A seguir, no capítulo IX, o Relatório I refere-se, quase que de passagem, à “Frente Negra” – (Schwarze Front), uma dissidência surgida já em 1930 no seio do partido Nacional-Socialista na Alemanha. Não fica muito claro qual a razão da referência a essa organização.
Parece que a polícia se valeu dela, uma organização também fora da lei, para obter informações sobre o NSDAP.
As fotografias anexas p. 57-61, mostram flagrantes de diversas concentrações nazistas em várias ocasiões diferentes.
O capítulo dez fala do nazismo em Santa Cruz. A questão relacionada com o nazismo em Santa Cruz, tal como consta no Relatório I, resume-se num memorandum enviado ao delegado de policia daquela cidade pelo cidadão Luiz Beck da Silva.
O memorandum começa fazendo considerações a respeito da posição dos cidadãos de descendência alemã de Santa Cruz, diante da questão da nacionalização. Segundo o documento, apesar da predominância da língua alemã e dos hábitos alemães, a população achava-se “mais ou menos integrada ao espírito da nacionalidade brasileira”. (Relatório I, 1942, p. 64) Depois da ascensão de Hitler ao poder na Alemanha, os agentes nazistas, com raras exceções estrangeiros, desencadearam uma campanha de aliciamento dos teuto-brasileiros. Sempre de acordo com o memorandum, teriam tido êxito neste meio devido ao fato de a brasilidade dessa gente não estar completa. Refere depois que houve algumas dezenas de adesões, incluindo alguns cidadãos nascidos aqui.
Alem do aliciamento propriamente dito, as táticas incluíam ameaças, perseguições e até boicote sistemático. Esta estratégia teria atingido, principalmente, algumas pessoas que tinham a intenção de naturalizar-se. Entre elas são citados os senhores Alfredo Heine, Henrique Frohwien, Arno Seer e Eugênio Feil .
A proposta nazista conseguiu para a sua causa a adesão definitiva de Ernesto Germano Becker, o qual trocara o nome por Hermann Becker, e de seu cunhado Oscar Agte. Hermann Becker iria desempenhar a função de vice-cônsul em Santa Cruz.
O memorandum continua relatando que, mediante uma ação ardilosa e cautelosa, os agentes nazistas conseguiam apoderar-se de uma série de associações ocupando, sempre que possível, a presidência. Foi o que sucedeu com o Turnverein – Sociedde de Ginástica; Ortsschulverein – Sociedade Escolar; Deutsches Haus – Casa Alemã; Deutsche Arbeiter Front – Frente Alemã de Trabalhadores.
As informações continuam com a revelação de que a Sociedade de Ginástica conseguira, gratuitamente, um professor de ginástica vindo da Alemanha. Na sua cidade ele não teria feito nada mais do que aliciar a juventude para o ideal nacional-socialista. Teria formado um grupo paramilitar denominado “Wartburg-Jugend”, ao qual ministrava instrução militar. Recebia da Alemanha livros e aparelhos de ginástica. Para a Sociedade Escolar teria sido destinado um subsídio de 3:000$000.
Outra questão abordada foi a tentativa de filiar à VDV – Verband Deutscher Vereine no estrangeiro, todas as sociedades e associações teuto-brasileiras. O memorandum refere-se também ao seqüestro de um livro intituldo “Als Deutscher Pfarrer und Schulleiter in Südbrasilien”. A obra de autoria do Pastor Sigfried Heine, que continha ofensas aos brasileiros de origem alemã, foi entregue ao quartel general da 3ª Região Militar.
O memorandum narra ainda que o seu autor obtivera a informação no quartel general de Porto Alegre, de que quase todas as associações locais haviam sido filiadas à “VDV im Ausland”. Quando o fato se tornou público nos jornais, a maioria dessas sociedades declarou nada saber a respeito, mas uma única, “A Aliança Católica”, lavrou um protesto formal.
Em seguida o memorandum registra o episódio em que a Sociedade de Ginástica, por meio de uma manobra do Sr. Paulo Eraht e do vic-cônsul Becker, teria mantido relações culturais com a “VDV im Ausland” e isto, depois de 10 de novembro de 1937, data da decretação do Estado Novo.
Concluindo o memorandum, seu autor refere-se o decreto do Governo do Estado que declarava o 25 de julho de 1934 ou 1935 como feriado em homenagem ao colono. Os nazistas teriam aproveitado a ocasião para congregar todas as sociedades numa só para festejar o evento, diminuindo assim consideravelmente as despesas. Nenhum das sociedades viu nisso um inconveniente, com exceção do Clube União. Surgiu assim o “Verband Deutscher Vereine Santa Cruz”. O nome “Deutschbrasilianische Vereine Santa Cruz” não fora aceito, para facilitar a filiação à “VDV im Ausland”.
Aqui termina o memorandum e as considerações do Relatório I sobre o nazismo em Santa Cruz d Sul.
O memorandum do sr. Luiz Beck da Silva, sobre o nazismo em Santa Cruz sugere uma série de questões que parecem de alguma relevância.
Primeiro. Já que o núcleo de Santa Cruz foi para as autoridades nacionalizadoras, um dos mais ativos e, por isso mesmo, um dos mais perigosos, deveriam existir mais documentos comprobatórios do que um simples memorandum desacompanhado de documentos incriminatórios. Mesmo nele fazem-se muitas afirmações, acusam-se pessoas e insinuam-se conclusões, sem o devido amparo em provas objetivas. Neste caso o valor do documento como um todo, tem que se avaliado na sua devida dimensão.
Segundo. O memorandum admite expressamente que o elemento germânico ainda fiel à língua e às tradições dos antepassados, achava-se mais ou menos integrado no espírito da nacionalidade brasileira. Não havia, portanto um risco imediato de se transformar em massa de manobra dos agentes do nazismo. Supor que a “brasilidade” dessa gente (Relatório I, 192, p. 64) não se achava a tal ponto consolidada que não se deixassem aliciar pela nova ideologia parece uma conclusão precipitada.
Terceiro. Toda a questão que envolveu a filiação das sociedades à “VDV im Ausland” merece ser colocada no seu devido lugar. Pelo que é licito deduzir é que, quando o autor fala em “todas”, isto significa “todas da cidade de Santa Cruz”. A conclusão é coerente com os dados numéricos constantes no Relatório II, também elaborado pela Chefia de Policia, sob o comando do major Aurélio da Silva Py. Na listagem das sociedades de Santa Cruz filiadas à VDV, constam 18 (Relatório I, 1942, p 147-148). Na época funcionavam no município todo em torno de 150 associações, sociedades e clubes. O “todos” de que fala o memornadum reduz-se assim a menos de vinte por cento.
Quarto. O memorandum, ao mencionar nomes, cita uma lista extensa de cidadãos brasileiros de origem alemã contrários à penetração do nazismo e apenas meia dúzia de propagandistas do nacional-socialismo.
Quinto. Um detalhe, no final do memorndum, põe sob suspeita a seriedade do documento. Afirma que, em 1934 ou 1935, o Governo do Estado decretou o 25 de julho com feriado. Que não se assinale o dia e o mês da emissão do ato governamental até é admissível. Deixar dúvidas sobre o ano num dado tão recente, sugere superficialidade.
Sexto. Sendo assim, as alegadas provas da existência do nazismo em Santa Cruz, revelam que o problema existiu. Mas revelam também que houve exagero e precipitação na avaliação, além de distorções ao se atribuírem aos fatos características que não existiam.
O Relatório I contém uma tentativa de caracterizar a atividade nazista no Colégio Sinodal de São Leopoldo. O relatório que resultou do inquérito policial instaurado naquele estabelecimento de ensino, foi comandado pelo inspetor-chefe Armin Walter Bernhard e enviado ao chefe de policia no dia 14 de julho de 1838.
O encarregado do inquérito começa relatando um episódio de boicote que um cidadão austríaco, de nome Lucian, estava sofrendo por parte de nazistas de São Leopoldo. Seu crime teriam sido manifestações contrárias ao Führer de um lado e, do outro de aprovação ao Governo Brasileiro. O austríaco atraíra também a ira dos seus adversários por haver denunciado um certo senhor Jurbak, que estaria fazendo viagens à Alemanha a chamado do NSDAP.
Partindo desta denúncia, o inspetor Armin foi procurar mais evidências em São Leopoldo. Partiu para uma busca na residência do pastor Knaepper. Encontrou, de fato, uma série de documentos que provavam um relacionamento assíduo entre o pastor os diversos setores do NSDAP. Provam igualmente, como afirma o relatório, que o pastor Knaepper era uma figura chave no esquema nazista daqui. A suspeita parece confirmar-se quando se analisam os 17 documentos anexados. Parece interessante dar o resumo desses documentos. (Relatório I, 1942, p. 72-76)
Documento 1. Refere-se a uma carta na qual se afirma que o pastor Grabs é pessoa de confiança pois, sempre se empenhou pelo NSDAP no Brasil.
Documento 2. Fala da situação difícil do Centro 25 de Julho, que se teria desviado da sua finalidade original, isto é, comemorar imigração alemã no Rio Grande do Sul empenhar-se no cultivo das tradições. A influência nazista, entretanto, teria conseguido colocar a entidade sob seu controle. Apela também para um auxílio de 3.000 marcos para tirar o 25 de Julho de suas dificuldades.
Documento 3. O pastor Knaepper refere-se a uma carta do Dr. Fritz Rotermund, estranhando a equipe do Turnerbund nos jogos olímpicos de São Leopoldo, porque só estaria causando confusão. Para entender essa queixa, convém recordar que o Turnerbund (Sogipa de hoje), recusara sua filiação à VDV com sede em Berlim.
No mesmo documento o pastor Knaepper expressa sua admiração por Eduard Springer, incentivador do atletismo em Novo Hamburgo e que desfilara com a bandeira com a suástica nas paradas da organização. O documento refere-se ao Dr. Fritz Rotermund como um homem que sempre produziu muito. Cita o pastor Pommer como gande incentivador das escolas alemãs. Por fim, nomeia o prof. Waslawik de Santa Cruz, como um dos melhores professores e adversário ferrenho da frequência das escolas públicas. Como observação final acrescenta que todos eram teuto-brasileiros.
Documento 4. Fala de uma carta assinada por Walter Hornig, chefe do Partido Nazista no Rio Grande do Sul. Começa expressando a esperança de que o pastor Knaepper se faça presente nos festejos da Organização Alemã no Estrangeiro, a realizar-se em Stuttgart, e na concentração do Partido Nazista em Nürenberg.
Documento 5. Walter Hornigo escreve ao pastor Knaepper comentando uma coleta entre os teuto-brasileiros para a Casa Alemã, que rendera 230 contos.
O autor do relatório sobre o nazismo em São Leopoldo, tira duas conclusões dos cinco documentos arrolados.
Primeiro. Prova que os teuto-brasileiros eram obrigados a contribuir com 5% dos seus negócios em favor da Casa Alemã, caso contrário sofreriam boicote.
Segundo. O pastor Knaepper, valendo-se da sua condição de pregador e ministro religioso, do respeito e da influência de que por isso gozava entre a população e uma certa tolerância por pare do Governo, aproveitou essas circunstâncias para desviar ideologicamente os jovens teuto-brasileiros.
Terminada a investigação na casa do pastor Knaepper, o inspetor dirigiu-se à residência do diretor do Colégio Sinodal, dr. Olderich Franzmeyer. Este senhor não teve nenhum problema em admitir que era brasileiro nato, que concorrera para o episódio do boicote ao comerciante Lucian e que alimentava uma grande admiração por Hitler e seu partido.
No arquivo do colégio, foram apreendidos vários documentos. Alguns constam no Relatório I.
Documento 6. Este documento divide-se em três partes, o que ao que aprece corresponde aos números 6, 7 e 8 pois, no texto o número seguinte é o 9.
O documento 6 refere-se a uma carta da embaixada alemã ao dr. Franzmeyer, comunicando que o Ministro da Educação, em comunicação com a VDV, resolvera custear os estudos de professores na Alemanha. O dr. Franzmeyer responde dizendo da satisfação pela oportunidade tão esperada dos professores que, desta maneira, teriam melhores condições de divulgar a cultura do seu país de origem.
Mais adiante (doc. 8) o mesmo dr. Franzmeyer frisa que esse intercâmbio seria de real proveito, porque assim seria possível avaliar melhor o real progresso da nova Alemanha, o que favoreceria o desenvolvimento de um trabalho futuro aqui no Rio Grande do Sul.
No documento 8 o dr. Franzmeyer se põe à disposição do pastor Knaepper para ministrar algumas aulas no Morro do espelho sobre a doutrina do Führer. O documento acentua que todos esses documentos vinham com o clássico “Heil Hitler”.
O documento 9 data de primeiro de janeiro de 1938. Nele o consulado reclama por ainda não ter recebido nenhuma resposta sobre os filmes de doutrinação enviados pela Intendência Geral do Estrangeiro a qual estaria reclamando a confirmação do recebimento.
No documento 10 a Intendência Geral do Estrangeiro acusa o recebimento dos aparelhos de projeção e dos filmes de que se falou no documento 9.
No documento 11 o cônsul comunica o pedido de pais cujos filhos nasceram na Brasil, para que possam fazer algum curso na Alemanha com a dupla finalidade de: afastar esses meninos do ambiente estranho em que vivem e conhecer a nova Alemanha. O cônsul informa ter recebido prospectos de internatos na Prússia onde se ministram cursos de Política Nacional-Socialista.
Nos documentos 12,13, e 14, o Relatório simplesmente afirma, sem nenhuma prova concreta, que os colégios do interior recebem, por intermédio do consulado, “prêmios e regras para o ensino do alemão” (Relatório I, 1942, p. 75)
O documento 15 refere-se ao pedido de uma professora de nome Mônica Hahn. Ela pede ao dr. Franzmeyer uma viagem para a Alemanha com a seguinte motivação: “pois como brasileira sem conhecer a Alemanha durante a minha atividade sempre tenho encontrado dificuldades para um resultado eficaz no verdadeiro sentido alemão, em minhas preleções e vejo a necessidade que tenho de adquirir novos conhecimentos para o nosso trabalho”. (Relatório I, 1942, p. 75)
O documento reproduz apenas o desejo da professora Mônica Hahn: “Espero algum dia ver a juventude brasileira no Reich.
No documento 16 o cônsul recomenda ao dr. Franzmeyer que contribua para que o consulado tenha fichário completo sobe as tendências do corpo docente.
O Relatório continua dizendo ser muito lamentável que um diretor, responsável por centenas de alunos e que fala com muita dificuldade o português, tenha contribuído com o boicote de um estabelecimento cujo proprietário havia falado mal de Hitler.
Ainda o mesmo documento registra o que o dr. Franzmeyer declarou ao autor, na presença de um oficial do 8º BC de São Leopoldo: “Que será de nós se souberem que aqui no estrangeiro não cumprimos com o nosso dever de nazistas? Sofreremos certamente um castigo por parte da Alemanha e é isto que procuro evitar”. (Relatório I, 1942, p. 76)
O Relatório sobre a atividade nazista em Santa Cruz e sua continuação, envolvendo pessoas do Morro do Espelho, em São Leopoldo, em especial o pastor Knaepper e o dr. Franzmeyer, do Colégio Sinodal, sugerem algumas considerações.
Primeiro. É inegável que, no contexto do Morro do Espelho, onde se localiza ainda hoje o Colégio Sinodal e o centro de formação eclesiástica da Igreja Evangélica de Confissão Luterana, a ideologia nazista encontrou defensores confessos. Basta rever o documento nº 1, no qual o pastor Knaepper afirma textualmente numa carta: “Nada consta contra o pastor Grabs, porquanto este sempre se tem mostrado ótimo correligionário e por ter trabalhado muito pelo NSDAP aqui no Brasil”. (Relatório I, 1942), p. 72)
No documento de nº 2 aprece outro dado comprometedor: “Eduardo Springer de Novo Hamburgo, desenvolveu muito o atletismo e conseguiu que a organização teuto-brasileira em suas marchas perfilasse com a bandeira da cruz suástica”. (Relatório I, 1942, p. 73)
Também o interesse de mandar jovens para a Alemanha para frequentarem cursos especializados em política nacional-socialista, demonstra a intenção de formar lideranças nazistas no Rio Grande do Sul.
No documento 16 põe-se na boca da professora Mônica Hahn seu interesse de “algum dia ver a juventude brasileira no Reich”. (Relatório I, 1942), p. 75)
Esses dados todos indicam, sem a menor dúvida, que a infiltração nazista existiu e causava uma justa preocupação nas autoridades.
Segundo. Apesar de todas evidências de uma propaganda e doutrinação, a questão se põe novamente em termos de extensão do perigo. O inspetor chefe encarregado do Relatório, pelo visto, só conseguiu provas consistentes para incriminar duas pessoas: o pastor Knaepper e o dr. Franzmeyer. Os demais nomes listados como o do Dr. Fritz Rotermund, pastor Pommer, professor Waslawik, entram como suspeitos de simpatia pela propaganda nazista.
Terceiro. Esse Relatório aponta para a mesma conclusão. Estamos diante de um fato real, de um problema existente, porém localizado. As autoridades policiais conheciam a identidade dos responsáveis, sabiam seus endereços pessoais e profissionais. Neutralizar a sua atuação não representava nenhum problema especial. Novamente um caso de policia localizado enxergando-se agentes nazistas em tudo o que era lugar e qu serviu como pretexto para uma ação generalizada de extermínio de tudo o que pudesse sugerir a presença alemã.
Relendo as páginas do Relatório tem-se desagradável impressão de tratar-se de um documento apressado, despido carente de um rigor maior na apuração dos fatos e cheio de conclusões e julgamentos apressados.
O Relatório I continua com um capítulo que fala do NASDAP em São Paulo. Sua análise aqui não tem maior cabimento, porque o objetivo consiste em caracterizar as atividades nazistas no Rio Grande do Sul. O presente capítulo está deslocado, ainda mais que nada acrescenta para esclarecer a atividade nazista no Estado. A intenção da Chefatura da Policia parece óbvia. Mostrar como o nacional-socialismo se transformara num problema nacional e com isso mostrar a necessidade de combater seus agentes e as suas organizações.