A
intuição deixada de lado ou mesmo desqualificada como via legítima de acesso ao
conhecimento, voltou a ser credenciada por
Jean Jacques Rousseau. Talvez ele próprio não suspeitasse da importância dessa
reabilitação, num campo de tamanha importância prática como é a Educação. O
pensamento de Rousseau levado para a prática na Pedagogia por Pestalozzi,
revolucionou os fundamentos dessa área tão importante para a humanidade como um
todo e para a produção do conhecimento em particular. O Pe. Alfonso Borrero
resumiu a importância da intuição na
Pedagogia.
Especialíssima importância
se dá na Pedagogia moderna ao exercício da criatividade, que não supõe a
indução e a dedução lógicas a partir de elementos conhecidos, mas que tem como
bases principal a intuição, um salto da mente humana ao encontro de algo,
partindo de elementos prévios e, por assim dizer, criando algo novo, que mais
adiante é passível de aprimoramento
posterior e procedimentos racionais, usando o raciocínio lógico da indução e da
dedução.
Por isso no exercício da
criatividade que se vale da intuição da mente, não se deixam de lado, os
métodos que conferem rigor ao pensamento racional. Adestram-se, isso sim,
estratagemas novos, úteis para movimentar-se nas fronteiras do saber adquirido,
passando pelas percepções intuitivas à construção do conhecimento. (ASCUN,
1992, nº 20, p. 15-16)
Soma-se
à legitimação da intuição, a percepção do homem comum dos fatos e fenômenos
naturais que o cercam e enriquecem sobremodo o conhecimento. Sobretudo ganha a
qualidade. O conhecimento intuitivo credencia-se assim como legítimo, no mesmo
nível do analítico indutivo e sintético dedutivo. Gozam da mesma legitimidade
tanto os conhecimentos chamados
pré-científicos, quanto os populares próprios das pessoas comuns.
Em se tratando
especificamente da natureza, a intuição
assume um papel ainda mais importante. E a área do conhecimento que mais
diretamente põe as pessoas em contato, melhor talvez, aproxima as pessoas da
natureza, é a Biologia.
Essas
reflexões deparam-se, entretanto, com o cenário que dificulta em muito a
compreensão da natureza como entendida pela metáfora “nossa casa”. Ela faz todo
o sentido no contexto das culturas camponesas tradicionais. Nelas a inserção existencial do homem no meio
natural pode ser percebida até nos mínimos detalhes do quotidiano. De pouco
mais de meio século para cá, tomando como referência o término da Segunda Guerra
Mundial, a realidade vem sofrendo uma transformação radical. O mundo rural
predominante em praticamente todos os países, cedeu lugar a uma urbanização
acelerada. Em 1950, 80% dos brasileiros, por ex. viviam em áreas rurais e o
avanço das fronteiras agrícolas tradicionais encontrava-se em plena expansão em
Santa Catarina e Paraná para. Em seguida, avançarem sobre o Centro-Oeste e
Norte do País. Hoje a realidade é a oposta. 80% da população vive em centro urbanos. A urbanização, ou a transposição física do contexto rural para o urbano, traz consigo
todo um séquito de consequências perceptíveis,
de modo especial, no nível sócio-antropológico, envolvendo a forma e
valorização das relações humanas.
Comecemos
pelo que se relaciona com o espaço físico. Num edifício de apartamentos ou num
conjunto habitacional, sem falar em favelas e ou sub habitações, os quatro “Hs”
do contexto cultural alemão (Haus – Heim – Hof – Heimat) deixam de fazer
sentido. A justaposição física das pessoas
e famílias mexe na raiz dos
referenciais de relacionamento. Numa comunidade rural esses critérios decorrem
do parentesco e da vizinhança geográfica. Parente relaciona-se com parente e
vizinho com vizinho. É nesse nível que se consolidam os direitos e deveres
mútuos. A amizade, a solidariedade e o compromisso tem a sua razão de ser nesse nível. Num
contexto geográfico definido uma comunidade humana realiza as exigências
existenciais dos indivíduos e da coletividade, tendo como balizas o parentesco
e a vizinhança geográfica. Nessa realidade faz todo o sentido falar em “nossa
casa” significando o espaço geográfico em que tudo acontece.
Na
realidade urbana a artificialidade e exiguidade do espaço físico impede que se
formem comunidades. Num edifício de apartamentos, mesmo em condomínios
horizontais, o que dita as regras é a justaposição física aleatória sem a
mínima exigência de comprometimento mútuo. Numa situação dessas não faz sentido
falar em parentes e vizinhos pois, esses
não passam de “fatalidades biológicas e ou acidentes geográficos”.
O
confinamento das pessoas na artificialidade urbana apagou nelas o significado
de “nossa casa” na sua origem rural e, ao mesmo tempo, isolou-as num cenário
artificial e sintético. Da vizinhança pouco ou nada sobrou além da justaposição de pessoas em gaiolas,
eufemisticamente chamadas de apartamentos. Mais separam do que unem e apartam
em vez de aproximar.
Esse
cenário sócio-antropológico dificulta, sem dúvida alguma, a concepção da natureza como “a casa” da
humanidade. com toda a sua carga de simbolismos e significados existenciais.
Acontece, entretanto, que a vinculação da espécie humana com o seu entorno
geográfico é de tal ordem e de tal profundidade, que nem o tempo nem a
distância é capaz de apagá-la sem deixar vestígio. Como memória atávica
fica aguardando o momento para vir à tona e lembrar o paraíso perdido mas não
esquecido. Edward Wilson referindo-se ao isolamento do homem de hoje, do seu
berço natural, da “sua casa”, observou.
Hoje a maior parte da
humanidade vive em um mundo
fabricado artificialmente. O berço, o
lar inicial da nossa espécie foi quase esquecido por completo. Mesmo assim, os
instintos ancestrais continuam vivos dentro de nós. Eles se expressam na arte,
nos mitos e na religião, nos parques e jardins, nos esportes de caça e pesca,
tão estranhos (pensando bem). Os americanos passam mais tempo nos jardins
zoológicos do que em eventos esportivos profissionais e ainda mais tempo nas
áreas protegidas dos parques nacionais, cada vez mais abarrotados de
visitantes. A recreação nas florestas nacionais e reservas naturais – isto é,
nas partes que permanecem intactas – geram uma renda substancial, da ordem de
20 bilhões de dólares anuais ao Produto Interno Bruto do país. A televisão e o cinema do mundo
industrializado estão saturados de imagens da Natureza Virgem. Um símbolo de
riqueza pessoal é a casa de campo, tipicamente localizada em ambiente pastoral
ou natural. Ela serve de refúgio para
quem deseja encontrar paz de espírito e
como ponto de retorno para algo que foi perdido mas não esquecido. (Wilson, 2008, p. 159)