Reflexões sugeridas pela Encíclica Laudato si - 32 -

Degradação da qualidade de vida
degradação social

As reflexões do Papa voltam-se agora para a repercussão da degradação ambiental sobre a qualidade de vida do homem como ser social, ser cultural, um ser com demandas existenciais que vão além das biológicas. A íntima relação entre corpo e espírito faz com que os dois se estimulem ou desestimulem mutuamente.  A vida num ambiente degradado impede uma vida social, cultura e espiritual plena. “Tendo em conta que o ser humano também é uma criatura deste mundo, que tem direito a viver feliz, além disso, possui uma dignidade especial, não podemos deixar de considerar os efeitos da degradação ambiental, do modelo atual do desenvolvimento e cultura do descarte sobre a vida das pessoas”. (Laudato se, 43).

O cuidado com o meio ambiente não é uma questão que se esgota em si mesma, isto é, preservando o que sobreviveu da agressão e recuperando o que foi danificado. É preciso não esquecer a destinação última, a própria razão de ser dessa cruzada. Relembramos que a Encíclica do Papa define a Natureza como “a nossa casa”, “a casa da humanidade”, a “morada do homem”. Esse recurso conceitual é de uma profundidade, dum alcance de dimensões planetárias. Começa por aí que o “morar numa casa” significa pertencer a uma família. A casa não tem comparação com um abrigo ou um alojamento compartilhado por pessoas que mal se conhecem ou de fato estranhas. Não é um lugar que apenas atende à necessidade de um abrigo, um lugar seguro para descansar, bater um papo sem compromisso, ou a ocasião  para começar uma amizade.

Vista nessa perspectiva a questão ambiental assume a sua dimensão mais preocupante. Enquanto a degradação da natureza é avaliada sob o prisma dos seus efeitos paisagísticos, econômicos, políticos estratégicos ou outros, a questão implica em decisões, ações e recursos em cada um desses níveis. Mas no momento em que a natureza é vista, avaliada e pesada como “a nossa casa”, “a casa do vizinho”, “a casa da humanidade”, “a casa das gerações futuras”, na qual a espécie humana irá prosperar ou sucumbir, entramos no terreno da ética, ou se  preferirmos, no terreno da moral. Valorizada ou não nessa perspectiva ela será “uma casa” que oferece todos os requisitos para prover  as necessidades existenciais de das pessoas ou impedir-lhe o acesso a um mínimo de dignidade. Não se trata do simples bem estar material como a alimentação, o abrigo, a proteção, perspectivas para a perpetuação da espécie e/ou a prosperidade. O homem tem demandas que vão muito além desse plano. Além de uma mera espécie biológica, ele é um ser social, movido por  sentimentos, emoções e paixões, desafiado a dar respostas às indagações que envolvem o verdadeiramente humano: “Donde viemos, porque estamos aqui e par onde vamos”. As respostas  só são viáveis na sua plenitude se “a casa” em que moramos oferecer condições mínimas de espaço, conforto, salubridade, recursos materiais, tranquilidade e demais requisitos que tornam “uma casa” habitável, quando a casa é “Heim-Lar” e oferece um “zu Hause - um estar em casa”, como reza a tradição alemã.  E afirmamos que não é um privilégio senão um direito natural de qualquer pessoa. Ainda na linha do metafórico. Não queremos insinuar que todas as “casas” sejam exatamente iguais em nível de conforto para preencherem os requisitos de moradias humanas e não casinhas de João de Barro, ninhos de sabiá ou tico-tico. Seria postular o nivelamento em algum patamar aritmeticamente dimensionado. O homem e suas sociedades e culturas  são plurais na sua maneira de ser, nas sua formas e manifestações. É a pluralidade na unidade. Significa que qualquer ser humano tem demandas comuns com os demais, como já apontamos mais de uma vez no decorrer destas reflexões. Mas o que também já ficou claro que as necessidades que são comuns a todos – “a unidade” – são supridas de muitas maneiras diferentes, pela  “pluralidade”. A pluralidade encontra suas explicação na índole peculiar de cada pessoa individual, no nível de instrução e formação, nas oportunidades, no tipo de cultura e civilização em que vive. Sendo assim, a pluralidade das formas de ser dos indivíduos, das culturas e sociedades têm na própria unidade da espécie humana, que é una pela sua natureza, mas plural na sua forma de manifestar-se em circunstâncias concretas. Por essa razão o nivelamento linear, seja em que nível for, não passa de uma utopia, por sua vez irrealizável pela sua própria natureza. Esses fato pode ser observado no quotidiano das pessoas, famílias e sociedades. Pessoas há que por índole, educação ou por qualquer outro motivo, ou pela combinação de todos, contentam-se  com pouco e com o pouco sentem-se felizes e realizados. São os despojados de bens materiais e em compensação podem ser ricos em bens espirituais. Uma casinha aconchegante, uma família bem constituída, uma mesa farta sem sofisticação, um fogão para se aquecer, um ambiente de harmonia, compreensão e respeito, é o que basta. Outros são mais exigentes. Só se  sentem felizes, realizados e satisfeitos numa casa ampla, bem projetada, construída com materiais de primeira classe, num local especial, um carro do ano, uma gorda poupança no banco, uma mesa apurada, bebidas selecionadas, relações com um nível social mais sofisticado. E, há-os também que nunca estão satisfeitos. Apartamentos de 300 metros quadrados, mansões de 500, mobília sob medida, traje de grife internacional, carro de luxo importado, milhões em investimentos e sempre em busca de mais. Ninguém está autorizado a condenar ninguém contanto que a  origem  dos bens seja  legítima. A pluralidade das manifestações é da própria essência da unidade da natureza humana.

O problema se põe quando a pluralidade  degenera em exclusão  ou marginalização, o que dá no mesmo. Talvez o maior fator de exclusão consiste exatamente na negação aos recursos oferecidos pela natureza e indispensáveis para atender “o humano” no homem. É nesse plano que a questão ambiental assume as proporções de um desafio ético. Na Encíclica Laudo si, o Papa Francisco lembra com ênfase essa face do problema.

O ambiente humano e o ambiente natural degrada-se em conjunto; e não podemos enfrentar adequadamente a degradação ambiental, se não prestarmos atenção às causas que têm a ver com a degradação humana e social. De facto a deterioração do meio ambiente e a da sociedade afetam de modo especial aas populações  mais frágeis do planeta. Tanto a experiência comum da vida quotidiana como a investigação científica demonstram que os efeitos mais graves de todas as agressões ambientais recaem sobre as pessoas mais pobres. (Laudato se, p. 48)


Volto a insistir que a avaliação da natureza e todo o tipo de políticas e ações com a finalidade de coibir a agressão a ela, ou à sua proteção deveriam visar o bem estar das pessoas. Nunca se insiste demais: a natureza é um bem comum; um bem comum porque dela vêm os recursos dos quais depende o bem estar do homem ou o condenam a uma existência precária; um bem comum, portanto, ao qual a que qualquer ser humano tem o direito de ter acesso. As demais motivações, sejam elas políticas, econômicas, estratégicas, ou de qualquer outra natureza, são legítimas quando, em última análise, forem determinadas pelo respeito ao bem comum. A negação dessa condição constitui-se numa das  raízes  determinantes da desigualdade sociais.

This entry was posted on quarta-feira, 29 de novembro de 2017. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. Responses are currently closed.