Degradação da qualidade de
vida
degradação social
As
reflexões do Papa voltam-se agora para a repercussão da degradação ambiental
sobre a qualidade de vida do homem como ser social, ser cultural, um ser com
demandas existenciais que vão além das biológicas. A íntima relação entre corpo
e espírito faz com que os dois se estimulem ou desestimulem mutuamente. A vida num ambiente degradado impede uma vida
social, cultura e espiritual plena. “Tendo em conta que o ser humano também é
uma criatura deste mundo, que tem direito a viver feliz, além disso, possui uma
dignidade especial, não podemos deixar de considerar os efeitos da degradação
ambiental, do modelo atual do desenvolvimento e cultura do descarte sobre a
vida das pessoas”. (Laudato se, 43).
O
cuidado com o meio ambiente não é uma questão que se esgota em si mesma, isto é,
preservando o que sobreviveu da agressão e recuperando o que foi danificado. É
preciso não esquecer a destinação última, a própria razão de ser dessa cruzada.
Relembramos que a Encíclica do Papa define a Natureza como “a nossa casa”, “a
casa da humanidade”, a “morada do homem”. Esse recurso conceitual é de uma
profundidade, dum alcance de dimensões planetárias. Começa por aí que o “morar
numa casa” significa pertencer a uma família. A casa não tem comparação com um
abrigo ou um alojamento compartilhado por pessoas que mal se conhecem ou de
fato estranhas. Não é um lugar que apenas atende à necessidade de um abrigo, um
lugar seguro para descansar, bater um papo sem compromisso, ou a ocasião para começar uma amizade.
Vista
nessa perspectiva a questão ambiental assume a sua dimensão mais preocupante. Enquanto
a degradação da natureza é avaliada sob o prisma dos seus efeitos
paisagísticos, econômicos, políticos estratégicos ou outros, a questão implica
em decisões, ações e recursos em cada um desses níveis. Mas no momento em que a
natureza é vista, avaliada e pesada como “a nossa casa”, “a casa do vizinho”,
“a casa da humanidade”, “a casa das gerações futuras”, na qual a espécie humana
irá prosperar ou sucumbir, entramos no terreno da ética, ou se preferirmos, no terreno da moral. Valorizada
ou não nessa perspectiva ela será “uma casa” que oferece todos os requisitos
para prover as necessidades existenciais
de das pessoas ou impedir-lhe o acesso a um mínimo de dignidade. Não se trata
do simples bem estar material como a alimentação, o abrigo, a proteção,
perspectivas para a perpetuação da espécie e/ou a prosperidade. O homem tem
demandas que vão muito além desse plano. Além de uma mera espécie biológica,
ele é um ser social, movido por
sentimentos, emoções e paixões, desafiado a dar respostas às indagações
que envolvem o verdadeiramente humano: “Donde viemos, porque estamos aqui e par
onde vamos”. As respostas só são viáveis
na sua plenitude se “a casa” em que moramos oferecer condições mínimas de
espaço, conforto, salubridade, recursos materiais, tranquilidade e demais
requisitos que tornam “uma casa” habitável, quando a casa é “Heim-Lar” e
oferece um “zu Hause - um estar em casa”, como reza a tradição alemã. E afirmamos que não é um privilégio senão um
direito natural de qualquer pessoa. Ainda na linha do metafórico. Não queremos
insinuar que todas as “casas” sejam exatamente iguais em nível de conforto para
preencherem os requisitos de moradias humanas e não casinhas de João de Barro, ninhos
de sabiá ou tico-tico. Seria postular o nivelamento em algum patamar
aritmeticamente dimensionado. O homem e suas sociedades e culturas são plurais na sua maneira de ser, nas sua
formas e manifestações. É a pluralidade na unidade. Significa que qualquer ser
humano tem demandas comuns com os demais, como já apontamos mais de uma vez no
decorrer destas reflexões. Mas o que também já ficou claro que as necessidades
que são comuns a todos – “a unidade” – são supridas de muitas maneiras
diferentes, pela “pluralidade”. A
pluralidade encontra suas explicação na índole peculiar de cada pessoa
individual, no nível de instrução e formação, nas oportunidades, no tipo de
cultura e civilização em que vive. Sendo assim, a pluralidade das formas de ser
dos indivíduos, das culturas e sociedades têm na própria unidade da espécie
humana, que é una pela sua natureza, mas plural na sua forma de manifestar-se
em circunstâncias concretas. Por essa razão o nivelamento linear, seja em que
nível for, não passa de uma utopia, por sua vez irrealizável pela sua própria
natureza. Esses fato pode ser observado no quotidiano das pessoas, famílias e
sociedades. Pessoas há que por índole, educação ou por qualquer outro motivo,
ou pela combinação de todos, contentam-se
com pouco e com o pouco sentem-se felizes e realizados. São os
despojados de bens materiais e em compensação podem ser ricos em bens
espirituais. Uma casinha aconchegante, uma família bem constituída, uma mesa
farta sem sofisticação, um fogão para se aquecer, um ambiente de harmonia,
compreensão e respeito, é o que basta. Outros são mais exigentes. Só se sentem felizes, realizados e satisfeitos numa
casa ampla, bem projetada, construída com materiais de primeira classe, num
local especial, um carro do ano, uma gorda poupança no banco, uma mesa apurada,
bebidas selecionadas, relações com um nível social mais sofisticado. E, há-os
também que nunca estão satisfeitos. Apartamentos de 300 metros quadrados,
mansões de 500, mobília sob medida, traje de grife internacional, carro de luxo
importado, milhões em investimentos e sempre em busca de mais. Ninguém está
autorizado a condenar ninguém contanto que a origem dos
bens seja legítima. A pluralidade das
manifestações é da própria essência da unidade da natureza humana.
O
problema se põe quando a pluralidade degenera
em exclusão ou marginalização, o que dá
no mesmo. Talvez o maior fator de exclusão consiste exatamente na negação aos
recursos oferecidos pela natureza e indispensáveis para atender “o humano” no
homem. É nesse plano que a questão ambiental assume as proporções de um desafio
ético. Na Encíclica Laudo si, o Papa Francisco lembra com ênfase essa face do
problema.
O ambiente humano e o
ambiente natural degrada-se em conjunto; e não podemos enfrentar adequadamente
a degradação ambiental, se não prestarmos atenção às causas que têm a ver com a
degradação humana e social. De facto a deterioração do meio ambiente e a da
sociedade afetam de modo especial aas populações mais frágeis do planeta. Tanto a experiência
comum da vida quotidiana como a investigação científica demonstram que os
efeitos mais graves de todas as agressões ambientais recaem sobre as pessoas
mais pobres. (Laudato se, p. 48)
Volto
a insistir que a avaliação da natureza e todo o tipo de políticas e ações com a
finalidade de coibir a agressão a ela, ou à sua proteção deveriam visar o bem
estar das pessoas. Nunca se insiste demais: a natureza é um bem comum; um bem
comum porque dela vêm os recursos dos quais depende o bem estar do homem ou o
condenam a uma existência precária; um bem comum, portanto, ao qual a que
qualquer ser humano tem o direito de ter acesso. As demais motivações, sejam
elas políticas, econômicas, estratégicas, ou de qualquer outra natureza, são
legítimas quando, em última análise, forem determinadas pelo respeito ao bem comum.
A negação dessa condição constitui-se numa das
raízes determinantes da
desigualdade sociais.