Num
dos seus famosos contos, intitulado “Drei Jahre auf dem Mars - Três
anos em Marte”, escrito por volta de 1958, o Pe. Rambo, faz uma análise crítica
sutil ao valor exagerado atribuído às conquistas da moderna tecnologia. O
cenário vem a ser o planeta Marte. As histórias de discos voadores, viajantes
cósmicos procedentes de Marte, o
primeiro voo espacial do astronauta russo Gagarin, povoavam o imaginário até das pessoas mais comuns. Valendo-se desse
imaginário o Pe. Rambo montou o cenário para apresentar sua antevisão ao que
seria um mundo inteiramente entregue ao comando da tecnologia e a total
artificialidade dela resultante.
Resumindo a história. Um disco voador buscou o Pe. Rambo numa das suas coletas
de plantas nas redondezas de Cambará. Levou-o até Marte para lecionar Biologia
e Filosofia Natural na universidade central do planeta. Toda a população
concentrava-se numa gigantesca metrópole.
Nela tudo era artificial e sintético, desde os materiais de construção,
passando pelos alimentos, lazer, transportes, enfim, tudo. O povo passava os
dias na mais absoluta artificialidade. Tinha perdido a noção dos valores mais
elementares como: sociabilidade, solidariedade, compromisso mútuo, sem falar
dos valores superiores: éticos, morais, religiosos. O humano no homem, a
“Menschlichkeit” fora arquivado nos museus da história. Enfim, a barbárie
digital ditava as regras.
Os
laboratórios que aperfeiçoavam, sofisticavam e acirravam cada vez mais essa
civilização que se distanciava a passos largos dos conhecimentos que tinham
relação com o humano no homem e com o
espírito e o espiritual, concentravam-se na universidade central de Marte. Nela
agitava-se um atividade frenética para desenvolver tecnologias novas e assim
dar conta das demandas cada vez mais exigentes. Mas uma preocupação angustiava
as pessoas comuns e os responsáveis pela metrópole. A aposta irrestrita na
tecnologia, prescindindo de um lastro mínimo de conhecimentos gerais, estava
levando a civilização de Marte a um beco sem saída. Uma interrogação incômoda e
sem resposta no âmago da ciência e da tecnologia começava a atormentar as
mentes. E, se esgotadas todas as potencialidades da ciência e da tecnologia,
para onde apelar? A conclusão foi que a
saída para o impasse deveria ser procurada nos “ultrapassados” conhecimentos
gerais, na filosofia, nas humanidades e nas artes. Só assim seria possível
colocar tudo nos seus devidos lugares. Havia urgência em devolver o devido
valor às ciências do espírito na hierarquia do saber e do agir. Como em Marte
já não havia sábios em condições de ministrar esses conteúdos, foram buscar um
no distante e estranho planeta terra.
Esse
conto soa como uma antevisão profética dos riscos numa aposta que pela
tecnologia o homem é capaz de resolver tudo. Palpites e propostas de solução
não faltam. Entre elas há-as que não passam do improvável, outras estagnam no
nível da ficção científica. Destacamos algumas.
Uma
corrente de cientistas e ecologistas propõe o congelamento de óvulos fecundados
do maior número possível de espécies. Paralela a ela corre uma outra proposta
que vê na guarda dos códigos genéticos para no momento oportuno produzir
organismos vivos e com eles repovoar a
terra. Essas soluções defrontam-se de saída com um obstáculo insuperável. É
tecnicamente impossível coletar e congelar óvulos fecundados de um número mínimo
suficiente para reconstruir uma cadeia
alimentar e recriar, por assim dizer, um ecossistema ou ecossistemas
minimamente calibrados. A mesma conclusão vale para a sugestão de reunir um
estoque mínimo de genomas e a partir dele montar em laboratório matrizes para
repovoar a terra. As duas propostas esbarram num outro empecilho, também incontornável pelas soluções que
apresentam. De que forma pretendem repovoar os solos com as milhões de
espécies de micro-organismos que formam a plataforma sobre a qual as macro-espécies prosperam?
Wilson responde às duas soluções.
Ainda que a biodiversidade
ameaçada na Terra, em toda a sua imensidão, pudesse ser reanimada e
reproduzir-se em populações à espera de um retorno àquilo que, no século XXII
será considerado a “Natureza”, a reconstrução, por essa forma, de populações
independentes e viáveis está fora do nosso alcance. Os biólogos não tem menor
ideia de como construir um ecossistema autônomo complexo a partir do zero.
Quando por fim compreenderem, é possível que descubram que as condições do
planeta, já totalmente humanizado tornam impossível tal reconstrução. (Wilson,
2.008, p. 107).
Sobra
ainda uma outra sugestão, dentre todas a mais inverossímil. Deixemos correr
livre a invasão e a agressão à ”nossa casa”, enquanto a humanidade
despreocupada caminha para uma terra cada vez mais devastada. Há-os que apostam
numa saída, via vida artificial em laboratório. Sonham com um mundo povoado por
robôs no lugar de espécies vivas. Seria tempo perdido fantasiar com a possibilidade
de uma façanha dessas e pesar os prós e os contras. Wilson fustiga essa
alternativa, como sendo “uma profanação, corrupção e abominação”. (Wilson,
2.008, p. 107)
Deixando
de lado as soluções mais ou menos absurdas que acabamos de mencionar, chegou o
momento de responder a duas perguntas. Ainda há tempo e condições de salvar a
vida na terra?; Qual o caminho a seguir?. A resposta para a primeira é sim! É
indiscutível que as agressões à natureza chegaram a um nível preocupante. Não
poucas espécies já foram extintas e por isso irremediavelmente perdidas. Outras
tantas estão seriamente ameaçadas. A grande maioria dos ecossistemas foi
degradado ao ponto de sua recuperação não passar de uma incógnita. “A
humanidade está estrangulada num gargalo”. (Wilson, 2.008, p. 108). É urgente
passar por esse gargalo. Não há como estacionar neste nível, muito menos voltar
para trás. É preciso fazer algo e sem
perder tempo. Soluções tópicas não resolvem o problema. São necessárias
políticas e ações globais para que a passagem pelo gargalo seja a mais rápida e
menos traumática possível. Os métodos e meios estão disponíveis e já foram e
estão sendo testados em pequenos e grandes projetos pelo mundo afora. São ainda
tímidos e insuficientes para salvar espécies em extinção ou recuperar
ecossistemas inteiros. Aperfeiçoados e postos à serviço de ações globais são
capazes de levar a médio prazo – 20, 30 ou 40 anos – a resultados
surpreendentes. Remeto como exemplo à recuperação do Parque Nacional das Ilhas
do arquipélago do porto de Boston” e a reposição natural das florestas nos
vales médios e superiores dos rios que formam a bacia do Guaíba.
De
outra parte e de alguma forma já foi firmado o compromisso entre os governos de
países desenvolvidos, em desenvolvimento e subdesenvolvidos para enfrentar o
grande desafio. Em 1992 aconteceu no Rio de Janeiro a primeira grande
“Convenção da Biodiversidade”, a “ECO 92”. O documento final contendo as
conclusões foi assinado por 188 países. Lamentavelmente os Estados Unidos
negaram a assinatura, assim como Andorra, Brunei, Somália, Iraque, Timor Leste
e Vaticano. Numa outra reunião em Johannesburgo foi elaborado documento no qual os signatários
assumiram o compromisso de diminuir a perda da biodiversidade. A ONU, porém,
sem a participação dos Estados Unidos, modificou sua Constituição com a
finalidade de possibilitar a proteção ao meio ambiente. A “Cúpula do Clima”
reunida em Paris em dezembro de 2.015 teve a mesma finalidade, dessa vez com a
chancela dos Estados Unidos. (mais cf. Wilson, 2.008, p. 107ss).
Os
próximos 50 anos serão decisivos na salvação ou perda da maior parte da
biodiversidade. Como se percebe, não há tempo a perder. Os conhecimentos de que
hoje dispomos sobre a biogeografia da vida deixam claro que esse “Armagedom pode ser rapidamente vencido ou perdido”. (Wilson, 2.008, p. 109).
Essa afirmação tem como base os conhecimentos de que hoje dispomos sobre as
características e a distribuição da biodiversidade nos espaços geográficos. As
evidências mostram que a distribuição da biodiversidade não é homogênea dos
diversos espaços geográficos. É mais rica nuns e mais pobre em outros. Os
ecossistemas que abrigam uma biodiversidade muito alta e uma complexidade mais
acentuada são denominados de “hot spots” –“pontos quentes”. Esses “pontos quentes” guardam as
biodiversidades na sua forma original. Não resta dúvida de que a maioria, senão
todos, sofreram alguma invasão por parte do homem. Espécies foram extintas e
outras tantas danificadas. Apesar disso, preservam ainda a sua natureza
essencial de ecossistemas, embora empobrecidos, para servirem de pontos de
irradiação, ampliação e multiplicação desses “pontos”. Eles representam, sem
dúvida, a melhor referência para formular políticas e desenvolver ações e
estratégias para “salvar a vida na terra”.