Uma
abordagem assim exige “a unidade de conhecimento” (cf. Citação acima) ou se
para ficarmos com o conceito norteador dessas reflexões, essa abordagem pede “a
síntese do conhecimento” Esse objetivo pressupõe o recurso a um método com
potencial de amalgamar os conhecimentos
parciais vindos dos mais diversas subáreas que entram em questão. O autor não
se serve explicitamente do conceito de “Interdisciplinariedade” como método
capaz de cumprir essa tarefa. Lendo, porém, com atenção os dois parágrafos
acima citados, não resta dúvida de que este é o caminho. Por isso convém
aprofundar um pouco mais o que vem a ser esse método como instrumento na
construção de sínteses.
Em
primeiro lugar, a síntese do conhecimento não significa a sua redução a um nível, por ex., o
“científico”, como postula o Positivismo. Nem tão pouco realiza-se essa síntese
no plano da Filosofia ou da Teologia, ou da História ou de qualquer outro campo
específico do saber. Os diversos conhecimentos particulares ou setoriais, são
qualitativamente diferentes entre si. Os conhecimentos produzidos pelas
Ciências Naturais, pela História, pela Filosofia, pelo Direito ou pela
Economia, tem a sua legitimação garantida a partir de fundamentos
epistemológicos próprios a cada uma dessas especialidades. Sendo assim, forçar
uma síntese a um único nível, violenta a
natureza das coisas e leva a uma
compreensão equivocada da realidade global. Sendo assim, não é possível
fazer verdadeira História quando os elementos que a compõem são interpretados
pelo viés único do fator econômico ou geográfico. A conclusão lógica, quando
levada ao extremo termina no determinismo econômico ou geográfico. A
transdisciplinariedade como instrumento de trabalho leva a essa subordinação, por isso, constitui-se
na ferramenta própria à ideologização do conhecimento e ou à uma interpretação
política, religiosa ou outa qualquer. Verifica-se, portanto, uma subordinação,
no caso dos fatos históricos ao fator econômico, geográfica, religioso ou outro qualquer. A multidisciplinariedade propõe
o estudo de mais áreas do conhecimento e
ou as sub áreas sem se importar do que representam ou significam para o todo da
área. Parece que esse fundamento epistemológico vem a ser o grande vilão
responsável pela fragmentação do conhecimento verificado tanto nas Ciências
Naturais, quanto nas Ciências do Espírito, quanto nas Ciências Humana, nas
Letras e nas próprias Artes. É o caminho oposto a uma compreensão orgânica ou
sistêmica do todo do qual formalmente fazem parte. Os dois métodos orientam,
salvo melhor juízo, predominantemente, a pesquisa e a docência nas universidades
que seguem o modelo napoleônico presente em toda a América Latina. Favorece,
quem sabe uma profissionalização precoce além de uma especialização que de
tanto dissecar perde a noção do todo. A fim de evitar esses inconvenientes,
para não chama-los de equívocos, temos como recurso a interdisciplinariedade
que oferece a trilha ser seguida para
chegar a uma autêntica síntese.
Em
segundo lugar, feita opção pela interdisciplinariedade é preciso prestar
atenção ao fato de que as diferenças qualitativas de cada objeto de investigação implicam em dois
aspectos que precisam ser tomados em consideração. O primeiro, chama a atenção
de que não se pode esquecer que cada objeto de investigação, por ex., o clima,
a história de um povo, o equilíbrio ambiental, as questões sociológicas, etc.,
etc. vale-se de instrumentos de aproximação peculiares. Significa que cada
objeto segue uma metodologia privativa para abordá-lo e compreendê-lo, sem
recorrer a conhecimentos oriundos de outra fonte. Essa relativa autonomia
significa, de outra parte, que para chegar, por ex., à Filosofia não se tenha
que partir obrigatoriamente da Ciência, ou à Teologia a partir da Filosofia.
Dito de outra maneira: o Filósofo não precisa ser um cientista, nem teólogo
filósofo, nem o historiador geógrafo ou linguista, o que não significa que não
seja de grande utilidade transitar por campos complementares daquele que é o
seu. O segundo, chama a atenção para não esquecer que a “descontinuidade” qualitativa dos
objetos particulares de investigação tem
seus limites, quando a questão é a busca da síntese na Biologia, na História,
na Filosofia, ou a sínese global do Conhecimento. Alfonso Borreroresumiu a
questão nos seguintes termos:
(...) a descontinuidade implique na autonomia das
disciplinas particulares, porque cada uma e cada setor de disciplinas se
constroem sobre suas próprias bases.
(...) A autonomia relativa, contudo, não impede as relações e
interdependências. A Filosofia dá muito a pensar ao cientista e vice-versa. Os
conhecimentos se complementam, corrigem e se controlam mutuamente. Dessa
maneira se realiza uma urdidura, uma articulação interdisciplinar complexa e
dinâmica, no processo da construção do conhecimento (e ou síntese. Inciso do
autor) (cf. Borrero, ASCUN, 1992, nº 20, p. 7)
Resulta
dessa forma uma relação de interdependência e não de dependência, nem de
independência. Não se trata de dependência pois, criaríamos um situação de
subordinação. É óbvio que se uma disciplina ou área de conhecimento depender de
outra, a condicionante ocupa um lugar hierarquicamente mais acima do que a
condicionada. Configura-se uma situação de dependência quando, por ex., os
conhecimentos de matemática são condição
para efetuar cálculos de estruturas, os conhecimento de química são
indispensáveis para efetuar uma pesquisa do genoma, a astrofísica pressupõe o conhecimento das física... Dito de
outra maneira. Não se fazem cálculos estruturais sem conhecimentos de
matemática; as análises do comportamento bioquímico do DNA sem conhecimentos de bioquímica. A pesquisa
de um objeto condicionado só então tem chances de resultados consistentes quando o pesquisador
vem munido com os conhecimentos prévios da área do saber condicionante. Os
exemplos citados não deixam dúvida. Isso, porém, não vale para a relação que se
estabelece entra a Filosofia e a Ciência, entre a Teologia e a Ciência, entre a
História e a Geografia, entre a Ética e a Ecologia ... Não se pressupõem
conhecimentos filosóficos para realizar pesquisas científicas e vice-versa. A
relação que se estabelece é de interdependência e de complementariedade, não de
dependência e ou condicionamento. Dito de outra maneira. A Filosofia tem muito
a ganhar se tomar em consideração os resultados das pesquisas científicas. Da
mesma forma os dados científicos observados e ou interpretados à luz da
Filosofia ou da Ética, só podem ter o significado dos seus resultados
enriquecidos. Nos ambientes em que se pratica esse diálogo interdisciplinar
como rotina, melhor, como base metodológica, os saberes e conhecimentos
setoriais “complementam-se, corrigem-se e controlam-se mutuamente. Resulta daí
uma articulação interdisciplinar complexa, dinâmica em todas as fases e níveis da
construção do conhecimento (cf.Borrero, ASCUN, 1992, nº 20).
Em
resumo é legítimo afirmar que, em se tratando de uma situação de dependência,
uma disciplina ou área de conhecimento ocupa a condição de “conditio sine qua
non”, já que o condicionado só prospera em função do condicionante. Ou ainda. A
dependência e a subordinação definem a natureza da relação.
A
situação de interdependência e complementariedade, que também pode ser chamada
de independência relativa, pede mais
alguns esclarecimentos. A independência diz respeito tanto ao objeto quanto à
base teórico-metodológica com que é tratada. A relatividade dessa independência
ou autonomia de resultados, no que diz respeito à sua interpretação, repercute
concreta e praticamente na vida dos
indivíduos, na sociedade, no meio ambiente e na formação da cosmovisão.
A
independência da qual nos ocupamos há
pouco, não é nem linear nem uniforme. Assume o grau de importância ditado por
cada situação concreta, por cada momento histórico e pela natureza das
realidades interdependentes. Um exemplo ilustrativo oferece o estudo da
História na sua relação mútua com a Geografia. Pela sua própria natureza o
homem tem as raízes existencialmente fincadas no seu entorno geográfico. Este
garante-lhe a sobrevivência, o
progresso, a prosperidade, fornecendo os alimentos e os abrigos indispensáveis
para viver e sobreviver. Oferece também inspiração para criar todo um mundo
simbólico, indispensável para dar forma, vida e colorido ao imaginário povoado
por seres e personagens os mais inusitados.
Não
é aqui o lugar para aprofundar a análise do exemplo de que nos valemos, isto é,
a complementariedade entre a História e a Geografia. A intenção foi mostrar que
o fazer História sem tomar em conta o chão, o cenário ou palco físico sobre o
qual aconteceu e ainda continua acontecendo, leva a equívocos de interpretação
e distorções muito sérias. Eis uma prova de que interpretar corretamente na sua complexidade, no exemplo
citado, um fato histórico, requer conhecimentos complementares. Mais
exatamente. É preciso partir de uma base teórico-metodológica interdisciplinar.
Não significa que se pretenda explicar um fato histórico pelas peculiaridades
geográficas nas quais aconteceu. A compreensão da História como uma ciência
epistemológica e metodologicamente de natureza própria, ganha muito na sua
forma e riqueza dos significados, quando estudada à luz da Geografia, por sua
vez uma ciência com identidade e autonomia epistemológica, metodológica e
conceitual própria. Da mesma forma e, continuando como exemplo da História, ela
busca ainda em outras áreas
complementares, como na Etnografia,
Etnologia, Antropologia, Arqueologia, Linguística e outras mais, a explicação
para os caminhos, desvios e atalhos singulares, verificados nos mais diversos
momentos de sua trajetória. Em termos, o que vale para a História aplica-se a
toda e qualquer outra área do conhecimento.
Quarto
princípio, No entendimento de Wilson, ensina que até o final do primeiro ano do
curso superior os estudantes deveriam ter buscado conhecimento nos mais
diversos campos do saber e assimilado as ferramentas teóricas e metodológicas,
para seguir em frente em alguma especialidade. Ele mesmo resumiu esse modo de
acumular lastro para uma futura especialização ou profissão em sua obra “A
Criação”.
Ao chegar ao segundo ano da universidade, todos os alunos já
deveriam ter começado a pensar
estrategicamente sobre a própria educação. O melhor caminho a seguir tem a
forma de um T. O traço vertical representa o mergulho em alguma especialidade;
a barra horizontal a amplitude da experiência adquirida com uma educação
liberal. A especialização serve como
porta de entrada para alguma profissão, ou como preparatório para a
pós-graduação. As artes liberais dizem
mais respeito à flexibilidade e à maturidade do intelecto. É claro que essa
combinação já é a visada pela maioria das universidades e dos institutos de
ensino superior de quatro anos. No segundo ano os alunos devem escolher uma
disciplina principal (“major” ou “concentração”), tal como inglês, biologia ou
economia e, também fazer vários cursos optativos, que contemplam todo panorama
intelectual. Mas a maioria dos estudantes
tem que ser convencida que essa é
melhor estratégia para eles. (Wilson, 2008, p. 256)
Depois
de definir o quando, o como e o quanto de conhecimentos os estudantes de um
curso de graduação deveriam apropriar-se, Wilson dá o exemplo da Biologia, sua área de
especialista. O aluno que optar por essa especialidade, aprofunde-se nela com
todo o seu potencial “e trate o restante como parte da sua educação geral”,
depois vai mergulhando o mais fundo possível numa das muitas sub áreas do vasto
campo da biologia, depois de ter pesquisado um pouco de tudo que ela sugere e,
finalmente encontrar o seu “lar”
intelectual. Para se decidir a habitar um “lar” determinado o estímulo
determinante vem a ser normalmente a intuição, o faro, a inclinação natural, o seguir
“a voz do coração”, dedicar-se “com paixão” à sua formação. como aconselhava
seus alunos. E esse é o quinto princípio proposto para quem pretende de fato
representar alguém na profissão ou na especialidade científica pela qual se
decidir. Wilson resumiu assim, de como chegar a esse nível.
Voltando ao tema da paixão como mola propulsora do
aprendizado, a dedicação do professor é mais eficiente quando se expressa por meio da arte de ensinar, e também pelo
amor claramente demonstrado pelo assunto em si. Os alunos secundários e
universitários buscam sua identidade pessoal, mas anseiam igualmente por uma
grande causa, maior do que eles próprios. De alguma forma, essas duas marcas da
maturidade serão alcançadas, quer sejam torpes, quer sejam nobres. Nesse
trajeto eles precisam de mentores em quem confiar, heróis para emular e
realizações que sejam duradouras. (Wilson, 2008, p. 157)
Acontece
que o autor de “A Criação”, tem como referência de como nas universidades
americanas do norte se encara a formação nos cursos de graduação e
pós-graduação. Esse modelo tem a sua origem no casamento bem sucedido entre a
universidade alemã e a inglesa. Na alemã
emprestava-se o valor maior ao
conhecimento e às ferramentas teórico-metodológicas capazes de apropriar-se
dele. Por princípio não se visava um conhecimento diretamente aplicável na
prática, mas o conhecimento em si, de cunho mais generalista que deveria servir
de base, de pano d fundo, sobre o qual os egressos estivessem em condições de
prosperar tanto numa área profissional técnica, quanto na pesquisa científica,
quanto nas humanidades, nas letras e artes ou nas ciências do espírito. O
modelo de universidade inglesa, sem negligenciar uma sólida formação para um
futuro profissional propriamente dito, parecido ao das universidade alemã,
insistia em somar-lhe o elemento formação do cidadão que, além de conhecimentos
formais consistentes o transformava em cidadão culto e preparado para começar
com sucesso qualquer caminhada
profissional. O resultado vem a ser um “gentelman”, um “vir bonus peritus
dicendi” como ensinam os velhos romanos, isto é, um cidadão educado, com
conhecimentos amplos e capaz de transmiti-los com maestria. Aliás, num
intervalo enquanto punha no papel essas reflexões, li uma entrevista ao Globo de Robert Cowen, professor emérito do Instituo
de Educação da Universidade de Londres, e
divulgada nas redes sociais. Tendo como fundo a avaliação crítica dos
MBAs. Chama a atenção para o fato de que a formação com essa ferramenta chega a ser
perigosa; de que os dados mostram que as pessoas não só trocam de emprego várias
vezes na vida como também de carreira; de que pouco importa o que os governos
estão fazendo pois, o futuro será moldado pelos fenômenos da
internacionalização e da inovação; de que “as fundações, as empresas, os
institutos, todos terão que achar um jeito de se adaptar a essa realidade”; de
que as pessoas mais bem preparadas para se movimentar nesse panorama sabem muito
bem qual o perfil de profissional que procuram, e vão achar uma forma de
treiná-lo na própria empresa se for preciso. O diploma de uma boa universidade
por ex., não importa em que, se em
engenharia, economia, história ou sociologia, vale mais do que o título formal
impresso nele. Reforçando o que afirmou o entrevistado chamou a atenção ao
paradoxo dessa visão, constatado nas 15 maiores empresas da Inglaterra.
Nelas surpreende o número de formados em
História, quando as carreiras mais procuradas são administração ou direito.
Outro exemplo é o modelo americano no qual é rotineiro que a mesma pessoa
apresente diplomas de graduação, mestrado e doutorado em áreas diferentes,
comum nos Estados Unidos, “o que permite
uma formação mais ampla”. No Japão o nível da universidade é mais importante do
que o diploma que alguém exibe. A lógica é retilínea: “Se você foi inteligente
o suficiente para entrar numa instituição concorrida conseguirá emprego, mesmo
que em outra área”. O professor Cowen pergunta e responde ao aparente paradoxo:
“Porque há tantos historiadores entre os executivos das empresas mais importantes
na Inglaterra? Porque as pessoas no mercado têm que absorver um volume imenso
de dados e serem hábeis em fazer julgamentos importantes diante de informações incompletas. É
exatamente o desafio que um historiador enfrenta. Você não precisa de um MBA
para isso, apesar de os MBA terem virado um modismo”. (...) “Não acho uma boa
ideia deixar as decisões mais importante nas mãos de técnicos”. (...) “No
Brasil, um país com tantas questões sociais importantes, certamente a ultima
coisa que vocês precisam é de um bando de tecnocratas pensando em como
organizar o país”.