Não
perdendo de vista o fundamento que
sustenta e legitima a batalha pela proteção à Natureza, isto é, o
postulado ético e moral ditado pelo direito natural que deveria garantir a todo
e qualquer ser humano o acesso aos recursos naturais, assegurando-lhe uma
existência minimamente digna, o Papa lembra mais uma condição para que a cruzada
para salvação da “nossa casa” tenha resultados consistentes. Em vários momentos dessas reflexões já apontamos
para o fato de que a Natureza como um todo formam uma gigantesca síntese. Os minerais,
os nano e micro organismos, os vegetais,
os animais e o homem, cada categoria à sua maneira, acha-se
ontologicamente comprometida com o
equilíbrio e a saúde do todo. Em outros momentos já aprofundamos essa questão. A Encíclica
valendo-se desse pressuposto define a Natureza como uma “comunhão” universal da
qual, de uma forma ou outra, todos participam: a Natureza viva e não viva, incluindo o homem. Nesta
perspectiva, até os seres aparentemente mais insignificantes “comungam” com
todas as demais categorias. Para um
autêntico defensor da Natureza pressupõe-se que em seu peito pulse um coração
aberto para essa realidade. Parece que foi isso que o Papa entendeu quando
alertou: “Além disso, quando o coração está verdadeiramente aberto a uma
comunhão universal, nada e ninguém fica excluído desta fraternidade”, (Laudato
si, 92).
Posta
nesses termos a questão da relação do
homem com a Natureza somos colocados diante de dois desafios que merecem
atenção. Em primeiro lugar, no contexto da mentalidade predatória que em larga
escala marca o compasso da exploração dos recursos naturais não tem o “coração
verdadeiramente aberto” ao ponto de viver uma verdadeira fraternidade com os
seres vivos de todas as categorias que com ele compartilham o mesmo meio
geográfico. A atmosfera viciada pelo egoísmo e imediatismo é avessa e
refratária a qualquer tipo de relação que no fundo não seja materialmente
utilitária. Impede que o espírito e o coração cultivem e pratiquem ações,
motivadas fora dessa perspectiva. Por isso, as políticas e as iniciativas
formuladas em documentos de abrangência internacional, nacional, regional e
mesmo local, estagnam, nas sua grande maioria, no nível da letra morta. Os
resultados concretos não passam de “parto de montanha”. Mas desse aspecto já
nos ocupamos em reflexões anteriores. Uma virada radical da nossa civilização
no que diz respeito à exploração e destino dos recursos naturais defronta-se
com a visão predatória das ideologias,
levem o nome que quiserem, que lidam com o meio ambiente sem a mínima preocupação
com as gerações futuras.
Se
essa de fato é a preocupante realidade, a advertência da Encíclica parece soar
como um sonho remoto ou uma utopia impossível
Portanto, é verdade também
que a indiferença ou crueldade com as
outras criaturas deste mundo sempre
acabam de alguma forma por repercutir-se no tratamento que reservamos aos outros seres
humanos. O coração é um só, e a própria miséria que leva a maltratar um animal
não tarda a manifestar-se na relação com as pessoas. Todo
encarniçamento contra qualquer criatura é contrário à dignidade humana.
(Luadato si, 92)
Sugiro
apostar num “futuro talvez distante” e não numa “utopia impossível”. Parece de
todo improvável que a curto e médio prazo a geração que hoje decide sobre o
destino da humanidade tenha condições mínimas para redirecionar as diretrizes políticas, econômicas e
estratégicas, em favor de um relacionamento mais saudável com “a nossa casa” e
“os nossos irmãos, os animais e plantas
como diria São Francisco de Assis . Será uma tarefa penosa que começa
com a educação das novas gerações que vem vindo, desde a educação
infantil, passando pela fundamental, média e superior. A educação formal não
pode dispensar o reforço da conscientização das pessoas em geral, recorrendo a
todos os meios e caminhos disponíveis. E, graças a Deus, não é só o Papa na sua
Encíclica que chama a atenção para a urgência de começar o caminho de volta da
reconciliação com a Natureza via mudança da mentalidade pela educação.
Autoridades científicas como o especialista em ecossistemas naturais e
humanizados Edward Wilson e o geneticista Francis Collins, entre outros, nossos
já conhecidos, oferecem caminhos viáveis nessa direção. Das obras de referência
desses dois cientistas de renome, o primeiro um “humanista secular” e o segundo
um convicto crente em Deus, é lícito concluir que nem tudo está perdido. O Papa resume como ideal a ser alcançado
Que, tudo está relacionado,
e todos nós, seres humanos, caminhamos juntos como irmãos e irmãs numa
peregrinação maravilhosa, entrelaçados pelo amor que Deus tem a cada uma de
suas criaturas e que nos une também, com terna afeição, ao irmão sol, à irmã
lua, ao irmão rio e à mãe terra. (Laudati si, 92)
Nas
entrelinhas do que vínhamos refletindo põe-se um outro questionamento de
difícil resposta. Se tudo está
relacionado, plantas, animais e o homem, numa comunidade que deveria
comungar fraternalmente os bens da
terra, como harmonizar com esse ideal o abate de milhões de animais para cobrir
as demandas da humanidade do consumo de carne e derivados?. O homem é omnívoro
por natureza e por isso mesmo uma alimentação básica inclui proteínas de origem
animal o que pressupõe a pesca, a caça e o abate industrializado. Uma resposta
satisfatória para essa polêmica fica, por enquanto, aberta.
De
qualquer maneira, como em muitas outras questões que tem a ver com o
relacionamento do homem com a Natureza, escutam-se as vozes que defendem
posições extremas assim como todas as tonalidades intermediárias. Não
faltam os adeptos do regime vegetariano
radical. Para estes toda e qualquer dieta que não seja exclusivamente de
procedência vegetal deve ser banida. No meio termo situam-se aqueles que se
recusam consumir carnes vermelhas e seus derivados, enquanto não fazem
restrições ao peixe e aos frutos do mar. No estremo oposto estão adeptos ao
consume de carnes vermelhas em todas as sua modalidade de preparo.