Deitando Raízes #34

Capítulo quarto
Agricultura e Circulação
Sem minerais, sem vegetais e (130) sem animais é impensável qualquer tipo de atividade. O mundo mineral fornece-nos armas e instrumentos. O reino vegetal presenteia-nos com os alimentos indispensáveis que vêm das plantas, assim como utensílios, moradias feitas de madeira. O reino animal supre, enfim, a dieta vigorosa de carne e os auxiliares no trabalho. No seu primeiro estágio a atividade humana resume-se na criação de animais e cultivo de vegetais. Os resultados da criação de animais e os produtos da agricultura, servem como matéria prima para a indústria que, a partir dela elabora  os mais diversos objetos exigidos pelas nossas necessidades reais e imaginárias. O comércio apropria-se da produção das indústrias, a fim de fazê-la circular, ora em regiões mais próximas, ora nas mais afastadas do mundo.
Os artigos comercializados são trocados por produtos  ou dinheiro que, por sua vez, contribuem para a distribuição da produção das diversas procedências, tanto animais quanto vegetais. Para que o comércio se desenvolva e floresça, exigem-se muitas formas de distribuição, animais de carga e veículos de transporte para circular nas estradas  e navios para os caminhos marítimos. Colocamos essas observações para formarmos uma idéia correta do desenvolvimento  da agricultura, da indústria e do comércio. O Brasil e, de modo especial, a região colonial são bastante jovens. Só há pouco tempo iniciou-se o esforço para dominar as forças da natureza.
Não esperemos, pois, que diante dos nossos olhos se descortine um quadro muito brilhante. Contudo já oferece muita coisa de grande e de belo, fruto da laboriosidade alemã nas colônias.
Limitamo-nos a uma única paróquia, Bom Jardim. As características relatadas oferecem um retrato fiel da situação que encontramos também em outras colônias.
Quando os primeiros colonos chegaram no Brasil, encontraram circunstâncias muito diferentes daquelas às quais estavam acostumados na velha pátria. Em primeiro lugar novas eram as plantas, com que era preciso familiarizar-se, como a mandioca, a cana de açúcar, as abóboras, o algodão, o milho. Este último já fazia parte da agricultura na Alemanha. Mas era desconhecido para os colonos procedentes de Trier e do Palatinado. A mandioca era uma planta  nativa usada mesmo antes do descobrimento da América, cujas raízes forneciam o alimento principal para as tribos selvagens. Havia duas variedades: a mandioca doce e a venenosa. Esta com raízes revestida com casca escura, antes do uso tinha que ser liberada do ácido cianídrico contido no suco. Depois de torrada numa frigideira assume a aparência das nossas papas de aveia. Os portugueses deram-lhe o nome e farinha seca e, associada a outros alimentos, tem um sabor excelente. Os índios usavam muitos nomes, de acordo com sua estrutura e variedades. De acordo com Martins somente a língua tupi usava nove designações e segundo Ferreiro, os índios Manáos distinguiam 35 variedades diferentes de mandioca. O milho, também uma planta nativa da América, não perde de importância para a mandioca. É usado como forragem para cavalos e mulas mais do que como alimentação humana. Pelo menos os portugueses preferem pratos com farinha de mandioca. Os nossos colonos também sabem fazer com ela um pão saboroso e substancioso. O feijão, principalmente o pequeno preto, tem uma importância que, por assim dizer, chega a ser perigosa, na medida em que conquistou  uma situação privilegiada na agricultura, em detrimento de uma atividade econômica equilibrada. Também novo para os imigrantes foi o arroz, uma cultura de tamanha importância para o Brasil. Da mesma forma  o o cultivo do amendoim era uma novidade. Para muitos citadinos, com certeza, é desconhecido o hábito estranho desta planta de enterrar a flor no chão para depois desenvolver a vagem até o amadurecimento. As magníficas e saborosas laranjas no começo eram importadas da Europa. A elas vem somar-se a saborosa banana, a romã e o pêssego.
Para os que chegavam, nova era também a seqüência ininterrupta do trabalho na lavoura. Não havia invernos propriamente ditos na nova pátria e com isto o trabalho não sofria nenhuma parada. São de um modo especial as pessoas de idade que se queixam: "No Brasil não se permite descanso para o agricultor. Terminada uma tarefa uma outra o espera."
Outra diferença na agricultura vem do grande tamanho das roças, resultado do sistema de rapinagem no uso da terra. Uma colônia inteira de terra não é grande demais para uma família de tamanho médio. Enquanto na Europa uma adubação regular e uma alternância de culturas adequada, permitem que uma e a mesma área seja cultivada por gerações seguidas, aqui é preciso abandonar anualmente as áreas exaustas. Deixam-se crescer capoeiras e, depois de cinco ou seis anos, volta-se a utilizá-las. O resultado é que cada ano é preciso derrubar  e queimar mais um eito de mato. Por sorte o colono comprou barato a colônia ou até a recebeu de graça. Caso contrário ter-lhe-ia sido impossível instalar o ninho em que se sente em casa.
Nos tempos passados no Brasil um trabalho longo e, por vezes amargo e duro, era muitas vezes posto a perder, coisa que não se conhecia na Alemanha. Referimo-nos ao freqüente excesso de calor, de água e de estiagens e, de modo especial, a inimaginável fertilidade do solo, favorecendo a proliferação das ervas daninhas. Nem se fala dos inimigos viventes do homem do campo: os milhões de formigas, bandos de papagaios, famílias de macacos e, nos primeiros tempos, as varas de porcos do mato.
São de um homem do campo experiente, cujas vivências iremos trazer mais abaixo, as palavras: "Na maioria dos casos o feijão sofre danos com a chuva, quando em outubro entra na floração. O mesmo acontece com os ventos fortes que o desmatamento irracional deixa passar livremente. No período da colheita também a chuva pode ser muito prejudicial.
Na hipótese de as plantas maduras (132) arrancadas forem molhadas durante aquele período quente do ano, o feijão brota e a colheita perde-se em grande parte. O milho, por sua vez, exige muito calor. Mostra-se especialmente sensível na segunda plantação (safrinha). Não suporta muita chuva mas ama quando a chuva desliza lentamente pelas folhas. Com o excesso de chuva no começo cresce rápido demais, tornas-e frágil e os ventos o derrubam. Permite duas colheitas. A primeira exige sete meses para amadurecer e é a melhor e a segunda seis. O cultivo do algodão começou nos anos sessenta. A arroba valia de cinco a seis patacas. Era um preço muito baixo pelo qual mal  compensava colhê-lo além de não haver mercado suficiente.
Apesar de tudo há ainda hoje famílias que cultivam o algodão para o uso próprio. As mulheres o tecem e os rapazes maiores o processam à noite na roda de fiar. Confecciona-se assim a totalidade da roupa de cama, sacos, fronhas, roupas de trabalho, panos para a debulha, camisas e outros, resultando numa economia doméstica de grande importância.
O arbusto do algodão é uma planta muito grata. Não exige maiores cuidados além da limpeza das ervas daninhas. A colheita não costuma falhar em lugares onde não se formam com facilidade geadas.
Uma outra diferença que favorece bastante a agricultura daqui em relação à Alemanha consiste na riqueza de frutas e animais domésticos. A grande abundância de produtos agrícolas nativos, não  exclui evidentemente os alemães, como o trigo, o centeio, a aveia, a cevada, as ervilhas, as lentilhas, etc., embora esses exigirem áreas mais elevadas. Além disto a natureza oferece com prodigalidade uma boa quantidade de utensílios que, na Europa, só podem ser adquiridos por preços significativos junto a profissionais. A mata virgem fornece a pá do arado e a canga para a parelha de bois. Os cipós fornecem amarras resistente e o campo oferece vasilhas duráveis e asseadas nas cabaças de diversos tamanhos. Resumindo, conclui-se do que foi dito que, a situação do homem do campo aqui, é muito favorável, sem falar na grande vantagem que a sua terra forma um todo e não retalhos de pequenas parcelas como na velha pátria.
Façamos agora algumas  considerações sobre a vida e o modo de proceder de um colono brasileiro na mata virgem, como nos foi descrito por nosso amigo Christoph Führ, professor no Schneidersthal.
Para começo de conversa, o colono não precisa de muitos instrumentos agrícolas. Uma foice para roçar, um machado e uma enxada, e só Nos anos quarenta poucos colonos dispunham  de qualquer tipo de viatura, porque as roças situavam-se nas imediações e porque plantava-se  apenas o feijão e o milho. Tudo podia ser carregado para casa em sacos no lombo de cavalos. A madeira para  construção era reunida  carregada nos ombros ou arrastada valendo-se  de um tipo de trenó feito de forquilha de árvore.
Para reunir pedras utilizava-se um trenó semelhante àquele que os rapazes usavam na Alemanha para sufar sobre a neve no inverno. (133) Limpavam-se as roças com a enxada e com ela procedia-se também a semeadura. Como a venda dos produtos era muito precária, plantava-se o suficiente para o consumo. Numa família com apenas duas pessoas em condições de trabalhar, cultivava-se uma ou duas quartas de feijão e mesmo em famílias mais numerosas não se passava de meio saco. O feijão era debulhado na roça com utilização de uma vara, o que não era fácil no sol que queimava no verão da nova pátria.
Devido à pouca criação de porcos não se plantava tanto milho como hoje, Mantinham-se apenas tantos animais quantos necessários para suprir o uso doméstico com carne e banha. Assim, por exemplo, o velho Kunzler colheu num ano 100 sacos de sessenta quilos de milho e andava por aí orgulhoso como um imperador. Além disto cultivava-se a batata inglesa, ervilhas, lentilhas, mandioca, amendoim, cana de açúcar, na medida em que o suprimento da casa o exigia.  Pelo final dos anos quarenta as colônias entraram num ritmo de desenvolvimento mais acentuado. O comércio cresceu e com ele a vontade de trabalhar e produzir. Foram instaladas atafonas e alambiques e começou-se a lavrar a terra. Mas,  como acontece hoje, havia muitas dúvidas de como lidar com a mata. Não demorou e as dúvidas se foram e todos aderiram ao arado para preparar a terra.
Mesmo esse progresso começou modesto por não haver animais de tração adestrados. Uns faziam uma criança montar num cavalo e guiar o animal de acordo com o comando que vinha de trás. Outros levavam o cavalo pelo cabresto e, não poucas vezes lhes cabia puxar mais do que o animal. Do arado de pá móvel como na Europa, nem falar, porque aqui ele serve apenas para revirar a terra. Utilizavam-se vários modelos. Primeiro foi o arada manual, depois veio o munido de duas rodas na frente, o mesmo ainda em uso puxado por cavalos e, finalmente, o arado de bois pois. A maioria trabalha com bois.
Este último se presta melhor nos morros, entre tocos e pedras. Neste o timão vai até a canga e a pá encontra-se atrás. Trata-se de um  equipamento muito simples que todo o colono tem condições de confeccionar. No momento em que começou a produzir mais feijão, passou-se a debulhá-lo com a ajuda de cavalos. Para esta finalidade usava-se um pano de aproximadamente sete por sete metros. Sobre ele depositava-se  o feijão e cavalgava-se sobre ele até o feijão saltar das vagens. Com este método uma família de três pessoas estava em condições de arrancar e debulhar de seis a sete sacos por dia. 

This entry was posted on segunda-feira, 1 de agosto de 2016. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. Responses are currently closed.