Ao
lado das armas atômicas a humanidade sofre cada vez mais com as armas químicas
e bacteriológicas. Seu efeito devastador é menos espetacular, mais discreto,
mais traiçoeiro e com potencial de
devastação no mínimo igual às armas atômicas.
Considerando
o potencial global de destruição, torna-se inadiável chamar à razão aos líderes
mundiais e seus associados, a celebrarem acordos ditados pelo direito universal
que assiste aos povos e às pessoas individuais
de viverem num mundo, numa terra, num planeta, numa “casa” segura,
confortável e bem servida. A Encíclica alerta para essa questão.
É previsível que, perante o
esgotamento de alguns recursos, se vá criando um cenário favorável para que
novas guerras, disfarçadas sob nobres invocações. A guerra causa sempre danos
graves ao meio ambiente e à riqueza cultural dos povos, e os riscos avolumam-se
quando se pensa nas armas nucleares e nas armas biológicas. Com efeito, não
obstante haver acordos internacionais
que proíbem a guerra química, bacteriológica ou biológica, subsiste o fato de
nos laboratórios dos pesquisadores desenvolverem-se novas armas ofensivas, capazes de alterar os
equilíbrios naturais. Exige-se do político uma maior atenção para prevenir e
resolver as causas que podem dar origem a novos conflitos. Entretanto, o
poder, ligado às finanças, é que maior
resistência põe a tal esforço, e os próprios políticos carecem muitas vezes de
amplitude de horizontes, para intervir quando seria urgente e necessário.
(Laudato si, 57)
Nos
últimos 400 milhões de anos aconteceram 5 cataclismos que afetaram o nosso
planeta numa extensão e profundidade catastróficas. Todos foram causados por
agentes naturais. Em todos eles o equilíbrio climático, a composição relativa
da atmosfera, a temperatura e a composição dos oceanos, sofreram alterações que
levaram à extinção de incontáveis espécies vivas de animais e vegetais. Do que sobrou e
sobreviveu a natureza, por assim dizer, quase que começou do zero, a
reconstruir, por dezenas de milhões de anos, uma nova terra povoada com novas
formas de vida. Lembramos, para ilustrar o quinto e último desses acontecimentos.
O ocorreu há 60 milhões de anos e foi responsável pela extinção dos dinossauros
e outras milhares de espécies de animais e vegetais. Um meteorito de tamanho
fora do comum caiu perto da península de Yucatã
no México, depois de incendiar-se ao passar pela atmosfera. Seu impacto
jogou na atmosfera incontáveis milhões de toneladas de pó. Por anos os raios do
sol foram filtrados, o que alterou profundamente a temperatura e o regime de
chuva. Tsunamis, altos como montanhas abateram-se sobre as faixas costeiras,
arrasando tudo que veio pela frente. O abalo fez tremer a terra toda espalhando
erupções vulcânicas por toda a superfície. A combinação dos efeitos causados
pelo meteoro deixaram continentes, ilhas, mares e oceanos inabitáveis para uma enorme
quantidade de espécies vivas. O episódio marcou o final da Era Mesozoica e a extinção dos dinossauros. Seguiram os 60 milhões de anos em que a
biosfera atual se consolidou a partir do que sobrou depois do cataclismo
causado pelo meteoro. Inaugurou-se assim a era dos mamíferos, aves e plantas com
flores. A natureza terminou por consolidar ecossistemas renovados, complexos e
ricos em biodiversidade, deixando “a casa” pronta para receber a espécie
humana.
Não
importa, nem como, nem exatamente quando,
nem onde entrou em cena esse novo personagem. O fato é que cerca de 20
mil anos atrás, sua relação com o meio ambiente não foi muito diferente do que
qualquer outra espécie de mamífero omnívoro. Coletava frutas, raízes e
tubérculos. Caçava animais e aves e
pescava peixes. Abrigava-se em cavernas e abrigos e passava os dias no relento
onde o clima o permitia. Pode-se afirmar que a presença do homem aconteceu em
harmonia com a natureza, como as demais espécies que com ele compartilhavam o
mesmo habitat.
Sucede
que a espécie humana distingue-se de todas demais pela inteligência reflexa.
Munido com essa ferramenta foi inventando e fabricando instrumentos cada vez
mais eficientes para a obtenção de alimentos, construir abrigos e confeccionar
vestimentas. Ao mesmo tempo foi identificando plantas e animais, seus hábitos e
suas características. Observando os hábitos das muitas espécies de animais
aproximou-se daquelas que melhor lhe pareciam atender às necessidades da
subsistência. O resultado lógico ensinou
o coletor a plantar e o caçador a criar. Estavam assim postos os dois pilares
mestres para desencadear a “Revolução dos Alimentos”, na perspectiva de Darcy
Ribeiro, ou a “Primeira Traição à Natureza”, na visão de Edward Wilson. As duas
formas aparentemente antagônicas são válidas na avaliação daquela “revolução”
de dimensões planetárias, para o futuro da História da Humanidade e da História
Natural.
Sob
o prisma de uma “Revolução dos Alimentos” encontra-se nela a semente e o
embrião que resultariam nas culturas e civilizações até os nossos dias sobre
todo o planeta habitável. Esse progresso todo e essas conquistas todas foram cobrando
um preço cada vez mais alto ao meio
ambiente já que os recursos e matérias primas foram subtraídas a ele,
justificando a avaliação como “uma Traição à natureza”. Mas “enquanto o espaço
é suficiente e a densidade demográfica
pequena, não se tornam muito conscientes
tais sentimentos”. (Rambo, 1942, p. 338). O autor refere-se nessa passagem ao
impacto da ação do homem sobre a natureza de até 100 anos atrás. Foram
necessários 20 milênios para que a Revolução dos Alimentos revelasse a sua
face, embutida no potencial de progresso
e desenvolvimento humano que Wilson chamou de “primeira traição à natureza”.
Com o crescimento geométrico da humanidade invadindo o planeta até seu seus
confins mais remotos, a natureza foi pagando na mesma proporção um preço cada
vez mais alto, num espaço de tempo também cada vez mais curto. No decorrer dos últimos séculos essa dinâmica
assumiu as proporções cujos resultados
vão se somando numa velocidade geométrica. No começo discretamente, começaram a
piscar as luzes de alerta. Aos poucos, cá e lá, fizeram-se ouvir sirenes de
alerta. Hoje esses alarmes ecoam por todos os recantos do planeta. Vivemos a
situação “em que as necessidades brutais da vida forçam a interferir sempre
mais na expressão natural do ambiente, despertando a dor perante a destruição
de suas feições naturais, e o desejo de conservar, senão no conjunto ao menos
em alguns lugares nos traços mais característicos”. (Rambo, 1942, p. 338)
Passaram-se
75 anos desde que o Pe. Rambo escreveu essa observação na sua “Fisionomia” do
Rio Grande do Sul”. A agressão, a devastação e a degradação do meio ambiente
alcançou uma profundidade e extensão tal que Edward Wilson fala numa “segunda
traição” à natureza.
Agora com o resultado da
atividade, teve início um sexto período de extinção. Embora não causado pela
violência cósmica, seu potencial é suficiente para se tornar tão infernal como
os cataclismos anteriores. Segundo estimativas feitas em 2.004 por uma equipe de especialistas,
apenas a mudança climática, se não for contida, poderá ser a causa primária da
extinção de um quarto das espécies de plantas e animais terrestres nos meados
deste século. (Wilson, 2.008, p. 88)