Uma comunidade universal
Mais
acima já insistimos exaustivamente no fato de que a Natureza forma, de um lado um grande síntese, e do
outro manifesta-se em incalculáveis formas. Só para lembrar, a unidade
resume a natureza como um gigantesco
sistema, finamente calibrado e de alta resolução. Nesse sistema nenhum
componente, nenhum elemento é dispensável. Por mais sem importância que possa
parecer, cabe-lhe uma função. No momento em que for impedido de dar conta da
sua tarefa específica que lhe é atribuída, por uma razão qualquer, sua falta
afeta o todo.
É
sobre esse pressuposto, isto é, “a unidade na pluralidade”, sugerido pelas
Ciências Naturais, incluindo nesse todo a próprio homem, que o Papa Francisco,
fundamenta sua proposta para uma Filosofia e, principalmente, uma Teologia da natureza atualizada,
afinada com os resultados mais
avançados, apresentados pelas Ciências Naturais. Em outras palavras, formula uma Cosmologia e uma
Teologia Natural, isenta de um fundamentalismo avesso ao diálogo, dando lugar à
abertura de um entendimento honesto e sem preconceitos, entre as Ciências
Naturais, as Ciências do Espírito, as Humanidades, as Letras e Artes.
É
importante relembrar também que a Humanidade faz parte ontológica desse jogo. O
homem é “Adam”, “nascido da terra”. Outro aspecto não pode ser esquecido, em se
tratando de um documento pontifício, que valida as conquistas das Ciências as
quais tem como tarefa descobrir e
explicar o “como” funciona a natureza para subsidiar a tarefa da Filosofia e
Teologia, de oferecer uma resposta satisfatória para o “donde”, o “porque” e o
“para onde”, porque senão a “Ciência é manca e a Religião é cega”, conforme o
entendimento de Einstein. É nesse encontro, nessa confluência em que, por assim
dizer torna-se possível afinar os instrumentos para a sinfonia e evitar que
cada parte toque o seu instrumento fora
do contexto, resultando em cacofonia em vez de harmonia. A metáfora da
sinfonia, da harmonia encontrou e encontra ainda hoje sua expressão na poética,
nas canções populares, na música e demais manifestações artísticas. Um exemplo.
Uma antiga lenda da tradição anglo-saxônica conta que um monge, poeta e pastor
de ovelhas de nome Cadmon, escutou numa noite de vigília solitária junto ao
rebanho, uma voz que o chamava: “Cadmon, canta-me a canção do começo de todas
as coisas”. A resposta para o conteúdo,
o “Leitmotiv” dessa canção foi dada 1500 anos depois por ninguém menos que
Einstein, numa carta à sua filha
Lieserl:
Há uma força
extremamente poderosa para a qual a
Ciência até agora não encontrou uma resposta formal. É uma força que inclui e
governa todas as outras, existindo por
trás de qualquer fenômeno que opere no universo e que ainda não foi
identificada por nós. – Esta força universal é o AMOR – Quando os cientistas
estavam procurando uma teoria unificada do universo esqueceram a mais invisível e poderosa de todas as
forças. – O MOR é luz, dado que ilumina aquele que dá e o que recebe. – o AMOR é gravidade, porque
faz com que as pessoas se sintam atraídas umas pelas outras – o AMOR é potência,
pois multiplica o melhor que temos, permitindo assim que a humanidade não se
extinga em seu egoísmo cego. – o AMOR revela e desvela. – Por AMOR, vivemos e
morremos. –o AMOR é Deus e Deus é AMOR. – Esta força tudo explica e dá SENTIDO
à vida. Esta é a variável que temos ignorado por muito tempo, talvez porque o
AMOR provoca medo, sendo o único
poder no universo que o homem ainda não aprendeu a dirigir a seu favor.
A letra dessa canção poderia ter muito bem
inspirado o papa Francisco ao escrever na encíclica Laudato se.
Isto gera a convicção que
nós todos os seres do universo, sendo criados pelo mesmo Pai, estamos unidos pelos mesmos laços invisíveis e formamos uma
espécie de família universal, uma comunhão
sublime que nos impele a um respeito sagrado, amoroso e humilde. Quero
lembrar que Deus uniu-nos tão estreitamente ao mundo que nos rodeia, que a
desertificação do solo é como uma doença para cada um e podemos lamentar a extinção de cada espécie como se fosse uma
mutilação. (Laudato se, 89)
Partindo
desse pressuposto o Papa chama a atenção aos riscos de interpretação a que pode
levar. O primeiro. O homem é a razão de ser da Natureza e como tal seu
destinatário final. Essa linha de pensamento é conhecida como a “teoria
antrópica”. Resumidamente essa teoria afirma que a Natureza foi gerada e evoluiu
para receber o homem. Se há muita verdade nessa teoria, se mal interpretada
pode levar, como de fato levou, a uma concepção equivocada do lugar do homem no
seu ambiente natural.