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Uma abordagem assim exige “a unidade de conhecimento” (cf. Citação acima) ou se para ficarmos com o conceito norteador dessas reflexões, essa abordagem pede “a síntese do conhecimento” Esse objetivo pressupõe o recurso a um método com potencial de amalgamar  os conhecimentos parciais vindos dos mais diversas subáreas que entram em questão. O autor não se serve explicitamente do conceito de “Interdisciplinariedade” como método capaz de cumprir essa tarefa. Lendo, porém, com atenção os dois parágrafos acima citados, não resta dúvida de que este é o caminho. Por isso convém aprofundar um pouco mais o que vem a ser esse método como instrumento na construção de  sínteses.

Em primeiro lugar, a síntese do conhecimento não significa  a sua redução a um nível, por ex., o “científico”, como postula o Positivismo. Nem tão pouco realiza-se essa síntese no plano da Filosofia ou da Teologia, ou da História ou de qualquer outro campo específico do saber. Os diversos conhecimentos particulares ou setoriais, são qualitativamente diferentes entre si. Os conhecimentos produzidos pelas Ciências Naturais, pela História, pela Filosofia, pelo Direito ou pela Economia, tem a sua legitimação garantida a partir de fundamentos epistemológicos próprios a cada uma dessas especialidades. Sendo assim, forçar uma síntese  a um único nível, violenta a natureza das coisas e leva a uma  compreensão equivocada da realidade global. Sendo assim, não é possível fazer verdadeira História quando os elementos que a compõem são interpretados pelo viés único do fator econômico ou geográfico. A conclusão lógica, quando levada ao extremo termina no determinismo econômico ou geográfico. A transdisciplinariedade como instrumento de trabalho leva  a essa subordinação, por isso, constitui-se na ferramenta própria à ideologização do conhecimento e ou à uma interpretação política, religiosa ou outa qualquer. Verifica-se, portanto, uma subordinação, no caso dos fatos históricos ao fator econômico, geográfica, religioso  ou outro qualquer. A multidisciplinariedade propõe o estudo de mais áreas  do conhecimento e ou as sub áreas sem se importar do que representam ou significam para o todo da área. Parece que esse fundamento epistemológico vem a ser o grande vilão responsável pela fragmentação do conhecimento verificado tanto nas Ciências Naturais, quanto nas Ciências do Espírito, quanto nas Ciências Humana, nas Letras e nas próprias Artes. É o caminho oposto a uma compreensão orgânica ou sistêmica do todo do qual formalmente fazem parte. Os dois métodos orientam, salvo melhor juízo, predominantemente, a pesquisa e a docência nas universidades que seguem o modelo napoleônico presente em toda a América Latina. Favorece, quem sabe uma profissionalização precoce além de uma especialização que de tanto dissecar perde a noção do todo. A fim de evitar esses inconvenientes, para não chama-los de equívocos, temos como recurso a interdisciplinariedade que oferece  a trilha ser seguida para chegar a uma autêntica síntese.

Em segundo lugar, feita opção pela interdisciplinariedade é preciso prestar atenção ao fato de que as diferenças qualitativas  de cada objeto de investigação implicam em dois aspectos que precisam ser tomados em consideração. O primeiro, chama a atenção de que não se pode esquecer que cada objeto de investigação, por ex., o clima, a história de um povo, o equilíbrio ambiental, as questões sociológicas, etc., etc. vale-se de instrumentos de aproximação peculiares. Significa que cada objeto segue uma metodologia privativa para abordá-lo e compreendê-lo, sem recorrer a conhecimentos oriundos de outra fonte. Essa relativa autonomia significa, de outra parte, que para chegar, por ex., à Filosofia não se tenha que partir obrigatoriamente da Ciência, ou à Teologia a partir da Filosofia. Dito de outra maneira: o Filósofo não precisa ser um cientista, nem teólogo filósofo, nem o historiador geógrafo ou linguista, o que não significa que não seja de grande utilidade transitar por campos complementares daquele que é o seu. O segundo, chama a atenção para não esquecer  que a “descontinuidade” qualitativa dos objetos  particulares de investigação tem seus limites, quando a questão é a busca da síntese na Biologia, na História, na Filosofia, ou a sínese global do Conhecimento. Alfonso Borreroresumiu a questão nos seguintes termos:

(...) a descontinuidade implique na autonomia das disciplinas particulares, porque cada uma e cada setor de disciplinas se constroem  sobre suas próprias bases. (...) A autonomia relativa, contudo, não impede as relações e interdependências. A Filosofia dá muito a pensar ao cientista e vice-versa. Os conhecimentos se complementam, corrigem e se controlam mutuamente. Dessa maneira se realiza uma urdidura, uma articulação interdisciplinar complexa e dinâmica, no processo da construção do conhecimento (e ou síntese. Inciso do autor) (cf. Borrero, ASCUN, 1992, nº 20, p. 7)

Resulta dessa forma uma relação de interdependência e não de dependência, nem de independência. Não se trata de dependência pois, criaríamos um situação de subordinação. É óbvio que se uma disciplina ou área de conhecimento depender de outra, a condicionante ocupa um lugar hierarquicamente mais acima do que a condicionada. Configura-se uma situação de dependência quando, por ex., os conhecimentos  de matemática são condição para efetuar cálculos de estruturas, os conhecimento de química são indispensáveis para efetuar uma pesquisa do genoma, a astrofísica  pressupõe o conhecimento das física... Dito de outra maneira. Não se fazem cálculos estruturais sem conhecimentos de matemática; as análises do comportamento bioquímico do DNA  sem conhecimentos de bioquímica. A pesquisa de um objeto condicionado só então tem chances de  resultados consistentes quando o pesquisador vem munido com os conhecimentos prévios da área do saber condicionante. Os exemplos citados não deixam dúvida. Isso, porém, não vale para a relação que se estabelece entra a Filosofia e a Ciência, entre a Teologia e a Ciência, entre a História e a Geografia, entre a Ética e a Ecologia ... Não se pressupõem conhecimentos filosóficos para realizar pesquisas científicas e vice-versa. A relação que se estabelece é de interdependência e de complementariedade, não de dependência e ou condicionamento. Dito de outra maneira. A Filosofia tem muito a ganhar se tomar em consideração os resultados das pesquisas científicas. Da mesma forma os dados científicos observados e ou interpretados à luz da Filosofia ou da Ética, só podem ter o significado dos seus resultados enriquecidos. Nos ambientes em que se pratica esse diálogo interdisciplinar como rotina, melhor, como base metodológica, os saberes e conhecimentos setoriais “complementam-se, corrigem-se e controlam-se mutuamente. Resulta daí uma articulação interdisciplinar complexa, dinâmica em todas as fases e níveis da construção do conhecimento (cf.Borrero, ASCUN, 1992, nº 20).

Em resumo é legítimo afirmar que, em se tratando de uma situação de dependência, uma disciplina ou área de conhecimento ocupa a condição de “conditio sine qua non”, já que o condicionado só prospera em função do condicionante. Ou ainda. A dependência e a subordinação definem a natureza da relação.

A situação de interdependência e complementariedade, que também pode ser chamada de independência relativa,  pede mais alguns esclarecimentos. A independência diz respeito tanto ao objeto quanto à base teórico-metodológica com que é tratada. A relatividade dessa independência ou autonomia de resultados, no que diz respeito à sua interpretação, repercute concreta  e praticamente na vida dos indivíduos, na sociedade, no meio ambiente e na formação da cosmovisão.

A independência  da qual nos ocupamos há pouco, não é nem linear nem uniforme. Assume o grau de importância ditado por cada situação concreta, por cada momento histórico e pela natureza das realidades interdependentes. Um exemplo ilustrativo oferece o estudo da História na sua relação mútua com a Geografia. Pela sua própria natureza o homem tem as raízes existencialmente fincadas no seu entorno geográfico. Este garante-lhe  a sobrevivência, o progresso, a prosperidade, fornecendo os alimentos e os abrigos indispensáveis para viver e sobreviver. Oferece também inspiração para criar todo um mundo simbólico, indispensável para dar forma, vida e colorido ao imaginário povoado por seres e personagens os mais inusitados.

Não é aqui o lugar para aprofundar a análise do exemplo de que nos valemos, isto é, a complementariedade entre a História e a Geografia. A intenção foi mostrar que o fazer História sem tomar em conta o chão, o cenário ou palco físico sobre o qual aconteceu e ainda continua acontecendo, leva a equívocos de interpretação e distorções muito sérias. Eis uma prova de que interpretar  corretamente na sua complexidade, no exemplo citado, um fato histórico, requer conhecimentos complementares. Mais exatamente. É preciso partir de uma base teórico-metodológica interdisciplinar. Não significa que se pretenda explicar um fato histórico pelas peculiaridades geográficas nas quais aconteceu. A compreensão da História como uma ciência epistemológica e metodologicamente de natureza própria, ganha muito na sua forma e riqueza dos significados, quando estudada à luz da Geografia, por sua vez uma ciência com identidade e autonomia epistemológica, metodológica e conceitual própria. Da mesma forma e, continuando como exemplo da História, ela busca ainda  em outras áreas complementares, como  na Etnografia, Etnologia, Antropologia, Arqueologia, Linguística e outras mais, a explicação para os caminhos, desvios e atalhos singulares, verificados nos mais diversos momentos de sua trajetória. Em termos, o que vale para a História aplica-se a toda e qualquer outra área do conhecimento.

Quarto princípio, No entendimento de Wilson, ensina que até o final do primeiro ano do curso superior os estudantes deveriam ter buscado conhecimento nos mais diversos campos do saber e assimilado as ferramentas teóricas e metodológicas, para seguir em frente em alguma especialidade. Ele mesmo resumiu esse modo de acumular lastro para uma futura especialização ou profissão em sua obra “A Criação”.

Ao chegar ao segundo ano  da universidade, todos os alunos já deveriam  ter começado a pensar estrategicamente sobre a própria educação. O melhor caminho a seguir tem a forma de um T. O traço vertical representa o mergulho em alguma especialidade; a barra horizontal a amplitude da experiência adquirida com uma educação liberal. A especialização serve  como porta de entrada para alguma profissão, ou como preparatório para a pós-graduação. As artes liberais  dizem mais respeito à flexibilidade e à maturidade do intelecto. É claro que essa combinação já é a visada pela maioria das universidades e dos institutos de ensino superior de quatro anos. No segundo ano os alunos devem escolher uma disciplina principal (“major” ou “concentração”), tal como inglês, biologia ou economia e, também fazer vários cursos optativos, que contemplam todo panorama intelectual. Mas a maioria dos estudantes  tem que ser  convencida que essa é melhor estratégia para eles. (Wilson, 2008,  p. 256)

Depois de definir o quando, o como e o quanto de conhecimentos os estudantes de um curso de graduação deveriam apropriar-se, Wilson  dá o exemplo da Biologia, sua área de especialista. O aluno que optar por essa especialidade, aprofunde-se nela com todo o seu potencial “e trate o restante como parte da sua educação geral”, depois vai mergulhando o mais fundo possível numa das muitas sub áreas do vasto campo da biologia, depois de ter pesquisado um pouco de tudo que ela sugere e, finalmente encontrar o seu  “lar” intelectual. Para se decidir a habitar um “lar” determinado o estímulo determinante vem a ser normalmente a intuição, o faro, a inclinação natural, o seguir “a voz do coração”, dedicar-se “com paixão” à sua formação. como aconselhava seus alunos. E esse é o quinto princípio proposto para quem pretende de fato representar alguém na profissão ou na especialidade científica pela qual se decidir. Wilson resumiu assim, de como chegar a esse nível.

Voltando ao tema da paixão como mola propulsora do aprendizado, a dedicação do professor é mais eficiente quando se expressa  por meio da arte de ensinar, e também pelo amor claramente demonstrado pelo assunto em si. Os alunos secundários e universitários buscam sua identidade pessoal, mas anseiam igualmente por uma grande causa, maior do que eles próprios. De alguma forma, essas duas marcas da maturidade serão alcançadas, quer sejam torpes, quer sejam nobres. Nesse trajeto eles precisam de mentores em quem confiar, heróis para emular e realizações que sejam duradouras. (Wilson, 2008,  p. 157)    
                                                                                                                              

Acontece que o autor de “A Criação”, tem como referência de como nas universidades americanas do norte se encara a formação nos cursos de graduação e pós-graduação. Esse modelo tem a sua origem no casamento bem sucedido entre a universidade alemã e a inglesa. Na alemã  emprestava-se o  valor maior ao conhecimento e às ferramentas teórico-metodológicas capazes de apropriar-se dele. Por princípio não se visava um conhecimento diretamente aplicável na prática, mas o conhecimento em si, de cunho mais generalista que deveria servir de base, de pano d fundo, sobre o qual os egressos estivessem em condições de prosperar tanto numa área profissional técnica, quanto na pesquisa científica, quanto nas humanidades, nas letras e artes ou nas ciências do espírito. O modelo de universidade inglesa, sem negligenciar uma sólida formação para um futuro profissional propriamente dito, parecido ao das universidade alemã, insistia em somar-lhe o elemento formação do cidadão que, além de conhecimentos formais consistentes o transformava em cidadão culto e preparado para começar com sucesso  qualquer caminhada profissional. O resultado vem a ser um “gentelman”, um “vir bonus peritus dicendi” como ensinam os velhos romanos, isto é, um cidadão educado, com conhecimentos amplos e capaz de transmiti-los com maestria. Aliás, num intervalo enquanto punha no papel essas reflexões, li uma entrevista ao Globo  de Robert Cowen, professor emérito do Instituo de Educação da Universidade de Londres,  e  divulgada nas redes sociais. Tendo como fundo a avaliação crítica dos MBAs. Chama a atenção  para o fato de  que a formação com essa ferramenta chega a ser perigosa; de que os dados mostram que as pessoas não só trocam de emprego várias vezes na vida como também de carreira; de que pouco importa o que os governos estão fazendo pois, o futuro será moldado pelos fenômenos da internacionalização e da inovação; de que “as fundações, as empresas, os institutos, todos terão que achar um jeito de se adaptar a essa realidade”; de que as pessoas mais bem preparadas para se movimentar nesse panorama sabem muito bem qual o perfil de profissional que procuram, e vão achar uma forma de treiná-lo na própria empresa se for preciso. O diploma de uma boa universidade por ex.,  não importa em que, se em engenharia, economia, história ou sociologia, vale mais do que o título formal impresso nele. Reforçando o que afirmou o entrevistado chamou a atenção ao paradoxo dessa visão, constatado nas 15 maiores empresas da Inglaterra. Nelas  surpreende o número de formados em História, quando as carreiras mais procuradas são administração ou direito. Outro exemplo é o modelo americano no qual é rotineiro que a mesma pessoa apresente diplomas de graduação, mestrado e doutorado em áreas diferentes, comum nos Estados Unidos,  “o que permite uma formação mais ampla”. No Japão o nível da universidade é mais importante do que o diploma que alguém exibe. A lógica é retilínea: “Se você foi inteligente o suficiente para entrar numa instituição concorrida conseguirá emprego, mesmo que em outra área”. O professor Cowen pergunta e responde ao aparente paradoxo: “Porque há tantos historiadores entre os executivos das empresas mais importantes na Inglaterra? Porque as pessoas no mercado têm que absorver um volume imenso de dados e serem hábeis em fazer julgamentos importantes  diante de informações incompletas. É exatamente o desafio que um historiador enfrenta. Você não precisa de um MBA para isso, apesar de os MBA terem virado um modismo”. (...) “Não acho uma boa ideia deixar as decisões mais importante nas mãos de técnicos”. (...) “No Brasil, um país  com tantas questões  sociais importantes, certamente a ultima coisa que vocês precisam é de um bando de tecnocratas pensando em como organizar o país”.

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Formação da consciência ecológica

Na obra, “A Criação – como salvar a vida na terra”, Wilson dedica os capítulos 5º até o13º, para mostrar em detalhes como as categorias zoológicas que integram a Biosfera e uma intrincada complexidade de inter-relações  garantem a harmonia do funcionamento do todo como um “fato objetivo”. Não deixa de alertar que a par  da perfeição na montagem e do funcionamento perfeito e maravilhoso de cada um dos ecossistemas em função do todo, a biosfera não passa de um manto fino e extremamente frágil que envolve o nosso planeta. Qualquer intromissão mais profunda na sua estrutura e funcionamento, põe em risco a integridade do todo. Qualquer pessoa interessada no sua integridade e equilíbrio não pode dispensar um mínimo de conhecimentos sobre questões básicas do que significa a Natureza  para vida vegetal, animal e humana.

Não há necessidade de lembrar de que a humanização da terra  alcançou um patamar de interferência em todos os ecossistemas tal, que obriga a uma reflexão séria e profunda sobre o futuro do planeta e em consequência sobre o futuro da espécie humana. O tema ecologia, uso sustentável dos recursos naturais, aquecimento global, alimentos naturais, etc., etc., são temas sempre presentes. Na batalha em favor da defesa e preservação da natureza entram as motivações mais variadas e mais desencontradas. Os ativistas defendem a causa vão desde aqueles que o fazem por ser um dos tema da vez, passando por aqueles movidos por interesses de promoção pessoal, por razões ideológicas, políticas e outras menos confessáveis. A esses somam-se os muitos  que de fato se empenham pela questões ambientais como uma cruzada para atalhar a marcha da degradação das paisagens naturais que avança num ritmo e numa proporção no mínimo preocupante. Qualquer ação, qualquer programa ou, se quisermos, qualquer cruzada nesse sentido, motivada pela razão que for, pode ser considerada válida. Mas esses engajamentos, interesseiros ou idealistas, não passam  a médio e a logo prazo de esforços erráticos com resultados proporcionalmente pouco satisfatórios. Para que o movimentos comprometidos com a “salvação do planeta” tenham fôlego para contribuir de forma consistente na salvação dessa “mãe e pátria”, na definição de Balduino Rambo, supõem um compromisso existencial para com ela. É fundamental que as pessoas simples, as mais instruídas e os próprios cientistas tenham consciência dessa realidade. Não basta conhecer e agir para enfrentar o desfio, mas a consciência  que as raízes do ser humano se alimentam do chão em vive, nasce e morre.. Por isso, de um lado significa de que ele não é um mero administrador dos bens naturais, dos “frutos da terra”, mas como Homo sapiens” mais uma espécie, a mais evoluída por sinal. Esse fato deveria despertar nas pessoas, de um lado a consciência do pertencimento que termina em amor à natureza, resultando na preocupação e zelo pela sua integridade e do outro, que todos os homens, independentemente de raça, classe ou posses, a geração atual e as futuras,  possam usufruir de tudo que “a mãe e pátria  tem para oferecer. As propostas, os projetos e as ações para salvar o planeta somente então merecem credibilidade quando forem o resultado prático   dessa convicção.  E,  pelo princípio da ética de que o barco da Natureza em os homens navegam é igualmente  de todos, por isso mesmo, todos tem o direito de nele encontrar um lar habitável e não a tal ponto  degradado que todos corram perigo. O dilema resume-se no seguinte: ou o barco da natureza navega tranquilo e seguro rumo ao futuro com seus passageiros, ou naufraga com todos.  Wilson, partindo dessa constatação, descreve todo um caminho a ser percorrido para salvar o barco antes que naufrague. O pressuposto resume-se em despertar pelos meios de comunicação disponíveis, nas crianças já na família e depois na escola, nos adultos,  cientistas, humanistas e filósofos uma paixão até romântica e mística pela Natureza que os abriga. Em resumo. Para obtermos resultados de fato decisivos e definitivos na batalha pela salvação  da  biosfera, é preciso jogar-se na tarefa com todos o potenciais disponíveis nas pessoas, os naturais e os espirituais. Sem engajamento existencial na luta pela saúde e o equilíbrio do nosso planeta, todo o esforço irá resumir-se, no final das contes, numa sequência de ensaios e erros. Em outras palavras. Todo o esforço da ecologia  precisa alimentar-se da consciência de que a Natureza  e o homem inserido nela, são o fruto de uma síntese, um mega sistema, no qual cada peça, por insignificante que pareça, cumpre uma função na manutenção do equilíbrio do todo. Wilson dedicou os últimos quatro últimos capítulos de “A Criação”, para insistir de que não basta ter conhecimento especializado sobre a enorme complexidade da Natureza como sistema e os milhares de  subsistemas que a integram, como cada um deles funciona em função no todo e sua adaptação ao meio geográfico. É preciso algo mais, muito  mais profundo e abrangente.

O ingrediente básico  para o amor ao estudo é o mesmo do amor romântico, ou do amor aos país, ou por Deus, a paixão por um determinado assunto. O conhecimento acompanhado por emoções agradáveis permanece dentro de nós. Ele vem à tona, e quando é lembrado, desperta outras conexões criando a metáfora – a linha de frente do pensamento criativo. Em contraste, aquele aprendizado que se dá por meio  da memorização rotineira desaparece rapidamente, tornando-se um amontoado confuso de palavras, fatos e historietas. O Santo Graal da educação liberal é a fórmula pela qual a paixão pode se  expandir sistematicamente, tanto para a ciência como para as humanidades – e, portanto, para o melhor da cultura. (Wilson, 2008,  p. 145)

Para definir essa paixão  pelo objeto de estudo que alguém escolhe ou pela causa abraçada, Wilson lembrou a sua própria experiência como aluno de biologia na universidade do Alabama. Ao recordar três dos seus mestres e iniciadores na arte de fazer ciência, termina por traçar o perfil do pesquisador, do especialista que trabalha com paixão e sabe transmiti-la aos  alunos dispostos a pautar sua vida posterior pelos mesmos moldes. O mundo intelectual de sua professora de parasitologia médica, Septima Smith, eram os micróbios, pequenos vermes e outros invertebrados que infestavam a zona rural do Alabma. Fazia da parasitologia um estilo de vida e não apenas uma disciplina a ser ministrada. O segundo mestre que o marcou para o resto da vida chamava-se Allan Archer. Não exercia a docência mas trabalhava como curador do Museu de História Natural do Alabama situado dentro do campus da universidade. Seu laboratório ocupava um recinto dentro do museu. “Ensinou-me a falar a linguagem de verdadeiro pesquisador científico. Não se importava com dinheiro nem fama; importava-se com a biologia e classificação das aranhas”. (A Criação, p. 147). O mestre que mais o marcou foi Ralph Chermock. Sob sua orientação familiarizou-se com a “Síntese Moderna da teoria da evolução. Estimulado por ele, Wilson e seus colegas percorreram todos os recantos do Alabama, coletando anfíbios, répteis, formigas, besouros e outros mais. A vivência e o aprendizado com esse mestre deixou em resumo a seguinte impressão nos alunos. “Mas nossa vivência nessas pesquisas de campo e a alegria que sentíamos com esse treinamento prático penetraram nos nossos ossos e moldaram a nossa alma”. (A criação, p. 148). A compreensão da natureza aprendida com seus mestres na universidade e depois como professor universitário, lecionando entre outras disciplinas Introdução à Biologia para alunos que não iriam seguir o caminho da pesquisa biológica, chegou à conclusão de que esses princípios deveriam constar no currículo do  final do ensino médio, na graduação e pós-graduação. Como conclusão sobre o aprendizado da biologia aconselha cinco princípios que deveriam orientá-lo.

O primeiro princípio manda começar o tratamento de um assunto “de cima para baixo”, isto é, do geral para o particular. Por ex., ao estudar o ecossistema de uma área geográfica o primeiro passo consiste em traçar um perfil do conjunto, desenhar um mapa descritivo do todo ou a fisionomia da região em questão ou então outro tema qualquer a partir do todo para, depois, descer aos detalhes. Vale a pena reproduzir na versão original dessa premissa para começar o estudo de algum assunto novo.

Comece abordando uma questão ampla, do tipo que já é interessante para os alunos e relevante para a vida deles, e então descasque as camadas causais, tais como compreendidas no momento, aumentando aos poucos os detalhes técnicos e filosoficamente polêmicos, a fim de ensinar e provocar. Explique, por exemplo, o envelhecimento e a morte da melhor maneira possível, segundo nossos conhecimentos atuais da evolução, genética e fisiologia; explore a seguir as consequências para a demografia, as políticas públicas, a filosofia. Por fim tome caminhos laterais, se quiser, abordando as consequências  desse fenômeno para a história, a religião, a ética, as artes criativas. Não ensine de baixo para cima, do tipo “Vamos aprender um pouco disso e também um pouco daquilo e depois combinar esses conhecimentos  para formar  um quadro geral”. Não pinte o quadro em pequenas pinceladas pontilhistas, para alunos que se entendiam facilmente. Em vez disso, mostre o quadro inteiro, o mais depressa possível; mostre qual o motivo de sua importância naquele momento e durante toda  a vida deles. Passe a dissecar esse conjunto e chegue finalmente aos alicerces. (Wilson, 2008,  p. 150)

O segundo e o terceiro princípios pedem que se ultrapasse as fronteiras da área de conhecimento na qual alguém se especializa. Sob o conceito de Biologia, por ex., abrigam-se atualmente dezenas de especialidades que de forma interdisciplinar convergem para a compreensão  da vida e entender as inter-relações entre os seres vivos de todos os níveis de complexidade, como interagem entre si e como funciona a biosfera como um todo e cada um dos subsistemas  em que pode se dividida. Pela sua própria natureza ela transcende as suas próprias fronteiras permeando todos os demais campos do conhecimento. Fornece subsídios indispensáveis para entender o comportamento humano, a organização social, formação das raças humanas e sua expansão pelo diversos ecossistemas do mundo e sua inserção neles. Dessa maneira a Biologia avançou e ultrapassou as fronteiras para  iluminar um vasto campo intermediário ainda pouco explorado que promete surpresas para aqueles que nele se aprofundarem. A condição para obter sucesso nessa exploração resume-se na superação da concepção do que

antes se considerava uma divisão epistemológica entre os grandes ramos do aprendizado está emergindo da névoa acadêmica como algo muito diferente, e muito mais interessante: um amplo domínio intermediário de fenômenos, em geral  inexplorados, aberto a uma abordagem cooperativa vinda de ambos os lados daquela antiga divisão. Disciplinas vindas de um lado desse terreno intermediário, -  por ex., a neurociência e a biologia evolutiva – já se conectam com suas vizinhas mais próximas, a psicologia e a antropologia, do outro lado da linha divisória.
Esse domínio intermediário equivale a uma região de avanço intelectual excepcionalmente rápido. Mais ainda, trata de  assuntos nos quais os alunos (e todos nós) estão profundamente interessados: a natureza e  a origem da vida, o significado do sexo, a bases da natureza humana, a evolução da  vida, porque precisamos morrer, a origem da religião e da ética, as causas da reação estética, o papel do meio ambiente na genética humana e na evolução cultural, e outros mais. (Wilson, 2008,  p. 155)


Examinando com um pouco mais de atenção essa recomendação de Wilson, chega-se à conclusão  de que a superação das  barreiras  epistemológicas entre as diversas áreas do conhecimento, aponta o caminho  para uma verdadeira concepção sintética do que  e do como  acontece a Biosfera. Levada nesta perspectiva ações tópicas para salvar um espécie animal ou vegetal com risco de extinção, tem um valor limitado sem potencial para garantir o ecossistema em que vive. O inverso é verdadeiro. Um ecossistema qualquer subsiste sem  maior problema quando um dos seus componentes desaparece, por ex., uma espécie de macaco ou um felino, ou uma ave. Essas espécies e as demais, porém, não  sobrevivem  sem que o ecossistema de que precisam seja degradado além de um limite crítico. Pouco valor tem o esforço de salvar o mico-leão-dourado se a mata atlântica, seu habitat, for devastada. Em outras palavras, um projeto para salvar essa espécie necessariamente deve ser executado como parte de uma ação mais abrangente que consiste em salvar a mata atlântica, que lhe garante a subsistência e a sobrevivência a longo prazo. Caso contrário, a salvação da espécie será um esforço inútil. O máximo que pode acontecer é preservar um número limitado de exemplares em ambientes artificiais, recurso que em questão de algumas gerações vai modificando e até destruindo a natureza de uma espécie. Não se põe em dívida o valor e a urgência de ações que tem como finalidade a proteção de muitas espécies à beira da extinção pela caça  e  a pesca predatória que atingem certas espécies mas não destroem o ecossistema. Em resumo importa entender os problemas, no caso, das espécies de animais e plantas, inseridas e dependentes do meio em que surgiram e evoluíram. Da mesma forma todos os demais objetos de estudo como por ex., se alguém pretende entender o comportamento de uma pessoa ou um grupo de pessoas não adianta começar pelo estudo de casos localizados quando eles são apenas o reflexo de condicionamentos que tem sua origem em esfera mais ampla e acima dos indivíduos e das próprias organizações humanas. A explicação última de tudo que acontece a nível individual e coletivo, tem a sua fonte e raiz na Natureza humana. Consequentemente a lógica manda que o estudioso esteja de posse de um conhecimento mínimo do que seja a natureza humana; que organização social, a organização econômica,  organização política,  organização religiosa, a comunicação e as artes; que essas organizações atendem respectivamente a exigências básicas da natureza humana , como o acesso aos bens materiais de subsistência, a natureza social do homem, a natureza política, natureza religiosa, a necessidade de dar vasão e forma à natureza estética e artística. A conclusão é óbvia.  A economia, o direito, a sociologia, as religiões, as artes tem na sua origem na antropologia, entendida como a ciência que estuda o homem tanto na sua dimensão física quanto como uma espécie biológica, quanto na sua dimensão espiritual, como fundamento, raiz e razão de ser das necessidades básicas que se  acabam de mencionar.  Acontece que a natureza humana se realiza nessas duas  dimensões, existencialmente inserida na Biosfera e  como tal sua existência e sobrevivência dependem da bem sucedida relação com o seu meio físico-geográfico. Sendo assim não basta  uma noção superficial e romântica da natureza humana, como o que vem a representar para ele o universo biológico e físico no qual ela se realiza. Em outras palavras, o que vem a ser o palco sobre o qual o homem encontra as condições para desdobrar os potenciais da sua natureza única.  Sem entender minimamente a biosfera e sua estrutura até os mínimos detalhes não basta estar ao par quantas minhocas ou quantos micro-organismos vivem num metro quadrado de solo. É preciso entender como eles atuam no solo, o que um solo significa para todos os animais,  vegetais e o homem que se alimentam dele, e todo esse conjunto de realidades se inter-relacionam para resultar em algo maior do que a mera soma das integrantes, das quais são feitos os organismos e a complexidade dos  ecossistema em que vivem. A condição vem a ser que a qualquer compreensão da Natureza e qualquer iniciativa em favor da sua preservação, pressupõe o lugar e o sentido das partes num ecossistema, seu real potencial de manter manter-se em equilíbrio, o que representa para outros ecossistemas, suas repercussões para fora da natureza propriamente dita sobre a sobrevivência do homem e suas culturas e quais os limites críticos da sua sustentabilidade.

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Até a essa altura da história – entre 15000 a 20000 anos – a humanidade vivia e progredia numa quase perfeita harmonia com os ambientes naturais. Sua interferência na natureza não passava dos limites das suas necessidades básicas. Todos os ecossistemas, os grandes, os pequenos, os locais, os regionais e os continentais, ostentavam suas fisionomias originais. Dispersas pelas florestas, estepes e savanas observavam-se colunas de fumaça indicando os locais dos acampamentos, das moradas em abrigos artificiais ou em cavernas dos nossos antepassados remotos. Esse cenário começou a mudar com a “revolução dos alimentos” como a denominou Darcy Ribeiro, a entrada na história da agricultura e da criação de animais, ou a “primeira traição da natureza” conforme Edward Wilson. O motor dessa nova dinâmica que deu início ao Neolítico, tem a sua raiz em duas  descobertas dotadas de um poderoso potencial de libertação do homem da dependência total do meio geográfico e seu progressivo controle sobre os recursos necessários à sua subsistência. Esse lado da medalha justifica a afirmação de Darcy Ribeiro. De outra parte marca o começo da humanização das paisagens avançando em ritmo geométrico até alcançar níveis críticos neste começo do terceiro milênio. Avaliado sob esse prisma,  Edward Wilson está cheio de razão  quando fala em “traição à natureza”. A “revolução dos alimentos”” que pela sua própria natureza implicou numa “traição à natureza” mereceu o comentário.
O poder de destruição do Homo sapiens não tem limites, embora nossa biomassa seja quase invisível de tão minúscula. É matematicamente possível empilhar todas as pessoas da Terra em um único bloco de 4 quilômetros cúbicos e esconder esse bloco em alguma área remota do Grand Canyon, até que desapareça. Contudo, a humanidade é a primeira espécie na história da vida na Terra a se tornar geofísica. O homem, esse ser bípede, cabeça-de-vento,  já alterou a atmosfera e o clima do planeta, desviando-os em muito das normas usuais. Já espalhamos milhares de substâncias químicas tóxicas pelo mundo inteiro, já nos apropriamos de 40% da energia solar disponível para a fotossíntese, já convertemos quase todas as terra facilmente aráveis, já represamos a maioria dos rios, já elevamos o nível dos mares, e agora, em uma virada capaz de atrair a atenção geral como nunca antes se conseguiu, estamos perto de esgotar a água. Um efeito colateral  de toda essa atividade frenética é a  extinção contínua de ecossistemas naturais, junto com as espécies que os compõem. Trata-se do único impacto da atividade humana que é irreversível. (Wilson, 2008,  p. 38-39)

Diante desse quadro preocupante, Wilson como especialista em entomologia  e estudioso de todas as outras nano formas de vida, chama a atenção para a  importância delas na sustentação da biosfera como um sistema, como uma síntese de extrema complexidade e, ao mesmo tempo, de impressionante fragilidade. Há em primeiro lugar o fato de que a extinção de espécies, tanto animais quanto vegetais, priva irremediavelmente as futuras gerações de preciosos recursos naturais. Com a extinção de cada espécie animal e vegetal desaparece, sem deixar vestígio, mais uma parcela preciosa de informações de como funciona a Natureza, qual a função que lhe cabe no bom funcionamento do todo e até que ponto empobrece e fragiliza a natureza como uma síntese global. Incontáveis fontes de medicamentos, plantas comestíveis, madeiras, fibras estarão irremediavelmente perdidos. Perdida também estará a contribuição que as espécies de plantas extintas poderiam oferecer para  a restauração dos solos, somado à contribuição ao equilíbrio do clima, da umidade, do regime de chuvas  e da retenção e distribuição da água subterrânea.

Um outro aspecto da questão costuma passar despercebido para os críticos das iniciativas e cruzadas em favor do meio ambiente, e os próprio promotores e ativistas engajados em programas  de defesa da Natureza. Mais acima já tocamos nessa questão. Referimo-nos a nano e microfauna que povoa todos os cantos e recantos onde há um mínimo para viver. Sua importância é crucial para manter os ecossistemas em equilíbrio funcional, para que a síntese não se desfaça.

As plantas verdes, bem como as legiões de micro-organismos e minúsculos invertebrados, são a matriz que sustenta a nossa existência. E eles o fazem por uma simples razão: por serem tão diversos geneticamente, o que lhes permite dividir seus papéis no ecossistema até um altíssimo grau de resolução. São tão abundantes que pelo menos alguns ocupam praticamente cada metro quadrado da superfície da Terra. Suas funções no ecossistema são redundantes: se uma espécie é eliminada, muitas vezes já há outra capaz de se expandir e tomar o lugar daquela, pelo  menos em parte. As demais espécies, em conjunto, constituídas sobretudo de “bichinhos” e “mato”, governam o mundo  exatamente do jeito como gostaríamos que ele fosse governado, pois, durante a pré-história, a humanidade evoluiu de modo a depender das ações combinadas desses seres e da garantia de estabilidade que a biodiversidade oferece ao mundo.
A Natureza viva  nada mais é do o conjunto dos organismos em estado natural e o equilíbrio físico e químico que essas espécies geram por intermédio de sua interação. Mas também é nada menos que esse conjunto e esse equilíbrio. O poder da natureza viva consiste em sua sustentabilidade por meio da complexidade. Basta desestabilizá-la. degradando-a para um estado mais simples, como a nossa espécie parece estar decidida a fazer, e o resultado pode ser catastrófico. Os organismo mais afetados provavelmente serão os maiores e mais complexos, inclusive o homem. (Wilson, 2008  p. 41)

Especialista que é em Entomologia, Wilson serve-se dos seus conhecimentos sobre insetos para exemplificar a sua afirmação. Entre todos os seres vivos conhecidos, estudados e catalogados, os insetos são de longe o grupo mais numeroso e diversificado. Por ocasião da publicação do livro “A Criação”, em 2006, constavam 900 mil espécies descritas e classificadas. Os cientistas estimam que o número das já descritas e as que aguardam a classificação deve chegar ao surpreendente número  de  10 milhões ou mais. O volume da biomassa  desse fantástico universo de insetos equivale ao quase inimaginável. Cerca de um trilhão de milhões de insetos se movimentam na biosfera. Estima-se que seu peso equivalha ao de 7 bilhões de seres humanos. Os insetos, os minúsculos copépodos, crustáceos marinhos, os ácaros e os vermes nematoides são responsáveis por quatro quintos da biomassa total do planeta. Wilson pergunta: “Será que alguém acredita que essas pequeninas  criaturas existem apenas para preencher espaço?” (A Criação,, p. 42). Entre os  insetos, as abelhas por ex., são indispensáveis para a reprodução dos angiospermas, pois, respondem pela polinização. Pelo efeito de seu extermínio por meio de inseticidas, os chineses têm muito a lamentar. Milhões de dólares são necessários para polinizar pomares, trabalho prestado de graça pelas abelhas que de troco ainda fornecem o mel com as muitas qualidade nutritivas e medicinais. De outra parte os insetos dispensam a presença do homem. A recíproca já não e verdadeira. Se a humanidade desaparecesse de uma hora para a outra da face da terra, poucas ou nenhuma espécie de insetos seria afetada, além de algumas  exclusivamente adaptadas para parasitar o homem. Suposta a extinção da espécie humana em menos de meio milênio, os ecossistemas se regenerariam e voltariam a ostentar aa fisionomia de 10000 anos passados. Como já referimos, do acidente nuclear de Chernobil originou-se um laboratório natural significativo dessa capacidade de auto regeneração da Natureza. De  outra parte, porém, se os insetos fossem extintos na sua totalidade, todos os ecossistemas entrariam em colapso. Em resumo. A espécie humana não sobreviveria sem os insetos, mas os insetos sobreviveriam tranquilamente sem a presença do homem. Vale a pena esquematizar o  efeito dominó do colapso progressivo nos ecossistemas naturais com a ausência  dos insetos, elaborado por Wilson.

A maioria das plantas que dão flores - as angiospermas – privadas do seus insetos polinizadores pára de se reproduzir.
Entre elas a maioria das espécies de plantas  herbáceas decresce até a extinção. Os arbustos e as árvores polinizadas por insetos sobrevivem mais alguns anos, ou, em alguns casos raros, até séculos.
A grande maioria dos pássaros e outros vertebrados terrestres, privados da sua alimentação especializada de folhas, frutos e insetos, segue as plantas em extinção.
Desprovido dos insetos o solo não é revolvido, o que acelera  o declínio das plantas, uma vez que são os insetos – e não as minhocas, como em geral se pensa – os principais encarregados de remexer e renovar o solo.
Populações de fungos e bactérias explodem e  prosseguem no auge durante alguns anos, enquanto metabolizam o material das plantas e animais mortos, que vai se acumulando.
Os tipos de relva polinizados pelo vento e um punhado de espécies de samambaias e coníferas se alastram pela maior parte das áreas deflorestadas e depois conhecem algum declínio, à medida que o solo se deteriora.
A espécie humana sobrevive, mas volta a viver de grãos polinizados pelo  vento e da pesca marinha. Porém, com a fome generalizada durante as primeiras décadas, as populações humanas despencam para uma pequena fração dos níveis anteriores. As guerras pelo controle dos recursos cada vez mais escassos, o sofrimento, o declínio tumultuado para um barbarismo da Idade das Trevas seriam sem precedentes na história humana.
Agarrando-se à sobrevivência em um mundo devastado, e aprisionados em uma verdadeira  Idade das Trevas do ponto de vista ecológico, os sobreviventes iriam rezar implorando a volta das plantas e dos insetos. (Wilson, 2008,  p. 43-44)

Diante desse quadro sombrio, resultante da extinção dos insetos o autor adverte que é preciso avaliar com toda a seriedade o uso de inseticidas. Uma única espécie das centenas de milhares faz uma enorme falta na manutenção do equilíbrio ambiental. Somente em raríssimos casos, a erradicação seria aceitável. Entre eles contam os piolhos parasitas exclusivos do homem, ou os mosquitos  africanos Anopholes gambiae que se alimentam do sangue humano e transmitem  malária do tipo maligno. Apenas uma em 10 mil espécies de insetos merece se combatida por ser prejudicial ao homem. Um dos maiores, senão o maior dos  desafios que os estudiosos enfrentam, é entender exatamente como funciona a biosfera e os ecossistemas que a compõem. Esse esforço implica em definir como esses ecossistemas são estruturados, como funcionam e, principalmente, as causas capazes de desmontá-los. “A Terra é um laboratório no qual a Natureza ou Deus, se o senhor preferir Pastor) colocou diante de nós os resultados de incontáveis experiências. Ela fala conosco, então vamos escutá-la” (A Criação, p. 46). É sintomático como Balduino Rambo, Francis Collins e Edward Wilson, concordam, por assim dizer, nos próprios conceitos. Para o primeiro a Natureza é o livro aberto da Revelação. Basta saber lê-lo para entender a sua mensagem; para Collins o código genético é “Linguagem de que Deus se serve para comunicar-se  com seus interlocutores; para Wilson; a Natureza fala conosco”. Para entendê-la corretamente é preciso de muito conhecimento sobre a enorme complexidade da sua estrutura, sobre a fina calibragem que garante o perfeito funcionamento das partes em função da integridade e harmonia do todo, sobre os riscos que se enfrentam quando de  intervenções predatórias, mal pensadas e ou irresponsáveis. Esse alerta dos três grandes estudiosos e dos demais analisados até aqui e de muitos outros, sem dúvida, aponta para o argumento maior em favor de qualquer iniciativa que tem como objetivo a luta pela preservação da integridade e saúde do nosso Planeta. Como a espécie biológica humana é um rebento da natureza como todas as demais, sua existência e sua razão de ser consiste em servir-se dos bens da Natureza na medida em que todos os homens, individualmente, tenham acesso aos recursos necessários para o seu bem estar material e espiritual. Não há necessidades de recorrer a uma lógica complicada para perceber que estamos diante de um Postulado Ético. O interesse pela integridade dos ecossistemas e seus recursos naturais por razões econômicas, políticas, ideológicas, saudosistas ou qualquer outra, perde a razão de ser no momento em que se ignora  o “Fator Ético”.


Salvo melhor entendimento, está suficientemente claro o que Edward Wilson concluiu com suas pesquisas,  vivências, mais exatamente, com o estudo dos insetos e a observação do funcionamento dos ecossistemas, como ele próprio resumiu ao afirmar de que, “a Natureza é um fato objetivo”. Bertalanffy diria que a Natureza  é um “Sistema” gigantesco e infinitamente complexo. Teilhard de Chardin a descreveu por meio da sua grandiosa concepção do universo, que supõe um começo, um “alfa” que prima pela simplicidade, mas que foi o ponto de partida para uma complexificação auto alimentada em progressão geométrica, até o estado em que o Homo sapiens dotado de inteligência reflexa, entrou em cena e  foi perturbando gradativamente o equilíbrio da biosfera como um todo até um patamar preocupante