Uma
questão fundamental a ser resolvida, está implícita nos ensinamentos da
Encíclica, no momento quando o Papa lembra “que uma teologia integral requer a abertura
para categorias que transcendem a
linguagem das Ciências ou da biologia e
nos põe em contato com a essência do se humano”. Poderíamos, quem sabe,
formular a questão de uma outra maneira.
Para tentar entender a relação existencial com a “sua casa” natural em toda a
sua extensão e profundidade, não basta nem a racionalidade científica, nem a
filosófica nem a teológica. A explicação é simples. A racionalidade
fundamenta-se em bases objetivas, a Ciência no “preto sobre branco”, dos
resultados fornecidos pelos seus método e instrumentos. As Ciências do Espírito
tiram suas conclusões sobre “o preto e o
branco” dos seus raciocínios e silogismos supostamente sem brechas. É verdade
que com isso chega-se a entender, vamos dizer, a metade da complexa relação do
homem com a natureza. Voltando à metáfora da “casa”, duas formas de
racionalidade explicam a construção, os materiais empregados, o projeto técnico
em função das necessidades de sobrevivência do homem como indivíduo e como espécie. Acontece que com isso falta
explicar o outro lado, exatamente aqueles atributos que fazem da “casa” uma
“Querência”, um “Heim”, um “Home”. Lembrando São Francisco de Assis que se
comunicava com todas as criaturas, ao ponto de pregar para as flores e o
pássaros, o Papa pergunta: “Porque sua reação ultrapassava de longe uma mera
avaliação intelectual ou um cálculo econômico, porque para ele, qualquer
criatura era uma irmã, unida a ele por laços de carinho”. (Laudato se, 11)
Defrontamo-nos,
à essa altura, com um desfio de respeitável tamanho. Se a atitude de São
Francisco de Assis e de todos os demais que percebem na natureza aspectos que
escapam às conclusões da Ciência, nem cabem na racionalidade dos silogismos,
com que ferramenta é possível identificá-los? Não importa se a resposta vem da
parte da Ciência consciente da limitação
dos seus métodos e instrumentos;
tão pouco importa se de filósofos e teólogos que não se satisfazem com a frieza
dos seus raciocínios; tão pouco importa ainda se vem das pessoas comuns que tem
uma capacidade como ninguém para
“farejar” sentidos, símbolos e mistérios na Natureza; tão pouco dão conta do
recado as experiências dos místicos.
A
explicação vem da forma de conhecer que foi a primeira disponível ao homem nos
primórdios da sua existência como espécie. Seu relacionamento com o mundo
ambiente foi possível por meio dos sentidos, como qualquer outro animal em sua
volta. Mas, equipado com inteligência reflexa, foi observando o que havia e o
que acontecia em sua volta. O ensaio e o erro ensinaram-lhe as escolhas a serem
feitas, as opções a serem descartadas. Ao mesmo tempo “farejando” o que
acontecia em sua volta, foi “intuindo” significados, simbolismos nos fatos,
fenômenos e acontecimentos da natureza. Foi por esse caminho que a humanidade
consolidou os seus mais antigos corpos do conhecimento. Não foram o resultado
de uma lógica irrefutável ou das
evidências “preto no branco” de métodos científicos. Foram o produto elaborado
à bases da Intuição. No entendimento do Pe. Rambo
Entre a Ciência e a Fé
estende-se o vasto campo da intuição que não é outra coisa senão um
conhecimento condensado. Não se trata ali tanto do significado imediato da
palavra, como do som subliminar que emite e a ressonância que desperta. A essa
melodia concomitante da linguagem humana até hoje se prestou muito pouca
atenção. Bem considerada, ela não é um som secundário e sim a nota dominante no
contexto musical do espírito dinâmico do homem. (Rambo, 1994, p. 265)
O
Pe. Rambo escreveu esse parágrafo no contexto de uma reflexão sobre a
construção do conhecimento. Em se tratando especificamente do conhecimento da
natureza, do meio ambiente, da “nossa casa”, a intuição como forma de conhecer, assume uma importância
toda especial. Isso decorre do fato de o homem ser “filho dessa mãe e pátria”
no sentido mais próprio do conceito. Essa questão já foi objeto de análise mais
acima. A inserção existencial na natureza como então definimos essa relação,
faz com que o ser humano perceba o meio em que vive com seus sentidos, o
identifique e entenda pela intuição e a partir dela cria métodos, tecnologias e categorias
mentais, para organizar “sua casa”,
torná-la habitável e fornecer os alimentos para o corpo e o espírito.
A
intuição, na verdade, foi a primeira das formas do conhecimento. Se fixarmos a
história do homem em um milhão de anos, sem favor nenhum em 95% dessa
história seus conhecimentos vieram-lhe
da intuição. E foi o conhecer via intuição que levou às demais vias de
conhecer, conferindo base “científica”, ou “racionalidade” ao conhecimento
intuitivo.
Acontece
que a evolução das culturas e civilizações
foi exigindo cada vez mais fundamentação objetiva para o conhecimento. A
organização da “casa” pedia cada vez mais conhecimento da identidade material
dos seus componentes, assim como a identificação da natureza simbólica, mágica
e religiosa por meio de uma crescente racionalização. Ora os dois níveis, tanto
o material quanto o simbólico, mágico e religioso, tiveram o seu ponto de
partido no conhecimento intuitivo. Assim, por ex., a astronomia conferiu
legitimidade, racionalidade, se preferirmos, fornecendo a explicação para “o
como” os astros se movimentam, enquanto a astrologia respondia aos “porquês” da
coreografia terrestre. Em outras palavras. A astronomia como ciência exata,
garante racionalidade científica ao universo, enquanto a filosofia e a teologia
oferecem a racionalidade espiritual.