Reflexões sugeridas pela Encíclica Laudato si - 33 -

As civilizações vivem e sobrevivem, prosperam ou fracassam na medida em que têm acesso ou não aos recursos naturais. Sendo assim gera-se pela competição um clima insalubre para a convivência humana. Instala-se inevitavelmente uma corrida que, ressalvadas as devidas diferenças, degenera num  autêntico “darwinismo social”. Nessa competição, ”seleção” se preferirmos, geram-se inevitavelmente diferenças na corrida pelo maior ou menor acesso aos recursos disponíveis. Não há necessidade de insistir que essa concorrência foi uma das razões determinantes das contendas e das guerras, desde que dispomos de dados históricos suficientes e confiáveis. A expansão da humanidade pelos continentes e ilhas dos oceanos, resume-se numa frenética corrida em busca de alimentos e matérias primas. Enquanto a densidade populacional era baixa e a disponibilidade dos recursos abundante, a situação manteve-se num nível relativamente confortável. A corrida aos recursos naturais terminava em disputas ou guerras locais, no máximo regionais. Mas no momento em que as conquistas tecnológicas foram globalizando as civilizações do mundo inteiro, a competição pelos recursos naturais, assumiu proporções planetárias. Há nessa  dinâmica um fator que não pode ser ignorado. A globalização tem como motor o desenvolvimento e a popularização de ferramentas  de produção e distribuição de recursos e bens, tecnologias de comunicação, tecnologias voltadas para a saúde, educação e segurança, cada vez mais padronizados, mais universalizados, dependentes de fontes de energia limitadas. Como nada do que movimenta a nossa civilização pode prescindir de energia, as fontes que a garantem, capitalizam, em última análise, um potencial de competição, barganhas e conflitos incalculáveis.

De um lado o nível do desenvolvimento tecnológico é um poderoso fator de bem estar, do outro lado, porém, vem acompanhado de efeitos colaterais que fazem pensar. A posse a oferta das grandes fontes de energia: petróleo, reservas hídricas, energia atômica, garantem aos seus donos um poder político, econômico e estratégico sem igual. E para não desviar do nosso foco, isto é,  a preocupação pelo meio ambiente, os controladores das fontes de energia e/ou tecnologias de ponta, ditam as regras na exploração e distribuição dos recursos naturais. Sendo assim, é fácil perceber o que acontece quando a serviço de objetivos políticos, econômicos ou estratégicos. É fácil prever o que acontece quando governos e proprietários se consideram os donos absolutos desses recursos. A  utilização como  instrumento de poder a exploração dos recursos naturais levou a degradação e exaustão da natureza a um nível deplorável. A essa realidade pouco otimista acrescenta-se o inconveniente de ser tratada como propriedade particular e não como um bem comum, resultando num darwinismo social feroz, por sinal mal entendido, que favorece os grandes interesses globais e condena à marginalidade, à pobreza e à miséria povos inteiros e contingentes importantes nos países em desenvolvimento. A Encíclica chama a atenção a essa face da questão.

Gostaria de assinalar  que muitas vezes falta uma consciência clara dos problemas que afetam particularmente os excluídos. Estes são a maioria no planeta, milhares e milhões de pessoas. Hoje são mencionados nos debates políticos e econômicos internacionais, mas com frequência parece que seus problemas são colocados como um apêndice, como uma questão que se acrescenta quase por obrigação e perifericamente, quando não são considerados meros danos colaterais. Com efeito na hora da implementação concreta permanecem frequentemente no último lugar. ( ... ) Mas hoje não podemos deixar de reconhecer que uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para tanto ouvir o clamor da terra como o clamor dos pobres. (Laudato si, 49)

Depois dessas observações a Encíclica comenta algumas soluções correntes pare enfrenta o problema dos marginalizados no desfrute dos recursos naturais. A solução de uns está na redução da natalidade. Simples assim? Não. Baixar significativamente  a natalidade nas populações menos favorecidas e maiores vítimas dos descartes e rejeitos urbanos, encontra consideráveis dificuldades. Entre elas merecem destaque. Em primeiro lugar, o acesso à educação que costuma ser precária. As escolas quando existentes costumam ser de baixo nível e deficientes, não por causa dos professores, mas pelas circunstâncias em que funcionam. Crianças carentes, subnutridas e portadoras de endemias, encontram na escola, se é que encontram, refeições de alguma qualidade. Subnutridas e famintas como vão apender e assimilar num nível decente a educação e formação. Acontece que privadas desses pré-requisitos não dispõem das ferramentas mínimas para comprometer-se conscientemente com uma cruzada  de redução de natalidade. A aceitação  e o efetivo recurso a métodos de contracepção eficazes e seguros, é antes de mais nada uma questão de educação e formação do povo. Por isso a implantação de programas e políticas  efetivas de “saúde reprodutiva” não é simples. De um lado supõem-se políticas sérias e honestas quando do atendimento das demandas daquelas  populações. A efetivação das política depende de dotações orçamentárias ou de outra procedência para que se  chegue aos resultados esperados.

A Encíclica chama a atenção para uma falácia que subjaz em grande parte às políticas que orientam  a condução do desafio da natalidade. Tão grave quanto o descontrole da natalidade é o modelo de distribuição dos recursos, de modo especial os básicos necessários para uma vida decente. Um modelo de distribuição mais sintonizado com as demandas básicas das pessoas do que com o mercado, resolveria uma parcela importante da satisfação das demandas básicas do bem estar de todos.

O crescimento demográfico é plenamente compatível, com um desenvolvimento integral e solidário. Culpar o incremento demográfico em vez do consumismo exacerbado e seletivo de alguns é uma forma de não enfrentar o problema. Pretende-se assim legitimar o modelo distributivo atual, no qual uma minoria se julga com o direito de consumir numa proporção que seria impossível generalizar. (Laudato se, 5)

Em resumo, pede-se menos importância para mercado e mais importância para a solidariedade. Resumindo. Mercado sim, mas temperado pela solidariedade, ou, o mercado a serviço do bem estar das pessoas, sejam quem forem. Como se pode constatar, voltamos de novo ao que poderíamos chamar de “Leitmotif” da Encíclica. O que de fato importa é o bem comum e o bem comum pede que qualquer pessoa tenha acesso à quantidade e à qualidade mínima para prover com dignidade a própria existência e a dos seus dependentes.

O que acontece nos países em que as desigualdades são mais gritantes, como nos em desenvolvimento, observa-se também entre os países subdesenvolvidos e de modo especial dos do terceiro mundo. Falamos do desequilíbrio reinante entre a qualidade de vida dos países desenvolvidos  no hemisfério norte e os subdesenvolvidos no hemisfério sul, com destaque para a África. Nela os desequilíbrios sociais extrapola  as dimensões domésticas para assumir proporções  internacionais. Os efeitos da degradação  passam de um desafio regional para assumir dimensões internacionais. As nações do assim chamado terceiro mundo alimentam o seu PIB normalmente com a agricultura, criação de animais e matérias primas não manufaturadas. A agricultura praticada com métodos primitivos costuma ser especialmente agressiva ao meio ambiente. A fertilidade natural dos solos é limitada. O desconhecimento dos métodos de preservação e recuperação, via orgânica e sem acesso a insumos industrializados, o avanço sobre sempre novas fronteiras agrícolas tem como consequência uma degradação sem freio e em ritmo geométrico. Além disso, não poucos desses países são exportadores de minérios, petróleo metais e pedras preciosas, madeiras, etc. A extração dessas matérias primas e recursos naturais em geral entregue a empresas multinacionais sem compromisso com os países em que atuam, costumam proceder como autênticos predadores. O que menos importa são as populações desses países. Os royalties obtidos pela exportação de matérias primas e produtos oriundos da agropecuária, costumam parar nas mãos de uma claque travestida de governantes, que se apropria sistematicamente do grosso dos resultados. Para o desenvolvimento dos países e o suprimento das necessidades mais elementares da população sobram, se é que sobram, apenas migalhas. Perpetuam-se dessa forma práticas perversas que levam à marginalização e à miséria milhões de pessoas, condenadas a viver num ambiente de agressão sem freios à natureza. A Encíclica descreve essa sina do mau uso da natureza e dos seus recursos.

A desigualdade não afeta os indivíduos mas países inteiros e obriga a pensar numa ética das relações internacionais. Com efeito há uma verdadeira “dívida ecológica”, particularmente entre o Norte e o Sul, ligada a desequilíbrios comerciais com consequências  no âmbito ecológico com o uso desproporcionado dos recursos naturais efetuado historicamente  por alguns países. A exportação de matérias-primas par satisfazer os mercados do Norte industrializado produziram danos locais, como, por exemplo a  contaminação com mercúrio na extração minerária do ouro ou com dióxido de enxofre na do cobre. (Laudato se, 51)

A Encíclica chama a atenção ainda a uma série de  inconvenientes sérios que resultam da   atividade invasiva no meio ambiente. O acúmulo progressivo por décadas de gases na atmosfera, devido aos combustíveis empregados na atividade industrial. A atmosfera foi seriamente afetada interferindo no equilíbrio climático, Os efeitos das perturbações climáticas se fazem presentes, por sua vez, em regiões localizadas a milhares de quilômetros de distância dos focos causadores. As emissões de gás carbônico liberado na atmosfera principalmente nos centros industriais do hemisfério norte terminam difundidas pela atmosfera de todo o planeta. Acentuam cumulativamente o efeito estufa, terminando por interferir no regime das chuvas e nos ciclos das estiagens. Eventos catastróficos anormais castigam de preferência regiões dependentes da agricultura de subsistência e criação de animais domésticos. O efeito oposto, inundações devastadoras  transformam o quotidiano das populações ribeirinhas num pesadelo permanente.

Ao desequilíbrio climático vem somar-se outro inconveniente não menos perturbador. Refiro-me ao risco que acompanha a circulação dos gigantescos volumes de resíduos sólidos e líquidos que tem como endereço países em desenvolvimento. Entre esses resíduos  o “lixo” atômico radioativo ocupa o topo da lista dos mais perigosos. Sua degradação e assimilação pela natureza requer um longuíssimo prazo para reduzir a radioatividade a um nível aceitável. Essa situação agrava-se  ainda mais com  a mentalidade imediatista e irresponsável dos donos e responsáveis pela atividade industrial geradora de subprodutos nocivos ao meio ambiente e, consequentemente, à saúde. A Encíclica chama a atenção a esse tipo de problema.

Como constatamos frequentemente que as empresas que assim procedem são multinacionais, que fazem aqui o que não lhes é permitido em países desenvolvidos, ou do chamado primeiro mundo. Geralmente quando cessam suas atividades e se retiram deixam danos humanos e ambientais, como o desemprego, aldeias sem vida, deflorestamento, empobrecimento da agricultura e pecuária local, crateras e colinas devastadas, rios poluídos e qualquer obra social que já não se pode sustentar. (Laudato si, 51)

E, para concluir a reflexão sobre os riscos e inconvenientes e sérios problemas sociais conexos, o Papa adverte. “E preciso revigorar a consciência de que somos uma única família humana. Não há fronteiras políticas ou sociais que permitam isolar-nos e, por isso mesmo, também não há espaço para a globalização da indiferença”. (Laudato se, 52)

This entry was posted on segunda-feira, 4 de dezembro de 2017. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. Responses are currently closed.