REFLEXÕES SUGERIDAS PELA ENCÍCLICA LAUDATO SI - 52


Não perdendo de vista o fundamento que  sustenta e legitima a batalha pela proteção à Natureza, isto é, o postulado ético e moral ditado pelo direito natural que deveria garantir a todo e qualquer ser humano o acesso aos recursos naturais, assegurando-lhe uma existência minimamente digna, o Papa lembra mais uma condição para que a cruzada para salvação da “nossa casa” tenha resultados consistentes.  Em vários momentos dessas reflexões  já apontamos  para o fato de que a Natureza como um todo  formam uma gigantesca síntese. Os minerais, os nano e micro organismos, os vegetais,  os animais e o homem, cada categoria à sua maneira, acha-se ontologicamente  comprometida com o equilíbrio e a saúde do todo. Em outros momentos  já aprofundamos essa questão. A Encíclica valendo-se desse pressuposto define a Natureza como uma “comunhão” universal da qual, de uma forma ou outra, todos participam: a Natureza  viva e não viva, incluindo o homem. Nesta perspectiva, até os seres aparentemente mais insignificantes “comungam” com todas as demais  categorias. Para um autêntico defensor da Natureza pressupõe-se que em seu peito pulse um coração aberto para essa realidade. Parece que foi isso que o Papa entendeu quando alertou: “Além disso, quando o coração está verdadeiramente aberto a uma comunhão universal, nada e ninguém fica excluído desta fraternidade”, (Laudato si, 92).

Posta nesses  termos a questão da relação do homem com a Natureza somos colocados diante de dois desafios que merecem atenção. Em primeiro lugar, no contexto da mentalidade predatória que em larga escala marca o compasso da exploração dos recursos naturais não tem o “coração verdadeiramente aberto” ao ponto de viver uma verdadeira fraternidade com os seres vivos de todas as categorias que com ele compartilham o mesmo meio geográfico. A atmosfera viciada pelo egoísmo e imediatismo é avessa e refratária a qualquer tipo de relação que no fundo não seja materialmente utilitária. Impede que o espírito e o coração cultivem e pratiquem ações, motivadas fora dessa perspectiva. Por isso, as políticas e as iniciativas formuladas em documentos de abrangência internacional, nacional, regional e mesmo local, estagnam, nas sua grande maioria, no nível da letra morta. Os resultados concretos não passam de “parto de montanha”. Mas desse aspecto já nos ocupamos em reflexões anteriores. Uma virada radical da nossa civilização no que diz respeito à exploração e destino dos recursos naturais defronta-se com a  visão predatória das ideologias, levem o nome que quiserem, que lidam com o meio ambiente sem a mínima preocupação com as gerações futuras.

Se essa de fato é a preocupante realidade, a advertência da Encíclica parece soar como um sonho remoto ou uma utopia impossível

Portanto, é verdade também que  a indiferença ou crueldade com as outras criaturas  deste mundo sempre acabam de alguma forma por  repercutir-se  no tratamento que reservamos aos outros seres humanos. O coração é um só, e a própria miséria que leva a maltratar um animal não tarda  a manifestar-se  na relação com as pessoas. Todo encarniçamento contra qualquer criatura é contrário à dignidade humana. (Luadato si, 92)

Sugiro apostar num “futuro talvez distante” e não numa “utopia impossível”. Parece de todo improvável que a curto e médio prazo a geração que hoje decide sobre o destino da humanidade tenha condições mínimas para redirecionar  as diretrizes políticas, econômicas e estratégicas, em favor de um relacionamento mais saudável com “a nossa casa” e “os nossos irmãos, os animais e   plantas como diria São Francisco de Assis . Será uma tarefa penosa  que começa  com a educação das novas gerações que vem vindo, desde a educação infantil, passando pela fundamental, média e superior. A educação formal não pode dispensar o reforço da conscientização das pessoas em geral, recorrendo a todos os meios e caminhos disponíveis. E, graças a Deus, não é só o Papa na sua Encíclica que chama a atenção para a urgência de começar o caminho de volta da reconciliação com a Natureza via mudança da mentalidade pela educação. Autoridades científicas como o especialista em ecossistemas naturais e humanizados Edward Wilson e o geneticista Francis Collins, entre outros, nossos já conhecidos, oferecem caminhos viáveis nessa direção. Das obras de referência desses dois cientistas de renome, o primeiro um “humanista secular” e o segundo um convicto crente em Deus, é lícito concluir que nem tudo está perdido.  O Papa resume como ideal a ser alcançado

Que, tudo está relacionado, e todos nós, seres humanos, caminhamos juntos como irmãos e irmãs numa peregrinação maravilhosa, entrelaçados pelo amor que Deus tem a cada uma de suas criaturas e que nos une também, com terna afeição, ao irmão sol, à irmã lua, ao irmão rio e à mãe terra. (Laudati si, 92)

Nas entrelinhas do que vínhamos refletindo põe-se um outro questionamento de difícil resposta. Se  tudo está relacionado, plantas, animais e o homem, numa comunidade que deveria comungar  fraternalmente os bens da terra, como harmonizar com esse ideal o abate de milhões de animais para cobrir as demandas da humanidade do consumo de carne e derivados?. O homem é omnívoro por natureza e por isso mesmo uma alimentação básica inclui proteínas de origem animal o que pressupõe a pesca, a caça e o abate industrializado. Uma resposta satisfatória para essa polêmica fica, por enquanto, aberta.

De qualquer maneira, como em muitas outras questões que tem a ver com o relacionamento do homem com a Natureza, escutam-se as vozes que defendem posições extremas assim como todas as tonalidades intermediárias. Não faltam  os adeptos do regime vegetariano radical. Para estes toda e qualquer dieta que não seja exclusivamente de procedência vegetal deve ser banida. No meio termo situam-se aqueles que se recusam consumir carnes vermelhas e seus derivados, enquanto não fazem restrições ao peixe e aos frutos do mar. No estremo oposto estão adeptos ao consume de carnes vermelhas em todas as sua modalidade de preparo.




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