A
questão ecológica tem tudo a ver com a
atitude que as pessoas assumem ao lidar com a natureza. No começo da encíclica
o Papa Francisco definiu a natureza como sendo “a nossa casa”, a “nossa
querência”, diríamos nós, “a nossa mãe e pátria” como a definiu o Pe. Rambo.
Esses conceitos, ou quaisquer outros que
as muitas culturas cunharam para identificar o cenário em que o homem vive a
intimidade existencial da sua vida, são infinitamente mais do que uma definição
técnica.
Para
o Papa os argumentos a que os grandes na política e economia recorrem não
expressam a natureza mais profunda do meio ambiente. Ás cúpulas interessa o
poder que comanda a política e a economia. As demandas do povo comum pouco ou
nada importam. Ficam relegadas a um plano secundário, senão de todo ignoradas.
O que dá para esperar nessas condições é por demais conhecido pela experiência
dos encontros globais que já foram realizados.
Toda
a argumentação do Papa parte de uma outra perspectiva e fundamenta-se em outros
valores. A metáfora “nossa casa” ou as outras com o mesmo significado indicam
essa perspectiva. A casa, a moradia do homem não se resume num abrigo para
proteger-se contra as intempéries, contra os riscos que o meio oferece, ou um
lugar privativo para a reprodução como acontece com os animais e os pássaros.
Quando alguém sente saudade de casa, não é o abrigo ou a proteção física que o
move. É evidente que a casa é também uma realidade física localizada num espaço
geográfico definido. Até aqui pouca diferença com uma casa de João de Barro, um
ninho de sabiá ou toca de tatu. Acontece que a casa do homem representa
infinitamente mais. É o local onde as pessoas nascem, o cenário das suas
vivências e experiências infantis, a escola que os prepara para a vida. Pela palavra e principalmente pelo
exemplo, aprende os valores humanos, sociais e religiosos que servirão de norte
para o resto da vida. Os mestres nesse aprendizado são os pais, avós e irmãos
maiores. As vivências experimentadas, as experiências vividas e os aprendizados
feitos nessa escola da vida, apesar dos pesares, nunca se apagarão de todo. É
nesse ambiente que se interiorizam os
princípios e os valores perenes que conferem solidez, coerência e segurança no
enfrentamento com as surpresas da vida. A casa no verdadeiro sentido da palavra
é ainda o ambiente que oferece as condições onde prospera o amor
desinteressado, a solidariedade sem
reticências e a comunhão sem egoísmos entre as pessoas. Mas não é só
isso. Na “casa” as pessoas aprendem a viver e a conviver com as outras pessoas
na micro sociedade da família. O sucesso ou o fracasso nesse convívio
refletir-se-á mais tarde no relacionamento
com a comunidade local e nas relações em outros níveis.
A
metáfora “nossa cassa” ainda não está esgotada. O conceito como entendido na
Encíclica não se limita às quatro paredes de uma construção física. Inclui os
arredores imediatos com suas árvores, quem sabe uma mini floresta, árvores
frutíferas, árvores de sombra, flores animais domésticos. Esse cenário em que a moradia propriamente dita,
ocupa a posição central, o ponto de convergência e polarização da vida
familiar, dá a extensão do conceito “casa”, “lar”, “querência”, “Heim”, “Home”,
“hogar”. Cada língua cunhou uma forma para expressar essa realidade na
respectiva tradição cultural. Como se pode perceber, cada língua expressa o
conceito de acordo com a índole pela qual as respectivas culturas o concebem. Toda
a plenitude e toda a carga de significativos e simbolismos que dão sustentação
à existência humana, resumem-se nesse conceito. Quanto mais longas são as
histórias das culturas, tanto mais rico
em peculiaridades costume ser. Nesse particular a tradição alemã é emblemática.
Quando alguém dessa tradição fala em saudade “de casa”, esse sentimento vai
muito além da casa em que nasceu, para incluir também o cenário geográfico comunitário. No original
essas realidade expressa-se em quatro “Hs”, ou seja, “Haus”, “Hof”, Heim”,
“Heimat”. “Haus” – a casa de moradia propriamente dita; “Hof”, pátio – a casa
de moradia no contexto dos seus arredores, normalmente delimitados fisicamente
por um muro ou uma cerca; “Heim” – a casa de moradia e suas imediações ou
“Haus” e “Hof”, formando uma unidade; “Heimat” – o cenário geográfico mais
amplo que abriga a comunidade local, com sua igreja, escola, cemitério, casa de
comércio, oficinas de artesãos e demais arranjos que atendem a comunidade. Ter
saudades “de casa” expressa a vinculação existencial com os quatro “Hs”.
Mas,
no contexto da Encíclica o aspeto que mais interessa é a outra dimensão do
conceito “casa”. no seu emprego como metáfora significando a natureza. Não se
trata de uma morada individualizada, num local determinado, num cenário
delimitado. Confunde-se com a natureza como um todo. Em outas palavras. A grande natureza é a “casa”, não do indivíduo mas da espécie
humana como um todo. Nesta “casa” ela surgiu em algum momento que se perde nas
brumas do tempo, em alguma savana da África ou em qualquer outro cenário, tanto
faz. Concebido no meio da natureza, feito do mesmo “pó da terra”, o homem
encontra alimento e abrigo rodeado dos outros animais, das plantas, frutos,
flores, do sol, da lua, das estrelas e como pano de fundo de tudo a sinfonia
dos sons da natureza. Nessa “casa” o homem não só encontra alimento e abrigo
para o corpo como também alimento para seu espírito, para sua imaginação, seus
sonhos, para desenvolver seu mundo simbólico, seu universo mágico e religioso.
Em outras palavras. O homem vive nessa sua casa um relação com a natureza como
um ser que existe como os minerais; existe e vegeta como as plantas; existe,
vegeta e sente como os animais; mas
situa-se num nível acima porque, além e
existir, vegetar, sentir, é dotado da capacidade de raciocinar. Essa
relação existencial explica a forma peculiar como as pessoas enxergam,
compreendem e valorizam o ambiente natural, a “casa”, e tudo que lhe diz
respeito. A forma de viver e o tipo de valorização depende da maneira
individual como as pessoas se posicionam em relação a ela, da cultura em que nasceram
e se criaram e da educação que receberam.