Edward Wilson (1929) - 6


Até a essa altura da história – entre 15000 a 20000 anos – a humanidade vivia e progredia numa quase perfeita harmonia com os ambientes naturais. Sua interferência na natureza não passava dos limites das suas necessidades básicas. Todos os ecossistemas, os grandes, os pequenos, os locais, os regionais e os continentais, ostentavam suas fisionomias originais. Dispersas pelas florestas, estepes e savanas observavam-se colunas de fumaça indicando os locais dos acampamentos, das moradas em abrigos artificiais ou em cavernas dos nossos antepassados remotos. Esse cenário começou a mudar com a “revolução dos alimentos” como a denominou Darcy Ribeiro, a entrada na história da agricultura e da criação de animais, ou a “primeira traição da natureza” conforme Edward Wilson. O motor dessa nova dinâmica que deu início ao Neolítico, tem a sua raiz em duas  descobertas dotadas de um poderoso potencial de libertação do homem da dependência total do meio geográfico e seu progressivo controle sobre os recursos necessários à sua subsistência. Esse lado da medalha justifica a afirmação de Darcy Ribeiro. De outra parte marca o começo da humanização das paisagens avançando em ritmo geométrico até alcançar níveis críticos neste começo do terceiro milênio. Avaliado sob esse prisma,  Edward Wilson está cheio de razão  quando fala em “traição à natureza”. A “revolução dos alimentos”” que pela sua própria natureza implicou numa “traição à natureza” mereceu o comentário.
O poder de destruição do Homo sapiens não tem limites, embora nossa biomassa seja quase invisível de tão minúscula. É matematicamente possível empilhar todas as pessoas da Terra em um único bloco de 4 quilômetros cúbicos e esconder esse bloco em alguma área remota do Grand Canyon, até que desapareça. Contudo, a humanidade é a primeira espécie na história da vida na Terra a se tornar geofísica. O homem, esse ser bípede, cabeça-de-vento,  já alterou a atmosfera e o clima do planeta, desviando-os em muito das normas usuais. Já espalhamos milhares de substâncias químicas tóxicas pelo mundo inteiro, já nos apropriamos de 40% da energia solar disponível para a fotossíntese, já convertemos quase todas as terra facilmente aráveis, já represamos a maioria dos rios, já elevamos o nível dos mares, e agora, em uma virada capaz de atrair a atenção geral como nunca antes se conseguiu, estamos perto de esgotar a água. Um efeito colateral  de toda essa atividade frenética é a  extinção contínua de ecossistemas naturais, junto com as espécies que os compõem. Trata-se do único impacto da atividade humana que é irreversível. (Wilson, 2008,  p. 38-39)

Diante desse quadro preocupante, Wilson como especialista em entomologia  e estudioso de todas as outras nano formas de vida, chama a atenção para a  importância delas na sustentação da biosfera como um sistema, como uma síntese de extrema complexidade e, ao mesmo tempo, de impressionante fragilidade. Há em primeiro lugar o fato de que a extinção de espécies, tanto animais quanto vegetais, priva irremediavelmente as futuras gerações de preciosos recursos naturais. Com a extinção de cada espécie animal e vegetal desaparece, sem deixar vestígio, mais uma parcela preciosa de informações de como funciona a Natureza, qual a função que lhe cabe no bom funcionamento do todo e até que ponto empobrece e fragiliza a natureza como uma síntese global. Incontáveis fontes de medicamentos, plantas comestíveis, madeiras, fibras estarão irremediavelmente perdidos. Perdida também estará a contribuição que as espécies de plantas extintas poderiam oferecer para  a restauração dos solos, somado à contribuição ao equilíbrio do clima, da umidade, do regime de chuvas  e da retenção e distribuição da água subterrânea.

Um outro aspecto da questão costuma passar despercebido para os críticos das iniciativas e cruzadas em favor do meio ambiente, e os próprio promotores e ativistas engajados em programas  de defesa da Natureza. Mais acima já tocamos nessa questão. Referimo-nos a nano e microfauna que povoa todos os cantos e recantos onde há um mínimo para viver. Sua importância é crucial para manter os ecossistemas em equilíbrio funcional, para que a síntese não se desfaça.

As plantas verdes, bem como as legiões de micro-organismos e minúsculos invertebrados, são a matriz que sustenta a nossa existência. E eles o fazem por uma simples razão: por serem tão diversos geneticamente, o que lhes permite dividir seus papéis no ecossistema até um altíssimo grau de resolução. São tão abundantes que pelo menos alguns ocupam praticamente cada metro quadrado da superfície da Terra. Suas funções no ecossistema são redundantes: se uma espécie é eliminada, muitas vezes já há outra capaz de se expandir e tomar o lugar daquela, pelo  menos em parte. As demais espécies, em conjunto, constituídas sobretudo de “bichinhos” e “mato”, governam o mundo  exatamente do jeito como gostaríamos que ele fosse governado, pois, durante a pré-história, a humanidade evoluiu de modo a depender das ações combinadas desses seres e da garantia de estabilidade que a biodiversidade oferece ao mundo.
A Natureza viva  nada mais é do o conjunto dos organismos em estado natural e o equilíbrio físico e químico que essas espécies geram por intermédio de sua interação. Mas também é nada menos que esse conjunto e esse equilíbrio. O poder da natureza viva consiste em sua sustentabilidade por meio da complexidade. Basta desestabilizá-la. degradando-a para um estado mais simples, como a nossa espécie parece estar decidida a fazer, e o resultado pode ser catastrófico. Os organismo mais afetados provavelmente serão os maiores e mais complexos, inclusive o homem. (Wilson, 2008  p. 41)

Especialista que é em Entomologia, Wilson serve-se dos seus conhecimentos sobre insetos para exemplificar a sua afirmação. Entre todos os seres vivos conhecidos, estudados e catalogados, os insetos são de longe o grupo mais numeroso e diversificado. Por ocasião da publicação do livro “A Criação”, em 2006, constavam 900 mil espécies descritas e classificadas. Os cientistas estimam que o número das já descritas e as que aguardam a classificação deve chegar ao surpreendente número  de  10 milhões ou mais. O volume da biomassa  desse fantástico universo de insetos equivale ao quase inimaginável. Cerca de um trilhão de milhões de insetos se movimentam na biosfera. Estima-se que seu peso equivalha ao de 7 bilhões de seres humanos. Os insetos, os minúsculos copépodos, crustáceos marinhos, os ácaros e os vermes nematoides são responsáveis por quatro quintos da biomassa total do planeta. Wilson pergunta: “Será que alguém acredita que essas pequeninas  criaturas existem apenas para preencher espaço?” (A Criação,, p. 42). Entre os  insetos, as abelhas por ex., são indispensáveis para a reprodução dos angiospermas, pois, respondem pela polinização. Pelo efeito de seu extermínio por meio de inseticidas, os chineses têm muito a lamentar. Milhões de dólares são necessários para polinizar pomares, trabalho prestado de graça pelas abelhas que de troco ainda fornecem o mel com as muitas qualidade nutritivas e medicinais. De outra parte os insetos dispensam a presença do homem. A recíproca já não e verdadeira. Se a humanidade desaparecesse de uma hora para a outra da face da terra, poucas ou nenhuma espécie de insetos seria afetada, além de algumas  exclusivamente adaptadas para parasitar o homem. Suposta a extinção da espécie humana em menos de meio milênio, os ecossistemas se regenerariam e voltariam a ostentar aa fisionomia de 10000 anos passados. Como já referimos, do acidente nuclear de Chernobil originou-se um laboratório natural significativo dessa capacidade de auto regeneração da Natureza. De  outra parte, porém, se os insetos fossem extintos na sua totalidade, todos os ecossistemas entrariam em colapso. Em resumo. A espécie humana não sobreviveria sem os insetos, mas os insetos sobreviveriam tranquilamente sem a presença do homem. Vale a pena esquematizar o  efeito dominó do colapso progressivo nos ecossistemas naturais com a ausência  dos insetos, elaborado por Wilson.

A maioria das plantas que dão flores - as angiospermas – privadas do seus insetos polinizadores pára de se reproduzir.
Entre elas a maioria das espécies de plantas  herbáceas decresce até a extinção. Os arbustos e as árvores polinizadas por insetos sobrevivem mais alguns anos, ou, em alguns casos raros, até séculos.
A grande maioria dos pássaros e outros vertebrados terrestres, privados da sua alimentação especializada de folhas, frutos e insetos, segue as plantas em extinção.
Desprovido dos insetos o solo não é revolvido, o que acelera  o declínio das plantas, uma vez que são os insetos – e não as minhocas, como em geral se pensa – os principais encarregados de remexer e renovar o solo.
Populações de fungos e bactérias explodem e  prosseguem no auge durante alguns anos, enquanto metabolizam o material das plantas e animais mortos, que vai se acumulando.
Os tipos de relva polinizados pelo vento e um punhado de espécies de samambaias e coníferas se alastram pela maior parte das áreas deflorestadas e depois conhecem algum declínio, à medida que o solo se deteriora.
A espécie humana sobrevive, mas volta a viver de grãos polinizados pelo  vento e da pesca marinha. Porém, com a fome generalizada durante as primeiras décadas, as populações humanas despencam para uma pequena fração dos níveis anteriores. As guerras pelo controle dos recursos cada vez mais escassos, o sofrimento, o declínio tumultuado para um barbarismo da Idade das Trevas seriam sem precedentes na história humana.
Agarrando-se à sobrevivência em um mundo devastado, e aprisionados em uma verdadeira  Idade das Trevas do ponto de vista ecológico, os sobreviventes iriam rezar implorando a volta das plantas e dos insetos. (Wilson, 2008,  p. 43-44)

Diante desse quadro sombrio, resultante da extinção dos insetos o autor adverte que é preciso avaliar com toda a seriedade o uso de inseticidas. Uma única espécie das centenas de milhares faz uma enorme falta na manutenção do equilíbrio ambiental. Somente em raríssimos casos, a erradicação seria aceitável. Entre eles contam os piolhos parasitas exclusivos do homem, ou os mosquitos  africanos Anopholes gambiae que se alimentam do sangue humano e transmitem  malária do tipo maligno. Apenas uma em 10 mil espécies de insetos merece se combatida por ser prejudicial ao homem. Um dos maiores, senão o maior dos  desafios que os estudiosos enfrentam, é entender exatamente como funciona a biosfera e os ecossistemas que a compõem. Esse esforço implica em definir como esses ecossistemas são estruturados, como funcionam e, principalmente, as causas capazes de desmontá-los. “A Terra é um laboratório no qual a Natureza ou Deus, se o senhor preferir Pastor) colocou diante de nós os resultados de incontáveis experiências. Ela fala conosco, então vamos escutá-la” (A Criação, p. 46). É sintomático como Balduino Rambo, Francis Collins e Edward Wilson, concordam, por assim dizer, nos próprios conceitos. Para o primeiro a Natureza é o livro aberto da Revelação. Basta saber lê-lo para entender a sua mensagem; para Collins o código genético é “Linguagem de que Deus se serve para comunicar-se  com seus interlocutores; para Wilson; a Natureza fala conosco”. Para entendê-la corretamente é preciso de muito conhecimento sobre a enorme complexidade da sua estrutura, sobre a fina calibragem que garante o perfeito funcionamento das partes em função da integridade e harmonia do todo, sobre os riscos que se enfrentam quando de  intervenções predatórias, mal pensadas e ou irresponsáveis. Esse alerta dos três grandes estudiosos e dos demais analisados até aqui e de muitos outros, sem dúvida, aponta para o argumento maior em favor de qualquer iniciativa que tem como objetivo a luta pela preservação da integridade e saúde do nosso Planeta. Como a espécie biológica humana é um rebento da natureza como todas as demais, sua existência e sua razão de ser consiste em servir-se dos bens da Natureza na medida em que todos os homens, individualmente, tenham acesso aos recursos necessários para o seu bem estar material e espiritual. Não há necessidades de recorrer a uma lógica complicada para perceber que estamos diante de um Postulado Ético. O interesse pela integridade dos ecossistemas e seus recursos naturais por razões econômicas, políticas, ideológicas, saudosistas ou qualquer outra, perde a razão de ser no momento em que se ignora  o “Fator Ético”.


Salvo melhor entendimento, está suficientemente claro o que Edward Wilson concluiu com suas pesquisas,  vivências, mais exatamente, com o estudo dos insetos e a observação do funcionamento dos ecossistemas, como ele próprio resumiu ao afirmar de que, “a Natureza é um fato objetivo”. Bertalanffy diria que a Natureza  é um “Sistema” gigantesco e infinitamente complexo. Teilhard de Chardin a descreveu por meio da sua grandiosa concepção do universo, que supõe um começo, um “alfa” que prima pela simplicidade, mas que foi o ponto de partida para uma complexificação auto alimentada em progressão geométrica, até o estado em que o Homo sapiens dotado de inteligência reflexa, entrou em cena e  foi perturbando gradativamente o equilíbrio da biosfera como um todo até um patamar preocupante

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