Formação da consciência ecológica
Na
obra, “A Criação – como salvar a vida na terra”, Wilson dedica os capítulos 5º até
o13º, para mostrar em detalhes como as categorias zoológicas que integram a
Biosfera e uma intrincada complexidade de inter-relações garantem a harmonia do funcionamento do todo
como um “fato objetivo”. Não deixa de alertar que a par da perfeição na montagem e do funcionamento
perfeito e maravilhoso de cada um dos ecossistemas em função do todo, a
biosfera não passa de um manto fino e extremamente frágil que envolve o nosso planeta.
Qualquer intromissão mais profunda na sua estrutura e funcionamento, põe em
risco a integridade do todo. Qualquer pessoa interessada no sua integridade e
equilíbrio não pode dispensar um mínimo de conhecimentos sobre questões básicas
do que significa a Natureza para vida
vegetal, animal e humana.
Não
há necessidade de lembrar de que a humanização da terra alcançou um patamar de interferência em todos
os ecossistemas tal, que obriga a uma reflexão séria e profunda sobre o futuro
do planeta e em consequência sobre o futuro da espécie humana. O tema ecologia,
uso sustentável dos recursos naturais, aquecimento global, alimentos naturais,
etc., etc., são temas sempre presentes. Na batalha em favor da defesa e preservação
da natureza entram as motivações mais variadas e mais desencontradas. Os
ativistas defendem a causa vão desde aqueles que o fazem por ser um dos tema da
vez, passando por aqueles movidos por interesses de promoção pessoal, por
razões ideológicas, políticas e outras menos confessáveis. A esses somam-se os
muitos que de fato se empenham pela questões
ambientais como uma cruzada para atalhar a marcha da degradação das paisagens
naturais que avança num ritmo e numa proporção no mínimo preocupante. Qualquer
ação, qualquer programa ou, se quisermos, qualquer cruzada nesse sentido,
motivada pela razão que for, pode ser considerada válida. Mas esses engajamentos,
interesseiros ou idealistas, não passam a médio e a logo prazo de esforços erráticos
com resultados proporcionalmente pouco satisfatórios. Para que o movimentos
comprometidos com a “salvação do planeta” tenham fôlego para contribuir de
forma consistente na salvação dessa “mãe e pátria”, na definição de Balduino Rambo,
supõem um compromisso existencial para com ela. É fundamental que as pessoas simples, as mais
instruídas e os próprios cientistas tenham consciência dessa realidade. Não
basta conhecer e agir para enfrentar o desfio, mas a consciência que as raízes do ser humano se alimentam do
chão em vive, nasce e morre.. Por isso, de um lado significa de que ele não é
um mero administrador dos bens naturais, dos “frutos da terra”, mas como Homo
sapiens” mais uma espécie, a mais evoluída por sinal. Esse fato deveria
despertar nas pessoas, de um lado a consciência do pertencimento que termina em
amor à natureza, resultando na preocupação e zelo pela sua integridade e do
outro, que todos os homens, independentemente de raça, classe ou posses, a
geração atual e as futuras, possam
usufruir de tudo que “a mãe e pátria tem
para oferecer. As propostas, os projetos e as ações para salvar o planeta
somente então merecem credibilidade quando forem o resultado prático dessa
convicção. E, pelo princípio da ética de que o barco da Natureza
em os homens navegam é igualmente de
todos, por isso mesmo, todos tem o direito de nele encontrar um lar habitável e
não a tal ponto degradado que todos corram
perigo. O dilema resume-se no seguinte: ou o barco da natureza navega tranquilo
e seguro rumo ao futuro com seus passageiros, ou naufraga com todos. Wilson, partindo dessa constatação, descreve
todo um caminho a ser percorrido para salvar o barco antes que naufrague. O
pressuposto resume-se em despertar pelos meios de comunicação disponíveis, nas
crianças já na família e depois na escola, nos adultos, cientistas, humanistas e filósofos uma paixão até
romântica e mística pela Natureza que os abriga. Em resumo. Para obtermos
resultados de fato decisivos e definitivos na batalha pela salvação da
biosfera, é preciso jogar-se na tarefa com todos o potenciais
disponíveis nas pessoas, os naturais e os espirituais. Sem engajamento
existencial na luta pela saúde e o equilíbrio do nosso planeta, todo o esforço
irá resumir-se, no final das contes, numa sequência de ensaios e erros. Em
outras palavras. Todo o esforço da ecologia
precisa alimentar-se da consciência de que a Natureza e o homem inserido nela, são o fruto de uma
síntese, um mega sistema, no qual cada peça, por insignificante que pareça,
cumpre uma função na manutenção do equilíbrio do todo. Wilson dedicou os
últimos quatro últimos capítulos de “A Criação”, para insistir de que não basta
ter conhecimento especializado sobre a enorme complexidade da Natureza como
sistema e os milhares de subsistemas que
a integram, como cada um deles funciona em função no todo e sua adaptação ao
meio geográfico. É preciso algo mais, muito mais profundo e abrangente.
O
ingrediente básico para o amor ao estudo
é o mesmo do amor romântico, ou do amor aos país, ou por Deus, a paixão por um
determinado assunto. O conhecimento acompanhado por emoções agradáveis
permanece dentro de nós. Ele vem à tona, e quando é lembrado, desperta outras
conexões criando a metáfora – a linha de frente do pensamento criativo. Em
contraste, aquele aprendizado que se dá por meio da memorização rotineira desaparece
rapidamente, tornando-se um amontoado confuso de palavras, fatos e historietas.
O Santo Graal da educação liberal é a fórmula pela qual a paixão pode se expandir sistematicamente, tanto para a
ciência como para as humanidades – e, portanto, para o melhor da cultura.
(Wilson, 2008, p. 145)
Para
definir essa paixão pelo objeto de
estudo que alguém escolhe ou pela causa abraçada, Wilson lembrou a sua própria
experiência como aluno de biologia na universidade do Alabama. Ao recordar três
dos seus mestres e iniciadores na arte de fazer ciência, termina por traçar o
perfil do pesquisador, do especialista que trabalha com paixão e sabe transmiti-la
aos alunos dispostos a pautar sua vida
posterior pelos mesmos moldes. O mundo intelectual de sua professora de
parasitologia médica, Septima Smith, eram os micróbios, pequenos vermes e
outros invertebrados que infestavam a zona rural do Alabma. Fazia da
parasitologia um estilo de vida e não apenas uma disciplina a ser ministrada. O
segundo mestre que o marcou para o resto da vida chamava-se Allan Archer. Não exercia
a docência mas trabalhava como curador do Museu de História Natural do Alabama
situado dentro do campus da universidade. Seu laboratório ocupava um recinto
dentro do museu. “Ensinou-me a falar a linguagem de verdadeiro pesquisador
científico. Não se importava com dinheiro nem fama; importava-se com a biologia
e classificação das aranhas”. (A Criação, p. 147). O mestre que mais o marcou
foi Ralph Chermock. Sob sua orientação familiarizou-se com a “Síntese Moderna
da teoria da evolução. Estimulado por ele, Wilson e seus colegas percorreram
todos os recantos do Alabama, coletando anfíbios, répteis, formigas, besouros e
outros mais. A vivência e o aprendizado com esse mestre deixou em resumo a
seguinte impressão nos alunos. “Mas nossa vivência nessas pesquisas de campo e
a alegria que sentíamos com esse treinamento prático penetraram nos nossos
ossos e moldaram a nossa alma”. (A criação, p. 148). A compreensão da natureza
aprendida com seus mestres na universidade e depois como professor universitário,
lecionando entre outras disciplinas Introdução à Biologia para alunos que não
iriam seguir o caminho da pesquisa biológica, chegou à conclusão de que esses
princípios deveriam constar no currículo do
final do ensino médio, na graduação e pós-graduação. Como conclusão
sobre o aprendizado da biologia aconselha cinco princípios que deveriam
orientá-lo.
O
primeiro princípio manda começar o tratamento de um assunto “de cima para
baixo”, isto é, do geral para o particular. Por ex., ao estudar o ecossistema
de uma área geográfica o primeiro passo consiste em traçar um perfil do
conjunto, desenhar um mapa descritivo do todo ou a fisionomia da região em
questão ou então outro tema qualquer a partir do todo para, depois, descer aos
detalhes. Vale a pena reproduzir na versão original dessa premissa para começar
o estudo de algum assunto novo.
Comece abordando uma questão ampla, do tipo que já é
interessante para os alunos e relevante para a vida deles, e então descasque as
camadas causais, tais como compreendidas no momento, aumentando aos poucos os
detalhes técnicos e filosoficamente polêmicos, a fim de ensinar e provocar.
Explique, por exemplo, o envelhecimento e a morte da melhor maneira possível,
segundo nossos conhecimentos atuais da evolução, genética e fisiologia; explore
a seguir as consequências para a demografia, as políticas públicas, a
filosofia. Por fim tome caminhos laterais, se quiser, abordando as
consequências desse fenômeno para a
história, a religião, a ética, as artes criativas. Não ensine de baixo para
cima, do tipo “Vamos aprender um pouco disso e também um pouco daquilo e depois
combinar esses conhecimentos para
formar um quadro geral”. Não pinte o
quadro em pequenas pinceladas pontilhistas, para alunos que se entendiam
facilmente. Em vez disso, mostre o quadro inteiro, o mais depressa possível;
mostre qual o motivo de sua importância naquele momento e durante toda a vida deles. Passe a dissecar esse conjunto
e chegue finalmente aos alicerces. (Wilson, 2008, p. 150)
O
segundo e o terceiro princípios pedem que se ultrapasse as fronteiras da área
de conhecimento na qual alguém se especializa. Sob o conceito de Biologia, por
ex., abrigam-se atualmente dezenas de especialidades que de forma
interdisciplinar convergem para a compreensão
da vida e entender as inter-relações entre os seres vivos de todos os
níveis de complexidade, como interagem entre si e como funciona a biosfera como
um todo e cada um dos subsistemas em que
pode se dividida. Pela sua própria natureza ela transcende as suas próprias
fronteiras permeando todos os demais campos do conhecimento. Fornece subsídios indispensáveis
para entender o comportamento humano, a organização social, formação das raças
humanas e sua expansão pelo diversos ecossistemas do mundo e sua inserção neles.
Dessa maneira a Biologia avançou e ultrapassou as fronteiras para iluminar um vasto campo intermediário ainda
pouco explorado que promete surpresas para aqueles que nele se aprofundarem. A
condição para obter sucesso nessa exploração resume-se na superação da
concepção do que
antes se considerava uma divisão epistemológica entre
os grandes ramos do aprendizado está emergindo da névoa acadêmica como algo
muito diferente, e muito mais interessante: um amplo domínio intermediário de
fenômenos, em geral inexplorados, aberto
a uma abordagem cooperativa vinda de ambos os lados daquela antiga divisão.
Disciplinas vindas de um lado desse terreno intermediário, - por ex., a neurociência e a biologia
evolutiva – já se conectam com suas vizinhas mais próximas, a psicologia e a
antropologia, do outro lado da linha divisória.
Esse domínio intermediário equivale a uma região de
avanço intelectual excepcionalmente rápido. Mais ainda, trata de assuntos nos quais os alunos (e todos nós)
estão profundamente interessados: a natureza e
a origem da vida, o significado do sexo, a bases da natureza humana, a
evolução da vida, porque precisamos
morrer, a origem da religião e da ética, as causas da reação estética, o papel
do meio ambiente na genética humana e na evolução cultural, e outros mais.
(Wilson, 2008, p. 155)
Examinando
com um pouco mais de atenção essa recomendação de Wilson, chega-se à
conclusão de que a superação das barreiras
epistemológicas entre as diversas áreas do conhecimento, aponta o caminho
para uma verdadeira concepção sintética
do que e do como acontece a Biosfera. Levada nesta perspectiva
ações tópicas para salvar um espécie animal ou vegetal com risco de extinção,
tem um valor limitado sem potencial para garantir o ecossistema em que vive. O
inverso é verdadeiro. Um ecossistema qualquer subsiste sem maior problema quando um dos seus componentes
desaparece, por ex., uma espécie de macaco ou um felino, ou uma ave. Essas
espécies e as demais, porém, não
sobrevivem sem que o ecossistema de
que precisam seja degradado além de um limite crítico. Pouco valor tem o
esforço de salvar o mico-leão-dourado se a mata atlântica, seu habitat, for
devastada. Em outras palavras, um projeto para salvar essa espécie
necessariamente deve ser executado como parte de uma ação mais abrangente que
consiste em salvar a mata atlântica, que lhe garante a subsistência e a
sobrevivência a longo prazo. Caso contrário, a salvação da espécie será um esforço
inútil. O máximo que pode acontecer é preservar um número limitado de
exemplares em ambientes artificiais, recurso que em questão de algumas gerações
vai modificando e até destruindo a natureza de uma espécie. Não se põe em
dívida o valor e a urgência de ações que tem como finalidade a proteção de
muitas espécies à beira da extinção pela caça
e a pesca predatória que atingem
certas espécies mas não destroem o ecossistema. Em resumo importa entender os
problemas, no caso, das espécies de animais e plantas, inseridas e dependentes
do meio em que surgiram e evoluíram. Da mesma forma todos os demais objetos de
estudo como por ex., se alguém pretende entender o comportamento de uma pessoa
ou um grupo de pessoas não adianta começar pelo estudo de casos localizados
quando eles são apenas o reflexo de condicionamentos que tem sua origem em
esfera mais ampla e acima dos indivíduos e das próprias organizações humanas. A
explicação última de tudo que acontece a nível individual e coletivo, tem a sua
fonte e raiz na Natureza humana. Consequentemente a lógica manda que o estudioso
esteja de posse de um conhecimento mínimo do que seja a natureza humana; que
organização social, a organização econômica,
organização política, organização
religiosa, a comunicação e as artes; que essas organizações atendem
respectivamente a exigências básicas da natureza humana , como o acesso aos
bens materiais de subsistência, a natureza social do homem, a natureza
política, natureza religiosa, a necessidade de dar vasão e forma à natureza
estética e artística. A conclusão é óbvia.
A economia, o direito, a sociologia, as religiões, as artes tem na sua
origem na antropologia, entendida como a ciência que estuda o homem tanto na
sua dimensão física quanto como uma espécie biológica, quanto na sua dimensão
espiritual, como fundamento, raiz e razão de ser das necessidades básicas que
se acabam de mencionar. Acontece que a natureza humana se realiza
nessas duas dimensões, existencialmente
inserida na Biosfera e como tal sua existência
e sobrevivência dependem da bem sucedida relação com o seu meio físico-geográfico.
Sendo assim não basta uma noção superficial
e romântica da natureza humana, como o que vem a representar para ele o
universo biológico e físico no qual ela se realiza. Em outras palavras, o que vem
a ser o palco sobre o qual o homem encontra as condições para desdobrar os
potenciais da sua natureza única. Sem
entender minimamente a biosfera e sua estrutura até os mínimos detalhes não
basta estar ao par quantas minhocas ou quantos micro-organismos vivem num metro
quadrado de solo. É preciso entender como eles atuam no solo, o que um solo significa
para todos os animais, vegetais e o
homem que se alimentam dele, e todo esse conjunto de realidades se
inter-relacionam para resultar em algo maior do que a mera soma das
integrantes, das quais são feitos os organismos e a complexidade dos ecossistema em que vivem. A condição vem a
ser que a qualquer compreensão da Natureza e qualquer iniciativa em favor da
sua preservação, pressupõe o lugar e o sentido das partes num ecossistema, seu
real potencial de manter manter-se em equilíbrio, o que representa para outros
ecossistemas, suas repercussões para fora da natureza propriamente dita sobre a
sobrevivência do homem e suas culturas e quais os limites críticos da sua sustentabilidade.