Reflexões sugeridas pela Encíclica Laudato si - 35 -

Ao lado das armas atômicas a humanidade sofre cada vez mais com as armas químicas e bacteriológicas. Seu efeito devastador é menos espetacular, mais discreto, mais traiçoeiro e  com potencial de devastação no mínimo igual às armas atômicas.

Considerando o potencial global de destruição, torna-se inadiável chamar à razão aos líderes mundiais e seus associados, a celebrarem acordos ditados pelo direito universal que assiste aos povos e às pessoas individuais  de viverem num mundo, numa terra, num planeta, numa “casa” segura, confortável e bem servida. A Encíclica alerta para essa  questão.

É previsível que, perante o esgotamento de alguns recursos, se vá criando um cenário favorável para que novas guerras, disfarçadas sob nobres invocações. A guerra causa sempre danos graves ao meio ambiente e à riqueza cultural dos povos, e os riscos avolumam-se quando se pensa nas armas nucleares e nas armas biológicas. Com efeito, não obstante haver acordos  internacionais que proíbem a guerra química, bacteriológica ou biológica, subsiste o fato de nos laboratórios dos pesquisadores desenvolverem-se  novas armas ofensivas, capazes de alterar os equilíbrios naturais. Exige-se do político uma maior atenção para prevenir e resolver  as causas que podem dar  origem a novos conflitos. Entretanto, o poder, ligado às finanças, é que  maior resistência põe a tal esforço, e os próprios políticos carecem muitas vezes de amplitude de horizontes, para intervir quando seria urgente e necessário. (Laudato si, 57)

Nos últimos 400 milhões de anos aconteceram 5 cataclismos que afetaram o nosso planeta numa extensão e profundidade catastróficas. Todos foram causados por agentes naturais. Em todos eles o equilíbrio climático, a composição relativa da atmosfera, a temperatura e a composição dos oceanos, sofreram alterações que levaram à extinção de incontáveis espécies vivas  de animais e vegetais. Do que sobrou e sobreviveu a natureza, por assim dizer, quase que começou do zero, a reconstruir, por dezenas de milhões de anos, uma nova terra povoada com novas formas de vida. Lembramos, para ilustrar o quinto e último desses acontecimentos. O ocorreu há 60 milhões de anos e foi responsável pela extinção dos dinossauros e outras milhares de espécies de animais e vegetais. Um meteorito de tamanho fora do comum caiu perto da península de Yucatã  no México, depois de incendiar-se ao passar pela atmosfera. Seu impacto jogou na atmosfera incontáveis milhões de toneladas de pó. Por anos os raios do sol foram filtrados, o que alterou profundamente a temperatura e o regime de chuva. Tsunamis, altos como montanhas abateram-se sobre as faixas costeiras, arrasando tudo que veio pela frente. O abalo fez tremer a terra toda espalhando erupções vulcânicas por toda a superfície. A combinação dos efeitos causados pelo meteoro deixaram continentes, ilhas, mares e oceanos inabitáveis para uma enorme quantidade de espécies vivas. O episódio marcou o final da Era Mesozoica  e a extinção dos dinossauros.  Seguiram os 60 milhões de anos em que a biosfera atual se consolidou a partir do que sobrou depois do cataclismo causado pelo meteoro. Inaugurou-se   assim a era dos mamíferos, aves e plantas com flores. A natureza terminou por consolidar ecossistemas renovados, complexos e ricos em biodiversidade, deixando “a casa” pronta para receber a espécie humana.

Não importa, nem como, nem exatamente quando,  nem onde entrou em cena esse novo personagem. O fato é que cerca de 20 mil anos atrás, sua relação com o meio ambiente não foi muito diferente do que qualquer outra espécie de mamífero omnívoro. Coletava frutas, raízes e tubérculos. Caçava animais e  aves e pescava peixes. Abrigava-se em cavernas e abrigos e passava os dias no relento onde o clima o permitia. Pode-se afirmar que a presença do homem aconteceu em harmonia com a natureza, como as demais espécies que com ele compartilhavam o mesmo habitat.

Sucede que a espécie humana distingue-se de todas demais pela inteligência reflexa. Munido com essa ferramenta foi inventando e fabricando instrumentos cada vez mais eficientes para a obtenção de alimentos, construir abrigos e confeccionar vestimentas. Ao mesmo tempo foi identificando plantas e animais, seus hábitos e suas características. Observando os hábitos das muitas espécies de animais aproximou-se daquelas que melhor lhe pareciam atender às necessidades da subsistência. O resultado lógico  ensinou o coletor a plantar e o caçador a criar. Estavam assim postos os dois pilares mestres para desencadear a “Revolução dos Alimentos”, na perspectiva de Darcy Ribeiro, ou a “Primeira Traição à Natureza”, na visão de Edward Wilson. As duas formas aparentemente antagônicas são válidas na avaliação daquela “revolução” de dimensões planetárias, para o futuro da História da Humanidade e da História Natural.

Sob o prisma de uma “Revolução dos Alimentos” encontra-se nela a semente e o embrião que resultariam nas culturas e civilizações até os nossos dias sobre todo o planeta habitável. Esse progresso todo e essas conquistas todas foram cobrando um preço cada vez mais alto ao meio  ambiente já que os recursos e matérias primas foram subtraídas a ele, justificando a avaliação como “uma Traição à natureza”. Mas “enquanto o espaço é suficiente e  a densidade demográfica pequena, não se tornam  muito conscientes tais sentimentos”. (Rambo, 1942, p. 338). O autor refere-se nessa passagem ao impacto da ação do homem sobre a natureza de até 100 anos atrás. Foram necessários 20 milênios para que a Revolução dos Alimentos revelasse a sua face, embutida no potencial de  progresso e desenvolvimento humano que Wilson chamou de “primeira traição à natureza”. Com o crescimento geométrico da humanidade invadindo o planeta até seu seus confins mais remotos, a natureza foi pagando na mesma proporção um preço cada vez mais alto, num espaço de tempo também cada vez mais curto. No  decorrer dos últimos séculos essa dinâmica assumiu as proporções  cujos resultados vão se somando numa velocidade geométrica. No começo discretamente, começaram a piscar as luzes de alerta. Aos poucos, cá e lá, fizeram-se ouvir sirenes de alerta. Hoje esses alarmes ecoam por todos os recantos do planeta. Vivemos a situação “em que as necessidades brutais da vida forçam a interferir sempre mais na expressão natural do ambiente, despertando a dor perante a destruição de suas feições naturais, e o desejo de conservar, senão no conjunto ao menos em alguns lugares nos traços mais característicos”. (Rambo, 1942, p. 338)

Passaram-se 75 anos desde que o Pe. Rambo escreveu essa observação na sua “Fisionomia” do Rio Grande do Sul”. A agressão, a devastação e a degradação do meio ambiente alcançou uma profundidade e extensão tal que Edward Wilson fala numa “segunda traição” à natureza.

Agora com o resultado da atividade, teve início um sexto período de extinção. Embora não causado pela violência cósmica, seu potencial é suficiente para se tornar tão infernal como os cataclismos anteriores. Segundo estimativas feitas  em 2.004 por uma equipe de especialistas, apenas a mudança climática, se não for contida, poderá ser a causa primária da extinção de um quarto das espécies de plantas e animais terrestres nos meados deste século. (Wilson, 2.008, p. 88)


Reflexões sugeridas pela Encíclica Laudato si - 34 -

Fraqueza das reações

A preocupação com o meio ambiente e as ações para torná-las efetivas, tropeçam numa série de obstáculos que precisam ser removidos. Mais acima já nos ocupamos de alguns deles. Não custa relembrá-los. Nada feito, sem a consciência permanente da urgência na intervenção no ritmo de degradação ambiental a perpassar horizontal e verticalmente o quotidiano das pessoas e das organizações políticas, sociais, econômicas, religiosas e culturais. A humanidade como um todo precisa comprometer-se com essa cruzada. Para que haja resultados palpáveis o requisito chama-se educação ambiental. Que ela deva acontecer desde o mais cedo possível, já na infância e como pode ser consolidada, já foi objeto das nossas reflexões mais acima. Sem essa premissa qualquer cruzada para salvar “ nossa casa” estagna no nível dos interesses e intenções políticas, econômicas, de grupos e organizações, ou simplesmente a serviço de uma visão romântica e sem consistência da natureza.

O conhecimento correto do que seja a natureza é condição para o segundo pré-requisito para fundamentar políticas e ações eficazes para enfrentar o problema. Sem lideranças conscientes em todos os níveis de decisão, imbuídos de verdadeiro espírito ecológico, mais uma vez,  nada feito! A Encíclica traça o perfil dos líderes e a tarefa que lhes cabe cumprir.

O problema é que não dispomos ainda da cultura necessária para enfrentar essa crise e há necessidade de construção e lideranças que tracem caminhos, procurando dar respostas às necessidades das gerações atuais, todos incluídos, sem prejudicar as gerações futuras. Torna-se necessário criar um sistema normativo que inclua limites invioláveis e assegure a proteção dos ecossistemas, antes que as novas formas de poder derivadas do paradigma técnico econômico acabem por arrasá-los não só com a política, mas também com a liberdade e a justiça. (Laudato se, 53)

Não há dúvida de que temos em mãos  um autêntico “nó górdio” a ser desatado para que a questão ambiental seja encarada e tratada na perspectiva correta. Por correto entende-se em primeiro lugar, lidar com a natureza como “a casa” da humanidade, atribuindo ao conceito todos os significados, também já lembrados mais acima. Soma-se a isso o que também foi objeto de nossas reflexões. A natureza como “a casa” da humanidade como sendo um bem comum contempla todas as implicações desse conceito. Novamente, em decorrência dos dois pressupostos que acabamos de apontar, vem a somar-se o fator, também já insistentemente nomeado, complicando de vez o desatar do “nó” que é a questão ambiental. As motivações que inspiraram as iniciativas de abrangência  supra nacional em benefício da saúde  preservação do planeta nos últimos 30 anos, terminaram viciados e as propostas contaminadas mortalmente pelo velho e conhecido trinômio: geopolítica – economia – tecnologia.

Preocupa a fraqueza da preocupação política internacional. A submissão da política à tecnologia e à finança demonstra-se na falência das cimeiras mundiais sobre o meio ambiente. Há demasiados interesses  particulares e, com muita facilidade, o interesse econômico chega a prevalecer sobre o bem comum e manipular a informação para não sejam afetados os seus projetos. ( ... ) Deste modo, poder-se-á esperar apenas algumas proclamações superficiais, ações filantrópicas isoladas e ainda esforços por mostrar sensibilidade para com o meio ambiente, enquanto, na realidade, qualquer tentativa das organizações para alterar as coisas será vista como um distúrbio provocado por sonhadores românticos ou como um obstáculo a superar. (Laudato se, 54)

Em meio a esse quadro entende-se, evidentemente, que as iniciativas bem intencionadas, ainda são poucas, tímidas e insuficientes. Para que levem de fato a resultados animadores impõe-se superar hábitos de consumo profundamente enraizados, de desperdício e de descarte. A curto prazo as perspectivas chegam a ser desanimadoras. O volume de embalagens de plástico usadas nas compras em lojas e supermercados, chega a cifras astronômicas. O grosso desse material termina  em gigantescos lixões, na beira das estradas, nas ruas e praças. O resultados assustam.  A qualquer chuva um pouco mais forte os rios se transformam em caudais de lixo, além de poluídos até a morte pelos esgotos não tratados. Carregam esse material não biodegradável, o espalham nas margens por centenas de quilômetros, além de despejarem uma grande parte no oceano. O entupimento das tubulações que escoam a água das chuvas, causa situações de calamidade com cada pancada de chuva um pouco mais intensa. Para diminuir e, aos poucos, superar essa realidade pressupõe-se uma reorientação dos hábitos e costumes ao lidar com os rejeitos do consumo. Acontece que, pela própria natureza a educação, reeducação e mudanças de hábitos e costumes, requer prazos longos, incompatíveis com o imediatismo da atual civilização e a obsessão pelo consumo que dita as normas de proceder das pessoas no quotidiano. Os resultados econômicos e os lucros  imediatos, aliados ao consumismo sem freio formam o caldo tóxico que, se não for disciplinado, leva a natureza rumo ao colapso, a um beco sem saída e com ele põe em xeque o futuro da própria espécie humana.

No cenário é de tal gravidade que não há mais tempo a perder. A esperança está no fato de que, apesar dos pesares, percebe-se um crescente despertar, mesmo, ou principalmente, entre as pessoas comuns, que algo de consistente deve ser feito, e já. Resta-nos torcer para que essa consciência “contamine” as políticas e as ações das lideranças e forças que comandam a nossa civilização, enquanto ainda for tempo. Uma batalha de proporções planetárias precisa ser vencida pelas forças, ainda em situação de absoluta ide nferioridade em relação ao monstro que está a devorar os recursos da terra. Vamos torcer para que “Davi vença Golias”. Se essa guerra não for vencida caminhamos para um futuro que será uma incógnita que assusta. A Encíclica chama a atenção para essa realidade.

Entretanto, os poderes econômicos continuam a justificar o sistema mundial atual, onde predomina uma especulação e uma busca de receitas financeiras que tendem a ignorar todo o contexto e os efeitos  sobre a dignidade humana e sobre o meio ambiente. Assim se manifesta  como estão intimamente  ligados a degradação ambiental e a degradação humana e ética. Muitos dirão que não têm consciência de realizar ações imorais, porque a constante distração nos tira a coragem de advertir a realidade de um mundo limitado. Por isso, hoje, qualquer realidade que seja frágil, como o meio ambiente, fica indefesa face aos interesses do mercado divinizado, transformado em regra absoluta,. (Laudato si, 56.).

Um outro lado relacionado com a questão ambiental refere-se especificamente aos recursos e matérias primas indispensáveis para sustentar o atual modelo  civilizatório. No momento o petróleo continua sendo o  trunfo econômico-estratégico-político mais importante. O carvão que à sua época conferia importância e poder aos países donos de suas jazidas, ocupam um lugar bem à margem do petróleo. Países como a maioria do Oriente Médio, são desertos sujeitos à importação de praticamente  de tudo, até água potável, são vozes sempre ouvidas e acatadas  no cenário mundial, por serem donos de gigantescas reservas de petróleo. Por meio da OPEP sua organização de pressão, tem cacife para fazer tremer as bases da economia mundial, manipulando o preço do barril de petróleo. A elevação do preço na década de 1970 desestabilizou as economias dos países do mundo inteiro, dependentes da importação. O contrário também é verdadeiro. Uma baixa significativa da cotação do petróleo no mercado internacional, abala a estabilidade dos países que tem nesse recurso o maior peso na composição do Produto Interno Bruto. Quando então um modelo econômico desastrado se soma à desvalorização do petróleo, como no caso da Venezuela, não há como segurar o debacle.

Entre os efeitos num cenário desse molde criam-se  sérios problemas nas relações internacionais. O acesso aos combustíveis fósseis leva a alianças  entre grupos de países marginalizando outros. Em situações extremas lança-se mão de intervenções armadas que levam a situações de conflito permanente. Um exemplo típico é a situação do Oriente Médio. As consequências que se refletem sobre a estabilidade política e econômica, são efeitos colaterais que afetam profundamente o bem estar das populações envolvidas.

A extração do petróleo por meio de poços profundos e bombeado de lenções  subterrâneos é de baixa agressividade. O mesmo já não se pode afirmar quando extraído do xisto. As tecnologias utilizadas implicam numa interferência muito mais invasiva na região em que ocorre a extração. Preso na porosidade do xisto requer a injeção de grandes quantidades de água, arreia e produtos químicos. O processo vem acompanhado de enormes volumes de dejetos além do gás metano. Ambos agridem seriamente ao meio ambiente. O gás metano tem um efeito muito maior sobre o aquecimento global do que  emissão de gases por instalações industriais utilizando combustíveis fósseis ou a emissão dos motores dos veículos. Os demais dejetos precisam ser reciclados para evitar que causem danos ao meio ambiente.

Na mesma linha vai a extração de minérios com destaque para o ferro, cobre, alumínio, ouro e outros metais preciosos. Também nesse caso é preciso chamar a atenção para a mesma dupla de inconvenientes que acompanham a extração de petróleo. Em primeiro lugar, destaca-se a importância geopolítica-econômica-estratégica dos países donos de grandes jazidas. Sob esse prisma competem, até certo ponto, com  os donos da jazidas de petróleo e gás natural. Quando acontece que os dois recursos se concentram num único país, o poder de fogo aumenta sensivelmente. As sequelas políticas, econômicas e de modo especial, sociais e éticas vem a ser as mesmas  apontadas no petróleo e gás natural.

Em segundo lugar, o potencial de invasão e agressão física da mineração é muito maior. Quilômetros e mais quilômetros quadrados de montanhas são desfigurados. Lagos de lama  tóxica ameaçam permanentemente as populações a jusante desses reservatórios. A tragédia  de Mariana em Minas Gerais vem a ser um exemplo gritante, quando a ameaça e o perigo se convertem em realidade. A mineração do ouro feita com máquinas de grande porte e a utilização do mercúrio, transformam vales inteiros e encostas de montanha em paisagens fantasmas proibitivas ao homem. As agressões à natureza exigirão séculos e milênios para uma completa recuperação.

O mais preocupante no que toca  a agressão da natureza são as usinas nucleares. Não há dúvida de que a energia nuclear representa um poderoso potencial para contrabalançar a escassez de energia hidroelétrica e termoelétrica. Entretanto, não se pode subestimar o potencial de agressão ao meio ambiente. No caso das usinas nucleares é preciso apontar para dois riscos que não podem ser ignorados. O primeiro relaciona-se com o destino do lixo atômico, somado à fuga de radiações para o meio ambiente. A radioatividade do lixo atômico leva séculos e milênios para baixar a um nível aceitável. Isso significa que o seu acondicionamento tem que ser de tal molde que impeça a fuga das radiações para o meio ambiente. Só essas providências já exigem sofisticadas tecnologias de armazenamento e descarte em lugares seguros. Implica em conteiners que resistem por longos períodos expostos aos agentes de corrosão presentes em qualquer situação ambiental. O segundo risco relaciona-se com uma eventual danificação e em casos extremos explosão de reatores atômicos. Toda as precauções que possam ser tomadas não eliminam cem por cento esse risco. Os exemplos estão aí para comprová-lo. Os mais famosos ocorreram em países com tecnologias de ponta nesse particular: Three Miles Isand” nos Estados Unidos, Tchernobyl na Ucrânia e Fukushima na Japão. O mais catastrófico foi o de Tchernobyl, em 1985. Depois de três décadas da explosão de um dos reatores, uma enorme área em volta da usina permanece interditada. Cerca de 50.000  habitantes que tiveram que abandonar a hoje cidade fantasma de Pripyat em 36 horas sob pena de sofrerem danos irreversíveis à saúde. Até hoje vigora a exclusão de uma área de 15 quilômetros em torno da usina.

O acidente nuclear de Fukushima provocado por um terremoto seguido de um tsunami ainda hoje não foi inteiramente sanado. Uma faixa em volta da usina ainda está com o acesso  interditado. Não foram inteiramente dimensionados em extensão e profundidade os danos causados à vegetação, aos animais e ao homem nas imediações do acidente e a dezenas de quilômetros de distância.


Nesse contexto não se pode deixar de lembrar as armas atômicas. Além das grandes potências no período da guerra fria: Estados Unidos, União Soviética e França, hoje um dúzia de países dispõe de um arsenal de bombas nucleares além de outros tantos em via de possuí-las. Se por razões de natureza geopolítica, econômica, estratégica, ou qual quer outro motivo, chegarem a ser usadas, provocariam uma tragédia de proporções imprevisíveis. Numa retaliação mútua empregando apenas uma parte do arsenal nuclear armazenado nos diferentes países, não haveria vencedor, somente vencidos. De mais a mais, a natureza arrasada, a atmosfera saturada de radiações, os mananciais, os rios e oceanos contaminados, tornar-se-iam inabitáveis para inúmeras espécies de plantas, animais e, quem sabe, até para a espécie humana. Seriam necessários  milhões de anos para, a partir do que sobrou, restaurar de alguma forma a natureza.

Reflexões sugeridas pela Encíclica Laudato si - 33 -

As civilizações vivem e sobrevivem, prosperam ou fracassam na medida em que têm acesso ou não aos recursos naturais. Sendo assim gera-se pela competição um clima insalubre para a convivência humana. Instala-se inevitavelmente uma corrida que, ressalvadas as devidas diferenças, degenera num  autêntico “darwinismo social”. Nessa competição, ”seleção” se preferirmos, geram-se inevitavelmente diferenças na corrida pelo maior ou menor acesso aos recursos disponíveis. Não há necessidade de insistir que essa concorrência foi uma das razões determinantes das contendas e das guerras, desde que dispomos de dados históricos suficientes e confiáveis. A expansão da humanidade pelos continentes e ilhas dos oceanos, resume-se numa frenética corrida em busca de alimentos e matérias primas. Enquanto a densidade populacional era baixa e a disponibilidade dos recursos abundante, a situação manteve-se num nível relativamente confortável. A corrida aos recursos naturais terminava em disputas ou guerras locais, no máximo regionais. Mas no momento em que as conquistas tecnológicas foram globalizando as civilizações do mundo inteiro, a competição pelos recursos naturais, assumiu proporções planetárias. Há nessa  dinâmica um fator que não pode ser ignorado. A globalização tem como motor o desenvolvimento e a popularização de ferramentas  de produção e distribuição de recursos e bens, tecnologias de comunicação, tecnologias voltadas para a saúde, educação e segurança, cada vez mais padronizados, mais universalizados, dependentes de fontes de energia limitadas. Como nada do que movimenta a nossa civilização pode prescindir de energia, as fontes que a garantem, capitalizam, em última análise, um potencial de competição, barganhas e conflitos incalculáveis.

De um lado o nível do desenvolvimento tecnológico é um poderoso fator de bem estar, do outro lado, porém, vem acompanhado de efeitos colaterais que fazem pensar. A posse a oferta das grandes fontes de energia: petróleo, reservas hídricas, energia atômica, garantem aos seus donos um poder político, econômico e estratégico sem igual. E para não desviar do nosso foco, isto é,  a preocupação pelo meio ambiente, os controladores das fontes de energia e/ou tecnologias de ponta, ditam as regras na exploração e distribuição dos recursos naturais. Sendo assim, é fácil perceber o que acontece quando a serviço de objetivos políticos, econômicos ou estratégicos. É fácil prever o que acontece quando governos e proprietários se consideram os donos absolutos desses recursos. A  utilização como  instrumento de poder a exploração dos recursos naturais levou a degradação e exaustão da natureza a um nível deplorável. A essa realidade pouco otimista acrescenta-se o inconveniente de ser tratada como propriedade particular e não como um bem comum, resultando num darwinismo social feroz, por sinal mal entendido, que favorece os grandes interesses globais e condena à marginalidade, à pobreza e à miséria povos inteiros e contingentes importantes nos países em desenvolvimento. A Encíclica chama a atenção a essa face da questão.

Gostaria de assinalar  que muitas vezes falta uma consciência clara dos problemas que afetam particularmente os excluídos. Estes são a maioria no planeta, milhares e milhões de pessoas. Hoje são mencionados nos debates políticos e econômicos internacionais, mas com frequência parece que seus problemas são colocados como um apêndice, como uma questão que se acrescenta quase por obrigação e perifericamente, quando não são considerados meros danos colaterais. Com efeito na hora da implementação concreta permanecem frequentemente no último lugar. ( ... ) Mas hoje não podemos deixar de reconhecer que uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para tanto ouvir o clamor da terra como o clamor dos pobres. (Laudato si, 49)

Depois dessas observações a Encíclica comenta algumas soluções correntes pare enfrenta o problema dos marginalizados no desfrute dos recursos naturais. A solução de uns está na redução da natalidade. Simples assim? Não. Baixar significativamente  a natalidade nas populações menos favorecidas e maiores vítimas dos descartes e rejeitos urbanos, encontra consideráveis dificuldades. Entre elas merecem destaque. Em primeiro lugar, o acesso à educação que costuma ser precária. As escolas quando existentes costumam ser de baixo nível e deficientes, não por causa dos professores, mas pelas circunstâncias em que funcionam. Crianças carentes, subnutridas e portadoras de endemias, encontram na escola, se é que encontram, refeições de alguma qualidade. Subnutridas e famintas como vão apender e assimilar num nível decente a educação e formação. Acontece que privadas desses pré-requisitos não dispõem das ferramentas mínimas para comprometer-se conscientemente com uma cruzada  de redução de natalidade. A aceitação  e o efetivo recurso a métodos de contracepção eficazes e seguros, é antes de mais nada uma questão de educação e formação do povo. Por isso a implantação de programas e políticas  efetivas de “saúde reprodutiva” não é simples. De um lado supõem-se políticas sérias e honestas quando do atendimento das demandas daquelas  populações. A efetivação das política depende de dotações orçamentárias ou de outra procedência para que se  chegue aos resultados esperados.

A Encíclica chama a atenção para uma falácia que subjaz em grande parte às políticas que orientam  a condução do desafio da natalidade. Tão grave quanto o descontrole da natalidade é o modelo de distribuição dos recursos, de modo especial os básicos necessários para uma vida decente. Um modelo de distribuição mais sintonizado com as demandas básicas das pessoas do que com o mercado, resolveria uma parcela importante da satisfação das demandas básicas do bem estar de todos.

O crescimento demográfico é plenamente compatível, com um desenvolvimento integral e solidário. Culpar o incremento demográfico em vez do consumismo exacerbado e seletivo de alguns é uma forma de não enfrentar o problema. Pretende-se assim legitimar o modelo distributivo atual, no qual uma minoria se julga com o direito de consumir numa proporção que seria impossível generalizar. (Laudato se, 5)

Em resumo, pede-se menos importância para mercado e mais importância para a solidariedade. Resumindo. Mercado sim, mas temperado pela solidariedade, ou, o mercado a serviço do bem estar das pessoas, sejam quem forem. Como se pode constatar, voltamos de novo ao que poderíamos chamar de “Leitmotif” da Encíclica. O que de fato importa é o bem comum e o bem comum pede que qualquer pessoa tenha acesso à quantidade e à qualidade mínima para prover com dignidade a própria existência e a dos seus dependentes.

O que acontece nos países em que as desigualdades são mais gritantes, como nos em desenvolvimento, observa-se também entre os países subdesenvolvidos e de modo especial dos do terceiro mundo. Falamos do desequilíbrio reinante entre a qualidade de vida dos países desenvolvidos  no hemisfério norte e os subdesenvolvidos no hemisfério sul, com destaque para a África. Nela os desequilíbrios sociais extrapola  as dimensões domésticas para assumir proporções  internacionais. Os efeitos da degradação  passam de um desafio regional para assumir dimensões internacionais. As nações do assim chamado terceiro mundo alimentam o seu PIB normalmente com a agricultura, criação de animais e matérias primas não manufaturadas. A agricultura praticada com métodos primitivos costuma ser especialmente agressiva ao meio ambiente. A fertilidade natural dos solos é limitada. O desconhecimento dos métodos de preservação e recuperação, via orgânica e sem acesso a insumos industrializados, o avanço sobre sempre novas fronteiras agrícolas tem como consequência uma degradação sem freio e em ritmo geométrico. Além disso, não poucos desses países são exportadores de minérios, petróleo metais e pedras preciosas, madeiras, etc. A extração dessas matérias primas e recursos naturais em geral entregue a empresas multinacionais sem compromisso com os países em que atuam, costumam proceder como autênticos predadores. O que menos importa são as populações desses países. Os royalties obtidos pela exportação de matérias primas e produtos oriundos da agropecuária, costumam parar nas mãos de uma claque travestida de governantes, que se apropria sistematicamente do grosso dos resultados. Para o desenvolvimento dos países e o suprimento das necessidades mais elementares da população sobram, se é que sobram, apenas migalhas. Perpetuam-se dessa forma práticas perversas que levam à marginalização e à miséria milhões de pessoas, condenadas a viver num ambiente de agressão sem freios à natureza. A Encíclica descreve essa sina do mau uso da natureza e dos seus recursos.

A desigualdade não afeta os indivíduos mas países inteiros e obriga a pensar numa ética das relações internacionais. Com efeito há uma verdadeira “dívida ecológica”, particularmente entre o Norte e o Sul, ligada a desequilíbrios comerciais com consequências  no âmbito ecológico com o uso desproporcionado dos recursos naturais efetuado historicamente  por alguns países. A exportação de matérias-primas par satisfazer os mercados do Norte industrializado produziram danos locais, como, por exemplo a  contaminação com mercúrio na extração minerária do ouro ou com dióxido de enxofre na do cobre. (Laudato se, 51)

A Encíclica chama a atenção ainda a uma série de  inconvenientes sérios que resultam da   atividade invasiva no meio ambiente. O acúmulo progressivo por décadas de gases na atmosfera, devido aos combustíveis empregados na atividade industrial. A atmosfera foi seriamente afetada interferindo no equilíbrio climático, Os efeitos das perturbações climáticas se fazem presentes, por sua vez, em regiões localizadas a milhares de quilômetros de distância dos focos causadores. As emissões de gás carbônico liberado na atmosfera principalmente nos centros industriais do hemisfério norte terminam difundidas pela atmosfera de todo o planeta. Acentuam cumulativamente o efeito estufa, terminando por interferir no regime das chuvas e nos ciclos das estiagens. Eventos catastróficos anormais castigam de preferência regiões dependentes da agricultura de subsistência e criação de animais domésticos. O efeito oposto, inundações devastadoras  transformam o quotidiano das populações ribeirinhas num pesadelo permanente.

Ao desequilíbrio climático vem somar-se outro inconveniente não menos perturbador. Refiro-me ao risco que acompanha a circulação dos gigantescos volumes de resíduos sólidos e líquidos que tem como endereço países em desenvolvimento. Entre esses resíduos  o “lixo” atômico radioativo ocupa o topo da lista dos mais perigosos. Sua degradação e assimilação pela natureza requer um longuíssimo prazo para reduzir a radioatividade a um nível aceitável. Essa situação agrava-se  ainda mais com  a mentalidade imediatista e irresponsável dos donos e responsáveis pela atividade industrial geradora de subprodutos nocivos ao meio ambiente e, consequentemente, à saúde. A Encíclica chama a atenção a esse tipo de problema.

Como constatamos frequentemente que as empresas que assim procedem são multinacionais, que fazem aqui o que não lhes é permitido em países desenvolvidos, ou do chamado primeiro mundo. Geralmente quando cessam suas atividades e se retiram deixam danos humanos e ambientais, como o desemprego, aldeias sem vida, deflorestamento, empobrecimento da agricultura e pecuária local, crateras e colinas devastadas, rios poluídos e qualquer obra social que já não se pode sustentar. (Laudato si, 51)

E, para concluir a reflexão sobre os riscos e inconvenientes e sérios problemas sociais conexos, o Papa adverte. “E preciso revigorar a consciência de que somos uma única família humana. Não há fronteiras políticas ou sociais que permitam isolar-nos e, por isso mesmo, também não há espaço para a globalização da indiferença”. (Laudato se, 52)