Reflexões sugeridas pela Encíclica Laudato si - 34 -

Fraqueza das reações

A preocupação com o meio ambiente e as ações para torná-las efetivas, tropeçam numa série de obstáculos que precisam ser removidos. Mais acima já nos ocupamos de alguns deles. Não custa relembrá-los. Nada feito, sem a consciência permanente da urgência na intervenção no ritmo de degradação ambiental a perpassar horizontal e verticalmente o quotidiano das pessoas e das organizações políticas, sociais, econômicas, religiosas e culturais. A humanidade como um todo precisa comprometer-se com essa cruzada. Para que haja resultados palpáveis o requisito chama-se educação ambiental. Que ela deva acontecer desde o mais cedo possível, já na infância e como pode ser consolidada, já foi objeto das nossas reflexões mais acima. Sem essa premissa qualquer cruzada para salvar “ nossa casa” estagna no nível dos interesses e intenções políticas, econômicas, de grupos e organizações, ou simplesmente a serviço de uma visão romântica e sem consistência da natureza.

O conhecimento correto do que seja a natureza é condição para o segundo pré-requisito para fundamentar políticas e ações eficazes para enfrentar o problema. Sem lideranças conscientes em todos os níveis de decisão, imbuídos de verdadeiro espírito ecológico, mais uma vez,  nada feito! A Encíclica traça o perfil dos líderes e a tarefa que lhes cabe cumprir.

O problema é que não dispomos ainda da cultura necessária para enfrentar essa crise e há necessidade de construção e lideranças que tracem caminhos, procurando dar respostas às necessidades das gerações atuais, todos incluídos, sem prejudicar as gerações futuras. Torna-se necessário criar um sistema normativo que inclua limites invioláveis e assegure a proteção dos ecossistemas, antes que as novas formas de poder derivadas do paradigma técnico econômico acabem por arrasá-los não só com a política, mas também com a liberdade e a justiça. (Laudato se, 53)

Não há dúvida de que temos em mãos  um autêntico “nó górdio” a ser desatado para que a questão ambiental seja encarada e tratada na perspectiva correta. Por correto entende-se em primeiro lugar, lidar com a natureza como “a casa” da humanidade, atribuindo ao conceito todos os significados, também já lembrados mais acima. Soma-se a isso o que também foi objeto de nossas reflexões. A natureza como “a casa” da humanidade como sendo um bem comum contempla todas as implicações desse conceito. Novamente, em decorrência dos dois pressupostos que acabamos de apontar, vem a somar-se o fator, também já insistentemente nomeado, complicando de vez o desatar do “nó” que é a questão ambiental. As motivações que inspiraram as iniciativas de abrangência  supra nacional em benefício da saúde  preservação do planeta nos últimos 30 anos, terminaram viciados e as propostas contaminadas mortalmente pelo velho e conhecido trinômio: geopolítica – economia – tecnologia.

Preocupa a fraqueza da preocupação política internacional. A submissão da política à tecnologia e à finança demonstra-se na falência das cimeiras mundiais sobre o meio ambiente. Há demasiados interesses  particulares e, com muita facilidade, o interesse econômico chega a prevalecer sobre o bem comum e manipular a informação para não sejam afetados os seus projetos. ( ... ) Deste modo, poder-se-á esperar apenas algumas proclamações superficiais, ações filantrópicas isoladas e ainda esforços por mostrar sensibilidade para com o meio ambiente, enquanto, na realidade, qualquer tentativa das organizações para alterar as coisas será vista como um distúrbio provocado por sonhadores românticos ou como um obstáculo a superar. (Laudato se, 54)

Em meio a esse quadro entende-se, evidentemente, que as iniciativas bem intencionadas, ainda são poucas, tímidas e insuficientes. Para que levem de fato a resultados animadores impõe-se superar hábitos de consumo profundamente enraizados, de desperdício e de descarte. A curto prazo as perspectivas chegam a ser desanimadoras. O volume de embalagens de plástico usadas nas compras em lojas e supermercados, chega a cifras astronômicas. O grosso desse material termina  em gigantescos lixões, na beira das estradas, nas ruas e praças. O resultados assustam.  A qualquer chuva um pouco mais forte os rios se transformam em caudais de lixo, além de poluídos até a morte pelos esgotos não tratados. Carregam esse material não biodegradável, o espalham nas margens por centenas de quilômetros, além de despejarem uma grande parte no oceano. O entupimento das tubulações que escoam a água das chuvas, causa situações de calamidade com cada pancada de chuva um pouco mais intensa. Para diminuir e, aos poucos, superar essa realidade pressupõe-se uma reorientação dos hábitos e costumes ao lidar com os rejeitos do consumo. Acontece que, pela própria natureza a educação, reeducação e mudanças de hábitos e costumes, requer prazos longos, incompatíveis com o imediatismo da atual civilização e a obsessão pelo consumo que dita as normas de proceder das pessoas no quotidiano. Os resultados econômicos e os lucros  imediatos, aliados ao consumismo sem freio formam o caldo tóxico que, se não for disciplinado, leva a natureza rumo ao colapso, a um beco sem saída e com ele põe em xeque o futuro da própria espécie humana.

No cenário é de tal gravidade que não há mais tempo a perder. A esperança está no fato de que, apesar dos pesares, percebe-se um crescente despertar, mesmo, ou principalmente, entre as pessoas comuns, que algo de consistente deve ser feito, e já. Resta-nos torcer para que essa consciência “contamine” as políticas e as ações das lideranças e forças que comandam a nossa civilização, enquanto ainda for tempo. Uma batalha de proporções planetárias precisa ser vencida pelas forças, ainda em situação de absoluta ide nferioridade em relação ao monstro que está a devorar os recursos da terra. Vamos torcer para que “Davi vença Golias”. Se essa guerra não for vencida caminhamos para um futuro que será uma incógnita que assusta. A Encíclica chama a atenção para essa realidade.

Entretanto, os poderes econômicos continuam a justificar o sistema mundial atual, onde predomina uma especulação e uma busca de receitas financeiras que tendem a ignorar todo o contexto e os efeitos  sobre a dignidade humana e sobre o meio ambiente. Assim se manifesta  como estão intimamente  ligados a degradação ambiental e a degradação humana e ética. Muitos dirão que não têm consciência de realizar ações imorais, porque a constante distração nos tira a coragem de advertir a realidade de um mundo limitado. Por isso, hoje, qualquer realidade que seja frágil, como o meio ambiente, fica indefesa face aos interesses do mercado divinizado, transformado em regra absoluta,. (Laudato si, 56.).

Um outro lado relacionado com a questão ambiental refere-se especificamente aos recursos e matérias primas indispensáveis para sustentar o atual modelo  civilizatório. No momento o petróleo continua sendo o  trunfo econômico-estratégico-político mais importante. O carvão que à sua época conferia importância e poder aos países donos de suas jazidas, ocupam um lugar bem à margem do petróleo. Países como a maioria do Oriente Médio, são desertos sujeitos à importação de praticamente  de tudo, até água potável, são vozes sempre ouvidas e acatadas  no cenário mundial, por serem donos de gigantescas reservas de petróleo. Por meio da OPEP sua organização de pressão, tem cacife para fazer tremer as bases da economia mundial, manipulando o preço do barril de petróleo. A elevação do preço na década de 1970 desestabilizou as economias dos países do mundo inteiro, dependentes da importação. O contrário também é verdadeiro. Uma baixa significativa da cotação do petróleo no mercado internacional, abala a estabilidade dos países que tem nesse recurso o maior peso na composição do Produto Interno Bruto. Quando então um modelo econômico desastrado se soma à desvalorização do petróleo, como no caso da Venezuela, não há como segurar o debacle.

Entre os efeitos num cenário desse molde criam-se  sérios problemas nas relações internacionais. O acesso aos combustíveis fósseis leva a alianças  entre grupos de países marginalizando outros. Em situações extremas lança-se mão de intervenções armadas que levam a situações de conflito permanente. Um exemplo típico é a situação do Oriente Médio. As consequências que se refletem sobre a estabilidade política e econômica, são efeitos colaterais que afetam profundamente o bem estar das populações envolvidas.

A extração do petróleo por meio de poços profundos e bombeado de lenções  subterrâneos é de baixa agressividade. O mesmo já não se pode afirmar quando extraído do xisto. As tecnologias utilizadas implicam numa interferência muito mais invasiva na região em que ocorre a extração. Preso na porosidade do xisto requer a injeção de grandes quantidades de água, arreia e produtos químicos. O processo vem acompanhado de enormes volumes de dejetos além do gás metano. Ambos agridem seriamente ao meio ambiente. O gás metano tem um efeito muito maior sobre o aquecimento global do que  emissão de gases por instalações industriais utilizando combustíveis fósseis ou a emissão dos motores dos veículos. Os demais dejetos precisam ser reciclados para evitar que causem danos ao meio ambiente.

Na mesma linha vai a extração de minérios com destaque para o ferro, cobre, alumínio, ouro e outros metais preciosos. Também nesse caso é preciso chamar a atenção para a mesma dupla de inconvenientes que acompanham a extração de petróleo. Em primeiro lugar, destaca-se a importância geopolítica-econômica-estratégica dos países donos de grandes jazidas. Sob esse prisma competem, até certo ponto, com  os donos da jazidas de petróleo e gás natural. Quando acontece que os dois recursos se concentram num único país, o poder de fogo aumenta sensivelmente. As sequelas políticas, econômicas e de modo especial, sociais e éticas vem a ser as mesmas  apontadas no petróleo e gás natural.

Em segundo lugar, o potencial de invasão e agressão física da mineração é muito maior. Quilômetros e mais quilômetros quadrados de montanhas são desfigurados. Lagos de lama  tóxica ameaçam permanentemente as populações a jusante desses reservatórios. A tragédia  de Mariana em Minas Gerais vem a ser um exemplo gritante, quando a ameaça e o perigo se convertem em realidade. A mineração do ouro feita com máquinas de grande porte e a utilização do mercúrio, transformam vales inteiros e encostas de montanha em paisagens fantasmas proibitivas ao homem. As agressões à natureza exigirão séculos e milênios para uma completa recuperação.

O mais preocupante no que toca  a agressão da natureza são as usinas nucleares. Não há dúvida de que a energia nuclear representa um poderoso potencial para contrabalançar a escassez de energia hidroelétrica e termoelétrica. Entretanto, não se pode subestimar o potencial de agressão ao meio ambiente. No caso das usinas nucleares é preciso apontar para dois riscos que não podem ser ignorados. O primeiro relaciona-se com o destino do lixo atômico, somado à fuga de radiações para o meio ambiente. A radioatividade do lixo atômico leva séculos e milênios para baixar a um nível aceitável. Isso significa que o seu acondicionamento tem que ser de tal molde que impeça a fuga das radiações para o meio ambiente. Só essas providências já exigem sofisticadas tecnologias de armazenamento e descarte em lugares seguros. Implica em conteiners que resistem por longos períodos expostos aos agentes de corrosão presentes em qualquer situação ambiental. O segundo risco relaciona-se com uma eventual danificação e em casos extremos explosão de reatores atômicos. Toda as precauções que possam ser tomadas não eliminam cem por cento esse risco. Os exemplos estão aí para comprová-lo. Os mais famosos ocorreram em países com tecnologias de ponta nesse particular: Three Miles Isand” nos Estados Unidos, Tchernobyl na Ucrânia e Fukushima na Japão. O mais catastrófico foi o de Tchernobyl, em 1985. Depois de três décadas da explosão de um dos reatores, uma enorme área em volta da usina permanece interditada. Cerca de 50.000  habitantes que tiveram que abandonar a hoje cidade fantasma de Pripyat em 36 horas sob pena de sofrerem danos irreversíveis à saúde. Até hoje vigora a exclusão de uma área de 15 quilômetros em torno da usina.

O acidente nuclear de Fukushima provocado por um terremoto seguido de um tsunami ainda hoje não foi inteiramente sanado. Uma faixa em volta da usina ainda está com o acesso  interditado. Não foram inteiramente dimensionados em extensão e profundidade os danos causados à vegetação, aos animais e ao homem nas imediações do acidente e a dezenas de quilômetros de distância.


Nesse contexto não se pode deixar de lembrar as armas atômicas. Além das grandes potências no período da guerra fria: Estados Unidos, União Soviética e França, hoje um dúzia de países dispõe de um arsenal de bombas nucleares além de outros tantos em via de possuí-las. Se por razões de natureza geopolítica, econômica, estratégica, ou qual quer outro motivo, chegarem a ser usadas, provocariam uma tragédia de proporções imprevisíveis. Numa retaliação mútua empregando apenas uma parte do arsenal nuclear armazenado nos diferentes países, não haveria vencedor, somente vencidos. De mais a mais, a natureza arrasada, a atmosfera saturada de radiações, os mananciais, os rios e oceanos contaminados, tornar-se-iam inabitáveis para inúmeras espécies de plantas, animais e, quem sabe, até para a espécie humana. Seriam necessários  milhões de anos para, a partir do que sobrou, restaurar de alguma forma a natureza.

This entry was posted on quarta-feira, 6 de dezembro de 2017. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. Responses are currently closed.