Até
a essa altura da história – entre 15000 a 20000 anos – a humanidade vivia e
progredia numa quase perfeita harmonia com os ambientes naturais. Sua
interferência na natureza não passava dos limites das suas necessidades
básicas. Todos os ecossistemas, os grandes, os pequenos, os locais, os regionais
e os continentais, ostentavam suas fisionomias originais. Dispersas pelas florestas,
estepes e savanas observavam-se colunas de fumaça indicando os locais dos
acampamentos, das moradas em abrigos artificiais ou em cavernas dos nossos
antepassados remotos. Esse cenário começou a mudar com a “revolução dos
alimentos” como a denominou Darcy Ribeiro, a entrada na história da agricultura
e da criação de animais, ou a “primeira traição da natureza” conforme Edward
Wilson. O motor dessa nova dinâmica que deu início ao Neolítico, tem a sua raiz
em duas descobertas dotadas de um poderoso
potencial de libertação do homem da dependência total do meio geográfico e seu
progressivo controle sobre os recursos necessários à sua subsistência. Esse
lado da medalha justifica a afirmação de Darcy Ribeiro. De outra parte marca o
começo da humanização das paisagens avançando em ritmo geométrico até alcançar
níveis críticos neste começo do terceiro milênio. Avaliado sob esse prisma, Edward Wilson está cheio de razão quando fala em “traição à natureza”. A
“revolução dos alimentos”” que pela sua própria natureza implicou numa “traição
à natureza” mereceu o comentário.
O poder de destruição do Homo sapiens não tem limites,
embora nossa biomassa seja quase invisível de tão minúscula. É matematicamente
possível empilhar todas as pessoas da Terra em um único bloco de 4 quilômetros
cúbicos e esconder esse bloco em alguma área remota do Grand Canyon, até que
desapareça. Contudo, a humanidade é a primeira espécie na história da vida na
Terra a se tornar geofísica. O homem, esse ser bípede, cabeça-de-vento, já alterou a atmosfera e o clima do planeta,
desviando-os em muito das normas usuais. Já espalhamos milhares de substâncias
químicas tóxicas pelo mundo inteiro, já nos apropriamos de 40% da energia solar
disponível para a fotossíntese, já convertemos quase todas as terra facilmente
aráveis, já represamos a maioria dos rios, já elevamos o nível dos mares, e
agora, em uma virada capaz de atrair a atenção geral como nunca antes se
conseguiu, estamos perto de esgotar a água. Um efeito colateral de toda essa atividade frenética é a extinção contínua de ecossistemas naturais,
junto com as espécies que os compõem. Trata-se do único impacto da atividade
humana que é irreversível. (Wilson, 2008, p. 38-39)
Diante
desse quadro preocupante, Wilson como especialista em entomologia e estudioso de todas as outras nano formas de
vida, chama a atenção para a importância
delas na sustentação da biosfera como um sistema, como uma síntese de extrema
complexidade e, ao mesmo tempo, de impressionante fragilidade. Há em primeiro
lugar o fato de que a extinção de espécies, tanto animais quanto vegetais,
priva irremediavelmente as futuras gerações de preciosos recursos naturais. Com
a extinção de cada espécie animal e vegetal desaparece, sem deixar vestígio,
mais uma parcela preciosa de informações de como funciona a Natureza, qual a
função que lhe cabe no bom funcionamento do todo e até que ponto empobrece e
fragiliza a natureza como uma síntese global. Incontáveis fontes de
medicamentos, plantas comestíveis, madeiras, fibras estarão irremediavelmente
perdidos. Perdida também estará a contribuição que as espécies de plantas
extintas poderiam oferecer para a
restauração dos solos, somado à contribuição ao equilíbrio do clima, da
umidade, do regime de chuvas e da
retenção e distribuição da água subterrânea.
Um
outro aspecto da questão costuma passar despercebido para os críticos das
iniciativas e cruzadas em favor do meio ambiente, e os próprio promotores e
ativistas engajados em programas de
defesa da Natureza. Mais acima já tocamos nessa questão. Referimo-nos a nano e
microfauna que povoa todos os cantos e recantos onde há um mínimo para viver.
Sua importância é crucial para manter os ecossistemas em equilíbrio funcional,
para que a síntese não se desfaça.
As plantas verdes, bem como as legiões de
micro-organismos e minúsculos invertebrados, são a matriz que sustenta a nossa
existência. E eles o fazem por uma simples razão: por serem tão diversos
geneticamente, o que lhes permite dividir seus papéis no ecossistema até um
altíssimo grau de resolução. São tão abundantes que pelo menos alguns ocupam praticamente
cada metro quadrado da superfície da Terra. Suas funções no ecossistema são
redundantes: se uma espécie é eliminada, muitas vezes já há outra capaz de se
expandir e tomar o lugar daquela, pelo
menos em parte. As demais espécies, em conjunto, constituídas sobretudo
de “bichinhos” e “mato”, governam o mundo
exatamente do jeito como gostaríamos que ele fosse governado, pois,
durante a pré-história, a humanidade evoluiu de modo a depender das ações
combinadas desses seres e da garantia de estabilidade que a biodiversidade
oferece ao mundo.
A Natureza viva
nada mais é do o conjunto dos organismos em estado natural e o
equilíbrio físico e químico que essas espécies geram por intermédio de sua
interação. Mas também é nada menos que esse conjunto e esse equilíbrio. O poder
da natureza viva consiste em sua sustentabilidade por meio da complexidade.
Basta desestabilizá-la. degradando-a para um estado mais simples, como a nossa
espécie parece estar decidida a fazer, e o resultado pode ser catastrófico. Os
organismo mais afetados provavelmente serão os maiores e mais complexos,
inclusive o homem. (Wilson, 2008 p. 41)
Especialista
que é em Entomologia, Wilson serve-se dos seus conhecimentos sobre insetos para
exemplificar a sua afirmação. Entre todos os seres vivos conhecidos, estudados
e catalogados, os insetos são de longe o grupo mais numeroso e diversificado.
Por ocasião da publicação do livro “A Criação”, em 2006, constavam 900 mil
espécies descritas e classificadas. Os cientistas estimam que o número das já
descritas e as que aguardam a classificação deve chegar ao surpreendente
número de 10 milhões ou mais. O volume da biomassa desse fantástico universo de insetos equivale
ao quase inimaginável. Cerca de um trilhão de milhões de insetos se movimentam
na biosfera. Estima-se que seu peso equivalha ao de 7 bilhões de seres humanos.
Os insetos, os minúsculos copépodos, crustáceos marinhos, os ácaros e os vermes
nematoides são responsáveis por quatro quintos da biomassa total do planeta.
Wilson pergunta: “Será que alguém acredita que essas pequeninas criaturas existem apenas para preencher
espaço?” (A Criação,, p. 42). Entre os
insetos, as abelhas por ex., são indispensáveis para a reprodução dos
angiospermas, pois, respondem pela polinização. Pelo efeito de seu extermínio
por meio de inseticidas, os chineses têm muito a lamentar. Milhões de dólares
são necessários para polinizar pomares, trabalho prestado de graça pelas
abelhas que de troco ainda fornecem o mel com as muitas qualidade nutritivas e
medicinais. De outra parte os insetos dispensam a presença do homem. A
recíproca já não e verdadeira. Se a humanidade desaparecesse de uma hora para a
outra da face da terra, poucas ou nenhuma espécie de insetos seria afetada,
além de algumas exclusivamente adaptadas
para parasitar o homem. Suposta a extinção da espécie humana em menos de meio
milênio, os ecossistemas se regenerariam e voltariam a ostentar aa fisionomia
de 10000 anos passados. Como já referimos, do acidente nuclear de Chernobil
originou-se um laboratório natural significativo dessa capacidade de auto
regeneração da Natureza. De outra parte,
porém, se os insetos fossem extintos na sua totalidade, todos os ecossistemas
entrariam em colapso. Em resumo. A espécie humana não sobreviveria sem os insetos,
mas os insetos sobreviveriam tranquilamente sem a presença do homem. Vale a
pena esquematizar o efeito dominó do
colapso progressivo nos ecossistemas naturais com a ausência dos insetos, elaborado por Wilson.
A maioria das plantas que dão flores - as angiospermas
– privadas do seus insetos polinizadores pára de se reproduzir.
Entre elas a maioria das espécies de plantas herbáceas decresce até a extinção. Os
arbustos e as árvores polinizadas por insetos sobrevivem mais alguns anos, ou,
em alguns casos raros, até séculos.
A grande maioria dos pássaros e outros vertebrados
terrestres, privados da sua alimentação especializada de folhas, frutos e
insetos, segue as plantas em extinção.
Desprovido dos insetos o solo não é revolvido, o que
acelera o declínio das plantas, uma vez
que são os insetos – e não as minhocas, como em geral se pensa – os principais
encarregados de remexer e renovar o solo.
Populações de fungos e bactérias explodem e prosseguem no auge durante alguns anos,
enquanto metabolizam o material das plantas e animais mortos, que vai se
acumulando.
Os tipos de relva polinizados pelo vento e um punhado
de espécies de samambaias e coníferas se alastram pela maior parte das áreas
deflorestadas e depois conhecem algum declínio, à medida que o solo se
deteriora.
A espécie humana sobrevive, mas volta a viver de grãos
polinizados pelo vento e da pesca
marinha. Porém, com a fome generalizada durante as primeiras décadas, as
populações humanas despencam para uma pequena fração dos níveis anteriores. As
guerras pelo controle dos recursos cada vez mais escassos, o sofrimento, o
declínio tumultuado para um barbarismo da Idade das Trevas seriam sem
precedentes na história humana.
Agarrando-se à sobrevivência em um mundo devastado, e
aprisionados em uma verdadeira Idade das
Trevas do ponto de vista ecológico, os sobreviventes iriam rezar implorando a
volta das plantas e dos insetos. (Wilson, 2008, p. 43-44)
Diante
desse quadro sombrio, resultante da extinção dos insetos o autor adverte que é
preciso avaliar com toda a seriedade o uso de inseticidas. Uma única espécie
das centenas de milhares faz uma enorme falta na manutenção do equilíbrio
ambiental. Somente em raríssimos casos, a erradicação seria aceitável. Entre
eles contam os piolhos parasitas exclusivos do homem, ou os mosquitos africanos Anopholes
gambiae que se alimentam do sangue humano e transmitem malária do tipo maligno. Apenas uma em 10 mil
espécies de insetos merece se combatida por ser prejudicial ao homem. Um dos
maiores, senão o maior dos desafios que
os estudiosos enfrentam, é entender exatamente como funciona a biosfera e os
ecossistemas que a compõem. Esse esforço implica em definir como esses
ecossistemas são estruturados, como funcionam e, principalmente, as causas
capazes de desmontá-los. “A Terra é um laboratório no qual a Natureza ou Deus,
se o senhor preferir Pastor) colocou diante de nós os resultados de incontáveis
experiências. Ela fala conosco, então vamos escutá-la” (A Criação, p. 46). É
sintomático como Balduino Rambo, Francis Collins e Edward Wilson, concordam,
por assim dizer, nos próprios conceitos. Para o primeiro a Natureza é o livro
aberto da Revelação. Basta saber lê-lo para entender a sua mensagem; para
Collins o código genético é “Linguagem de que Deus se serve para
comunicar-se com seus interlocutores;
para Wilson; a Natureza fala conosco”. Para entendê-la corretamente é preciso de
muito conhecimento sobre a enorme complexidade da sua estrutura, sobre a fina
calibragem que garante o perfeito funcionamento das partes em função da
integridade e harmonia do todo, sobre os riscos que se enfrentam quando de intervenções predatórias, mal pensadas e ou
irresponsáveis. Esse alerta dos três grandes estudiosos e dos demais analisados
até aqui e de muitos outros, sem dúvida, aponta para o argumento maior em favor
de qualquer iniciativa que tem como objetivo a luta pela preservação da
integridade e saúde do nosso Planeta. Como a espécie biológica humana é um
rebento da natureza como todas as demais, sua existência e sua razão de ser
consiste em servir-se dos bens da Natureza na medida em que todos os homens,
individualmente, tenham acesso aos recursos necessários para o seu bem estar
material e espiritual. Não há necessidades de recorrer a uma lógica complicada
para perceber que estamos diante de um Postulado Ético. O interesse pela
integridade dos ecossistemas e seus recursos naturais por razões econômicas,
políticas, ideológicas, saudosistas ou qualquer outra, perde a razão de ser no
momento em que se ignora o “Fator
Ético”.
Salvo
melhor entendimento, está suficientemente claro o que Edward Wilson concluiu
com suas pesquisas, vivências, mais
exatamente, com o estudo dos insetos e a observação do funcionamento dos
ecossistemas, como ele próprio resumiu ao afirmar de que, “a Natureza é um fato
objetivo”. Bertalanffy diria que a Natureza
é um “Sistema” gigantesco e infinitamente complexo. Teilhard de Chardin
a descreveu por meio da sua grandiosa concepção do universo, que supõe um
começo, um “alfa” que prima pela simplicidade, mas que foi o ponto de partida
para uma complexificação auto alimentada em progressão geométrica, até o estado
em que o Homo sapiens dotado de inteligência reflexa, entrou em cena e foi perturbando gradativamente o equilíbrio da
biosfera como um todo até um patamar preocupante