Da
mesma forma como os ecossistemas terrestres estão em risco de sofrer danos
irreversíveis, também os ecossistemas marinhos e oceânicos estão perigosamente
ameaçados. Estudos feitos para medir o nível de agressão aos mares e oceanos
mostram que sua vulnerabilidade atingiu um nível preocupante. A porção que
corre maiores riscos são as faixas costeiras. As 200 milhas ou 370 quilômetros,
consideradas como águas territoriais dos respectivos países, são riquíssimas em
biodiversidade e também as mais intensamente utilizadas na exploradas pela
atividade humana. As cidades e metrópoles com seus dejetos, a atividade
portuária e a navegação costeira afetam seriamente essas faixas. Embora cubram
apenas 0,5% da superfície dos mares e oceanos abrigam uma concentração e
variação de biodiversidade sem igual. A
pesca comercial com redes de arrasto, a exploração do calcário dos recifes de
coral, os dejetos das cidades e dos navios, são seus maiores algozes. Para mais
detalhes remeto para os comentários feitos mais acima. Nem pela sua imensidão o
alto mar escapa às crescentes agressões. Além da caça às baleias não há uma
regulamentação internacional que
disciplina a exploração nessas águas. Wilson sugere que se delimitem 20% a 30%
dos oceanos par servirem de reservas estrategicamente localizadas, à maneira
dos “hot spots” terrestres. Segundo suas estimativas a preservação dessas áreas
marinhas importaria em 5 a 19 bilhões de dólares por ano. Essa soma poderia ser
facilmente arrecadada com a redução dos
subsídios concedidos à indústria pesqueira, que somam de 15 a 30 bilhões de
dólares ao ano. Wilson concluiu o
capítulo intitulado “Fim d Jogo”.
A vida neste planeta não
aguenta mais tantas pilhagens. Sem falar no imperativo moral universal de
salvar a Criação, com base tanto na religião como na ciência, conservar a
biodiversidade é o melhor negócio, do ponto de vista econômico, que a
humanidade encontrou pela frente desde a invenção da agricultura. O tempo de agir, meu distinto
amigo, é agora. Os fundamentos científicos são sólidos, e estão melhorando. Os
que hoje vivem na terra têm que vencer a corrida conta a extinção, ou então
serão derrotados - e derrotados para sempre. Eles conquistarão
honrarias eternas, ou o desprezo eterno. (Wilson, 2.008, p. 115)
Há
mais de 80 anos passados, quando Edward Wilson era um menino e começava a se
apaixonar pela natureza, o Pe. Balduino
Rambo escreveu “A Fisionomia do Rio Grande do Sul”, sua obra mais conhecida,
na qual deixou registrada a sua
percepção sobre a exploração da natureza pelo homem, seus limites, concluindo
com propostas cientificamente
fundamentadas para preservar o que ainda subsistia e reparar os danos já
causados. A questão ambiental que hoje faz parte das preocupações de qualquer
cidadão minimamente atento aos acontecimentos em sua volta, naquela época,
final da década de 1930 e começos de
1940, não constava nas agendas dos encontros em que se discutiam as grandes
questões regionais, nacionais e internacionais. A abertura de novas fronteiras
de colonização avançava sobre o norte e noroeste do Rio Grande do Sul e
centro-oeste de Santa Catarina. Intactos estavam os grandes complexos de
florestas do oeste do Paraná. Na imaginação das pessoas comuns do sul do
Brasil, o Matogrosso localizava-se na
lua. Aliás, na época o Pe. Rambo escreveu um conto com o sugestivo título: Três
Semanas na Lua”, tendo como pano de
fundo as primeiras iniciativas de colonização no Matogrosso, pela
Transportadora Meyer, nas margens do Xingú, em meados da década de 1950. Nos
campos da Fronteira e nos campos de Cima da Serra, a presença do homem e sua
interferência no meio ambiente limitava-se às sedes das estâncias e rebanhos de
gado multiplicando-se e engordando nas pastagens naturais. Os Aparados da Serra
exibiam ainda seu encanto e grandiosidade original, com seus Canyons, arroios
de montanha cristalinos, suas cascatas e, principalmente as florestas cobrindo
a borda dos precipícios, descendo pelas encostas até a planície perto do
oceano. E lá no alto milhões de araucárias seculares, copa encostando em copa,
formavam um imenso guarda-sol, dez ou mais metros acima do mato branco. Com a
posição típica dos seus galhos erguidos, parendo em atitude de perene oração.
No verão de 1938 o Pe. Rambo sobrevoou o Estado todo, percorrendo 60.000 quilômetros,
em missão encomendada pelo Serviço Geográfico do Exército. Na medida em que as
paisagens que compõem a “Fisionomia do Rio Grande do Sul” deslizavam, a menos e
1000 metros de altura, sob as asas do
pequeno monomotor “Master Brasília”, do 3º Regimento de Aviadores, da base
aérea de Canoas, consolidou-se uma relação existencial de admiração, respeito,
amor e veneração, entre ele e as paisagens que admirava lá do alto. Daí para
frente assumiu o compromisso de, na medida do possível, dar a sua contribuição
como botânico, professor universitário e diretor do Museu de História Natural
do Estado, em favor da preservação possível e na recuperação do já danificado,
para o bem público, o lazer e o recreio do povo e a higiene ambiental. As
iniciativas concretas que propôs na “Fisionomia do Rio Grande do Sul”, foram: a
proteção a monumentos naturais -- a
proteção a espécies botânicas e zoológicas em perigo - a
harmonização das obras humanas com o meio ambiente - a
criação de parques naturais. A ideia da criação de parques transformou-se para
ele numa quase obsessão, que foi amadurecendo,
consolidando-se e tomando contornos definidos a partir de uma
permanência de um mês em Cambará no verão de 1948 e depois da sua visita aos
grandes parques norte-americanos em 1956. Ao mesmo tempo, nas seguidas
visitas ao planalto de preferência nas
imediações de Cambará com seu ícone, o canyon do Taimbésinho, o Pe. Rambo
decidiu que ele deveria ser o epicentro
do ambicioso projeto do parque dos Aparados da Serra. Aquela paisagem da qual
afirmava “se tenho uma pátria na terra esta encontra-se no planalto na sombra
dos pinheirais”, deveria ser o promissor começo de outras tantas iniciativas de
proteção à natureza. Até o final a década de 1950 e setembro de 1961, quando
faleceu repentinamente com apenas 56 anos de idade, empenhou-se, além do parque
dos Aparados da Serra, na criação da Fundação Zoobotânica e o Zoológico de
Sapucaia do Sul. A ideia-força e o esboço das ações em favor da preservação e
recuperação do meio ambiente, encontram-se na “Fisionomia do Rio Grande do
Sul”.
Acontece
que, apesar desse vendaval devorador de florestas ou, talvez, por isso mesmo,
começaram fazer-se ouvir as primeiras vozes de alerta. Na sua obra clássica “A
Fisionomia do Rio Grande do Sul”, publicada em 1942, o Pe. Balduino Rambo,
amparado pelo conhecimento dos ecossistemas de que dispunha do Rio Grande do
Sul, dedicou o último capítulo a sugestões, propostas e estratégias de
preservação.
As
conclusões a que chegou no final da “Fisionomia”, apontam para algumas questões
que merecem destaque. Na primeira metade do século XX densidade populacional no sul do Brasil
parecia ter uma saída, um desafogo ilimitado com novas aberturas de fronteiras
de colonização no norte e noroeste de Rio Grande do Sul, centro oeste da Santa
Catarina, oeste do Paraná e mais para o norte no Matogrosso, Rondônia e Acre.
Neste contexto histórico as preocupações
com os cuidados com o meio ambiente não faziam parte do quotidiano das pessoas
comuns, nem do governo. Pelo contrário. A ordem soava “vamos às colônias
novas”, consolidá-las e incorporá-las ao desenvolvimento regional e nacional.
Mesmo assim, já no final do século XIX fizeram-se ouvir os primeiros alertas
contra o ritmo e a extensão do desmatamento na bacia do Caí, como já foi objeto
de reflexão em outro momento dessas páginas
Mas
voltemos à Encíclica do Papa Francisco que nos serve de guia nessas reflexões.
Ela chama a atenção para o fato de que a natureza significa muito mais do que
sustento e abrigo material para a humanidade.
A natureza em que a vida acontece e da qual a espécie humana faz parte, é um
gigantesco sistema formado pela
complementariedade do substrato físico-geográfico e os seres vivos que nele
prosperam. As espécies vivas, por sua vez são interdependentes e o seu destino
depende dessa mutualidade. As milhões de espécies de micro e nano-organismos
são responsáveis pela qualidade dos solos sobre os quais prospera a macrofauna
e macro-flora. Neste cenário agrupam-se, moldadas pelas singularidades topográficas,
climáticas, edafológicas, hídricas e outras mais, os ecossistemas locais e
regionais. À sua maneira, a espécie humana
depende, para a vida e a morte, dos ecossistemas em que vive. Como
qualquer outra, surgiu em algum deles, não importa em qual nem quando e evoluiu
como espécie biológica como as demais. Como tal, sua prosperidade ou sua ruina
está existencialmente vinculada ao meio físico-geográfico em que vive. A lógica
leva a concluir que os recursos necessários para viver e subsistir são um bem comum.
Como tal qualquer pessoa tem o direito natural ao acesso deles. A privação,
pelo motivo que for implica num delito ético. É por essa razão que insistimos
mais acima na necessidade urgente da preservação da natureza, da natureza como um todo e de cada
ecossistema em particular.
Acontece
que para a espécie humana diferente de todas as demais, o meio físico
geográfico além de sustentar a vida
biológica tem uma vida espiritual para alimentar. Falamos dos estímulos que a
natureza oferece permitindo que o verdadeiramente humano, a “Menschlicheit”, tenha como se manifestar na sua plenitude. O conceito de espiritual aqui empregado
refere-se a tudo que distingue o homem das outras espécies de animais. Mais nas
entrelinhas do que propriamente nas linhas, o Papa chama a atenção para essa
face da medalha em que o meio ambiente está em questão.
Nota-se hoje, por exemplo,
o crescimento desmedido e descontrolado
de muitas cidades que se tornaram pouco saudáveis para viver, devido não
só à poluição proveniente de emissões tóxicas, mas também com o caos urbano. (
... ) Não é conveniente para os habitantes deste planeta viverem cada vez mais
submersos no cimento, asfalto, vidro e metais, privados do contato físico com a
natureza. (Laudato si, 44)
Ao
falar em contato físico com a natureza a imaginação começa a voar solta pelos
cenários naturais mais diversos. Bem lá no fundo dos recessos mais escondidos
do ser, desperta a nostalgia atávica de alimentar as emoções naquilo que a
multiplicidade dos panoramas da natureza são capazes de oferecer. A
artificialidade em que a maioria das pessoas consome o quotidiano, esteriliza
as emoções, degrada as relações e corrompe o humano no homem. Por isso o
retorno o mundo natural, pelo menos ocasionalmente é de fundamental importância
para evitar o colapso daquilo que as pessoas têm de mais humano. A serena
contemplação de uma paisagem, de uma araucária solitária, de uma flor, de um
borboleta, desperta nas pessoas sensíveis, momentos de gozo e reflexão. São
exatamente as dádivas da natureza que fazem vir à tona o que homem tem de
exclusivo e o distingue das outras espécies: o humano, a “Menschlichkeit”. Em
outras palavras. Perceber a natureza
como um todo em todos os seus detalhes como uma maravilhosa obra de arte. A
natureza é um caleidoscópio multicromático e multifacético, no qual a arte se
expressa na sua multiplicidade e
na sua plenitude. E a
plenitude da arte é o Belo.