Edward Wilson (1929) - 8

Uma abordagem assim exige “a unidade de conhecimento” (cf. Citação acima) ou se para ficarmos com o conceito norteador dessas reflexões, essa abordagem pede “a síntese do conhecimento” Esse objetivo pressupõe o recurso a um método com potencial de amalgamar  os conhecimentos parciais vindos dos mais diversas subáreas que entram em questão. O autor não se serve explicitamente do conceito de “Interdisciplinariedade” como método capaz de cumprir essa tarefa. Lendo, porém, com atenção os dois parágrafos acima citados, não resta dúvida de que este é o caminho. Por isso convém aprofundar um pouco mais o que vem a ser esse método como instrumento na construção de  sínteses.

Em primeiro lugar, a síntese do conhecimento não significa  a sua redução a um nível, por ex., o “científico”, como postula o Positivismo. Nem tão pouco realiza-se essa síntese no plano da Filosofia ou da Teologia, ou da História ou de qualquer outro campo específico do saber. Os diversos conhecimentos particulares ou setoriais, são qualitativamente diferentes entre si. Os conhecimentos produzidos pelas Ciências Naturais, pela História, pela Filosofia, pelo Direito ou pela Economia, tem a sua legitimação garantida a partir de fundamentos epistemológicos próprios a cada uma dessas especialidades. Sendo assim, forçar uma síntese  a um único nível, violenta a natureza das coisas e leva a uma  compreensão equivocada da realidade global. Sendo assim, não é possível fazer verdadeira História quando os elementos que a compõem são interpretados pelo viés único do fator econômico ou geográfico. A conclusão lógica, quando levada ao extremo termina no determinismo econômico ou geográfico. A transdisciplinariedade como instrumento de trabalho leva  a essa subordinação, por isso, constitui-se na ferramenta própria à ideologização do conhecimento e ou à uma interpretação política, religiosa ou outa qualquer. Verifica-se, portanto, uma subordinação, no caso dos fatos históricos ao fator econômico, geográfica, religioso  ou outro qualquer. A multidisciplinariedade propõe o estudo de mais áreas  do conhecimento e ou as sub áreas sem se importar do que representam ou significam para o todo da área. Parece que esse fundamento epistemológico vem a ser o grande vilão responsável pela fragmentação do conhecimento verificado tanto nas Ciências Naturais, quanto nas Ciências do Espírito, quanto nas Ciências Humana, nas Letras e nas próprias Artes. É o caminho oposto a uma compreensão orgânica ou sistêmica do todo do qual formalmente fazem parte. Os dois métodos orientam, salvo melhor juízo, predominantemente, a pesquisa e a docência nas universidades que seguem o modelo napoleônico presente em toda a América Latina. Favorece, quem sabe uma profissionalização precoce além de uma especialização que de tanto dissecar perde a noção do todo. A fim de evitar esses inconvenientes, para não chama-los de equívocos, temos como recurso a interdisciplinariedade que oferece  a trilha ser seguida para chegar a uma autêntica síntese.

Em segundo lugar, feita opção pela interdisciplinariedade é preciso prestar atenção ao fato de que as diferenças qualitativas  de cada objeto de investigação implicam em dois aspectos que precisam ser tomados em consideração. O primeiro, chama a atenção de que não se pode esquecer que cada objeto de investigação, por ex., o clima, a história de um povo, o equilíbrio ambiental, as questões sociológicas, etc., etc. vale-se de instrumentos de aproximação peculiares. Significa que cada objeto segue uma metodologia privativa para abordá-lo e compreendê-lo, sem recorrer a conhecimentos oriundos de outra fonte. Essa relativa autonomia significa, de outra parte, que para chegar, por ex., à Filosofia não se tenha que partir obrigatoriamente da Ciência, ou à Teologia a partir da Filosofia. Dito de outra maneira: o Filósofo não precisa ser um cientista, nem teólogo filósofo, nem o historiador geógrafo ou linguista, o que não significa que não seja de grande utilidade transitar por campos complementares daquele que é o seu. O segundo, chama a atenção para não esquecer  que a “descontinuidade” qualitativa dos objetos  particulares de investigação tem seus limites, quando a questão é a busca da síntese na Biologia, na História, na Filosofia, ou a sínese global do Conhecimento. Alfonso Borreroresumiu a questão nos seguintes termos:

(...) a descontinuidade implique na autonomia das disciplinas particulares, porque cada uma e cada setor de disciplinas se constroem  sobre suas próprias bases. (...) A autonomia relativa, contudo, não impede as relações e interdependências. A Filosofia dá muito a pensar ao cientista e vice-versa. Os conhecimentos se complementam, corrigem e se controlam mutuamente. Dessa maneira se realiza uma urdidura, uma articulação interdisciplinar complexa e dinâmica, no processo da construção do conhecimento (e ou síntese. Inciso do autor) (cf. Borrero, ASCUN, 1992, nº 20, p. 7)

Resulta dessa forma uma relação de interdependência e não de dependência, nem de independência. Não se trata de dependência pois, criaríamos um situação de subordinação. É óbvio que se uma disciplina ou área de conhecimento depender de outra, a condicionante ocupa um lugar hierarquicamente mais acima do que a condicionada. Configura-se uma situação de dependência quando, por ex., os conhecimentos  de matemática são condição para efetuar cálculos de estruturas, os conhecimento de química são indispensáveis para efetuar uma pesquisa do genoma, a astrofísica  pressupõe o conhecimento das física... Dito de outra maneira. Não se fazem cálculos estruturais sem conhecimentos de matemática; as análises do comportamento bioquímico do DNA  sem conhecimentos de bioquímica. A pesquisa de um objeto condicionado só então tem chances de  resultados consistentes quando o pesquisador vem munido com os conhecimentos prévios da área do saber condicionante. Os exemplos citados não deixam dúvida. Isso, porém, não vale para a relação que se estabelece entra a Filosofia e a Ciência, entre a Teologia e a Ciência, entre a História e a Geografia, entre a Ética e a Ecologia ... Não se pressupõem conhecimentos filosóficos para realizar pesquisas científicas e vice-versa. A relação que se estabelece é de interdependência e de complementariedade, não de dependência e ou condicionamento. Dito de outra maneira. A Filosofia tem muito a ganhar se tomar em consideração os resultados das pesquisas científicas. Da mesma forma os dados científicos observados e ou interpretados à luz da Filosofia ou da Ética, só podem ter o significado dos seus resultados enriquecidos. Nos ambientes em que se pratica esse diálogo interdisciplinar como rotina, melhor, como base metodológica, os saberes e conhecimentos setoriais “complementam-se, corrigem-se e controlam-se mutuamente. Resulta daí uma articulação interdisciplinar complexa, dinâmica em todas as fases e níveis da construção do conhecimento (cf.Borrero, ASCUN, 1992, nº 20).

Em resumo é legítimo afirmar que, em se tratando de uma situação de dependência, uma disciplina ou área de conhecimento ocupa a condição de “conditio sine qua non”, já que o condicionado só prospera em função do condicionante. Ou ainda. A dependência e a subordinação definem a natureza da relação.

A situação de interdependência e complementariedade, que também pode ser chamada de independência relativa,  pede mais alguns esclarecimentos. A independência diz respeito tanto ao objeto quanto à base teórico-metodológica com que é tratada. A relatividade dessa independência ou autonomia de resultados, no que diz respeito à sua interpretação, repercute concreta  e praticamente na vida dos indivíduos, na sociedade, no meio ambiente e na formação da cosmovisão.

A independência  da qual nos ocupamos há pouco, não é nem linear nem uniforme. Assume o grau de importância ditado por cada situação concreta, por cada momento histórico e pela natureza das realidades interdependentes. Um exemplo ilustrativo oferece o estudo da História na sua relação mútua com a Geografia. Pela sua própria natureza o homem tem as raízes existencialmente fincadas no seu entorno geográfico. Este garante-lhe  a sobrevivência, o progresso, a prosperidade, fornecendo os alimentos e os abrigos indispensáveis para viver e sobreviver. Oferece também inspiração para criar todo um mundo simbólico, indispensável para dar forma, vida e colorido ao imaginário povoado por seres e personagens os mais inusitados.

Não é aqui o lugar para aprofundar a análise do exemplo de que nos valemos, isto é, a complementariedade entre a História e a Geografia. A intenção foi mostrar que o fazer História sem tomar em conta o chão, o cenário ou palco físico sobre o qual aconteceu e ainda continua acontecendo, leva a equívocos de interpretação e distorções muito sérias. Eis uma prova de que interpretar  corretamente na sua complexidade, no exemplo citado, um fato histórico, requer conhecimentos complementares. Mais exatamente. É preciso partir de uma base teórico-metodológica interdisciplinar. Não significa que se pretenda explicar um fato histórico pelas peculiaridades geográficas nas quais aconteceu. A compreensão da História como uma ciência epistemológica e metodologicamente de natureza própria, ganha muito na sua forma e riqueza dos significados, quando estudada à luz da Geografia, por sua vez uma ciência com identidade e autonomia epistemológica, metodológica e conceitual própria. Da mesma forma e, continuando como exemplo da História, ela busca ainda  em outras áreas complementares, como  na Etnografia, Etnologia, Antropologia, Arqueologia, Linguística e outras mais, a explicação para os caminhos, desvios e atalhos singulares, verificados nos mais diversos momentos de sua trajetória. Em termos, o que vale para a História aplica-se a toda e qualquer outra área do conhecimento.

Quarto princípio, No entendimento de Wilson, ensina que até o final do primeiro ano do curso superior os estudantes deveriam ter buscado conhecimento nos mais diversos campos do saber e assimilado as ferramentas teóricas e metodológicas, para seguir em frente em alguma especialidade. Ele mesmo resumiu esse modo de acumular lastro para uma futura especialização ou profissão em sua obra “A Criação”.

Ao chegar ao segundo ano  da universidade, todos os alunos já deveriam  ter começado a pensar estrategicamente sobre a própria educação. O melhor caminho a seguir tem a forma de um T. O traço vertical representa o mergulho em alguma especialidade; a barra horizontal a amplitude da experiência adquirida com uma educação liberal. A especialização serve  como porta de entrada para alguma profissão, ou como preparatório para a pós-graduação. As artes liberais  dizem mais respeito à flexibilidade e à maturidade do intelecto. É claro que essa combinação já é a visada pela maioria das universidades e dos institutos de ensino superior de quatro anos. No segundo ano os alunos devem escolher uma disciplina principal (“major” ou “concentração”), tal como inglês, biologia ou economia e, também fazer vários cursos optativos, que contemplam todo panorama intelectual. Mas a maioria dos estudantes  tem que ser  convencida que essa é melhor estratégia para eles. (Wilson, 2008,  p. 256)

Depois de definir o quando, o como e o quanto de conhecimentos os estudantes de um curso de graduação deveriam apropriar-se, Wilson  dá o exemplo da Biologia, sua área de especialista. O aluno que optar por essa especialidade, aprofunde-se nela com todo o seu potencial “e trate o restante como parte da sua educação geral”, depois vai mergulhando o mais fundo possível numa das muitas sub áreas do vasto campo da biologia, depois de ter pesquisado um pouco de tudo que ela sugere e, finalmente encontrar o seu  “lar” intelectual. Para se decidir a habitar um “lar” determinado o estímulo determinante vem a ser normalmente a intuição, o faro, a inclinação natural, o seguir “a voz do coração”, dedicar-se “com paixão” à sua formação. como aconselhava seus alunos. E esse é o quinto princípio proposto para quem pretende de fato representar alguém na profissão ou na especialidade científica pela qual se decidir. Wilson resumiu assim, de como chegar a esse nível.

Voltando ao tema da paixão como mola propulsora do aprendizado, a dedicação do professor é mais eficiente quando se expressa  por meio da arte de ensinar, e também pelo amor claramente demonstrado pelo assunto em si. Os alunos secundários e universitários buscam sua identidade pessoal, mas anseiam igualmente por uma grande causa, maior do que eles próprios. De alguma forma, essas duas marcas da maturidade serão alcançadas, quer sejam torpes, quer sejam nobres. Nesse trajeto eles precisam de mentores em quem confiar, heróis para emular e realizações que sejam duradouras. (Wilson, 2008,  p. 157)    
                                                                                                                              

Acontece que o autor de “A Criação”, tem como referência de como nas universidades americanas do norte se encara a formação nos cursos de graduação e pós-graduação. Esse modelo tem a sua origem no casamento bem sucedido entre a universidade alemã e a inglesa. Na alemã  emprestava-se o  valor maior ao conhecimento e às ferramentas teórico-metodológicas capazes de apropriar-se dele. Por princípio não se visava um conhecimento diretamente aplicável na prática, mas o conhecimento em si, de cunho mais generalista que deveria servir de base, de pano d fundo, sobre o qual os egressos estivessem em condições de prosperar tanto numa área profissional técnica, quanto na pesquisa científica, quanto nas humanidades, nas letras e artes ou nas ciências do espírito. O modelo de universidade inglesa, sem negligenciar uma sólida formação para um futuro profissional propriamente dito, parecido ao das universidade alemã, insistia em somar-lhe o elemento formação do cidadão que, além de conhecimentos formais consistentes o transformava em cidadão culto e preparado para começar com sucesso  qualquer caminhada profissional. O resultado vem a ser um “gentelman”, um “vir bonus peritus dicendi” como ensinam os velhos romanos, isto é, um cidadão educado, com conhecimentos amplos e capaz de transmiti-los com maestria. Aliás, num intervalo enquanto punha no papel essas reflexões, li uma entrevista ao Globo  de Robert Cowen, professor emérito do Instituo de Educação da Universidade de Londres,  e  divulgada nas redes sociais. Tendo como fundo a avaliação crítica dos MBAs. Chama a atenção  para o fato de  que a formação com essa ferramenta chega a ser perigosa; de que os dados mostram que as pessoas não só trocam de emprego várias vezes na vida como também de carreira; de que pouco importa o que os governos estão fazendo pois, o futuro será moldado pelos fenômenos da internacionalização e da inovação; de que “as fundações, as empresas, os institutos, todos terão que achar um jeito de se adaptar a essa realidade”; de que as pessoas mais bem preparadas para se movimentar nesse panorama sabem muito bem qual o perfil de profissional que procuram, e vão achar uma forma de treiná-lo na própria empresa se for preciso. O diploma de uma boa universidade por ex.,  não importa em que, se em engenharia, economia, história ou sociologia, vale mais do que o título formal impresso nele. Reforçando o que afirmou o entrevistado chamou a atenção ao paradoxo dessa visão, constatado nas 15 maiores empresas da Inglaterra. Nelas  surpreende o número de formados em História, quando as carreiras mais procuradas são administração ou direito. Outro exemplo é o modelo americano no qual é rotineiro que a mesma pessoa apresente diplomas de graduação, mestrado e doutorado em áreas diferentes, comum nos Estados Unidos,  “o que permite uma formação mais ampla”. No Japão o nível da universidade é mais importante do que o diploma que alguém exibe. A lógica é retilínea: “Se você foi inteligente o suficiente para entrar numa instituição concorrida conseguirá emprego, mesmo que em outra área”. O professor Cowen pergunta e responde ao aparente paradoxo: “Porque há tantos historiadores entre os executivos das empresas mais importantes na Inglaterra? Porque as pessoas no mercado têm que absorver um volume imenso de dados e serem hábeis em fazer julgamentos importantes  diante de informações incompletas. É exatamente o desafio que um historiador enfrenta. Você não precisa de um MBA para isso, apesar de os MBA terem virado um modismo”. (...) “Não acho uma boa ideia deixar as decisões mais importante nas mãos de técnicos”. (...) “No Brasil, um país  com tantas questões  sociais importantes, certamente a ultima coisa que vocês precisam é de um bando de tecnocratas pensando em como organizar o país”.

This entry was posted on quarta-feira, 21 de junho de 2017. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. Responses are currently closed.