Deitando Raízes #34

Capítulo quarto
Agricultura e Circulação
Sem minerais, sem vegetais e (130) sem animais é impensável qualquer tipo de atividade. O mundo mineral fornece-nos armas e instrumentos. O reino vegetal presenteia-nos com os alimentos indispensáveis que vêm das plantas, assim como utensílios, moradias feitas de madeira. O reino animal supre, enfim, a dieta vigorosa de carne e os auxiliares no trabalho. No seu primeiro estágio a atividade humana resume-se na criação de animais e cultivo de vegetais. Os resultados da criação de animais e os produtos da agricultura, servem como matéria prima para a indústria que, a partir dela elabora  os mais diversos objetos exigidos pelas nossas necessidades reais e imaginárias. O comércio apropria-se da produção das indústrias, a fim de fazê-la circular, ora em regiões mais próximas, ora nas mais afastadas do mundo.
Os artigos comercializados são trocados por produtos  ou dinheiro que, por sua vez, contribuem para a distribuição da produção das diversas procedências, tanto animais quanto vegetais. Para que o comércio se desenvolva e floresça, exigem-se muitas formas de distribuição, animais de carga e veículos de transporte para circular nas estradas  e navios para os caminhos marítimos. Colocamos essas observações para formarmos uma idéia correta do desenvolvimento  da agricultura, da indústria e do comércio. O Brasil e, de modo especial, a região colonial são bastante jovens. Só há pouco tempo iniciou-se o esforço para dominar as forças da natureza.
Não esperemos, pois, que diante dos nossos olhos se descortine um quadro muito brilhante. Contudo já oferece muita coisa de grande e de belo, fruto da laboriosidade alemã nas colônias.
Limitamo-nos a uma única paróquia, Bom Jardim. As características relatadas oferecem um retrato fiel da situação que encontramos também em outras colônias.
Quando os primeiros colonos chegaram no Brasil, encontraram circunstâncias muito diferentes daquelas às quais estavam acostumados na velha pátria. Em primeiro lugar novas eram as plantas, com que era preciso familiarizar-se, como a mandioca, a cana de açúcar, as abóboras, o algodão, o milho. Este último já fazia parte da agricultura na Alemanha. Mas era desconhecido para os colonos procedentes de Trier e do Palatinado. A mandioca era uma planta  nativa usada mesmo antes do descobrimento da América, cujas raízes forneciam o alimento principal para as tribos selvagens. Havia duas variedades: a mandioca doce e a venenosa. Esta com raízes revestida com casca escura, antes do uso tinha que ser liberada do ácido cianídrico contido no suco. Depois de torrada numa frigideira assume a aparência das nossas papas de aveia. Os portugueses deram-lhe o nome e farinha seca e, associada a outros alimentos, tem um sabor excelente. Os índios usavam muitos nomes, de acordo com sua estrutura e variedades. De acordo com Martins somente a língua tupi usava nove designações e segundo Ferreiro, os índios Manáos distinguiam 35 variedades diferentes de mandioca. O milho, também uma planta nativa da América, não perde de importância para a mandioca. É usado como forragem para cavalos e mulas mais do que como alimentação humana. Pelo menos os portugueses preferem pratos com farinha de mandioca. Os nossos colonos também sabem fazer com ela um pão saboroso e substancioso. O feijão, principalmente o pequeno preto, tem uma importância que, por assim dizer, chega a ser perigosa, na medida em que conquistou  uma situação privilegiada na agricultura, em detrimento de uma atividade econômica equilibrada. Também novo para os imigrantes foi o arroz, uma cultura de tamanha importância para o Brasil. Da mesma forma  o o cultivo do amendoim era uma novidade. Para muitos citadinos, com certeza, é desconhecido o hábito estranho desta planta de enterrar a flor no chão para depois desenvolver a vagem até o amadurecimento. As magníficas e saborosas laranjas no começo eram importadas da Europa. A elas vem somar-se a saborosa banana, a romã e o pêssego.
Para os que chegavam, nova era também a seqüência ininterrupta do trabalho na lavoura. Não havia invernos propriamente ditos na nova pátria e com isto o trabalho não sofria nenhuma parada. São de um modo especial as pessoas de idade que se queixam: "No Brasil não se permite descanso para o agricultor. Terminada uma tarefa uma outra o espera."
Outra diferença na agricultura vem do grande tamanho das roças, resultado do sistema de rapinagem no uso da terra. Uma colônia inteira de terra não é grande demais para uma família de tamanho médio. Enquanto na Europa uma adubação regular e uma alternância de culturas adequada, permitem que uma e a mesma área seja cultivada por gerações seguidas, aqui é preciso abandonar anualmente as áreas exaustas. Deixam-se crescer capoeiras e, depois de cinco ou seis anos, volta-se a utilizá-las. O resultado é que cada ano é preciso derrubar  e queimar mais um eito de mato. Por sorte o colono comprou barato a colônia ou até a recebeu de graça. Caso contrário ter-lhe-ia sido impossível instalar o ninho em que se sente em casa.
Nos tempos passados no Brasil um trabalho longo e, por vezes amargo e duro, era muitas vezes posto a perder, coisa que não se conhecia na Alemanha. Referimo-nos ao freqüente excesso de calor, de água e de estiagens e, de modo especial, a inimaginável fertilidade do solo, favorecendo a proliferação das ervas daninhas. Nem se fala dos inimigos viventes do homem do campo: os milhões de formigas, bandos de papagaios, famílias de macacos e, nos primeiros tempos, as varas de porcos do mato.
São de um homem do campo experiente, cujas vivências iremos trazer mais abaixo, as palavras: "Na maioria dos casos o feijão sofre danos com a chuva, quando em outubro entra na floração. O mesmo acontece com os ventos fortes que o desmatamento irracional deixa passar livremente. No período da colheita também a chuva pode ser muito prejudicial.
Na hipótese de as plantas maduras (132) arrancadas forem molhadas durante aquele período quente do ano, o feijão brota e a colheita perde-se em grande parte. O milho, por sua vez, exige muito calor. Mostra-se especialmente sensível na segunda plantação (safrinha). Não suporta muita chuva mas ama quando a chuva desliza lentamente pelas folhas. Com o excesso de chuva no começo cresce rápido demais, tornas-e frágil e os ventos o derrubam. Permite duas colheitas. A primeira exige sete meses para amadurecer e é a melhor e a segunda seis. O cultivo do algodão começou nos anos sessenta. A arroba valia de cinco a seis patacas. Era um preço muito baixo pelo qual mal  compensava colhê-lo além de não haver mercado suficiente.
Apesar de tudo há ainda hoje famílias que cultivam o algodão para o uso próprio. As mulheres o tecem e os rapazes maiores o processam à noite na roda de fiar. Confecciona-se assim a totalidade da roupa de cama, sacos, fronhas, roupas de trabalho, panos para a debulha, camisas e outros, resultando numa economia doméstica de grande importância.
O arbusto do algodão é uma planta muito grata. Não exige maiores cuidados além da limpeza das ervas daninhas. A colheita não costuma falhar em lugares onde não se formam com facilidade geadas.
Uma outra diferença que favorece bastante a agricultura daqui em relação à Alemanha consiste na riqueza de frutas e animais domésticos. A grande abundância de produtos agrícolas nativos, não  exclui evidentemente os alemães, como o trigo, o centeio, a aveia, a cevada, as ervilhas, as lentilhas, etc., embora esses exigirem áreas mais elevadas. Além disto a natureza oferece com prodigalidade uma boa quantidade de utensílios que, na Europa, só podem ser adquiridos por preços significativos junto a profissionais. A mata virgem fornece a pá do arado e a canga para a parelha de bois. Os cipós fornecem amarras resistente e o campo oferece vasilhas duráveis e asseadas nas cabaças de diversos tamanhos. Resumindo, conclui-se do que foi dito que, a situação do homem do campo aqui, é muito favorável, sem falar na grande vantagem que a sua terra forma um todo e não retalhos de pequenas parcelas como na velha pátria.
Façamos agora algumas  considerações sobre a vida e o modo de proceder de um colono brasileiro na mata virgem, como nos foi descrito por nosso amigo Christoph Führ, professor no Schneidersthal.
Para começo de conversa, o colono não precisa de muitos instrumentos agrícolas. Uma foice para roçar, um machado e uma enxada, e só Nos anos quarenta poucos colonos dispunham  de qualquer tipo de viatura, porque as roças situavam-se nas imediações e porque plantava-se  apenas o feijão e o milho. Tudo podia ser carregado para casa em sacos no lombo de cavalos. A madeira para  construção era reunida  carregada nos ombros ou arrastada valendo-se  de um tipo de trenó feito de forquilha de árvore.
Para reunir pedras utilizava-se um trenó semelhante àquele que os rapazes usavam na Alemanha para sufar sobre a neve no inverno. (133) Limpavam-se as roças com a enxada e com ela procedia-se também a semeadura. Como a venda dos produtos era muito precária, plantava-se o suficiente para o consumo. Numa família com apenas duas pessoas em condições de trabalhar, cultivava-se uma ou duas quartas de feijão e mesmo em famílias mais numerosas não se passava de meio saco. O feijão era debulhado na roça com utilização de uma vara, o que não era fácil no sol que queimava no verão da nova pátria.
Devido à pouca criação de porcos não se plantava tanto milho como hoje, Mantinham-se apenas tantos animais quantos necessários para suprir o uso doméstico com carne e banha. Assim, por exemplo, o velho Kunzler colheu num ano 100 sacos de sessenta quilos de milho e andava por aí orgulhoso como um imperador. Além disto cultivava-se a batata inglesa, ervilhas, lentilhas, mandioca, amendoim, cana de açúcar, na medida em que o suprimento da casa o exigia.  Pelo final dos anos quarenta as colônias entraram num ritmo de desenvolvimento mais acentuado. O comércio cresceu e com ele a vontade de trabalhar e produzir. Foram instaladas atafonas e alambiques e começou-se a lavrar a terra. Mas,  como acontece hoje, havia muitas dúvidas de como lidar com a mata. Não demorou e as dúvidas se foram e todos aderiram ao arado para preparar a terra.
Mesmo esse progresso começou modesto por não haver animais de tração adestrados. Uns faziam uma criança montar num cavalo e guiar o animal de acordo com o comando que vinha de trás. Outros levavam o cavalo pelo cabresto e, não poucas vezes lhes cabia puxar mais do que o animal. Do arado de pá móvel como na Europa, nem falar, porque aqui ele serve apenas para revirar a terra. Utilizavam-se vários modelos. Primeiro foi o arada manual, depois veio o munido de duas rodas na frente, o mesmo ainda em uso puxado por cavalos e, finalmente, o arado de bois pois. A maioria trabalha com bois.
Este último se presta melhor nos morros, entre tocos e pedras. Neste o timão vai até a canga e a pá encontra-se atrás. Trata-se de um  equipamento muito simples que todo o colono tem condições de confeccionar. No momento em que começou a produzir mais feijão, passou-se a debulhá-lo com a ajuda de cavalos. Para esta finalidade usava-se um pano de aproximadamente sete por sete metros. Sobre ele depositava-se  o feijão e cavalgava-se sobre ele até o feijão saltar das vagens. Com este método uma família de três pessoas estava em condições de arrancar e debulhar de seis a sete sacos por dia. 

Deitando Raízes #33

No que se refere aos custos da construção, depois da morte do velho Datsch, Blauth e Colling receberam 35 contos do governo, o que eleva a conta de toda a ponte para 75 contos, incluídos os dois prolongamentos da ponte propriamente dita. Só a pedreira é capaz de fornecer os dados de quantas cargas de pedra foram empregadas na totalidade da obra. O jovem Datsch informou que durante a vida do pai foram retiradas da pedreira da sua propriedade 1.100 cargas de carroça. No que se refere aos salários da primeira fase da construção, encontramos nos dois livros  que foram gentilmente postos à disposição pelo senhor Jacob Datsch, os seguintes detalhes interessantes. Encontramos a seguinte conta relativa à primeira semana de 23 a 29 de agosto de 1859:
Na condição de arquiteto e mestre de obra João Sauter recebeu 3 mil réis por dia; João Hüther e Jacob Hahn, oficiais de pedreiro, dois mil réis por dia: Nicolaus Datsch como servente e cozinheiro, um mil réis: João Jacob Müller, servente, um mil réis. Os outros dados serão acrescentados mais tarde quando a Crônica (127) for publicada em forma de livro, por ex., o número de dias trabalhados, os salários do mestre e dos oficiais, a maneira como trabalharam empreendedores na ponte, como atuaram nela mais engenheiros, entre eles o major Campos e o acima mencionado major Martins.
A primeira travessia da ponte, ainda não pavimentada, coube a Mathias Lauermann, montado no seu bagual branco, o que certamente não foi um mau prenúncio, tato pelo cavaleiro quanto pelo animal. Mais sério foi o boato de que seria instalada uma barreira e cobrada uma taxa de pedágio. Um grande alvoroço tomou conta de toda a região com o argumento contra de que todos tinham contribuído para a construção. Um grupo de homens, entre eles Lauermann e Sänger, foi conversar com Blauth para chamar-lhe a atenção. Mas este saiu-se com a resposta seca: "Não há nada a fazer. Não se deve contestar o governo." Em extremo amargurados com esta comunicação, os acima citados dirigiram-se a Philipp Herzer, para com ele deliberar sobre a situação. Este tinha opinião diferente de Blauth. Era de parecer que obviamente havia o que fazer, contanto que as pessoas o apoiassem. Foi convocada uma reunião para o domingo seguinte na residência de Philipp Herzer para acertar os passos necessários a serem dados.  Unanimemente rejeitaram  o pedágio da ponte e encarregaram Philipp Herzer e Jacob Datsch júnior a tratar da questão junto ao Governador. Sem perder tempo os dois puseram-se a caminho, já que o leilão do pedágio estava marcado para a quarta feira. Datsch levou três cartas de recomendação endereçadas a Karl von Koseritz, mas Herzer preferiu dirigir-se primeiro ao dr. Florêncio. Ao lhe passarem o documento que o capitão Jahn (autor da obre sobre a Colônia de São Leopoldo), redigira, exclamou ao observar as expressões fortes: "Isto não passa. O Presidente escreverá simplesmente: Não dê lugar, isto é, não merece consideração." Datsch revoltado aproximou-se da janela. Repentinamente voltou-se para Herzer e declarou: "Sigamos o nosso caminho." No corredor o velho Herzer meteu as mãos nos cabelos hirsutos e disse: "E agora, o que fazemos?" Datsch respondeu curto e decidido: "Vamos recorrer ao Koseritz." Assim fizeram, mas não o encontraram em casa. O chapeleiro sugeriu que voltassem  às oito horas. Na hora indicada os dois emissários apresentaram-se na casa do sr. von Koseritz, o qual contudo não se encontrava. O sr. Herzer  pôs-se a procurá-lo e não demorou voltou em sua companhia. Von Koseritz recebeu o documento e soube da resposta do dr. Florêncio. Leu o requerimento e observou: "está um pouco forte, mas apesar disto o faremos chegar às mãos do homem." Pediu que às 11 horas estivessem na residência de Ter Brüggen. Os  três subiram até o palácio e foram recebidos e Koseritz explicou brevemente do que se tratava, o que levou alguns minutos. Depois von Koseritz ocupou o lugar em frente ao Presidente e começou uma longa conversa, não sobre o pedágio da ponte mas sobre a emigração norte americana. Concluída a conversa, os emissários recomendaram-se a von Koseitz. Lá fora este lhes disse: "Vão para casa tranqüilos. Tomarei as iniciativas necessárias, a questão está bem encaminhada."
Koseritz encontrou-se mais duas vezes com o Presidente e o leilão nunca aconteceu e  ninguém mais ouviu falar sobre a taxa relativa à ponte que deveria ser arrecadada. Koseritz recebe 35 mil réis pelo seu trabalho. Cada colono colaborara com uma moeda a título de despesas de viagem. O que sobrou Herzer utilizou para aterrar os atoleiros na estrada no Buraco do Diabo. Outras particularidades (128) relativas às circunstâncias em que aconteceu a continuação da obra, vieram de outras testemunhas.
Jacob Datsch, como se sabe, faleceu em 15 de novembro de 1862. Os trabalhos foram interrompidos por mais ou menos um ano. Depois o governo pressionou pela continuação da obra. Os empreendedores foram Blauth, Colling e Kilp de Porto Alegre. Este último era o responsável técnico.
Johann Dapper  da Wallachai desempenhou o papel de pedreiro chefe, na sua ausência substituído por Peter Schnorr, atualmente residente em Estrela. O engenheiro propriamente dito que parava na casa de Philipp Herzer, raras vezes era visto. Só uma vez os trabalhadores perceberam a sua presença, isto é, na ocasião em que inspecionou o pilar e condenou o trabalho, fato que não impressionou nada bem os operários. Como canteiros distinguiram-se Johann Finger, filho do fabriqueiro, Jacob Petri do Bohnenthal e outros mais. No que se refere à pedreira que fornecia o material da ponte, no início foi usada a de propriedade de Jacob Datsch e, mais tarde, aquela que ficava nas terras de Jacob Kehl, nas proximidades do atual estande de tiro. Da primeira saíram as pedras para os quatro pilares, da última o material  para os arcos. Examinemos  a atividade na pedreira um pouco mais de perto, tomando como base a descrição de alguém que dela participou.
As pedras uma vez extraídas eram carregadas por quatro homens: Karl Becker, o "preto Tyrolerhannes", um outro Becker de Petrópolis e Christoph Führ do Bohnenthal. Este último é de momento professor no local. De manhã cedo, antes de o sol nascer, o duplo par já estava a caminho da pedreira e trabalhavam até a entrada da noite. Havia cinco carroças disponíveis, quatro delas pertenciam a Blauth, a quinta a um filho de Johann Nicolaus Datsch. Faziam quatro viagens por dia de maneira que a cada dia 20 cargas chegavam ao local da construção. A vida às vezes era  muito difícil, quando se tratava de blocos grandes. Especialmente uma, a maior, custou muito esforço. Media 14 polegadas de espessura, 28 de largura e 11 pés de comprimento, um verdadeiro gigante, cujo transporte causou muitas dificuldades. Primeiro foram retiradas as rodas dos eixos e a carroça colocada sobre o chão. Depois o colosso foi depositada sobre ela com o auxílio de rolos. Feito isto a carroça foi erguida e as rodas postas nos devidos lugares. Foi a última carga daquela tarde, um fecho digno para a jornada do dia. Quando a carroça chegou na casa do Ruschel, lá no alto, os quatro homens sentaram-se sobre a pedra e, com voz sonora, entoaram um canto.  Jacob Blauth que estava almoçando ouviu o canto, correu até a porta e olhou morro acima. Ao avistar a carroça na estrada gritou:: "Puxa!, estes trazem uma pedra para valer!" É óbvio que uma pedra tão especial merecia um lugar também especial. Depois do almoço a pedra foi colocada em cima do dique com o auxílio de rolos e assentada sobre o pilar. Todos os demais operários tiveram que colaborar. Uma vez no seu lugar em cima do pilar, Blauth dispensou para aquele dia os quatro homens que a tinham trazido, uma compensação que, com certeza, tinham merecido. A tarefa de carregar as pedras era, sem dúvida, muito pesada e, por isso, não é de se admirar que mais tarde as quatro trabalhadores pediram a Blauth, que destacasse um quinto para os ajudar. Blauth prometeu mais um homem, mas quando se foram entregou-lhes apenas uma garrafa de cachaça.
De então para frente os quatro carregadores de pedra recebiam, em vez de uma garrafa de cachaça, duas. Isto, porém, não lhes resolveu o problema. Como homens morigerados não lhes era possível liquidar sozinhos a "água de fogo" que lhes era fornecida. Era fácil encontrar uma saída. O que sobrava os trabalhadores davam para um velho cesteiro, Mentkes de nome que, (129) em companhia de sua mulher,  servia-se com vontade.
Como um serviço prestado chama o outro, cada um dos quatro recebeu a promessa de um cestinho e, daí em diante, as sobras migravam para a casa do cesteiro. Os demais operários, 30 a 40, recebiam diariamente apenas duas garrafas. Para matar o restante da sede dispunham da água ruim do rio. Cada manhã recebiam uma moringa dela no local do trabalho.
As refeições eram servidas em comum e de graça. No fogão funcionavam como cozinheiros o velho Müller Heinrich e a mulher, nascida Weber. A comida era simples mas boa. Em compensação trabalhavam  com vontade, sobressaindo de modo especial o preto Adam Blauth, um escravo de Blauth. Não servia para trabalhos que exigiam inteligência. Em compensação a Providência o dotara de uma força hercúlea. Não lhe era demais levantar três sacos. Por isto Blauth o colocou junto ao muro para preencher com todo tipo de pedras pequenas e grandes os vãos na estrutura, tarefa que não exigia muito da sua inteligência. Mas a experiência não foi de todo inútil para o preto Adam. Mais tarde, a serviço de Grünewald, tornou-se um pedreiro bastante eficiente. A sua incrível força pode ser concluída do  seguinte episódio. Quando os operários se defrontavam com uma pedra que mais homens juntos não conseguiam carregar, o mestre de obras Grünewald limitava-se a chamar: "Adam, meio mil réis." O Adam vinha e a pedra parava no lugar. Por brincadeira e para alcançar mais facilmente as metas, Grünewald prometera meio mil réis ao Adam. Era um negócio à parte e o Adam compreensivelmente estava cada vez mais disposto. Mais tarde Grünewald observaria: "Vou acabar  com estas apostas, caso contrário o Adam me leva todos os meus meio mil réis."
Mais tarde o Adam não ficou com Blauth. Trabalhava por conta em Bom Jardim, São Leopoldo e Dois Irmãos. Recebia três mil réis de salário por dia, dos quais era obrigado a entregar dois  para o seu senhor. Quando  Adam não remeteu mais pontualmente  a soma, Blauth quis vendê-lo para um vapor. Adam se encontrava na ocasião em Estrela, ocupado com um poço junto a um cervejeiro. Veio a ordem de prendê-lo e despachá-lo para o Rio. Quando, apesar de tudo, arriscou-se num domingo ir à igreja, por precaução retirara-se antes do final da missa, derrubado por um relho caiu desacordado no chão na venda de Michel Ruschel. Levantou-se, mas tornou a cair. Foi preso e levado para o Rio. Depois da libertação dos escravos trabalhou ainda por algum tempo no Rio, dirigiu-se depois para Santa Catarina de onde, conforme conta seu irmão, pretendia voltar ao Rio Grande do Sul.


A construção da ponte foi toda concluída e entregue ao tráfego em 1864. Não demorou e apareceram rachaduras nos arcos. Foram acrescentados pilares de apoio e reforços laterais nos pilares. Importou num novo gasto de cinco contos. As obras foram executadas por Peter Cassel e resolveram plenamente o problema, pois, desde então não houve mais nenhum contratempo  com a solidez da obra. Durante trinta anos de cavalos, carroças e pedestres passaram pela ponte, sem que se percebesse um único sinal de fadiga. Prevê-se que continuará por tempo indeterminado sendo uma via de comunicação segura e um ornamento para Bom Jardim.

Deitando Raízes #32

Capítulo terceiro
A ponte sobre o Feitoria
Quem já passou alguma (123) vez a cavalo por esta região romântica, certamente já se perguntou: quem construiu e quando foi construída essa obra? Tanto o comprimento quanto a solidez fazem dela algo de ser visto na mata virgem. Todas as outras pontes, de perto e de longe, perdem dela em muito em todos os sentidos. A ponte sobre o rio em São Leopoldo sobrepuja-a certamente em quatro vezes e, no que diz respeito à solidez, não há o que discutir, porque descansa sobre pedras talhadas e, após 30 anos, não precisou de nenhum reparo. De outra parte os custos de construção estão de acordo com o comprimento e a solidez da ponte. Enquanto o  observador superficial a estima, sem mais, em 100 contos, a comissão construtora calculou os custos em 20 contos, antes de começar a obra. Na verdade os números reais ficaram tanto abaixo dos 100 contos, quanto acima dos 20. Somando todas as despesas os custos ficaram em torno dos 75 contos. Donde vieram os recursos? É útil sabê-lo porque muitos, ao transitar pelo local, podem imaginar-se que tudo saiu do imenso bolso do estado. Conforme nos relatou  o senhor Jacob Datsch da Linha 48, cujo pai foi o primeiro responsável pela construção da ponte, dispomos  dos seguintes dados. A construção da nova ponte teve início em 1857. Na época existia uma de madeira que remontava ao tempo da revolução. O mestre da obra foi o assim apelidado "Grande Schmitz". Sua filha ainda viva é a viúva de Jacob Kehl. O "Grande Schmitz" tem este apelido para distingui-lo do "Pequeno Schmitz", construtor do moinho do Biehl no Bohnenthal. A anterior uma ponte baixa ligava os dois barrancos, do tipo ponte para macacos, porque com enchentes ficava debaixo da água. As três pontes sucessivas, simbolizam, por assim dizer, o progresso de toda a picada. Voltemos à ponte de pedra. A maioria das pessoas estava convencida da necessidade de uma travessia duradoura que permitisse o trânsito a qualquer hora e em quaisquer circunstâncias. Hoje até os mais ignorantes reconhecem que se tratou de uma atitude inteligente. Uma observação à parte. Não seria o caso de emprestar um pouco mais de atenção às estradas e não considerar os investimentos nelas como uma espécie de desperdício? Ter sempre à disposição boas estradas é de igual proveito do que uma ponte sólida e passável a qualquer hora. Como costuma acontecer, mesmo que todos  tenham aprovado  a realização  do projeto da ponte, foram principalmente os homens de visão e dispostos a sacrificar-se, que com determinação puseram mãos à oba. Entre eles conta-se, sem dúvida, em primeiro lugar, o velho Jacob Datsch. Depois de decidida a construção da obra, passou-se à coleta de contribuições. Já que a ponte serviria a toda a redondeza, toda ela deveria contribuir para cobrir os custos. Foi estipulado que os proprietários dos lotes mais próximos, até Peter Krug,  contribuiriam com duas onças, os mais afastados, da chamada 48 Baixa, com 43 mil réis e os ainda mais afastados, Holanda até o nr. 75, com 20 mil réis. Desta forma foram reunidos  10 contos. Quando o dinheiro acabou o governo ordenou a continuação da obra de qualquer maneira. Sob a presidência do Dr. Ferraz foram  postos à disposição sete contos. Mais tarde o governo não quis levar a sério o desembolso.
O novo Presidente negou-se a liberar o dinheiro. Datsch suspendeu os trabalhos e mandou os operários para casa.  Durante um ano a obra ficou interrompida. Depois o governo começou a pressionar pela retomada  da construção. Datsch poderia ter  dado continuidade à obra, mas não se empenhou. Estava agastado com o governo que se negava a reembolsar o dinheiro gasto. Neste meio tempo ele faleceu em 15  de novembro de 1862. Os novos empreendedores, Blauth, Colling e Kilp exigiram que o filho de Datsch entregasse as ferramentas: marretas, cunhas, alavancas, picaretas e outros  utensílios como mesas, etc. De comum acordo com a comissão de construção, da qual fazia parte, Theobald Schenkel e Friedrich Feyh, o jovem Datsch recusou-se a atender e declarou: "Enquanto não me pagarem, nada feito." Seu adversário pediu então que fornecesse por escrito a declaração. O jovem Datsch declarou-se prontamente disposto. Um caixeiro viajante de nome Sessiano, por acaso presente de passagem, redigiu a mensagem para o Presidente. Utilizava termos tão fortes que, ao lê-la, um dos presentes observou: "Se o Presidente o ler, o telhado pega fogo." Mas o que interessa é que o escrito obteve resultados. No primeiro dia do Natal apareceu um filho do Anschau com uma carta de Anton Diehl, especial amigo de Jacob Datsch, anunciando que o dinheiro fora trazido pelo vapor. Jacob Datsch relata: "Pedi imediatamente  que me alcançassem  a roupa, enquanto minha mulher encilhava o cavalo. Fui a cavalo até a casa de Friedrich, que estava a caminho da igreja. Quando lhe comuniquei do que se tratava, ele observou: "Vamos juntos até o Passo (São Leopoldo)." Dito e feito. Apearam  na casa de Anton Diehl e receberam a recomendação para reunir os operários no dia seguinte, segundo dia do Natal, para ouvir suas reclamações e receberem o dinheiro que lhes era devido. Datsch Júnior opinou que era impossível.  Chegaram a um acordo no sentido de que os que moravam mais perto fossem reunidos no dia seguinte feriado e os de mais longe (Feliz, Forromeco, Petrópolis), para o terceiro. Apresentaram-se então em dois dias subseqüentes na coletoria onde, um certo Gouveia, funcionário vindo de Porto Alegre, esperava, incumbido para distribuir o dinheiro. Bonito era de se ver como aconteceu a distribuição. O dinheiro formava três montes. O primeiro destinava-se ao pagamento da alimentação, o segundo ao pagamento do que ainda era devido aos trabalhadores e o terceiro para reembolsar  o que Datsch Sênior dera como adiantamento. Desses montes saiu o dinheiro para alguns pagarem a alimentação, a outros coube como salário atrasado. O terceiro monte coube a Datsch, que já pagara do próprio bolso alguns trabalhadores. Para uns adiantara 100 mil réis, para outros uma onça e duas para outros, etc.
Sete contos deveriam ter sido pagos, porque este era o valor das despesas com os trabalhos realizados. Mas somente quatro estavam disponíveis. Faltavam  os três contos  que o major Campos havia estipulado como honorários para o velho Datsch. Qualquer um entende facilmente que  esta recusa desgostou muito o velho Datsch, porque lançava uma sombra sobre a sua boa reputação, além de representar um grande prejuízo material. Não é de todo inverossímil que essa situação desagradável contribuísse para a sua doença e, finalmente,  para a sua morte. Queremos relatar aqui todo o andamento desta história, de um lado para esclarecimento e justificativa e, do outro, para fazer justiça para esse homem correto e respeitado por todos.
O carroceiro Wilke registrara na sua conta 16 cargas a mais do que o jovem Datsch, que fora encarregado pelo pai para anotar os fornecimentos. Este fato fez subir a reclamação de Wilke a 100 mil réis. Em nome da paz o velho Datsch dispôs-se a pagar  todo o montante com a condição de lhe ser fornecida uma quitação sobre apenas 66 mil réis. . Wilke não quis concordar. Apesar disto Datsch depositou os 100 mil réis junto a João Lourenço e Julien, para que Wilke os pudesse retirar. (125) Julien declarou mais tarde nada ter recebido e Wilke encaminhou sua exigência a Colling. Só 11 anos mais tarde Colling foi procurar  o jovem Datsch e, acompanhado por ele, dirigiu-se a João Lourenço, onde de fato os 100 mil réis lhe foram entregues. O desentendimento com Wilke teve as suas conseqüências  no que se refere aos três contos que o governo estava devendo ao velho Datsch. Capistrano, um homem influente, era amigo de Wilke. Em certa ocasião declarara na cara do velho Datsch: "Enquanto não te entenderes com Wilke, os três contos estão congelados." Certo dia Wilke declarou a Datsch Júnior: "Ele te conseguiria a metade dos três contos sob a condição de renunciar à outra metade." Foi-lhe apresentado um documento no qual Datsch declarava renunciar à metade contra o pagamento da outra metade. Tanto ele como Peter Cassel assinaram o documento, mas como foi visto acima, sem qualquer efeito. Sobre o registro de um outro acerto de contas de 270 mil réis, também de Datsch, falaremos mais adiante.
O seguinte fato se deu por ocasião das eleições. A comissão distrital estava reunida na casa de Philipp Herzer. O jovem Datsh fez-se presente também  e disse: "Leiam os nomes". Quando apareceu o nome Nunes, disse Datsch: "Este eu não aceito. Antes de mais nada ele me precisa pagar os 270 mil réis que me deve." Essas palavras provocaram grande alvoroço ao ponto de a sala inteira  parecer-se com um enxame de abelhas. Johann Schmitt disse: "Isto pode levar-te à cadeia." Depois disto dispersou-se a reunião sem resolver nada. Certa noite o vizinho Rihl  foi ter com Datsch levando como notícia ma saudação de Blauth e o recado de que Datsch levasse a São Leopoldo para o engenheiro José Martins o cavalo que ele sempre montara. A muito custo Datsch se decidiu. Sua mulher disse-lhe: "O que pretendes acompanhando este homem que provocou a morte do teu pai?" Apesar disso Datsch decidiu atender o pedido. Na várzea encontrou-se com a comissão eleitoral, na qual, entre outros,   encontrava-se Julien, o guarda-livros de velho Datsch. Ele perguntou em tom bastante áspero: "Que provas tens? Fui o contador do teu pai e não sei de nada." Datsch respondeu: "Isto não é da sua conta," A comissão eleitoral subiu até a pedreira de Datsch, para avaliar a quantidade de pedras quebradas. Ao chegarem no morro veio a galope, num cavalo coberto de suor, Peter Lasset, cunhado de Datsch, a quem Julien esquentara o inferno, e disse: "Escuta, esta é uma situação complicada." O interpelado sorriu e disse: "Deixa comigo. Sei como provar." Depois da inspeção da pedreira o engenheiro foi até a casa de  Datsch, para saudar a família. Quando Datsch se pôs a desencilhar o cavalo, Johann Schmitt, hoje coronel, convidou-o para acompanhá-lo  até a residência  de Blauth, pois o Nunes encontrava-se lá para se explicar. Datsch se dispôs prontamente e puseram-se a caminho. A negociação começou com a participação de Nunes. Os recibos dos dois primeiros contratos foram examinados e aprovados. Para entender melhor a situação observamos que o pagamento dos colonos dividiam-se em quatro contratos. Até esta altura Nunes mostrara cara de vencedor. Datsch perguntou então: "São estes todos os recibos?" "Não há outros", respondeu Julien. "Não é o suficiente", interrompeu Datsch, dirigindo-se para Blauth. Depois continuou: "Traga, por favor, os recibos que recebeu do Nunes." Blauth, pego de surpresa, respondeu: "Posso Trazê-los." Bastou Blauth aparecer com os recibos para que Nunes se evaporasse. Os novos recibos foram examinados. Datsch fez a soma de cabeça e, quando lhe pareceu correta, interrompeu o exame com as palavras: "Basta!" Julien respondeu: "Não, não basta." Quando. porém, conferiu a soma, sobravam 10 mil réis sobre os 270 e havia ainda um bom número de recibos que não tinham sido examinados.
Depois de esclarecida a situação para todos, (126) Datsch, seguro de si, perguntou: "E agora, quem vai para a cadeia?" Ninguém respondeu. Acontece que ninguém tinha segurança para dizer claramente: "O dinheiro pertence ao Datsch." Estava aí a prova de que Nunes emitira um recibo a Blauth para cada um que estava em atraso com o pagamento. Datsch sabia muito bem que os recibos se encontravam em poder de Blauth e que, pelos seus cálculos deveria haver dinheiro disponível. Assim a honra do velho Datsch fora salva e as reclamações do jovem Datsch aceitas como procedentes.
Essa foi uma história desagradável que aconteceu durante a construção da ponte,  mas não comprometeu a sua continuidade. A obra avançou com determinação de forma que, por vezes, chegavam a trabalhar  50 homens.
O vão central da ponte não foi tarefa fácil. Para início de conversa foi preciso cavar até abaixo  do leito do rio. Só neste ponto mais fundo topou-se com uma camada de argila apropriada, firme, sobre a qual foi possível construir com segurança. Além dessa havia uma outra dificuldade a ser superada. Foram encontradas camadas inclinadas de folhas, pedregulho e areia, difíceis de isolar. A conseqüência foi que, durante a noite, a água invadia as escavações destinadas a receber os pilares. Acontecia então que se ocupava toda a manhã para esgotar a água, sobrando pouco tempo para avançar na obra. Para contornar este inconveniente foi preciso retirar a água durante a noite. 15 homens foram  escalados  para a tarefa. Três revezavam-se  a cada duas horas com outros três. Um certo Anton Müller foi encarregado de acordar os homens na hora certa. Na noite anterior à colocação  do fundamento de um dos pilares, os homens escalados para o turno, não acordaram, de forma que Datsch com seus dois auxiliares, Peter Adam e Waldschmitt, foram obrigados a trabalhar o dobro. Executaram a tarefa dentro da água o que na ocasião não os preocupou muito. Mais tarde, porém, fizeram-se sentir as conseqüências  desagradáveis. De modo especial foi Peter Adam que contraiu mais tarde um mal grave do qual o farmacêutico Heinrich Wolfenbüttel o curou definitivamente. A situação inconveniente mencionada, isto é, a inclinação das camadas do lado da Picada 48, encontra sua explicação no fato de a terra e a areia terem sido depositados pelo rio no local, obrigando o Feitoria a desviar o leito ao redor do monte de entulho.