A Natureza como Síntese #24

Balduino Rambo  - 4

Seria um grande engano pensar que o Pe. Rambo dava vazão à compreensão do Mundo e da Natureza e à relação  existencial que cultivava com ela, quando em contato com cenários que nunca tinha visto de perto. Por ocasião da sua permanência no Rio de Janeiro, auxiliando o Pe. Arnaldo Bruxel na microfilmagem da coleção “De Angelis” na Biblioteca Nacional desenhou num intervalo, a paisagem das montanhas que formam o anfiteatro da cidade.
Ai sentava eu, creio que foi na tarde de sábado santo, junto à janela e alongava o olhar em direção ao Corcovado. Pouco antes tinha chovido, mas agora o ofuscante sol tropical brilhava sobre rochas, matos e cidade. As listas de água que pouco antes tinham desabado, precipitavam-se em forma de furiosos regatos outeiros abaixo, deslizando agora como feixes de metal faiscantes por entre a ramagem rasteira num colorido verde-claro. As palmeiras ao pé dos rochedos e o vale alcantilado balançavam silenciosas os seus leques na brisa, que soprava em direção à planície. Qual tapete de alfombras com centenas de matizes de verde estendia-se a mata virgem por sobre as colinas oblíquas, diluindo-se  à distância no firmamento cerúleo. Bem lá no alto serpejava um manto azulado de neblina e de sol doirado, em volta da imagem do Cristo Redentor da montanha.
Longas horas eu sentava ali abismado com a imponência da selva tropical. Sentia imensa nostalgia dos tempos de antanho, quando me era dado apanhar, sem mais, as imagens contempladas nas malhas da linguagem escrita e entretecê-las com os pensamentos mais sublimes de minha alma, como reluzente e preciosa pedraria. Parecia-me então ser indigno de mim deixar-me afogar no trabalho externo, enquanto a melhor parte da minha humanidade estiolava e se deteriorava. Parecia-me que todo o esforço para a aquisição de novos conhecimentos não compensava o preço  elevado que todo o dia eu pagava por isso; que eu devia chamar de volta os espíritos amistosos dos tempos idos, quando então buscava com menos afã a erudição fria, sentindo-me, no entanto, bem mais  enriquecido de coração, mais rico em criatividade, mais rico em Deus. (Rambo, Balduino. 1994. p. 16)
A paisagem com a qual, consolidou, desde o final dos anos de 1930 até o seu falecimento, uma relação existencial tão profunda que a chamou de “minha pátria na terra”, foi o planalto do Rio Grande do Sul, com seus campos, capões, matas, pinheirais, canyons, escarpas e precipícios. Cambará e arredores são  o ponto de referência e convergência desse cenário. As anotações que deixou foram extraídas do diário que escreveu durante uma estadia, durante os meses de janeiro e fevereiro de 1948, naquela região.
Essas caminhadas pela neblina, essas noites com seu leve prurido de chuva junto à janela, as gotas continuamente estalando nas árvores, chamam para a interioridade. Então a alma liberta-se dos fogos fátuos do dia resplandecente, e ela entra em silêncio no seu mundo mais íntimo, no reino do ser envolvido no sonho de todas as coisas. Luzes distantes e vozes se perdem em seu eco e migram através desta terra espiritual carregada de pressentimentos. Alguém caminha na névoa da noite com passos tão leves como o murmúrio da neblina. Ele é único e chama meu nome nesta terra solitária. Ó tu, noite silenciosa e santa solidão.
A orla oriental é constituída pela vista panorâmica para as maiores distâncias, pela sinuosidade brusca das formas perto da planície e com a força perene da névoa em efervescência.
São únicas as pinturas da natureza na bela terra de Deus, como as da garganta da Pedra Branca.  Poderia chamar-se o quadro de precipícios perpendiculares e de cataratas troantes, de névoas efervescentes e trovoadas uivantes, de mata silente e escolhos altos, cheios de clarividências pétreas, de pintura imperfeita, mas bem mais do que isso. É uma construção gigantesca de força e simplicidade que nunca para de rolar para a frente. Alguém mora nessas profundezas que sussurram, alguém observa nesta torre solitária de vigia. Ele chama o eco, apascenta a névoa, brinca com o raio e o trovão nos lugares solitários.
Na ampla baixada, os lagos refulgentes e o mar-oceano aos sussurros ficam depois desta paisagem. Ao olhar ao longe da parede anterior, há pressentimento das distâncias infinitas. O sentir predominante é o da preeminência sobre o vapor, a poeira, o calor e a fastidiosa multidão humana. Rochas cinzentas, mata verde, água murmurante e correntes estagnadas, amplas planícies, nuvens migrantes e, finalmente, o mar insondável: também isso é solidão da alma com Deus! O espírito de Deus sopra em toda a parte. Quem ergue o chão de sua alma na solidão de Deus há de levar esse sentimento mesmo em meio à multidão insana.
Nunca esquecerei  minha despedida da orla oriental. Meu cavalo avançou à vontade pelo campo florido. Atrás de mim as névoas condensadas, vindas do precipício rolavam pelo campo. É o atrito da planura inferior que faz surgir esse verdadeiro rolar e rodar. Essas neblina fria rodou sobre mim e me envolveu. Murmuravam os arroios e cochichavam os pinheiros. Era a saudade de épocas  geológicas distantes, dos irmãos do Chile e dos parentes de muito além do Oceano Atlântico, nas ilhas solitárias do Mar do Sul.

Agradeço a Deus e levo saudades desta terra hospitaleira. Se possuo uma pátria no mundo, ela está no planalto calmo e sereno à sombra dos pinheirais. (Rambo, Balduidno. Diário. 09 de fevereiro de 1948).

A Natureza como Síntese #23

Balduino Rambo  - 3

O lado do cientista convencional revela-se no Pe. Rambo enquanto sistemata. Percorria o Rio Grande do Sul coletando todas as espécies de planta que encontrava. Não poucas até então desconhecidas pelos especialistas. Acomodava cada exemplar em folhas de jornal e as prensava nas prensas feitas com varetas de bambu que ele mesmo confeccionava. Seguia-se a secagem em estufa, muitas vezes improvisada para, em seguida, seguirem para a acomodação definitiva em caixas de madeira. Uma  ficha de classificação e identificação acompanha cada um dos exemplares dos 90000 números que compõem o “Herbarium Anchieta”. Ainda como cientista convencional enviava sob encomenda ou para permuta espécimes para numerosos herbários na Europa, na América e no Brasil. A correspondência científica mantida com os mais importantes centros de pesquisa em botânica, nacionais e internacionais, comprovam sua aceitação como especialista, no grande mundo científico. Paralelamente o Pe. Rambo publicou dezenas de artigos rigorosamente científicos, em revistas  de trânsito nacional e internacional. Sua reputação de cientista valeu-lhe, em 1956, um convite oficial do governo dos Estados Unidos, para visitar, durante três meses, as grandes universidades, institutos de pesquisa e, de modo especial, os grandes parques e reservas naturais daquele país. Em 1959 viajou para a Europa, também para um período de quatro meses, a convite do governo da então República Federal da Alemanha, para visitar os centros de pesquisa daquele país. Toda essa atividade tecnicamente considerada pelos cientistas convencionais como “verdadeira ciência”, para ele representou apenas uma condição, o pressuposto para, a partir dela,  formular  a sua compreensão do Universo, da Natureza, do Homem e de Deus. Identificar os detalhes desse grandioso cenário foi indispensável embora cobrasse um custo alto “esvaziando a vida afetiva”, como ele mesmo  desabafou. Ou ainda. “A ocupação constante  com as descrições latinas apenas esquemáticas, geralmente áridas e inanimadas, projetam sua cor mortiça sobre a alma, tornando-a embotada, gélida e apática”. (Rambo. 1994. p. 13). O que realmente importava era  colocar os detalhes nos grandes “mapas descritivos”, identificar a sua razão, o seu sentido, quando inseridos no todo, assumindo rosto, “fisionomia” que irradia vida, sugere unidade, sentido, simbolismo e harmonia.
Um “mapa descritivo”, só então pode ser chamado de “Fisionomia” quando desenhado com recursos literários que, ao descrever o caleidoscópio de uma paisagem, são capazes de por em ebulição o que há de melhor no íntimo de uma pessoa. Isto só acontece quando se consegue explorar a riqueza subliminar que os acidentes geográficos, as cores, a vegetação, os rios e arroios, as esculturas naturais, a história, os simbolismos, a harmonia, o lírico, o grandioso e o épico, de alguma “fisionomia” natural. No momento em que o cientista se vale das suas observações para aventurar-se a esse patamar descritivo, não abdica da sua condição de cientista, mas sublima-a como artista. Fazer culminar o estudo da Natureza em obra de Arte deveria ser sonho de todo aquele que se dedica em explorar toda a sua riqueza, toda a sua diversidade, todas as suas utilidades, todos os seus encantos, todos os seus simbolismos. Só os poucos que de alguma forma se aproximaram desse ideal, deram-se conta de que a “Fisionomia” de uma paisagem irradia verdadeira vida, sugere unidade na pluralidade e representa um mundo de harmonia, no qual o viajante se sente “em casa”, na sua “querência”, na sua “Heimat”. 

Na linha dos cientistas que se ocuparam com o problema da unidade da Natureza e a reconciliação dos Ciências Naturais e das Ciências do Espírito, merece uma menção, embora de passagem, o “filósofo da esperança”, Ernst Bloch (1885-1977),[1] contemporâneo, portanto, de todos os cientistas e pensadores com os quais nos ocupamos no presente estudo. Não cabe analisarmos a fundo e nos detalhes seu pensamento. Interessa no presente contexto o livro que escreveu aos 87 anos, sua última imersão na “grande filosofia”, como o classificou seu comentarista Paul-Heinz Koesters. Na obra que daí resultou ocupou-se, nada mais nada menos, do que com o antiquíssimo, mas sempre novo problema, das relações entre o Espírito e a Matéria. Para ele, nem a posição da filosofia cristã idealizada de que “no princípio era Deus”, nem o argumento da  filosofia materialista de que “do nada só pode resultar o nada, portanto, a Matéria é eterna”, oferecem uma resposta  satisfatória.  Propõe uma terceira via para conciliar as duas posições antípodas. Para Bloch a Matéria é “animada”, “tem alma” (beseelt). Nela existe uma força, uma energia – melhor – um Sentido. Avançando mais um passo na suar reflexão concluiu que  a Matéria está orientada para um objetivo último. Este objetivo, entretanto, ainda não foi alcançado. Chama este objetivo final de “Ideal do Bem”. O ideal do bem estará concretizado no momento em que o processo evolutivo em que a Matéria se encontra estiver concluído. Neste momento o “Bem como tal” estará concretizado: O cosmos, nosso mundo, os animais e os homens, todos feitos de Matéria estarão reconciliados no final do processo. Então reinará a “Harmonia”, o estado almejado, consciente ou inconscientemente, por tudo e por todos, tanto pelas pedras quanto pelos homens, quanto pelas estrelas e as moscas na parede. Quando lá tivermos chegado o “Cosmos todo será (uma) Pátria” – “Heimat” – “Querência” (cfr. Koesters. Deutschland deine Denker. 1981. p. 299-300)

O Pe. Rambo foi mestre em desenhar os “mapas descritivos”, de dar rosto e forma às fisionomias que foi observando. A fim de ilustrar a afirmação, recorri ao diário que  escreveu por ocasião da sua visita aos parques nacionais do oeste americano. Ao entrar no parque de Yosemite, flagrou-se diante de um cenário de sonho. Depois de fazer reflexões sobre o significado histórico, humano, antropológico e econômico, da grande corrida do ouro na Califórnia, nos anos cinquenta do século XIX, no vale do rio Merced, cujas nascentes encontram-se no parque, deu vazão às emoções daquele panorama deslumbrante.

Acontece que não viajei para a Sierra Nevada à procura de ouro, mas em busca do mais belo vale do mundo, o vale de Yosemite. As montanhas aproximam-se cada vez mais uma das outras. O rio troveja com crescente furor por sobre os escombros de rochas. A floresta permite a visão livre e eu contemplo um cenário de fadas, como não existe outro igual. O Merced, aqui reduzido a um arroio largo rumoreja aos meus pés. A água é tão cristalina que permite contra as pedras no fundo, observar a dança das trutas. Mais para o fundo abre-se um prado coberto de capim verde, de canas com pontas reluzindo como ouro e no meio delas, milhares de flores brancas, vermelhas, amarelas e azuis. Mais adiante ergue-se a floresta formada por árvores majestosas: pinheiros, cedros e pinheiros Douglas. À direita precipita-se a cascata Véu de Noiva, do alto de um vale de mil metros e desfaz-se em espuma. Também à direita sobe a mil metros de altura um bloco de granito tingido de vermelho pelo sol da tarde. Deram-lhe o nome de “el Capitán”. É o rochedo-sentinela no portal de entrada do vale das maravilhas. E, bem no fundo do vale, outro cume de rochedo sobressai às montanhas, o “Half Dome”, o mais famoso da Sierra Nevada. Sobre o panorama todo estende-se o céu azul e sobre ele navegam, suavemente, os brancos veleiros de Deus. (Rambo, Balduino. Diário de viagem nos USA. 1956. Manuscrito. p. 148-149)
Depois de desenhado o mapa panorâmico do vale  de Yosemite, num estilo literário em que sobressai o tom épico, o Pe. Rambo faz a descrição  científica dos componentes do vale, Em primeiro lugar, explica a gênese geológica e a moldagem final da paisagem durante o último  período glacial. Detalha depois a fauna do parque e de modo especial a composição da flora que, na condição de sua especialidade, logicamente chamava-lhe atenção especial. Chama a atenção a um dos maiores inimigos da floresta local, um fungo que se serve de um arbusto hospedeiro para depois atacar as árvores. Informa também que o volume da neve acumulada no vale durante o inverno, permite predizer a disponibilidade de água para a irrigação dos pomares e vinhedos no vale da Califórnia. Depois acomodado no alto de um dos rochedos do qual se tem uma visão global do parque, volta a desenhar mais um dos seus mapas panorâmicos.
Pouco antes do meio dia chegamos ao “Glacier Point”, um rochedo na extremidade superior do vale de Yosemite. Com certeza devem existir poucos lugares na terra, de onde se descortinam  paisagens  tão deslumbrantes. Para a direita a vista alonga-se por sobre as serras intocadas até os cumes cobertos de neve dos picos mais altos. Do lago Merced nasce o rio do mesmo nome, precipitando-se em duas cascatas: o Nevada Fall com 160 metros e o Vernal Fall com 95. Em frente, no lado oposto do vale, ergue-se o maior bloco de granito do mundo, o Half Dome, com 2760 metros acima do nível do mar e 1500 metros a prumo sobre o chão do vale. Para a esquerda desfruta-se uma visão sobre todo o vale, e mais adiante, sobre os altiplanos dos dois lados, inúmeros milhares de pinheiros Jeffrey, isolados, em grupos, ou formando florestas fechadas. Parecem-se com um  exército de soldados, aprestando-se para o assalto aos cumes das montanhas. Onde quer que haja uma saliência, uma fenda, um lugar para um pé, agarram-se os arbustos, carvalhos anões, castanheiras anãs, azaléias anãs. Essas últimas vestem na primavera os gigantes de pedra das montanhas com um manto real de púrpura, nas suas tonalidades mais esplendorosas. Aos meus pés o paredão de rochas precipita-se perpendicularmente por 976 metros. As fitas de um azul negro das estradas com os carros multicoloridos circulando nelas; a faixa azul clara do rio entre a floresta escura e os prados cor de ouro; as cidades de barracas e cabanas ao longo do rio, na floresta, ao pé da grande cascata; as multiformes rochas na beirada; o Half Dome fendido ao meio, os Arcos Reais, o Pináculo das águias, a Torre de Observação, as Torres da Catedral, o Capitão Sentinela: tudo compõe um quadro que somente um foi capaz de conceber: Aquele que, no canto de Habacuc, marcha sobre as montanhas e as faz tremer sob o passo marcial de suas eternidades. (Rambo, Balduino. Três meses na América. 1956. Manuscrito p. 151)
Mais  acima já apontamos que o Pe. Rambo nasceu em 1905 numa propriedade rural de pequenos agricultores no vale do rio Caí. Na época havia poucos moradores no planalto da parte superior daquele rio. A casa em que passou sua infância, toda construída em madeira, desde os fundamentos até a cobertura do telhado, ficava  poucos metros da mata virgem que cobria mais da metade da propriedade. Por ter sido o primeiro filho do casal Nicolau e Gertrudes, somado ao fato de o seguinte irmão somente nasceu quatro anos depois, fez de Balduino um menino solitário. Teve como companhia e como brinquedo dos primeiros anos da infância, a floresta virgem com suas árvores, seus pássaros e seus animais silvestres. Com isso interiorizou uma relação profunda, indelével e existencial  com ela. Par ele seria para o resto da vida, uma fonte de reflexões, de simbolismos, de vivências, como nenhuma outra realidade da natureza. Uma caminhada solitária por alguma floresta, despertava nele os sentimentos mais vigorosos, as emoções mais profundas, os simbolismos e as metáforas mais surpreendentes. Parece que, perambulando por alguma floresta, um poderoso vulcão, irrompia do mais profundo do seu ser. Em seu diário relatando a visita ao parque de Yosemite descreveu um desses momentos, ao caminhar pela floresta  de sequoias  gigantes
Em meio à floresta sem igual há um pequeno museu no qual o professor universitário Frank Potter e sua esposa explicam aos hóspedes tudo que merece ser conhecido. Onde as sequoias se concentram em grande número, como em volta desse museu, difunde-se por toda a parte na floresta, o brilho marrom vermelho da sua casca. Centenas de árvores novas que se confundem com ciprestes ladeiam os caminhos. Misturadas com as sequoias e formando a massa principal da floresta, crescem milhares de cedros da Califórnia, pinheiros brancos, pinheiros Douglas. Em altura não perdem para  os gigantes, embora raras vezes passem de dois metros de diâmetro. Um líquen amarelo-ouro reveste o tronco do pinheiro branco. O reflexo mescla-se com o marrom claro da casca da sequoia e, combinando com as manchas de sol e sombra, resulta numa luz colorida de extrema suavidade, envolvendo o chão de toda a floresta. Sem querer, a gente se descobre e sente-se pequenino como um camundongo entre esses gigantes reunidos em conselho. Que cantos não teriam deixado os poetas cantores do Antigo Testamento, ao falarem com tanta empolgação dos cedros do Líbano e dos gigantes de Monte Sião, se tivessem escutado a voz de Deus nessas florestas. Enquanto Davi e Salomão cantavam seus salmos; quando Isaías anunciava ao seu povo a futura vinda do Filho do Homem; quando Ezequiel contemplava o Senhor dos dias sentado no trono da sua glória, mais de mil anos já pesavam  sobre muitas dessas árvores. O Gryzzly Gigante contava com dois mil anos quando no Golgota foi erguida aquela árvore da qual cantamos: “Verdadeira árvore na qual pendeu o Senhor, mergulhado em angustia mortal”. O canto de luto do paraíso, o canto da árvores da vida dos deuses germânicos, o canto de vitória da árvore da Redenção. Toda a simbólica das sagas  e da arte da humanidade toma conta do caminhante na penumbra mortiça dessa floresta. Há muitas verdades entre o céu e a terra que não se encontram nos livros. Revelam-se no silêncio da floresta. (Rambo, Balduino. Três meses na América. 1956. Manuscrito. p. 154-155)
Depois da visita aos parques do oeste a programação previa uma visita ao parque nacional do Grand Canyon. A viagem foi de ônibus. Ao ler os apontamentos do diário em que descreve essa viagem nos mínimos detalhes, desdobra-se diante da imaginação um mapa tão perfeito, tão detalhada e tão real, que simula a impressão da participação física da vivência. A estrada cruza o território que foi o palco da saga da conquista do oeste pelos cawboys. Como era do seu hábito, antes de uma etapa de viagem, o Pe. Rambo lia obras que descreviam as características geográficas e contavam a história e as histórias de que o percurso tinha sido o palco no passado. Alimentava uma indisfarçável simpatia por aqueles  personagens rudes que consolidaram a conquista do oeste americano. Ele deve ter visto nesses pioneiros réplicas dos guerreiros da antiga Hélade que desfilam pelos cantos da Odisséia e da ilíada de Homero, obra que o acompanhava por onde quer que viajasse. Não deixava de ler diariamente pelo menos um ou outro canto no original grego. Descreveu a personalidade do cawboy como sendo o rancheiro modelo de virtudes e o homem que se contrapõe ao vilão igualmente presença obrigatória naquele contexto, portador de todas as más qualidades que um homem é capaz de carregar consigo. O conflito entre os dois é inevitável porque o mau rancheiro é ladrão de gado, bandido mascarado e assassino em série. O bom rancheiro é defensor da lei, protetor dos fracos e um homem que às vezes até reza. Ambos atiram igualmente bem, com uma mão, com as duas, para frente, para trás, simultaneamente para a direita e a esquerda. A ambos acompanha um bando de cawboys que cavalgam tão bem quanto atiram, leais no mal, leais no bem, exímios no beber, exímios no dançar, grandes na bandalheira, contudo cavalheiros até a morte para com a mulher honrada. Mas é contemplando a grandiosidade do Grand Canyon que o Pe. Rambo desenha mais um desses mapas que são marca registrada sua. A natureza inanimada é povoada por animais, pássaros e uma galeria de personagens históricos, procedentes de vários continentes e de diversas culturas, sugerindo uma bela amostra do “melting pot”, do cenário de síntese histórica e cultural que são os Estados Unidos da América do Norte.
A margem oposta eleva-se a 1700 metros. A maior altitude alcança os 2500 metros, quase encostando na região das altas montanhas. Um anfiteatro único no mundo descortina-se diante dos olhos. Sobre o leito do rio eleva-se  gradativamente o Tonto Plateau, coberto pelo Sagebrush (arbusto de lugares semi-desérticos), até ser substituído pelos terraços, as torres e os castelos de rochas mais acima. Os degraus envoltos nas cores amarelo, marrom, ferrugem, recuam cada vez mais. Sobrepõem-se na medida em que sobem, até terminar em dorsos isolados de  montanhas com formato de mesas e pontas rombudas, não poucas vezes distantes uns dos outros. Os americanos buscaram os nomes no mundo dos deuses e das lendas para essas montanhas singulares. Ergue-se aí o templo de Shiva, de Buda e de Brahma da mitologia indú; o templo de Confúcio da antiguidade chinesa, o templo de Zaratustra da antiga mitologia persa; o Walhala das lendas dos deuses germânicos, o trono de Siegfried da canção épica alemã. Mais abaixo ergue-se a pirâmide de Quéops da antiga história do Egito. Mais para além desse conjunto de torres, pirâmides, tronos, templos e milhares de castelos de rochas em ruínas, na margem norte, 30 quilômetros distante, duas faixas de rochas brancas, fecham a paisagem. Nuvens de tempo bom velejam sobre o vale. Um falcão peregrino precipita-se no abismo. Um Chipunk (esquilo terrestre), célere como um raio e uma ave semelhante à nossa gralha dos pinhais, disputam um petisco na frente dos meus pés. (Rambo, Balduino. Três Meses na América. Manuscrito. p. 180-181)
Depois dessa descrição da fisionomia geográfica e geológica do Grand Canyon e apontar as simbologias histórica que os americanos souberam encarnar nos seus grandiosos acidentes, o Pe. Rambo mostra toda a sua maestria literária ao descrever o amanhecer e o entardecer naquele grandioso cenário.
Nos dias seguintes passei muitas horas sentado aqui no alto contemplando o Grand Canyon, apreciando o jogo da alternância da luz e das cores. Quando os primeiros raios do sol da manhã, vindos da direção do Painted Desert, derramam a sua luz sobre os abismos escuros, os rochedos do leste brilham na tonalidade ouro de uma delicadeza impossível de precisar, enquanto nas encostas do oeste os vales e  abismos jazem mergulhados em cores negro-azuladas. Pela hora do meio dia as cores fortes vão desmaiando para o amarelo cinza, o marrom cinza, o vermelho ferrugem e o branco. No final da tarde, repete-se, na sequência inversa, a mudança dos jogos de luz e de sombra da manhã. Mas o vermelho dourado do sol da manhã cede lugar ao vermelho púrpura do ocaso. A maioria das fotos coloridas reproduzidas em livros, foram tiradas naquele horário. Deixam a impressão de que o Grand Canyon veste por natureza esse manto colorido. Pouco depois do por do sol, o vermelho passa para o púrpura escuro e as tonalidades cinza, amarelo e verde modificam-se para o azul fantasmagórico, que vai mergulhando cada da vez mais na escuridão da noite. (Rambo, Balduino. Treses Meses na América. 1956. Manuscrito. p. 181)



[1] Paul Heinz Koesters no seu livro “Deutschland deine Denker”  traça o perfil do filósofo da esperança  Ernst Bloch. Ernst Bloch, o filósofo da Esperança, nasceu 1885 em Ludwigshafen no Reno. No centro do seu pensamento encontra o conceito “Heimat” (querência). Entre as obras que o levaram a esse conceito estão os romances de aventura de Karl May. Entre índios, búfalos, pradarias – nesse panorama o jovem Bloch sentiu-se pela primeira ez “em casa”, na Heimat. Heimat só pode existir lá onde ha Liberdade. O judeu e marxista  Blochque emigrou para a América por causa dos nazistas e abandonou a Repíblica Democrática d Alemanha em 1961, lecionou ainda em Tuebingen onde faleceu com 92 anos em 1977. Num mundo que sofre pesadamente com a desesperança, Bloch ensina o homens a terem esperança. Num bloco de pedra de rocha rústico com milhões de anos lê-se a inscrição: “Pensar significa transpor o princípio da Esperanaça”.

A Natureza como Síntese #22

Balduino Rambo  - 2
O cientista e sua proposta de síntese
Um exame um pouco mais minucioso da reflexão do Pe. Rambo acima, põe em evidência os dois lados do seu autor. O primeiro revela o cientista especialista em botânica sistemática que, por décadas percorreu os cenários naturais do sul do Brasil, colecionando plantas. Acondicionou-as e carregou-as para o seu recinto de estudo, para ordená-las e classificá-las de acordo com os rígidos preceitos da taxonomia. O resultado final veio a constituir-se numa coleção de fanerógamos de cerca de 90.000 exemplares. Foi esse afã de sistemata e as dezenas de artigos rigorosamente científicos, que abriram as portas para o livre trânsito na comunidade científica internacional. A vasta correspondência que manteve com instituições nacionais, americanas e europeias, desfaz qualquer dúvida a respeito. Curiosamente, entretanto, o que para qualquer cientista seria o objetivo maior a ser alcançado e a realização suprema, para o Pe. Rambo não passou de um caminho penoso, um pressuposto desgastante, em busca dos dados objetivos, para com eles na mão, descobrir na Pluralidade na Unidade na Natureza,  identificar e entender a sua teleologia e, de alguma maneira, vislumbrar o sentido que polariza tudo. No diário encontramos o surpreendente desabafo escrito por ocasião do retiro anual em janeiro de 1944, na Vila Manresa em Porto Alegre
Na medida em que me entretenho com a descrição das Ciências Naturais, experimento em mim mesmo um espécie de esvaziamento da vida afetiva. Apodera-se de mim a sensação de que o ser cadavérico das plantas mortas reflete-se  em minha alma, como se minha vida interior assimilasse, mais e mais, o aspecto inanimado do meu cemitério de plantas. A ocupação constante  com as descrições latinas apenas esquemáticas, geralmente áridas e inanimadas, projetam sua cor mortiça sobre a alma, tornando-a embotada, gélida e apática. (Rambo, Balduino. 1994. p. 13)
Um pouco mais adiante, continuando a reflexão, recorda as duas semanas que passou na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, auxiliando o Pe. Arnaldo Bruxel na microfilmagem da “Coleção de Angelis”. A reclusão por dias a fio numa câmara escura improvisada debaixo de uma escada, aguçou nele  a sensação de isolamento e de solidão, que de física transformou-se também em prisão dos sentimentos e emoções. Diante da impotência de deixar correr  livre a imaginação e a reflexão, desabafou.
O isolamento quase completo do local, que me é sempre estranho no fundo do ser, colocou-me numa busca sequiosa de atividade racional e diálogo. O trabalho diário na biblioteca  contribuíra, em parte para me sentir insatisfeito e solitário como nunca.  (...) Eu me sentia em parte um irresponsável, por viver o dia-a-dia como um robô, deixando minha alma sofrer prejuízo. Levara então uma vida bem mais abundante, quando escrevia meus contos juvenis e compunha minhas poesias singelas. Julgava que minha existência era por demais preciosa, para ser consumida no meio de livros gastos pelo uso, em companhia de plantas mortas. (...) Estaria eu, com efeito, condenado tão incuravelmente ossificado, que não encontrasse mais nenhuma saída para me libertar dessa ocupação unilateral e sem vida? (Rambo, Balduino. 1994. p. 16)
E continuando a reflexão, questiona-se se, de fato, estava  fadado a resignar-se e consumir a vida nessa “ocupação unilateral”. Certamente não! A resposta veio na forma de uma reação criativa que lhe franquearia um lugar de destaque entre os mais renomados pensadores que refletiram, com seriedade, sobre a essência, a razão de ser e o destino do universo, da natureza e do homem.
A resposta me parecia que tinha que ser  a reação, uma vez que me sinto jovem  e acho esse meu estado indigno. Por que não deixar de rastejar e levantar-me? Meu espírito acumulou, desde aqueles anos, um tesouro de novos conhecimentos, que reverteram em atividade criadora. Todos eles aguardam uma elevação e transfiguração na plácida luminosidade de Deus, que ainda hoje é, e sempre foi, o parente mais próximo do meus ser, o vizinho mais familiar da minha morada e o personagem mais amado do meu coração. Meus recursos linguísticos  não empobreceram, mas se enriqueceram em boa parte. Por que então haveria de deixar o mergulho na plenitude dos seres e acontecimentos, traduzindo em palavras a sua imagem, assim como o Senhor Deus converte em imagens sensíveis seus pensamentos eternos nos seres contingentes do mundo? Isto resultaria numa participação da obra criadora de Deus, o que de certo lhe daria gosto, porque seria feito com amor e reverência. (Rambo, Balduino. 1994. p. 16)
A reflexão que acabamos de registrar condensa as preocupações e as intenções que se encontram na base do pensamento e da cosmovisão do Pe. Rambo. Ele não deixa de ser um cientista, com especialidade em taxonomia botânica, reconhecido internacionalmente entre os seus pares. Acontece que ele é um representante não muito comum nesse meio. Foge do paradigma quase estereotipado do cientista frio, objetivo, que só crê nos resultados de suas pesquisas, avesso a reflexões filosóficas e recursos literários que não sejam técnicos e, obviamente só creem no que enxergam, observam com seus instrumentos ou no resultado dos seus cálculos. Mesmo que tenham fé não fica bem demonstrá-la em público. Colocá-la como uma variável determinante da pesquisa científica, é motivo suficiente para por em dúvida a consistência científica dos resultados das investigações. A opinião corrente manda que o cientista seja frio, objetivo, fáctico, avesso a divagações literárias e especulações de natureza filosófica e para muitos, de preferência,  sem fé e ateu. Pois, o Pe. Rambo foge a esse estereótipo. Sem a menor sem cerimônia classifica a prática científica  convencional, em muitos casos, como desgastante, levando à atrofia dos sentimentos  e à escravidão a serviço de  uma atividade sem sabor e sem alma. Ser cientista só então tem sentido e justificativa quando a serviço de um propósito maior. A atividade científica só então é legítima quando fornece os dados e as informações capazes de alimentar uma “atividade criadora” superior. E para ele a atividade criadora superior tem como destino final maior a “transfiguração na plácida luminosidade de Deus”. Portanto,  o Pe. Rambo faz ciência sobre o pressuposto da fé na existência de Deus. Mais ainda. A natureza no seu todo e nos seus componentes mais insignificantes, é o “livro dos livros abertos” da Revelação. Todas as outras revelações apresentadas em livros ou tradições orais dos povos, são formas peculiares de concebê-la, consolidadas pela tradição histórica de cada povo. Por isso mesmo são parciais e unilaterais. A Revelação autêntica, não viciada por nenhum cacoete histórico-cultural, é o livro aberto da Natureza. Aliás São Paulo na Carta aos Romanos chama a atenção para essa verdade. “Na verdade, as perfeições visíveis de Deus se tornaram visíveis depois da criação do mundo pela consideração das obras que foram feitas”. (Romanos. I-20).
O Pe. Rambo soma-se aos demais cientistas e cientistas-filósofos que concebem a Natureza como uma unidade estrutural, funcional e teoleológica. Concordando no essencial, cada um em particular, porém, iluminou-a a partir de uma perspectiva singular, inspirada na educação que recebeu, na formação acadêmica, na filiação confessional, na cosmovisão individual e não em último lugar nas características da sua personalidade. Erich Wassmann e Teilhard de Chardin, seus irmãos de Ordem, construíram complexos edifícios conceituais e trabalhosas argumentações, para a partir dos dados científicos, demonstrar a necessidade da existência de um Agente exterior que explica, em última análise a origem, a dinâmica e a razão de ser do Universo, da Natureza e do Homem. O Pe. Rambo pressupõe a existência de Deus Criador e partir desse dado, orienta a sua atividade científica e suas reflexões.
Chegou o momento de arriscar identificar quais as impressões, quais os sentimentos, quais as emoções e qual a compreensão, que povoavam o seu íntimo e qual a natureza das reflexões que o acompanharam nas suas  peregrinações  pela Natureza. Mais acima já destacamos que a parte mais volumosa dos escritos do Pe. Rambo, encontram-se no seu diário na forma de reflexões, não poucas vezes dirigidas a Deus na forma de diálogos. São literariamente ricas, rigorosamente científicas e filosoficamente densas. Ele próprio resumiu o que entendeu como Ciência e porque merece ser praticada.
A Ciência apenas possui então valor se é para cultivar o que o cientista tem de humano (Menschlichkeit) – (para a formação humana do cientista), quando empreendida e praticada a partir do todo e estruturada dentro do todo. Pressupõe isso um treinamento escolar geral voltado para o todo – coisa que foge à grande maioria dos pesquisadores atuais. (...) A ciência quando praticada com acerto é uma recriação espiritual do mundo, uma atividade semelhante à de Deus, dando assim em culto divino. (Rambo. Balduino. Diário. 1/08/1949)
Salvo melhor juízo está condensado nesse texto a síntese, a essência,  a razão de ser para alguém dedicar-se à Ciência, a maneira de conduzi-la e a sua destinação maior. E a destinação maior consiste, antes de mais nada, em humanizar o pesquisador e o próprio cientista e este, por sua vez, irradiar o seu “humanum” – “Menschlichkeit”, para o mundo em seu derredor. Pressupõe-se, para tanto, que o cientista desenvolva sua tarefa, inspirado numa cosmovisão unitária, holística e integradora da natureza. E é nesse particular que encontramos o “nó górdio” que é preciso desatar. A questão não se resolve cortando-o com a espada, mas desatando-o. Para tanto requer-se da parte do cientista, do pesquisador, uma formação acadêmica de visão ampla  e abrangente, fundamentada na concepção do todo em que se move. Além de dominar profunda e rigorosamente o objeto da sua especialidade. É preciso que esteja em condições de transmitir com precisão e estilo, maestria e convicção, os resultados das suas reflexões. Vai na linha da proposta de formação conhecida na Inglaterra como “Oxbridge”. Por ela objetiva-se formar um cidadão completo, não um especialista bitolado, tolhido por viseiras. Este é o verdadeiro “gentelman”, uma pessoa dona de uma formação de bases amplas, profunda e segura na sua especialidade, comunicando-se com desenvoltura e em alto estilo. Os antigos romanos falavam em “vir bonus, peritus dicendi” – “um homem bom, completo, bem formado, que sabe comunicar-se com elegância.  Não é vulgar, ignorante, grosseiro, mas conhecedor e sabedor do que fala. Salvo melhor juízo, vai nessa direção o pensamento do Pe. Rambo ao definir como ele concebia o verdadeiro fazer ciência.
Ciência verdadeira começa apenas ali onde ela se tornou culto pessoal a Deus para o próprio pesquisador. E isso muito antes de qualquer ideia relativa a publicidade. Ciência vem a ser um decifrar dos vestígios de Deus e um respeitoso reescrever imitativo do Mundo, portanto, um estudo artístico de primeira ordem e grandeza. Ciência é uma contemplação contínua e a cópia desejada  dos planos arquitetônicos secretos e misteriosos do Mundo. Uma vez que tudo isso equivale à reconstrução imitativa e ao entender por dentro das coisas de sua ordem hierárquica – tudo no espelho de uma arte verdadeira. Próprio, contudo, à toda obra de arte é que irradie da plenitude e ordem hierárquica de cada uma de suas partes, de toda a sua ancoragem no belo todo o Cosmos e seu parentesco com o arquétipo, que se encontra além de toda a beleza artística, despedindo de si um calor e um reflexo de luz, aos quais não foge nenhum homem de pensamento hierárquico. Apenas dali, portanto, a partir da plenitude de um riqueza interior, começa a atividade exteriorizada da Ciência, pois, sendo verdadeira, ela é um facho aceso e reluzente, similar aos sóis do firmamento, que avançam espalhando benefícios por sua mera existência. (Rambo, Balduino. Diário. 3 de junho de 1951)
Nessa passagem do Diário Pessoal, Pe. Rambo condensou a sua compreensão do Universo e da Natureza como um todo e nas suas partes. Definiu a razão última de ser da Ciência como sendo um “culto a Deus”. Por isso a tarefa do autêntico cientista resume-se em reescrever, redesenhar, em prosa e verso, essa grandiosa obra em homenagem ao Supremo Artista. O que importa, em última análise, como resultado final da atividade  científica, consiste em descobrir em a Natureza “os planos arquitetônicos secretos e misteriosos do Universo”. E identificando a arquitetura singular dos componentes da natureza, descobrir as relações estruturais, funcionais e hierárquicas que os inserem num todo maior, numa unidade superior, num “sistema global”, como diria Ludwig von Bertalanffy.

Para ele  Ciência se faz, em primeiro lugar, a partir da visão dos conjuntos naturais. A observação panorâmica dos conjuntos permite desenhar “grandes mapas descritivos”, os quais, por sua vez, sintetizam  a compreensão da Natureza no conceito de “Fisionomia”. Segue numa segunda fase a tarefa penosa e desgastante, mas indispensável de procurar, identificar e encaixar no “mapa”  as peças como que num quebra-cabeça. E o esforço não se limita em colocar os detalhes no seu devido lugar. Parece que nesse esforço esgota-se para a imensa maioria dos pesquisadores o conceito de “fazer ciência”. E aqui deparamo-nos com a razão de fundo porque o Pe. Rambo, de um lado sofre diminuição na sua estatura de cientista por uma minoria e os seus admiradores, que são a imensa maioria dos que entraram em contato com sua obra, admiram-no e chegam a venerá-lo.