredo Clemente Pinto e Francisco de Paula Lacerda de Almeida. Após uma negociação esses nomes constaram  também na nominata do Partido Republicano. Desta vez o resultado foi melhor e os três se elegeram. Ficou, porém, evidente que a essa altura ficava difícil saber se os três deputados haviam sido eleitos pelo Partido do Centro, representando-o na Constituinte Estadual ou se integravam a representação do Partido Republicano. Tendo sido eleitos pelos votos tanto dos católicos do Partido do Centro como pelos votos  dos republicanos, sacrificaram, na verdade, a identidade do seu partido. 

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