Deitando Raízes #32

Capítulo terceiro
A ponte sobre o Feitoria
Quem já passou alguma (123) vez a cavalo por esta região romântica, certamente já se perguntou: quem construiu e quando foi construída essa obra? Tanto o comprimento quanto a solidez fazem dela algo de ser visto na mata virgem. Todas as outras pontes, de perto e de longe, perdem dela em muito em todos os sentidos. A ponte sobre o rio em São Leopoldo sobrepuja-a certamente em quatro vezes e, no que diz respeito à solidez, não há o que discutir, porque descansa sobre pedras talhadas e, após 30 anos, não precisou de nenhum reparo. De outra parte os custos de construção estão de acordo com o comprimento e a solidez da ponte. Enquanto o  observador superficial a estima, sem mais, em 100 contos, a comissão construtora calculou os custos em 20 contos, antes de começar a obra. Na verdade os números reais ficaram tanto abaixo dos 100 contos, quanto acima dos 20. Somando todas as despesas os custos ficaram em torno dos 75 contos. Donde vieram os recursos? É útil sabê-lo porque muitos, ao transitar pelo local, podem imaginar-se que tudo saiu do imenso bolso do estado. Conforme nos relatou  o senhor Jacob Datsch da Linha 48, cujo pai foi o primeiro responsável pela construção da ponte, dispomos  dos seguintes dados. A construção da nova ponte teve início em 1857. Na época existia uma de madeira que remontava ao tempo da revolução. O mestre da obra foi o assim apelidado "Grande Schmitz". Sua filha ainda viva é a viúva de Jacob Kehl. O "Grande Schmitz" tem este apelido para distingui-lo do "Pequeno Schmitz", construtor do moinho do Biehl no Bohnenthal. A anterior uma ponte baixa ligava os dois barrancos, do tipo ponte para macacos, porque com enchentes ficava debaixo da água. As três pontes sucessivas, simbolizam, por assim dizer, o progresso de toda a picada. Voltemos à ponte de pedra. A maioria das pessoas estava convencida da necessidade de uma travessia duradoura que permitisse o trânsito a qualquer hora e em quaisquer circunstâncias. Hoje até os mais ignorantes reconhecem que se tratou de uma atitude inteligente. Uma observação à parte. Não seria o caso de emprestar um pouco mais de atenção às estradas e não considerar os investimentos nelas como uma espécie de desperdício? Ter sempre à disposição boas estradas é de igual proveito do que uma ponte sólida e passável a qualquer hora. Como costuma acontecer, mesmo que todos  tenham aprovado  a realização  do projeto da ponte, foram principalmente os homens de visão e dispostos a sacrificar-se, que com determinação puseram mãos à oba. Entre eles conta-se, sem dúvida, em primeiro lugar, o velho Jacob Datsch. Depois de decidida a construção da obra, passou-se à coleta de contribuições. Já que a ponte serviria a toda a redondeza, toda ela deveria contribuir para cobrir os custos. Foi estipulado que os proprietários dos lotes mais próximos, até Peter Krug,  contribuiriam com duas onças, os mais afastados, da chamada 48 Baixa, com 43 mil réis e os ainda mais afastados, Holanda até o nr. 75, com 20 mil réis. Desta forma foram reunidos  10 contos. Quando o dinheiro acabou o governo ordenou a continuação da obra de qualquer maneira. Sob a presidência do Dr. Ferraz foram  postos à disposição sete contos. Mais tarde o governo não quis levar a sério o desembolso.
O novo Presidente negou-se a liberar o dinheiro. Datsch suspendeu os trabalhos e mandou os operários para casa.  Durante um ano a obra ficou interrompida. Depois o governo começou a pressionar pela retomada  da construção. Datsch poderia ter  dado continuidade à obra, mas não se empenhou. Estava agastado com o governo que se negava a reembolsar o dinheiro gasto. Neste meio tempo ele faleceu em 15  de novembro de 1862. Os novos empreendedores, Blauth, Colling e Kilp exigiram que o filho de Datsch entregasse as ferramentas: marretas, cunhas, alavancas, picaretas e outros  utensílios como mesas, etc. De comum acordo com a comissão de construção, da qual fazia parte, Theobald Schenkel e Friedrich Feyh, o jovem Datsch recusou-se a atender e declarou: "Enquanto não me pagarem, nada feito." Seu adversário pediu então que fornecesse por escrito a declaração. O jovem Datsch declarou-se prontamente disposto. Um caixeiro viajante de nome Sessiano, por acaso presente de passagem, redigiu a mensagem para o Presidente. Utilizava termos tão fortes que, ao lê-la, um dos presentes observou: "Se o Presidente o ler, o telhado pega fogo." Mas o que interessa é que o escrito obteve resultados. No primeiro dia do Natal apareceu um filho do Anschau com uma carta de Anton Diehl, especial amigo de Jacob Datsch, anunciando que o dinheiro fora trazido pelo vapor. Jacob Datsch relata: "Pedi imediatamente  que me alcançassem  a roupa, enquanto minha mulher encilhava o cavalo. Fui a cavalo até a casa de Friedrich, que estava a caminho da igreja. Quando lhe comuniquei do que se tratava, ele observou: "Vamos juntos até o Passo (São Leopoldo)." Dito e feito. Apearam  na casa de Anton Diehl e receberam a recomendação para reunir os operários no dia seguinte, segundo dia do Natal, para ouvir suas reclamações e receberem o dinheiro que lhes era devido. Datsch Júnior opinou que era impossível.  Chegaram a um acordo no sentido de que os que moravam mais perto fossem reunidos no dia seguinte feriado e os de mais longe (Feliz, Forromeco, Petrópolis), para o terceiro. Apresentaram-se então em dois dias subseqüentes na coletoria onde, um certo Gouveia, funcionário vindo de Porto Alegre, esperava, incumbido para distribuir o dinheiro. Bonito era de se ver como aconteceu a distribuição. O dinheiro formava três montes. O primeiro destinava-se ao pagamento da alimentação, o segundo ao pagamento do que ainda era devido aos trabalhadores e o terceiro para reembolsar  o que Datsch Sênior dera como adiantamento. Desses montes saiu o dinheiro para alguns pagarem a alimentação, a outros coube como salário atrasado. O terceiro monte coube a Datsch, que já pagara do próprio bolso alguns trabalhadores. Para uns adiantara 100 mil réis, para outros uma onça e duas para outros, etc.
Sete contos deveriam ter sido pagos, porque este era o valor das despesas com os trabalhos realizados. Mas somente quatro estavam disponíveis. Faltavam  os três contos  que o major Campos havia estipulado como honorários para o velho Datsch. Qualquer um entende facilmente que  esta recusa desgostou muito o velho Datsch, porque lançava uma sombra sobre a sua boa reputação, além de representar um grande prejuízo material. Não é de todo inverossímil que essa situação desagradável contribuísse para a sua doença e, finalmente,  para a sua morte. Queremos relatar aqui todo o andamento desta história, de um lado para esclarecimento e justificativa e, do outro, para fazer justiça para esse homem correto e respeitado por todos.
O carroceiro Wilke registrara na sua conta 16 cargas a mais do que o jovem Datsch, que fora encarregado pelo pai para anotar os fornecimentos. Este fato fez subir a reclamação de Wilke a 100 mil réis. Em nome da paz o velho Datsch dispôs-se a pagar  todo o montante com a condição de lhe ser fornecida uma quitação sobre apenas 66 mil réis. . Wilke não quis concordar. Apesar disto Datsch depositou os 100 mil réis junto a João Lourenço e Julien, para que Wilke os pudesse retirar. (125) Julien declarou mais tarde nada ter recebido e Wilke encaminhou sua exigência a Colling. Só 11 anos mais tarde Colling foi procurar  o jovem Datsch e, acompanhado por ele, dirigiu-se a João Lourenço, onde de fato os 100 mil réis lhe foram entregues. O desentendimento com Wilke teve as suas conseqüências  no que se refere aos três contos que o governo estava devendo ao velho Datsch. Capistrano, um homem influente, era amigo de Wilke. Em certa ocasião declarara na cara do velho Datsch: "Enquanto não te entenderes com Wilke, os três contos estão congelados." Certo dia Wilke declarou a Datsch Júnior: "Ele te conseguiria a metade dos três contos sob a condição de renunciar à outra metade." Foi-lhe apresentado um documento no qual Datsch declarava renunciar à metade contra o pagamento da outra metade. Tanto ele como Peter Cassel assinaram o documento, mas como foi visto acima, sem qualquer efeito. Sobre o registro de um outro acerto de contas de 270 mil réis, também de Datsch, falaremos mais adiante.
O seguinte fato se deu por ocasião das eleições. A comissão distrital estava reunida na casa de Philipp Herzer. O jovem Datsh fez-se presente também  e disse: "Leiam os nomes". Quando apareceu o nome Nunes, disse Datsch: "Este eu não aceito. Antes de mais nada ele me precisa pagar os 270 mil réis que me deve." Essas palavras provocaram grande alvoroço ao ponto de a sala inteira  parecer-se com um enxame de abelhas. Johann Schmitt disse: "Isto pode levar-te à cadeia." Depois disto dispersou-se a reunião sem resolver nada. Certa noite o vizinho Rihl  foi ter com Datsch levando como notícia ma saudação de Blauth e o recado de que Datsch levasse a São Leopoldo para o engenheiro José Martins o cavalo que ele sempre montara. A muito custo Datsch se decidiu. Sua mulher disse-lhe: "O que pretendes acompanhando este homem que provocou a morte do teu pai?" Apesar disso Datsch decidiu atender o pedido. Na várzea encontrou-se com a comissão eleitoral, na qual, entre outros,   encontrava-se Julien, o guarda-livros de velho Datsch. Ele perguntou em tom bastante áspero: "Que provas tens? Fui o contador do teu pai e não sei de nada." Datsch respondeu: "Isto não é da sua conta," A comissão eleitoral subiu até a pedreira de Datsch, para avaliar a quantidade de pedras quebradas. Ao chegarem no morro veio a galope, num cavalo coberto de suor, Peter Lasset, cunhado de Datsch, a quem Julien esquentara o inferno, e disse: "Escuta, esta é uma situação complicada." O interpelado sorriu e disse: "Deixa comigo. Sei como provar." Depois da inspeção da pedreira o engenheiro foi até a casa de  Datsch, para saudar a família. Quando Datsch se pôs a desencilhar o cavalo, Johann Schmitt, hoje coronel, convidou-o para acompanhá-lo  até a residência  de Blauth, pois o Nunes encontrava-se lá para se explicar. Datsch se dispôs prontamente e puseram-se a caminho. A negociação começou com a participação de Nunes. Os recibos dos dois primeiros contratos foram examinados e aprovados. Para entender melhor a situação observamos que o pagamento dos colonos dividiam-se em quatro contratos. Até esta altura Nunes mostrara cara de vencedor. Datsch perguntou então: "São estes todos os recibos?" "Não há outros", respondeu Julien. "Não é o suficiente", interrompeu Datsch, dirigindo-se para Blauth. Depois continuou: "Traga, por favor, os recibos que recebeu do Nunes." Blauth, pego de surpresa, respondeu: "Posso Trazê-los." Bastou Blauth aparecer com os recibos para que Nunes se evaporasse. Os novos recibos foram examinados. Datsch fez a soma de cabeça e, quando lhe pareceu correta, interrompeu o exame com as palavras: "Basta!" Julien respondeu: "Não, não basta." Quando. porém, conferiu a soma, sobravam 10 mil réis sobre os 270 e havia ainda um bom número de recibos que não tinham sido examinados.
Depois de esclarecida a situação para todos, (126) Datsch, seguro de si, perguntou: "E agora, quem vai para a cadeia?" Ninguém respondeu. Acontece que ninguém tinha segurança para dizer claramente: "O dinheiro pertence ao Datsch." Estava aí a prova de que Nunes emitira um recibo a Blauth para cada um que estava em atraso com o pagamento. Datsch sabia muito bem que os recibos se encontravam em poder de Blauth e que, pelos seus cálculos deveria haver dinheiro disponível. Assim a honra do velho Datsch fora salva e as reclamações do jovem Datsch aceitas como procedentes.
Essa foi uma história desagradável que aconteceu durante a construção da ponte,  mas não comprometeu a sua continuidade. A obra avançou com determinação de forma que, por vezes, chegavam a trabalhar  50 homens.
O vão central da ponte não foi tarefa fácil. Para início de conversa foi preciso cavar até abaixo  do leito do rio. Só neste ponto mais fundo topou-se com uma camada de argila apropriada, firme, sobre a qual foi possível construir com segurança. Além dessa havia uma outra dificuldade a ser superada. Foram encontradas camadas inclinadas de folhas, pedregulho e areia, difíceis de isolar. A conseqüência foi que, durante a noite, a água invadia as escavações destinadas a receber os pilares. Acontecia então que se ocupava toda a manhã para esgotar a água, sobrando pouco tempo para avançar na obra. Para contornar este inconveniente foi preciso retirar a água durante a noite. 15 homens foram  escalados  para a tarefa. Três revezavam-se  a cada duas horas com outros três. Um certo Anton Müller foi encarregado de acordar os homens na hora certa. Na noite anterior à colocação  do fundamento de um dos pilares, os homens escalados para o turno, não acordaram, de forma que Datsch com seus dois auxiliares, Peter Adam e Waldschmitt, foram obrigados a trabalhar o dobro. Executaram a tarefa dentro da água o que na ocasião não os preocupou muito. Mais tarde, porém, fizeram-se sentir as conseqüências  desagradáveis. De modo especial foi Peter Adam que contraiu mais tarde um mal grave do qual o farmacêutico Heinrich Wolfenbüttel o curou definitivamente. A situação inconveniente mencionada, isto é, a inclinação das camadas do lado da Picada 48, encontra sua explicação no fato de a terra e a areia terem sido depositados pelo rio no local, obrigando o Feitoria a desviar o leito ao redor do monte de entulho.

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