Reflexões sugeridas pela Encíclica Laudato si - 27 -

Da mesma forma como os ecossistemas terrestres estão em risco de sofrer danos irreversíveis, também os ecossistemas marinhos e oceânicos estão perigosamente ameaçados. Estudos feitos para medir o nível de agressão aos mares e oceanos mostram que sua vulnerabilidade atingiu um nível preocupante. A porção que corre maiores riscos são as faixas costeiras. As 200 milhas ou 370 quilômetros, consideradas como águas territoriais dos respectivos países, são riquíssimas em biodiversidade e também as mais intensamente utilizadas na exploradas pela atividade humana. As cidades e metrópoles com seus dejetos, a atividade portuária e a navegação costeira afetam seriamente essas faixas. Embora cubram apenas 0,5% da superfície dos mares e oceanos abrigam uma concentração e variação  de biodiversidade sem igual. A pesca comercial com redes de arrasto, a exploração do calcário dos recifes de coral, os dejetos das cidades e dos navios, são seus maiores algozes. Para mais detalhes remeto para os comentários feitos mais acima. Nem pela sua imensidão o alto mar escapa às crescentes agressões. Além da caça às baleias não há uma regulamentação internacional  que disciplina a exploração nessas águas. Wilson sugere que se delimitem 20% a 30% dos oceanos par servirem de reservas estrategicamente localizadas, à maneira dos “hot spots” terrestres. Segundo suas estimativas a preservação dessas áreas marinhas importaria em 5 a 19 bilhões de dólares por ano. Essa soma poderia ser facilmente arrecadada com a  redução dos subsídios concedidos à indústria pesqueira, que somam de 15 a 30 bilhões de dólares ao ano. Wilson concluiu  o capítulo intitulado “Fim d Jogo”.

A vida neste planeta não aguenta mais tantas pilhagens. Sem falar no imperativo moral universal de salvar a Criação, com base tanto na religião como na ciência, conservar a biodiversidade é o melhor negócio, do ponto de vista econômico, que a humanidade encontrou pela frente desde a invenção da  agricultura. O tempo de agir, meu distinto amigo, é agora. Os fundamentos científicos são sólidos, e estão melhorando. Os que hoje vivem na terra têm que vencer a corrida conta a extinção, ou então serão derrotados  -  e derrotados para sempre. Eles conquistarão honrarias eternas, ou o desprezo eterno. (Wilson, 2.008, p. 115)

Há mais de 80 anos passados, quando Edward Wilson era um menino e começava a se apaixonar pela natureza,  o Pe. Balduino Rambo escreveu “A Fisionomia do Rio Grande do Sul”, sua obra mais conhecida, na  qual deixou registrada a sua percepção sobre a exploração da natureza pelo homem, seus limites, concluindo com propostas cientificamente  fundamentadas para preservar o que ainda subsistia e reparar os danos já causados. A questão ambiental que hoje faz parte das preocupações de qualquer cidadão minimamente atento aos acontecimentos em sua volta, naquela época, final da década de 1930  e começos de 1940, não constava nas agendas dos encontros em que se discutiam as grandes questões regionais, nacionais e internacionais. A abertura de novas fronteiras de colonização avançava sobre o norte e noroeste do Rio Grande do Sul e centro-oeste de Santa Catarina. Intactos estavam os grandes complexos de florestas do oeste do Paraná. Na imaginação das pessoas comuns do sul do Brasil, o  Matogrosso localizava-se na lua. Aliás, na época o Pe. Rambo escreveu um conto com o sugestivo título: Três Semanas na Lua”,  tendo como pano de fundo as primeiras iniciativas de colonização no Matogrosso, pela Transportadora Meyer, nas margens do Xingú, em meados da década de 1950. Nos campos da Fronteira e nos campos de Cima da Serra, a presença do homem e sua interferência no meio ambiente limitava-se às sedes das estâncias e rebanhos de gado multiplicando-se e engordando nas pastagens naturais. Os Aparados da Serra exibiam ainda seu encanto e grandiosidade original, com seus Canyons, arroios de montanha cristalinos, suas cascatas e, principalmente as florestas cobrindo a borda dos precipícios, descendo pelas encostas até a planície perto do oceano. E lá no alto milhões de araucárias seculares, copa encostando em copa, formavam um imenso guarda-sol, dez ou mais metros acima do mato branco. Com a posição típica dos seus galhos erguidos, parendo em atitude de perene oração. No verão de 1938 o Pe. Rambo sobrevoou o Estado todo, percorrendo 60.000 quilômetros, em missão encomendada pelo Serviço Geográfico do Exército. Na medida em que as paisagens que compõem a “Fisionomia do Rio Grande do Sul” deslizavam, a menos e 1000 metros de altura, sob as asas  do pequeno monomotor “Master Brasília”, do 3º Regimento de Aviadores, da base aérea de Canoas, consolidou-se uma relação existencial de admiração, respeito, amor e veneração, entre ele e as paisagens que admirava lá do alto. Daí para frente assumiu o compromisso de, na medida do possível, dar a sua contribuição como botânico, professor universitário e diretor do Museu de História Natural do Estado, em favor da preservação possível e na recuperação do já danificado, para o bem público, o lazer e o recreio do povo e a higiene ambiental. As iniciativas concretas que propôs na “Fisionomia do Rio Grande do Sul”, foram: a proteção a monumentos naturais  -- a proteção a espécies botânicas e zoológicas em perigo  -  a harmonização das obras humanas com o meio ambiente  -  a criação de parques naturais. A ideia da criação de parques transformou-se para ele numa quase obsessão, que foi amadurecendo,  consolidando-se e tomando contornos definidos a partir de uma permanência de um mês em Cambará no verão de 1948 e depois da sua visita aos grandes parques norte-americanos em 1956. Ao mesmo tempo, nas seguidas visitas  ao planalto de preferência nas imediações de Cambará com seu ícone, o canyon do Taimbésinho, o Pe. Rambo decidiu que ele deveria ser  o epicentro do ambicioso projeto do parque dos Aparados da Serra. Aquela paisagem da qual afirmava “se tenho uma pátria na terra esta encontra-se no planalto na sombra dos pinheirais”, deveria ser o promissor começo de outras tantas iniciativas de proteção à natureza. Até o final a década de 1950 e setembro de 1961, quando faleceu repentinamente com apenas 56 anos de idade, empenhou-se, além do parque dos Aparados da Serra, na criação da Fundação Zoobotânica e o Zoológico de Sapucaia do Sul. A ideia-força e o esboço das ações em favor da preservação e recuperação do meio ambiente, encontram-se na “Fisionomia do Rio Grande do Sul”.

Acontece que, apesar desse vendaval devorador de florestas ou, talvez, por isso mesmo, começaram fazer-se ouvir as primeiras vozes de alerta. Na sua obra clássica “A Fisionomia do Rio Grande do Sul”, publicada em 1942, o Pe. Balduino Rambo, amparado pelo conhecimento dos ecossistemas de que dispunha do Rio Grande do Sul, dedicou o último capítulo a sugestões, propostas e estratégias de preservação.

As conclusões a que chegou no final da “Fisionomia”, apontam para algumas questões que merecem destaque. Na primeira metade do século XX  densidade populacional no sul do Brasil parecia ter uma saída, um desafogo ilimitado com novas aberturas de fronteiras de colonização no norte e noroeste de Rio Grande do Sul, centro oeste da Santa Catarina, oeste do Paraná e mais para o norte no Matogrosso, Rondônia e Acre. Neste  contexto histórico as preocupações com os cuidados com o meio ambiente não faziam parte do quotidiano das pessoas comuns, nem do governo. Pelo contrário. A ordem soava “vamos às colônias novas”, consolidá-las e incorporá-las ao desenvolvimento regional e nacional. Mesmo assim, já no final do século XIX fizeram-se ouvir os primeiros alertas contra o ritmo e a extensão do desmatamento na bacia do Caí, como já foi objeto de reflexão em outro momento dessas páginas

Mas voltemos à Encíclica do Papa Francisco que nos serve de guia nessas reflexões. Ela chama a atenção para o fato de que a natureza significa muito mais do que sustento e abrigo material para a humanidade.  A natureza em que a vida acontece e  da qual a espécie humana faz parte, é um gigantesco sistema  formado pela complementariedade do substrato físico-geográfico e os seres vivos que nele prosperam. As espécies vivas, por sua vez são interdependentes e o seu destino depende dessa mutualidade. As milhões de espécies de micro e nano-organismos são responsáveis pela qualidade dos solos sobre os quais prospera a macrofauna e macro-flora. Neste cenário agrupam-se, moldadas pelas singularidades topográficas, climáticas, edafológicas, hídricas e outras mais, os ecossistemas locais e regionais. À sua maneira, a espécie humana  depende, para a vida e a morte, dos ecossistemas em que vive. Como qualquer outra, surgiu em algum deles, não importa em qual nem quando e evoluiu como espécie biológica como as demais. Como tal, sua prosperidade ou sua ruina está existencialmente vinculada ao meio físico-geográfico em que vive. A lógica leva a concluir que os recursos necessários para viver e subsistir são um bem comum. Como tal qualquer pessoa tem o direito natural ao acesso deles. A privação, pelo motivo que for implica num delito ético. É por essa razão que insistimos mais acima na necessidade urgente da preservação  da natureza, da natureza como um todo e de cada ecossistema em particular.

Acontece que para a espécie humana diferente de todas as demais, o meio físico geográfico além  de sustentar a vida biológica tem uma vida espiritual para alimentar. Falamos dos estímulos que a natureza oferece permitindo que o verdadeiramente humano, a “Menschlicheit”,  tenha como se manifestar na sua plenitude.  O conceito de espiritual aqui empregado refere-se a tudo que distingue o homem das outras espécies de animais. Mais nas entrelinhas do que propriamente nas linhas, o Papa chama a atenção para essa face da medalha em que o meio ambiente está em questão.

Nota-se hoje, por exemplo, o crescimento desmedido e descontrolado  de muitas cidades que se tornaram pouco saudáveis para viver, devido não só à poluição proveniente de emissões tóxicas, mas também com o caos urbano. ( ... ) Não é conveniente para os habitantes deste planeta viverem cada vez mais submersos no cimento, asfalto, vidro e metais, privados do contato físico com a natureza. (Laudato si, 44)

Ao falar em contato físico com a natureza a imaginação começa a voar solta pelos cenários naturais mais diversos. Bem lá no fundo dos recessos mais escondidos do ser, desperta a nostalgia atávica de alimentar as emoções naquilo que a multiplicidade dos panoramas da natureza são capazes de oferecer. A artificialidade em que a maioria das pessoas consome o quotidiano, esteriliza as emoções, degrada as relações e corrompe o humano no homem. Por isso o retorno o mundo natural, pelo menos ocasionalmente é de fundamental importância para evitar o colapso daquilo que as pessoas têm de mais humano. A serena contemplação de uma paisagem, de uma araucária solitária, de uma flor, de um borboleta, desperta nas pessoas sensíveis, momentos de gozo e reflexão. São exatamente as dádivas da natureza que fazem vir à tona o que homem tem de exclusivo e o distingue das outras espécies: o humano, a “Menschlichkeit”. Em outras  palavras. Perceber a natureza como um todo em todos os seus detalhes como uma maravilhosa obra de arte. A natureza é um caleidoscópio multicromático e multifacético, no qual a arte se expressa na sua multiplicidade e
na sua plenitude. E a plenitude da arte é o Belo. 

Reflexões sugeridas pela Encíclica Laudato si - 26 -

Pouco ou nada resolve confiar essa tarefa quase impossível a amadores, a ecologistas a serviço de ideologias as mais diversas, a políticos em busca de votos ou empresários interessados em lucro. Acontece que o comprometimento de todos eles nessa causa é indispensável, contanto que os oriente, em última análise, a consciência de que estão a serviço de um bem comum, do qual depende o bem estar e até a continuidade da espécie humana. Nesses termos todos são benvindos. Os lucros e vantagens auferidos nessas condições são perfeitamente aceitáveis. Se a promoção pessoal, a conquista de votos, os resultados econômicos decorrem do esforço ético em favor da “casa comum” não podem ser condenados.

Mas, a par da motivação ética, ou moral se preferirmos, há uma outra condição sem a qual os resultados não serão consistentes. Nenhuma proposta em favor do meio ambiente se sustenta sem  um sólido suporte científico. É fundamental que as propostas, mesmo as meramente tópicas, sejam concebidas como fazendo parte sistêmica de um ecossistema natural. Em outras palavras. O salvar o mico-leão-dourado ou a ararinha azul só então faz sentido, quando inserido no todo do ecossistema em que vivem. Os “pontos quentes” ainda oferecem essa possibilidade. Abrigam ecossistemas suficientemente preservados ao ponto de permitirem um estudo minucioso de como funcionam. A sua preservação e proteção é de vital importância para conhecer e entender como funciona a natureza. Preservar e proteger, é o binômio para lidar com esses laboratórios, verdadeiros santuários da biodiversidade. Começa pela preservação, o que significa que não se permita a exploração dos seus recursos  ao ponto de resultar no desequilíbrio do sistema. A exploração da madeira, a mineração, a depredação das plantas ornamentais e flores como orquídeas e outros é incompatível com a preservação.  A pesquisa científica, por exemplo de plantas medicinais podem ser importantes se conduzidas nos limites permitidos pela proteção. É preciso vigiar e controlar severamente a caça e o apresamento de animais, pássaros, insetos, aranhas, etc. a não ser para finalidades de estudo científico.

À preservação soma-se necessariamente a proteção. A proteção inclui, além da preservação dos ecossistemas, ou no caso, os “hot spots”, além da integridade do todo e das partes, o cuidado na não perturbação da sua harmonia. Explicando. Cada ecossistema é o cenário de uma sinfonia de sons, ruídos, cantos, gritos, pios, assobios, fazendo parte da harmonia singular, componente importante na definição peculiar da sua identidade. Perturbar essa harmonia com o ronco de motores, motosserras, o sobrevoo a baixa altitude de aviões e helicópteros, perturba mais essa harmonia do que pode parecer ou se queira admitir. Na mesma linha vão as músicas barulhentas, algazarras, fogos de artifício, iluminação artificial. Os  “hot spots” exigem o tratamento como relíquias, o que de fato são, como santuários que devem ser apreciados e degustados com devoção. Só nessas condições seremos capazes de perceber as mensagens que nos tem a transmitir e apreciar as sua sinfonias. O Pe. Balduino Rambo numa caminhada solitária entre os gigantes de uma floresta de sequoias, deixou uma amostra da riqueza e profundidade das reflexões que um desses santuários naturais é capaz de sugerir.

Sem  querer, a gente se flagra em absoluto silêncio em meio à assembleia dos gigantes. Que cantos não teriam deixado os poetas e cantores do Velho Testamento, que nos falam com tanta empolgação dos cedros do Líbano e dos ciprestes do Monte Sião, se tivessem tido ocasião de escutar a voz de Deus nessas florestas. Quando Davi e Salomão cantavam seus salmos, quando Isaías anunciava a seu povo o advento do futuro Filho do Homem; quando Ezequiel contemplava o Senhor dos Tempos sentado no seu trono, sobre muitas dessas árvores já pesavam mais de mil anos. Quando no gólgota foi erguida aquela árvore da qual cantamos: verdadeira árvore da vida na qual pendeu o Senhor em angústia mortal. O canto de luto das árvores do paraíso, o canto da árvore da mitologia germânica, o canto de vitória da árvore da Redenção, todo o simbolismo que envolve a árvore nas sagas e na arte da humanidade, toma conta do observador, que caminha na penumbra mortiça das florestas. Entre o céu e a terra há muitas verdades que não estão escritas nos livros. Revelam-se no silêncio da floresta. (Rambo, 2.015, p. )

A “Conservação Internacional” identificou em 2.006 os seguintes “hot Spots”:

1.     Vegetação de sálvia do litoral e dos sopés  das montanhas da Califórnia.
2.     As florestas tropicais do sul do México e da América Central.
3.     As florestas  e habitats de terra seca das ilhas do Caribe, especialmente Cuba e  Hispaniola.
4.     As floresta nas regiões baixas e de altitude média dos Andes.
5.     O Cerrado (savana) do Brasil.
6.     A mata atlântica do Brasil.
7.     As florestas e habitats de terra seca da bacia do Mediterrâneo.
8.     As florestas das montanhas do Cáucaso.
9.     A floresta da Guiné, na África Ocidental.
10.   Muitos habitats na região do Cabo, na África do Sul
11.   Muitos habitats do Chifre da África
12.   Muitos habitats de Madagascar, sobretudo as florestas.
13.   As florestas tropicais da cordilheira dos Ghats Ocidentais, na Índia.
14.   As florestas tropicais do Sri Lanka.
15.   As florestas do Himalaia.
16.   As florestas do sudoeste da China.
17.   A maioria das florestas da Indonésia.
18.   As florestas tropicais das Filipinas.
19.   As charnecas do sudoeste da Austrália.
20.   As florestas da Nova Caledônia.
21.   As florestas do Havaí e muitos outros arquipélagos do Pacífico Centra e Oriental.

Wilson lembra  que os “hot spots” enumerados acima e mais 13 que foram acrescentados mais tarde, cobrem apenas 2,3% da superfície do planeta. Mesmo assim abrigam 42% dos vertebrados terrestres (mamíferos, aves, répteis e anfíbios) e 50% das espécies de planas com flores. São os locais onde se verifica a maior concentração da biodiversidade. São também o refúgio da maioria das espécies ameaçada de extinção constantes na lista da “União Internacional pela Conservação da Natureza” como “ameaçados ou criticamente ameaçados” com destaque para 72% dos mamíferos terrestres, 86% das aves e 92% dos anfíbios. (cf. Wilson, 2008, p. 111).

O estudo dos “hot spots” possibilitou a elaboração de uma lista descendente do número de espécies que abrigam. Madagascar ocupa o topo da lista com 448 gêneros de animais e plantas só encontráveis naquela ilha. E seguida vem as ilhas do Caribe com 269 gêneros; a mata atlântica do Brasil com 210 gêneros; o arquipélago de Sonda na Indonésia, com 199; As montanhas da África Oriental, com 178; A região do Cabo om 162. (cf. Wilson, 2008, p. 111)


Reflexões sugeridas pela Encíclica Laudato si - 25 -

Num dos seus famosos contos, intitulado “Drei Jahre auf dem Mars  -  Três anos em Marte”, escrito por volta de 1958, o Pe. Rambo, faz uma análise crítica sutil ao valor exagerado atribuído às conquistas da moderna tecnologia. O cenário vem a ser o planeta Marte. As histórias de discos voadores, viajantes cósmicos  procedentes de Marte, o primeiro voo espacial do astronauta russo Gagarin, povoavam o imaginário  até das pessoas mais comuns. Valendo-se desse imaginário o Pe. Rambo montou o cenário para apresentar sua antevisão ao que seria um mundo inteiramente entregue ao comando da tecnologia e a total artificialidade dela  resultante. Resumindo a história. Um disco voador buscou o Pe. Rambo numa das suas coletas de plantas nas redondezas de Cambará. Levou-o até Marte para lecionar Biologia e Filosofia Natural na universidade central do planeta. Toda a população concentrava-se numa gigantesca metrópole.  Nela tudo era artificial e sintético, desde os materiais de construção, passando pelos alimentos, lazer, transportes, enfim, tudo. O povo passava os dias na mais absoluta artificialidade. Tinha perdido a noção dos valores mais elementares como: sociabilidade, solidariedade, compromisso mútuo, sem falar dos valores superiores: éticos, morais, religiosos. O humano no homem, a “Menschlichkeit” fora arquivado nos museus da história. Enfim, a barbárie digital ditava as regras.

Os laboratórios que aperfeiçoavam, sofisticavam e acirravam cada vez mais essa civilização que se distanciava a passos largos dos conhecimentos que tinham relação com o humano no homem  e com o espírito e o espiritual, concentravam-se na universidade central de Marte. Nela agitava-se um atividade frenética para desenvolver tecnologias novas e assim dar conta das demandas cada vez mais exigentes. Mas uma preocupação angustiava as pessoas comuns e os responsáveis pela metrópole. A aposta irrestrita na tecnologia, prescindindo de um lastro mínimo de conhecimentos gerais, estava levando a civilização de Marte a um beco sem saída. Uma interrogação incômoda e sem resposta no âmago da ciência e da tecnologia começava a atormentar as mentes. E, se esgotadas todas as potencialidades da ciência e da tecnologia, para onde apelar? A conclusão foi  que a saída para o impasse deveria ser procurada nos “ultrapassados” conhecimentos gerais, na filosofia, nas humanidades e nas artes. Só assim seria possível colocar tudo nos seus devidos lugares. Havia urgência em devolver o devido valor às ciências do espírito na hierarquia do saber e do agir. Como em Marte já não havia sábios em condições de ministrar esses conteúdos, foram buscar um no distante e estranho planeta terra.

Esse conto soa como uma antevisão profética dos riscos numa aposta que pela tecnologia o homem é capaz de resolver tudo. Palpites e propostas de solução não faltam. Entre elas há-as que não passam do improvável, outras estagnam no nível da ficção científica. Destacamos algumas.

Uma corrente de cientistas e ecologistas propõe o congelamento de óvulos fecundados do maior número possível de espécies. Paralela a ela corre uma outra proposta que vê na guarda dos códigos genéticos para no momento oportuno produzir organismos vivos e com eles  repovoar a terra. Essas soluções defrontam-se de saída com um obstáculo insuperável. É tecnicamente impossível coletar e congelar óvulos fecundados de um número mínimo suficiente  para reconstruir uma cadeia alimentar e recriar, por assim dizer, um ecossistema ou ecossistemas minimamente calibrados. A mesma conclusão vale para a sugestão de reunir um estoque mínimo de genomas e a partir dele montar em laboratório matrizes para repovoar a terra. As duas propostas esbarram num outro  empecilho, também incontornável pelas  soluções que  apresentam. De que forma pretendem repovoar os solos com as milhões de espécies de micro-organismos que formam a plataforma  sobre a qual as macro-espécies prosperam? Wilson responde às duas soluções.

Ainda que a biodiversidade ameaçada na Terra, em toda a sua imensidão, pudesse ser reanimada e reproduzir-se em populações à espera de um retorno àquilo que, no século XXII será considerado a “Natureza”, a reconstrução, por essa forma, de populações independentes e viáveis está fora do nosso alcance. Os biólogos não tem menor ideia de como construir um ecossistema autônomo complexo a partir do zero. Quando por fim compreenderem, é possível que descubram que as condições do planeta, já totalmente humanizado tornam impossível tal reconstrução. (Wilson, 2.008, p. 107).

Sobra ainda uma outra sugestão, dentre todas a mais inverossímil. Deixemos correr livre a invasão e a agressão à ”nossa casa”, enquanto a humanidade despreocupada caminha para uma terra cada vez mais devastada. Há-os que apostam numa saída, via vida artificial em laboratório. Sonham com um mundo povoado por robôs no lugar de espécies vivas. Seria tempo perdido fantasiar com a possibilidade de uma façanha dessas e pesar os prós e os contras. Wilson fustiga essa alternativa, como sendo “uma profanação, corrupção e abominação”. (Wilson, 2.008, p. 107)

Deixando de lado as soluções mais ou menos absurdas que acabamos de mencionar, chegou o momento de responder a duas perguntas. Ainda há tempo e condições de salvar a vida na terra?; Qual o caminho a seguir?. A resposta para a primeira é sim! É indiscutível que as agressões à natureza chegaram a um nível preocupante. Não poucas espécies já foram extintas e por isso irremediavelmente perdidas. Outras tantas estão seriamente ameaçadas. A grande maioria dos ecossistemas foi degradado ao ponto de sua recuperação não passar de uma incógnita. “A humanidade está estrangulada num gargalo”. (Wilson, 2.008, p. 108). É urgente passar por esse gargalo. Não há como estacionar neste nível, muito menos voltar para trás. É  preciso fazer algo e sem perder tempo. Soluções tópicas não resolvem o problema. São necessárias políticas e ações globais para que a passagem pelo gargalo seja a mais rápida e menos traumática possível. Os métodos e meios estão disponíveis e já foram e estão sendo testados em pequenos e grandes projetos pelo mundo afora. São ainda tímidos e insuficientes para salvar espécies em extinção ou recuperar ecossistemas inteiros. Aperfeiçoados e postos à serviço de ações globais são capazes de levar a médio prazo – 20, 30 ou 40 anos – a resultados surpreendentes. Remeto como exemplo à recuperação do Parque Nacional das Ilhas do arquipélago do porto de Boston” e a reposição natural das florestas nos vales médios e superiores dos rios que formam a bacia do Guaíba.

De outra parte e de alguma forma já foi firmado o compromisso entre os governos de países desenvolvidos, em desenvolvimento e subdesenvolvidos para enfrentar o grande desafio. Em 1992 aconteceu no Rio de Janeiro a primeira grande “Convenção da Biodiversidade”, a “ECO 92”. O documento final contendo as conclusões foi assinado por 188 países. Lamentavelmente os Estados Unidos negaram a assinatura, assim como Andorra, Brunei, Somália, Iraque, Timor Leste e Vaticano. Numa outra reunião em Johannesburgo foi  elaborado documento no qual os signatários assumiram o compromisso de diminuir a perda da biodiversidade. A ONU, porém, sem a participação dos Estados Unidos, modificou sua Constituição com a finalidade de possibilitar a proteção ao meio ambiente. A “Cúpula do Clima” reunida em Paris em dezembro de 2.015 teve a mesma finalidade, dessa vez com a chancela dos Estados Unidos. (mais cf. Wilson, 2.008, p. 107ss).


Os próximos 50 anos serão decisivos na salvação ou perda da maior parte da biodiversidade. Como se percebe, não há tempo a perder. Os conhecimentos de que hoje dispomos sobre a biogeografia da vida deixam claro que esse “Armagedom  pode ser rapidamente  vencido ou perdido”. (Wilson, 2.008, p. 109). Essa afirmação tem como base os conhecimentos de que hoje dispomos sobre as características e a distribuição da biodiversidade nos espaços geográficos. As evidências mostram que a distribuição da biodiversidade não é homogênea dos diversos espaços geográficos. É mais rica nuns e mais pobre em outros. Os ecossistemas que abrigam uma biodiversidade muito alta e uma complexidade mais acentuada são denominados de “hot spots” –“pontos  quentes”. Esses “pontos quentes” guardam as biodiversidades na sua forma original. Não resta dúvida de que a maioria, senão todos, sofreram alguma invasão por parte do homem. Espécies foram extintas e outras tantas danificadas. Apesar disso, preservam ainda a sua natureza essencial de ecossistemas, embora empobrecidos, para servirem de pontos de irradiação, ampliação e multiplicação desses “pontos”. Eles representam, sem dúvida, a melhor referência para formular políticas e desenvolver ações e estratégias para “salvar a vida na terra”.