Reflexões sugeridas pela Encíclica Laudato si - 25 -

Num dos seus famosos contos, intitulado “Drei Jahre auf dem Mars  -  Três anos em Marte”, escrito por volta de 1958, o Pe. Rambo, faz uma análise crítica sutil ao valor exagerado atribuído às conquistas da moderna tecnologia. O cenário vem a ser o planeta Marte. As histórias de discos voadores, viajantes cósmicos  procedentes de Marte, o primeiro voo espacial do astronauta russo Gagarin, povoavam o imaginário  até das pessoas mais comuns. Valendo-se desse imaginário o Pe. Rambo montou o cenário para apresentar sua antevisão ao que seria um mundo inteiramente entregue ao comando da tecnologia e a total artificialidade dela  resultante. Resumindo a história. Um disco voador buscou o Pe. Rambo numa das suas coletas de plantas nas redondezas de Cambará. Levou-o até Marte para lecionar Biologia e Filosofia Natural na universidade central do planeta. Toda a população concentrava-se numa gigantesca metrópole.  Nela tudo era artificial e sintético, desde os materiais de construção, passando pelos alimentos, lazer, transportes, enfim, tudo. O povo passava os dias na mais absoluta artificialidade. Tinha perdido a noção dos valores mais elementares como: sociabilidade, solidariedade, compromisso mútuo, sem falar dos valores superiores: éticos, morais, religiosos. O humano no homem, a “Menschlichkeit” fora arquivado nos museus da história. Enfim, a barbárie digital ditava as regras.

Os laboratórios que aperfeiçoavam, sofisticavam e acirravam cada vez mais essa civilização que se distanciava a passos largos dos conhecimentos que tinham relação com o humano no homem  e com o espírito e o espiritual, concentravam-se na universidade central de Marte. Nela agitava-se um atividade frenética para desenvolver tecnologias novas e assim dar conta das demandas cada vez mais exigentes. Mas uma preocupação angustiava as pessoas comuns e os responsáveis pela metrópole. A aposta irrestrita na tecnologia, prescindindo de um lastro mínimo de conhecimentos gerais, estava levando a civilização de Marte a um beco sem saída. Uma interrogação incômoda e sem resposta no âmago da ciência e da tecnologia começava a atormentar as mentes. E, se esgotadas todas as potencialidades da ciência e da tecnologia, para onde apelar? A conclusão foi  que a saída para o impasse deveria ser procurada nos “ultrapassados” conhecimentos gerais, na filosofia, nas humanidades e nas artes. Só assim seria possível colocar tudo nos seus devidos lugares. Havia urgência em devolver o devido valor às ciências do espírito na hierarquia do saber e do agir. Como em Marte já não havia sábios em condições de ministrar esses conteúdos, foram buscar um no distante e estranho planeta terra.

Esse conto soa como uma antevisão profética dos riscos numa aposta que pela tecnologia o homem é capaz de resolver tudo. Palpites e propostas de solução não faltam. Entre elas há-as que não passam do improvável, outras estagnam no nível da ficção científica. Destacamos algumas.

Uma corrente de cientistas e ecologistas propõe o congelamento de óvulos fecundados do maior número possível de espécies. Paralela a ela corre uma outra proposta que vê na guarda dos códigos genéticos para no momento oportuno produzir organismos vivos e com eles  repovoar a terra. Essas soluções defrontam-se de saída com um obstáculo insuperável. É tecnicamente impossível coletar e congelar óvulos fecundados de um número mínimo suficiente  para reconstruir uma cadeia alimentar e recriar, por assim dizer, um ecossistema ou ecossistemas minimamente calibrados. A mesma conclusão vale para a sugestão de reunir um estoque mínimo de genomas e a partir dele montar em laboratório matrizes para repovoar a terra. As duas propostas esbarram num outro  empecilho, também incontornável pelas  soluções que  apresentam. De que forma pretendem repovoar os solos com as milhões de espécies de micro-organismos que formam a plataforma  sobre a qual as macro-espécies prosperam? Wilson responde às duas soluções.

Ainda que a biodiversidade ameaçada na Terra, em toda a sua imensidão, pudesse ser reanimada e reproduzir-se em populações à espera de um retorno àquilo que, no século XXII será considerado a “Natureza”, a reconstrução, por essa forma, de populações independentes e viáveis está fora do nosso alcance. Os biólogos não tem menor ideia de como construir um ecossistema autônomo complexo a partir do zero. Quando por fim compreenderem, é possível que descubram que as condições do planeta, já totalmente humanizado tornam impossível tal reconstrução. (Wilson, 2.008, p. 107).

Sobra ainda uma outra sugestão, dentre todas a mais inverossímil. Deixemos correr livre a invasão e a agressão à ”nossa casa”, enquanto a humanidade despreocupada caminha para uma terra cada vez mais devastada. Há-os que apostam numa saída, via vida artificial em laboratório. Sonham com um mundo povoado por robôs no lugar de espécies vivas. Seria tempo perdido fantasiar com a possibilidade de uma façanha dessas e pesar os prós e os contras. Wilson fustiga essa alternativa, como sendo “uma profanação, corrupção e abominação”. (Wilson, 2.008, p. 107)

Deixando de lado as soluções mais ou menos absurdas que acabamos de mencionar, chegou o momento de responder a duas perguntas. Ainda há tempo e condições de salvar a vida na terra?; Qual o caminho a seguir?. A resposta para a primeira é sim! É indiscutível que as agressões à natureza chegaram a um nível preocupante. Não poucas espécies já foram extintas e por isso irremediavelmente perdidas. Outras tantas estão seriamente ameaçadas. A grande maioria dos ecossistemas foi degradado ao ponto de sua recuperação não passar de uma incógnita. “A humanidade está estrangulada num gargalo”. (Wilson, 2.008, p. 108). É urgente passar por esse gargalo. Não há como estacionar neste nível, muito menos voltar para trás. É  preciso fazer algo e sem perder tempo. Soluções tópicas não resolvem o problema. São necessárias políticas e ações globais para que a passagem pelo gargalo seja a mais rápida e menos traumática possível. Os métodos e meios estão disponíveis e já foram e estão sendo testados em pequenos e grandes projetos pelo mundo afora. São ainda tímidos e insuficientes para salvar espécies em extinção ou recuperar ecossistemas inteiros. Aperfeiçoados e postos à serviço de ações globais são capazes de levar a médio prazo – 20, 30 ou 40 anos – a resultados surpreendentes. Remeto como exemplo à recuperação do Parque Nacional das Ilhas do arquipélago do porto de Boston” e a reposição natural das florestas nos vales médios e superiores dos rios que formam a bacia do Guaíba.

De outra parte e de alguma forma já foi firmado o compromisso entre os governos de países desenvolvidos, em desenvolvimento e subdesenvolvidos para enfrentar o grande desafio. Em 1992 aconteceu no Rio de Janeiro a primeira grande “Convenção da Biodiversidade”, a “ECO 92”. O documento final contendo as conclusões foi assinado por 188 países. Lamentavelmente os Estados Unidos negaram a assinatura, assim como Andorra, Brunei, Somália, Iraque, Timor Leste e Vaticano. Numa outra reunião em Johannesburgo foi  elaborado documento no qual os signatários assumiram o compromisso de diminuir a perda da biodiversidade. A ONU, porém, sem a participação dos Estados Unidos, modificou sua Constituição com a finalidade de possibilitar a proteção ao meio ambiente. A “Cúpula do Clima” reunida em Paris em dezembro de 2.015 teve a mesma finalidade, dessa vez com a chancela dos Estados Unidos. (mais cf. Wilson, 2.008, p. 107ss).


Os próximos 50 anos serão decisivos na salvação ou perda da maior parte da biodiversidade. Como se percebe, não há tempo a perder. Os conhecimentos de que hoje dispomos sobre a biogeografia da vida deixam claro que esse “Armagedom  pode ser rapidamente  vencido ou perdido”. (Wilson, 2.008, p. 109). Essa afirmação tem como base os conhecimentos de que hoje dispomos sobre as características e a distribuição da biodiversidade nos espaços geográficos. As evidências mostram que a distribuição da biodiversidade não é homogênea dos diversos espaços geográficos. É mais rica nuns e mais pobre em outros. Os ecossistemas que abrigam uma biodiversidade muito alta e uma complexidade mais acentuada são denominados de “hot spots” –“pontos  quentes”. Esses “pontos quentes” guardam as biodiversidades na sua forma original. Não resta dúvida de que a maioria, senão todos, sofreram alguma invasão por parte do homem. Espécies foram extintas e outras tantas danificadas. Apesar disso, preservam ainda a sua natureza essencial de ecossistemas, embora empobrecidos, para servirem de pontos de irradiação, ampliação e multiplicação desses “pontos”. Eles representam, sem dúvida, a melhor referência para formular políticas e desenvolver ações e estratégias para “salvar a vida na terra”.

This entry was posted on segunda-feira, 6 de novembro de 2017. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. Responses are currently closed.