Fraqueza das reações
A
preocupação com o meio ambiente e as ações para torná-las efetivas, tropeçam
numa série de obstáculos que precisam ser removidos. Mais acima já nos ocupamos
de alguns deles. Não custa relembrá-los. Nada feito, sem a consciência
permanente da urgência na intervenção no ritmo de degradação ambiental a
perpassar horizontal e verticalmente o quotidiano das pessoas e das
organizações políticas, sociais, econômicas, religiosas e culturais. A
humanidade como um todo precisa comprometer-se com essa cruzada. Para que haja
resultados palpáveis o requisito chama-se educação ambiental. Que ela deva
acontecer desde o mais cedo possível, já na infância e como pode ser
consolidada, já foi objeto das nossas reflexões mais acima. Sem essa premissa
qualquer cruzada para salvar “ nossa casa” estagna no nível dos interesses e
intenções políticas, econômicas, de grupos e organizações, ou simplesmente a
serviço de uma visão romântica e sem consistência da natureza.
O
conhecimento correto do que seja a natureza é condição para o segundo
pré-requisito para fundamentar políticas e ações eficazes para enfrentar o
problema. Sem lideranças conscientes em todos os níveis de decisão, imbuídos de
verdadeiro espírito ecológico, mais uma vez,
nada feito! A Encíclica traça o perfil dos líderes e a tarefa que lhes
cabe cumprir.
O problema é que não
dispomos ainda da cultura necessária para enfrentar essa crise e há necessidade
de construção e lideranças que tracem caminhos, procurando dar respostas às
necessidades das gerações atuais, todos incluídos, sem prejudicar as gerações
futuras. Torna-se necessário criar um sistema normativo que inclua limites
invioláveis e assegure a proteção dos ecossistemas, antes que as novas formas
de poder derivadas do paradigma técnico econômico acabem por arrasá-los não só
com a política, mas também com a liberdade e a justiça. (Laudato se, 53)
Não
há dúvida de que temos em mãos um
autêntico “nó górdio” a ser desatado para que a questão ambiental seja encarada
e tratada na perspectiva correta. Por correto entende-se em primeiro lugar,
lidar com a natureza como “a casa” da humanidade, atribuindo ao conceito todos
os significados, também já lembrados mais acima. Soma-se a isso o que também
foi objeto de nossas reflexões. A natureza como “a casa” da humanidade como
sendo um bem comum contempla todas as implicações desse conceito. Novamente, em
decorrência dos dois pressupostos que acabamos de apontar, vem a somar-se o
fator, também já insistentemente nomeado, complicando de vez o desatar do “nó”
que é a questão ambiental. As motivações que inspiraram as iniciativas de
abrangência supra nacional em benefício
da saúde preservação do planeta nos
últimos 30 anos, terminaram viciados e as propostas contaminadas mortalmente
pelo velho e conhecido trinômio: geopolítica – economia – tecnologia.
Preocupa a fraqueza da
preocupação política internacional. A submissão da política à tecnologia e à
finança demonstra-se na falência das cimeiras mundiais sobre o meio ambiente.
Há demasiados interesses particulares e,
com muita facilidade, o interesse econômico chega a prevalecer sobre o bem
comum e manipular a informação para não sejam afetados os seus projetos. ( ...
) Deste modo, poder-se-á esperar apenas algumas proclamações superficiais,
ações filantrópicas isoladas e ainda esforços por mostrar sensibilidade para
com o meio ambiente, enquanto, na realidade, qualquer tentativa das
organizações para alterar as coisas será vista como um distúrbio provocado por
sonhadores românticos ou como um obstáculo a superar. (Laudato se, 54)
Em
meio a esse quadro entende-se, evidentemente, que as iniciativas bem
intencionadas, ainda são poucas, tímidas e insuficientes. Para que levem de
fato a resultados animadores impõe-se superar hábitos de consumo profundamente
enraizados, de desperdício e de descarte. A curto prazo as perspectivas chegam
a ser desanimadoras. O volume de embalagens de plástico usadas nas compras em
lojas e supermercados, chega a cifras astronômicas. O grosso desse material
termina em gigantescos lixões, na beira
das estradas, nas ruas e praças. O resultados assustam. A qualquer chuva um pouco mais forte os rios
se transformam em caudais de lixo, além de poluídos até a morte pelos esgotos
não tratados. Carregam esse material não biodegradável, o espalham nas margens
por centenas de quilômetros, além de despejarem uma grande parte no oceano. O
entupimento das tubulações que escoam a água das chuvas, causa situações de
calamidade com cada pancada de chuva um pouco mais intensa. Para diminuir e,
aos poucos, superar essa realidade pressupõe-se uma reorientação dos hábitos e
costumes ao lidar com os rejeitos do consumo. Acontece que, pela própria natureza
a educação, reeducação e mudanças de hábitos e costumes, requer prazos longos,
incompatíveis com o imediatismo da atual civilização e a obsessão pelo consumo
que dita as normas de proceder das pessoas no quotidiano. Os resultados econômicos
e os lucros imediatos, aliados ao
consumismo sem freio formam o caldo tóxico que, se não for disciplinado, leva a
natureza rumo ao colapso, a um beco sem saída e com ele põe em xeque o futuro
da própria espécie humana.
No
cenário é de tal gravidade que não há mais tempo a perder. A esperança está no
fato de que, apesar dos pesares, percebe-se um crescente despertar, mesmo, ou
principalmente, entre as pessoas comuns, que algo de consistente deve ser
feito, e já. Resta-nos torcer para que essa consciência “contamine” as
políticas e as ações das lideranças e forças que comandam a nossa civilização,
enquanto ainda for tempo. Uma batalha de proporções planetárias precisa ser
vencida pelas forças, ainda em situação de absoluta ide nferioridade em relação
ao monstro que está a devorar os recursos da terra. Vamos torcer para que “Davi
vença Golias”. Se essa guerra não for vencida caminhamos para um futuro que
será uma incógnita que assusta. A Encíclica chama a atenção para essa
realidade.
Entretanto, os poderes
econômicos continuam a justificar o sistema mundial atual, onde predomina uma
especulação e uma busca de receitas financeiras que tendem a ignorar todo o
contexto e os efeitos sobre a dignidade
humana e sobre o meio ambiente. Assim se manifesta como estão intimamente ligados a degradação ambiental e a degradação
humana e ética. Muitos dirão que não têm consciência de realizar ações imorais,
porque a constante distração nos tira a coragem de advertir a realidade de um
mundo limitado. Por isso, hoje, qualquer realidade que seja frágil, como o meio
ambiente, fica indefesa face aos interesses do mercado divinizado, transformado
em regra absoluta,. (Laudato si, 56.).
Um
outro lado relacionado com a questão ambiental refere-se especificamente aos
recursos e matérias primas indispensáveis para sustentar o atual modelo civilizatório. No momento o petróleo continua
sendo o trunfo
econômico-estratégico-político mais importante. O carvão que à sua época
conferia importância e poder aos países donos de suas jazidas, ocupam um lugar
bem à margem do petróleo. Países como a maioria do Oriente Médio, são desertos
sujeitos à importação de praticamente de
tudo, até água potável, são vozes sempre ouvidas e acatadas no cenário mundial, por serem donos de
gigantescas reservas de petróleo. Por meio da OPEP sua organização de pressão,
tem cacife para fazer tremer as bases da economia mundial, manipulando o preço
do barril de petróleo. A elevação do preço na década de 1970 desestabilizou as
economias dos países do mundo inteiro, dependentes da importação. O contrário
também é verdadeiro. Uma baixa significativa da cotação do petróleo no mercado
internacional, abala a estabilidade dos países que tem nesse recurso o maior
peso na composição do Produto Interno Bruto. Quando então um modelo econômico
desastrado se soma à desvalorização do petróleo, como no caso da Venezuela, não
há como segurar o debacle.
Entre
os efeitos num cenário desse molde criam-se
sérios problemas nas relações internacionais. O acesso aos combustíveis
fósseis leva a alianças entre grupos de
países marginalizando outros. Em situações extremas lança-se mão de
intervenções armadas que levam a situações de conflito permanente. Um exemplo
típico é a situação do Oriente Médio. As consequências que se refletem sobre a
estabilidade política e econômica, são efeitos colaterais que afetam
profundamente o bem estar das populações envolvidas.
A
extração do petróleo por meio de poços profundos e bombeado de lenções subterrâneos é de baixa agressividade. O mesmo
já não se pode afirmar quando extraído do xisto. As tecnologias utilizadas
implicam numa interferência muito mais invasiva na região em que ocorre a
extração. Preso na porosidade do xisto requer a injeção de grandes quantidades
de água, arreia e produtos químicos. O processo vem acompanhado de enormes
volumes de dejetos além do gás metano. Ambos agridem seriamente ao meio
ambiente. O gás metano tem um efeito muito maior sobre o aquecimento global do
que emissão de gases por instalações industriais
utilizando combustíveis fósseis ou a emissão dos motores dos veículos. Os
demais dejetos precisam ser reciclados para evitar que causem danos ao meio
ambiente.
Na
mesma linha vai a extração de minérios com destaque para o ferro, cobre,
alumínio, ouro e outros metais preciosos. Também nesse caso é preciso chamar a
atenção para a mesma dupla de inconvenientes que acompanham a extração de
petróleo. Em primeiro lugar, destaca-se a importância
geopolítica-econômica-estratégica dos países donos de grandes jazidas. Sob esse
prisma competem, até certo ponto, com os
donos da jazidas de petróleo e gás natural. Quando acontece que os dois
recursos se concentram num único país, o poder de fogo aumenta sensivelmente. As
sequelas políticas, econômicas e de modo especial, sociais e éticas vem a ser
as mesmas apontadas no petróleo e gás
natural.
Em
segundo lugar, o potencial de invasão e agressão física da mineração é muito
maior. Quilômetros e mais quilômetros quadrados de montanhas são desfigurados.
Lagos de lama tóxica ameaçam
permanentemente as populações a jusante desses reservatórios. A tragédia de Mariana em Minas Gerais vem a ser um
exemplo gritante, quando a ameaça e o perigo se convertem em realidade. A
mineração do ouro feita com máquinas de grande porte e a utilização do
mercúrio, transformam vales inteiros e encostas de montanha em paisagens
fantasmas proibitivas ao homem. As agressões à natureza exigirão séculos e
milênios para uma completa recuperação.
O
mais preocupante no que toca a agressão
da natureza são as usinas nucleares. Não há dúvida de que a energia nuclear
representa um poderoso potencial para contrabalançar a escassez de energia
hidroelétrica e termoelétrica. Entretanto, não se pode subestimar o potencial
de agressão ao meio ambiente. No caso das usinas nucleares é preciso apontar
para dois riscos que não podem ser ignorados. O primeiro relaciona-se com o
destino do lixo atômico, somado à fuga de radiações para o meio ambiente. A
radioatividade do lixo atômico leva séculos e milênios para baixar a um nível
aceitável. Isso significa que o seu acondicionamento tem que ser de tal molde
que impeça a fuga das radiações para o meio ambiente. Só essas providências já exigem
sofisticadas tecnologias de armazenamento e descarte em lugares seguros.
Implica em conteiners que resistem por longos períodos expostos aos agentes de
corrosão presentes em qualquer situação ambiental. O segundo risco relaciona-se
com uma eventual danificação e em casos extremos explosão de reatores atômicos.
Toda as precauções que possam ser tomadas não eliminam cem por cento esse
risco. Os exemplos estão aí para comprová-lo. Os mais famosos ocorreram em
países com tecnologias de ponta nesse particular: Three Miles Isand” nos
Estados Unidos, Tchernobyl na Ucrânia e Fukushima na Japão. O mais catastrófico
foi o de Tchernobyl, em 1985. Depois de três décadas da explosão de um dos
reatores, uma enorme área em volta da usina permanece interditada. Cerca de
50.000 habitantes que tiveram que
abandonar a hoje cidade fantasma de Pripyat em 36 horas sob pena de sofrerem
danos irreversíveis à saúde. Até hoje vigora a exclusão de uma área de 15
quilômetros em torno da usina.
O
acidente nuclear de Fukushima provocado por um terremoto seguido de um tsunami
ainda hoje não foi inteiramente sanado. Uma faixa em volta da usina ainda está
com o acesso interditado. Não foram
inteiramente dimensionados em extensão e profundidade os danos causados à
vegetação, aos animais e ao homem nas imediações do acidente e a dezenas de
quilômetros de distância.
Nesse
contexto não se pode deixar de lembrar as armas atômicas. Além das grandes potências
no período da guerra fria: Estados Unidos, União Soviética e França, hoje um
dúzia de países dispõe de um arsenal de bombas nucleares além de outros tantos
em via de possuí-las. Se por razões de natureza geopolítica, econômica,
estratégica, ou qual quer outro motivo, chegarem a ser usadas, provocariam uma
tragédia de proporções imprevisíveis. Numa retaliação mútua empregando apenas
uma parte do arsenal nuclear armazenado nos diferentes países, não haveria
vencedor, somente vencidos. De mais a mais, a natureza arrasada, a atmosfera saturada
de radiações, os mananciais, os rios e oceanos contaminados, tornar-se-iam
inabitáveis para inúmeras espécies de plantas, animais e, quem sabe, até para a
espécie humana. Seriam necessários milhões de anos para, a partir do que sobrou,
restaurar de alguma forma a natureza.