Reflexões sugeridas pela Encíclica Laudato si - 35 -

Ao lado das armas atômicas a humanidade sofre cada vez mais com as armas químicas e bacteriológicas. Seu efeito devastador é menos espetacular, mais discreto, mais traiçoeiro e  com potencial de devastação no mínimo igual às armas atômicas.

Considerando o potencial global de destruição, torna-se inadiável chamar à razão aos líderes mundiais e seus associados, a celebrarem acordos ditados pelo direito universal que assiste aos povos e às pessoas individuais  de viverem num mundo, numa terra, num planeta, numa “casa” segura, confortável e bem servida. A Encíclica alerta para essa  questão.

É previsível que, perante o esgotamento de alguns recursos, se vá criando um cenário favorável para que novas guerras, disfarçadas sob nobres invocações. A guerra causa sempre danos graves ao meio ambiente e à riqueza cultural dos povos, e os riscos avolumam-se quando se pensa nas armas nucleares e nas armas biológicas. Com efeito, não obstante haver acordos  internacionais que proíbem a guerra química, bacteriológica ou biológica, subsiste o fato de nos laboratórios dos pesquisadores desenvolverem-se  novas armas ofensivas, capazes de alterar os equilíbrios naturais. Exige-se do político uma maior atenção para prevenir e resolver  as causas que podem dar  origem a novos conflitos. Entretanto, o poder, ligado às finanças, é que  maior resistência põe a tal esforço, e os próprios políticos carecem muitas vezes de amplitude de horizontes, para intervir quando seria urgente e necessário. (Laudato si, 57)

Nos últimos 400 milhões de anos aconteceram 5 cataclismos que afetaram o nosso planeta numa extensão e profundidade catastróficas. Todos foram causados por agentes naturais. Em todos eles o equilíbrio climático, a composição relativa da atmosfera, a temperatura e a composição dos oceanos, sofreram alterações que levaram à extinção de incontáveis espécies vivas  de animais e vegetais. Do que sobrou e sobreviveu a natureza, por assim dizer, quase que começou do zero, a reconstruir, por dezenas de milhões de anos, uma nova terra povoada com novas formas de vida. Lembramos, para ilustrar o quinto e último desses acontecimentos. O ocorreu há 60 milhões de anos e foi responsável pela extinção dos dinossauros e outras milhares de espécies de animais e vegetais. Um meteorito de tamanho fora do comum caiu perto da península de Yucatã  no México, depois de incendiar-se ao passar pela atmosfera. Seu impacto jogou na atmosfera incontáveis milhões de toneladas de pó. Por anos os raios do sol foram filtrados, o que alterou profundamente a temperatura e o regime de chuva. Tsunamis, altos como montanhas abateram-se sobre as faixas costeiras, arrasando tudo que veio pela frente. O abalo fez tremer a terra toda espalhando erupções vulcânicas por toda a superfície. A combinação dos efeitos causados pelo meteoro deixaram continentes, ilhas, mares e oceanos inabitáveis para uma enorme quantidade de espécies vivas. O episódio marcou o final da Era Mesozoica  e a extinção dos dinossauros.  Seguiram os 60 milhões de anos em que a biosfera atual se consolidou a partir do que sobrou depois do cataclismo causado pelo meteoro. Inaugurou-se   assim a era dos mamíferos, aves e plantas com flores. A natureza terminou por consolidar ecossistemas renovados, complexos e ricos em biodiversidade, deixando “a casa” pronta para receber a espécie humana.

Não importa, nem como, nem exatamente quando,  nem onde entrou em cena esse novo personagem. O fato é que cerca de 20 mil anos atrás, sua relação com o meio ambiente não foi muito diferente do que qualquer outra espécie de mamífero omnívoro. Coletava frutas, raízes e tubérculos. Caçava animais e  aves e pescava peixes. Abrigava-se em cavernas e abrigos e passava os dias no relento onde o clima o permitia. Pode-se afirmar que a presença do homem aconteceu em harmonia com a natureza, como as demais espécies que com ele compartilhavam o mesmo habitat.

Sucede que a espécie humana distingue-se de todas demais pela inteligência reflexa. Munido com essa ferramenta foi inventando e fabricando instrumentos cada vez mais eficientes para a obtenção de alimentos, construir abrigos e confeccionar vestimentas. Ao mesmo tempo foi identificando plantas e animais, seus hábitos e suas características. Observando os hábitos das muitas espécies de animais aproximou-se daquelas que melhor lhe pareciam atender às necessidades da subsistência. O resultado lógico  ensinou o coletor a plantar e o caçador a criar. Estavam assim postos os dois pilares mestres para desencadear a “Revolução dos Alimentos”, na perspectiva de Darcy Ribeiro, ou a “Primeira Traição à Natureza”, na visão de Edward Wilson. As duas formas aparentemente antagônicas são válidas na avaliação daquela “revolução” de dimensões planetárias, para o futuro da História da Humanidade e da História Natural.

Sob o prisma de uma “Revolução dos Alimentos” encontra-se nela a semente e o embrião que resultariam nas culturas e civilizações até os nossos dias sobre todo o planeta habitável. Esse progresso todo e essas conquistas todas foram cobrando um preço cada vez mais alto ao meio  ambiente já que os recursos e matérias primas foram subtraídas a ele, justificando a avaliação como “uma Traição à natureza”. Mas “enquanto o espaço é suficiente e  a densidade demográfica pequena, não se tornam  muito conscientes tais sentimentos”. (Rambo, 1942, p. 338). O autor refere-se nessa passagem ao impacto da ação do homem sobre a natureza de até 100 anos atrás. Foram necessários 20 milênios para que a Revolução dos Alimentos revelasse a sua face, embutida no potencial de  progresso e desenvolvimento humano que Wilson chamou de “primeira traição à natureza”. Com o crescimento geométrico da humanidade invadindo o planeta até seu seus confins mais remotos, a natureza foi pagando na mesma proporção um preço cada vez mais alto, num espaço de tempo também cada vez mais curto. No  decorrer dos últimos séculos essa dinâmica assumiu as proporções  cujos resultados vão se somando numa velocidade geométrica. No começo discretamente, começaram a piscar as luzes de alerta. Aos poucos, cá e lá, fizeram-se ouvir sirenes de alerta. Hoje esses alarmes ecoam por todos os recantos do planeta. Vivemos a situação “em que as necessidades brutais da vida forçam a interferir sempre mais na expressão natural do ambiente, despertando a dor perante a destruição de suas feições naturais, e o desejo de conservar, senão no conjunto ao menos em alguns lugares nos traços mais característicos”. (Rambo, 1942, p. 338)

Passaram-se 75 anos desde que o Pe. Rambo escreveu essa observação na sua “Fisionomia” do Rio Grande do Sul”. A agressão, a devastação e a degradação do meio ambiente alcançou uma profundidade e extensão tal que Edward Wilson fala numa “segunda traição” à natureza.

Agora com o resultado da atividade, teve início um sexto período de extinção. Embora não causado pela violência cósmica, seu potencial é suficiente para se tornar tão infernal como os cataclismos anteriores. Segundo estimativas feitas  em 2.004 por uma equipe de especialistas, apenas a mudança climática, se não for contida, poderá ser a causa primária da extinção de um quarto das espécies de plantas e animais terrestres nos meados deste século. (Wilson, 2.008, p. 88)


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