Reflexões sugeridas pela Encíclica Laudato si - 9 -

Uma questão fundamental a ser resolvida, está implícita nos ensinamentos da Encíclica, no momento quando o Papa lembra “que uma teologia integral requer a abertura para categorias  que transcendem a linguagem das Ciências ou da biologia  e nos põe em contato com a essência do se humano”. Poderíamos, quem sabe, formular  a questão de uma outra maneira. Para tentar entender a relação existencial com a “sua casa” natural em toda a sua extensão e profundidade, não basta nem a racionalidade científica, nem a filosófica nem a teológica. A explicação é simples. A racionalidade fundamenta-se em bases objetivas, a Ciência no “preto sobre branco”, dos resultados fornecidos pelos seus método e instrumentos. As Ciências do Espírito tiram  suas conclusões sobre “o preto e o branco” dos seus raciocínios e silogismos supostamente sem brechas. É verdade que com isso chega-se a entender, vamos dizer, a metade da complexa relação do homem com a natureza. Voltando à metáfora da “casa”, duas formas de racionalidade explicam a construção, os materiais empregados, o projeto técnico em função das necessidades de sobrevivência do homem como indivíduo  e como espécie. Acontece que com isso falta explicar o outro lado, exatamente aqueles atributos que fazem da “casa” uma “Querência”, um “Heim”, um “Home”. Lembrando São Francisco de Assis que se comunicava com todas as criaturas, ao ponto de pregar para as flores e o pássaros, o Papa pergunta: “Porque sua reação ultrapassava de longe uma mera avaliação intelectual ou um cálculo econômico, porque para ele, qualquer criatura era uma irmã, unida a ele por laços de carinho”. (Laudato se, 11)

Defrontamo-nos, à essa altura, com um desfio de respeitável tamanho. Se a atitude de São Francisco de Assis e de todos os demais que percebem na natureza aspectos que escapam às conclusões da Ciência, nem cabem na racionalidade dos silogismos, com que ferramenta é possível identificá-los? Não importa se a resposta vem da parte da Ciência consciente da limitação  dos seus métodos  e instrumentos; tão pouco importa se de filósofos e teólogos que não se satisfazem com a frieza dos seus raciocínios; tão pouco importa ainda se vem das pessoas comuns que tem uma capacidade como ninguém  para “farejar” sentidos, símbolos e mistérios na Natureza; tão pouco dão conta do recado as experiências dos místicos.

A explicação vem da forma de conhecer que foi a primeira disponível ao homem nos primórdios da sua existência como espécie. Seu relacionamento com o mundo ambiente foi possível por meio dos sentidos, como qualquer outro animal em sua volta. Mas, equipado com inteligência reflexa, foi observando o que havia e o que acontecia em sua volta. O ensaio e o erro ensinaram-lhe as escolhas a serem feitas, as opções a serem descartadas. Ao mesmo tempo “farejando” o que acontecia em sua volta, foi “intuindo” significados, simbolismos nos fatos, fenômenos e acontecimentos da natureza. Foi por esse caminho que a humanidade consolidou os seus mais antigos corpos do conhecimento. Não foram o resultado de uma lógica irrefutável ou  das evidências “preto no branco” de métodos científicos. Foram o produto elaborado à bases da Intuição. No entendimento do Pe. Rambo

Entre a Ciência e a Fé estende-se o vasto campo da intuição que não é outra coisa senão um conhecimento condensado. Não se trata ali tanto do significado imediato da palavra, como do som subliminar que emite e a ressonância que desperta. A essa melodia concomitante da linguagem humana até hoje se prestou muito pouca atenção. Bem considerada, ela não é um som secundário e sim a nota dominante no contexto musical do espírito dinâmico do homem.  (Rambo, 1994, p. 265)

O Pe. Rambo escreveu esse parágrafo no contexto de uma reflexão sobre a construção do conhecimento. Em se tratando especificamente do conhecimento da natureza, do meio ambiente, da “nossa casa”, a intuição como  forma de conhecer, assume uma importância toda especial. Isso decorre do fato de o homem ser “filho dessa mãe e pátria” no sentido mais próprio do conceito. Essa questão já foi objeto de análise mais acima. A inserção existencial na natureza como então definimos essa relação, faz com que o ser humano perceba o meio em que vive com seus sentidos, o identifique e entenda pela intuição e a partir dela  cria métodos, tecnologias e categorias mentais, para organizar  “sua casa”, torná-la habitável e fornecer os alimentos para o corpo e o espírito.

A intuição, na verdade, foi a primeira das formas do conhecimento. Se fixarmos a história do homem em um milhão de anos, sem favor nenhum em 95% dessa história  seus conhecimentos vieram-lhe da intuição. E foi o conhecer via intuição que levou às demais vias de conhecer, conferindo base “científica”, ou “racionalidade” ao conhecimento intuitivo.


Acontece que a evolução das culturas e civilizações  foi exigindo cada vez mais fundamentação objetiva para o conhecimento. A organização da “casa” pedia cada vez mais conhecimento da identidade material dos seus componentes, assim como a identificação da natureza simbólica, mágica e religiosa por meio de uma crescente racionalização. Ora os dois níveis, tanto o material quanto o simbólico, mágico e religioso, tiveram o seu ponto de partido no conhecimento intuitivo. Assim, por ex., a astronomia conferiu legitimidade, racionalidade, se preferirmos, fornecendo a explicação para “o como” os astros se movimentam, enquanto a astrologia respondia aos “porquês” da coreografia terrestre. Em outras palavras. A astronomia como ciência exata, garante racionalidade científica ao universo, enquanto a filosofia e a teologia oferecem a racionalidade espiritual.

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