As
civilizações vivem e sobrevivem, prosperam ou fracassam na medida em que têm
acesso ou não aos recursos naturais. Sendo assim gera-se pela competição um
clima insalubre para a convivência humana. Instala-se inevitavelmente uma
corrida que, ressalvadas as devidas diferenças, degenera num autêntico “darwinismo social”. Nessa
competição, ”seleção” se preferirmos, geram-se inevitavelmente diferenças na
corrida pelo maior ou menor acesso aos recursos disponíveis. Não há necessidade
de insistir que essa concorrência foi uma das razões determinantes das
contendas e das guerras, desde que dispomos de dados históricos suficientes e
confiáveis. A expansão da humanidade pelos continentes e ilhas dos oceanos,
resume-se numa frenética corrida em busca de alimentos e matérias primas.
Enquanto a densidade populacional era baixa e a disponibilidade dos recursos
abundante, a situação manteve-se num nível relativamente confortável. A corrida
aos recursos naturais terminava em disputas ou guerras locais, no máximo
regionais. Mas no momento em que as conquistas tecnológicas foram globalizando
as civilizações do mundo inteiro, a competição pelos recursos naturais, assumiu
proporções planetárias. Há nessa
dinâmica um fator que não pode ser ignorado. A globalização tem como
motor o desenvolvimento e a popularização de ferramentas de produção e distribuição de recursos e
bens, tecnologias de comunicação, tecnologias voltadas para a saúde, educação e
segurança, cada vez mais padronizados, mais universalizados, dependentes de
fontes de energia limitadas. Como nada do que movimenta a nossa civilização
pode prescindir de energia, as fontes que a garantem, capitalizam, em última
análise, um potencial de competição, barganhas e conflitos incalculáveis.
De
um lado o nível do desenvolvimento tecnológico é um poderoso fator de bem
estar, do outro lado, porém, vem acompanhado de efeitos colaterais que fazem
pensar. A posse a oferta das grandes fontes de energia: petróleo, reservas
hídricas, energia atômica, garantem aos seus donos um poder político, econômico
e estratégico sem igual. E para não desviar do nosso foco, isto é, a preocupação pelo meio ambiente, os
controladores das fontes de energia e/ou tecnologias de ponta, ditam as regras
na exploração e distribuição dos recursos naturais. Sendo assim, é fácil
perceber o que acontece quando a serviço de objetivos políticos, econômicos ou
estratégicos. É fácil prever o que acontece quando governos e proprietários se
consideram os donos absolutos desses recursos. A utilização como instrumento de poder a exploração dos recursos
naturais levou a degradação e exaustão da natureza a um nível deplorável. A
essa realidade pouco otimista acrescenta-se o inconveniente de ser tratada como
propriedade particular e não como um bem comum, resultando num darwinismo
social feroz, por sinal mal entendido, que favorece os grandes interesses
globais e condena à marginalidade, à pobreza e à miséria povos inteiros e
contingentes importantes nos países em desenvolvimento. A Encíclica chama a
atenção a essa face da questão.
Gostaria de assinalar que muitas vezes falta uma consciência clara
dos problemas que afetam particularmente os excluídos. Estes são a maioria no
planeta, milhares e milhões de pessoas. Hoje são mencionados nos debates
políticos e econômicos internacionais, mas com frequência parece que seus
problemas são colocados como um apêndice, como uma questão que se acrescenta
quase por obrigação e perifericamente, quando não são considerados meros danos
colaterais. Com efeito na hora da implementação concreta permanecem
frequentemente no último lugar. ( ... ) Mas hoje não podemos deixar de
reconhecer que uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem
social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para
tanto ouvir o clamor da terra como o clamor dos pobres. (Laudato si, 49)
Depois
dessas observações a Encíclica comenta algumas soluções correntes pare enfrenta
o problema dos marginalizados no desfrute dos recursos naturais. A solução de
uns está na redução da natalidade. Simples assim? Não. Baixar
significativamente a natalidade nas
populações menos favorecidas e maiores vítimas dos descartes e rejeitos urbanos,
encontra consideráveis dificuldades. Entre elas merecem destaque. Em primeiro
lugar, o acesso à educação que costuma ser precária. As escolas quando existentes
costumam ser de baixo nível e deficientes, não por causa dos professores, mas
pelas circunstâncias em que funcionam. Crianças carentes, subnutridas e
portadoras de endemias, encontram na escola, se é que encontram, refeições de
alguma qualidade. Subnutridas e famintas como vão apender e assimilar num nível
decente a educação e formação. Acontece que privadas desses pré-requisitos não
dispõem das ferramentas mínimas para comprometer-se conscientemente com uma
cruzada de redução de natalidade. A
aceitação e o efetivo recurso a métodos
de contracepção eficazes e seguros, é antes de mais nada uma questão de
educação e formação do povo. Por isso a implantação de programas e
políticas efetivas de “saúde reprodutiva”
não é simples. De um lado supõem-se políticas sérias e honestas quando do
atendimento das demandas daquelas
populações. A efetivação das política depende de dotações orçamentárias
ou de outra procedência para que se
chegue aos resultados esperados.
A
Encíclica chama a atenção para uma falácia que subjaz em grande parte às
políticas que orientam a condução do
desafio da natalidade. Tão grave quanto o descontrole da natalidade é o modelo
de distribuição dos recursos, de modo especial os básicos necessários para uma
vida decente. Um modelo de distribuição mais sintonizado com as demandas
básicas das pessoas do que com o mercado, resolveria uma parcela importante da
satisfação das demandas básicas do bem estar de todos.
O crescimento demográfico é
plenamente compatível, com um desenvolvimento integral e solidário. Culpar o
incremento demográfico em vez do consumismo exacerbado e seletivo de alguns é
uma forma de não enfrentar o problema. Pretende-se assim legitimar o modelo
distributivo atual, no qual uma minoria se julga com o direito de consumir numa
proporção que seria impossível generalizar. (Laudato se, 5)
Em
resumo, pede-se menos importância para mercado e mais importância para a
solidariedade. Resumindo. Mercado sim, mas temperado pela solidariedade, ou, o
mercado a serviço do bem estar das pessoas, sejam quem forem. Como se pode
constatar, voltamos de novo ao que poderíamos chamar de “Leitmotif” da
Encíclica. O que de fato importa é o bem comum e o bem comum pede que qualquer
pessoa tenha acesso à quantidade e à qualidade mínima para prover com dignidade
a própria existência e a dos seus dependentes.
O
que acontece nos países em que as desigualdades são mais gritantes, como nos em
desenvolvimento, observa-se também entre os países subdesenvolvidos e de modo
especial dos do terceiro mundo. Falamos do desequilíbrio reinante entre a
qualidade de vida dos países desenvolvidos
no hemisfério norte e os subdesenvolvidos no hemisfério sul, com
destaque para a África. Nela os desequilíbrios sociais extrapola as dimensões domésticas para assumir
proporções internacionais. Os efeitos da
degradação passam de um desafio regional
para assumir dimensões internacionais. As nações do assim chamado terceiro
mundo alimentam o seu PIB normalmente com a agricultura, criação de animais e
matérias primas não manufaturadas. A agricultura praticada com métodos primitivos
costuma ser especialmente agressiva ao meio ambiente. A fertilidade natural dos
solos é limitada. O desconhecimento dos métodos de preservação e recuperação,
via orgânica e sem acesso a insumos industrializados, o avanço sobre sempre
novas fronteiras agrícolas tem como consequência uma degradação sem freio e em
ritmo geométrico. Além disso, não poucos desses países são exportadores de
minérios, petróleo metais e pedras preciosas, madeiras, etc. A extração dessas
matérias primas e recursos naturais em geral entregue a empresas multinacionais
sem compromisso com os países em que atuam, costumam proceder como autênticos
predadores. O que menos importa são as populações desses países. Os royalties obtidos
pela exportação de matérias primas e produtos oriundos da agropecuária,
costumam parar nas mãos de uma claque travestida de governantes, que se
apropria sistematicamente do grosso dos resultados. Para o desenvolvimento dos
países e o suprimento das necessidades mais elementares da população sobram, se
é que sobram, apenas migalhas. Perpetuam-se dessa forma práticas perversas que
levam à marginalização e à miséria milhões de pessoas, condenadas a viver num
ambiente de agressão sem freios à natureza. A Encíclica descreve essa sina do
mau uso da natureza e dos seus recursos.
A desigualdade não afeta os
indivíduos mas países inteiros e obriga a pensar numa ética das relações
internacionais. Com efeito há uma verdadeira “dívida ecológica”,
particularmente entre o Norte e o Sul, ligada a desequilíbrios comerciais com
consequências no âmbito ecológico com o
uso desproporcionado dos recursos naturais efetuado historicamente por alguns países. A exportação de
matérias-primas par satisfazer os mercados do Norte industrializado produziram
danos locais, como, por exemplo a
contaminação com mercúrio na extração minerária do ouro ou com dióxido
de enxofre na do cobre. (Laudato se, 51)
A
Encíclica chama a atenção ainda a uma série de
inconvenientes sérios que resultam da
atividade invasiva no meio ambiente. O acúmulo progressivo por décadas
de gases na atmosfera, devido aos combustíveis empregados na atividade
industrial. A atmosfera foi seriamente afetada interferindo no equilíbrio
climático, Os efeitos das perturbações climáticas se fazem presentes, por sua
vez, em regiões localizadas a milhares de quilômetros de distância dos focos
causadores. As emissões de gás carbônico liberado na atmosfera principalmente
nos centros industriais do hemisfério norte terminam difundidas pela atmosfera
de todo o planeta. Acentuam cumulativamente o efeito estufa, terminando por
interferir no regime das chuvas e nos ciclos das estiagens. Eventos catastróficos
anormais castigam de preferência regiões dependentes da agricultura de
subsistência e criação de animais domésticos. O efeito oposto, inundações
devastadoras transformam o quotidiano
das populações ribeirinhas num pesadelo permanente.
Ao
desequilíbrio climático vem somar-se outro inconveniente não menos perturbador.
Refiro-me ao risco que acompanha a circulação dos gigantescos volumes de
resíduos sólidos e líquidos que tem como endereço países em desenvolvimento.
Entre esses resíduos o “lixo” atômico
radioativo ocupa o topo da lista dos mais perigosos. Sua degradação e
assimilação pela natureza requer um longuíssimo prazo para reduzir a
radioatividade a um nível aceitável. Essa situação agrava-se ainda mais com
a mentalidade imediatista e irresponsável dos donos e responsáveis pela
atividade industrial geradora de subprodutos nocivos ao meio ambiente e,
consequentemente, à saúde. A Encíclica chama a atenção a esse tipo de problema.
Como constatamos
frequentemente que as empresas que assim procedem são multinacionais, que fazem
aqui o que não lhes é permitido em países desenvolvidos, ou do chamado primeiro
mundo. Geralmente quando cessam suas atividades e se retiram deixam danos
humanos e ambientais, como o desemprego, aldeias sem vida, deflorestamento,
empobrecimento da agricultura e pecuária local, crateras e colinas devastadas,
rios poluídos e qualquer obra social que já não se pode sustentar. (Laudato si,
51)