Deitando Raízes #25

B. Os Sacerdotes de Bom Jardim.
Os sacerdotes que atuaram em Bom Jardim bem merecem um lugar na Crônica da comunidade católica. No começo, como já foi assinalado, a cura de almas estava a cargo dos párocos de Sant´Ana e mais tarde de São Leopoldo. O Pe. José Ignácio vinha de tempos em tempos de Sant´Ana para   batizar e de quando em vez para rezar uma missa. Era um senhor simpático e pacífico. Na maioria das vezes cabia a Johannes Finger e ao velho Fey buscá-lo Nestas ocasiões os acompanhantes costumavam ser bem servidos. Um episódio especialmente engraçado ficou até o fim na memória do velho Finger. Na mesa fora servido carne, galinha e os pratos nacionais feijão e arroz além de um prato de batatas. O pároco prevenido puxou-o para si e observou sorrindo para os alemães: "Para vocês dois não vai sobrar nada, sirvam-se à vontade do restante." Ficaram satisfeitos e não tiveram nenhum motivo de arrependimento, por deixarem a rara iguaria para o padre. No retorno o pároco observou que os colonos levavam um cavalo com a marca das cavalariças imperiais. Embora soubesse que o animal fora comprado, permitiu-se a brincadeira de achar que o tinham roubado e os interpelou com rispidez: "Vocês são ladrões de cavalos, não continuo um passo na companhia de vocês." Os alemães fizeram de tudo para provar-lhe que tinham adquirido honestamente o animal, mas ele fingiu não entender e fez como se quisesse voltar, o que não os  aliviou nem um pouco. A este mesmo pároco a paróquia deve o fato de ter São Pedro como patrono. Como em outras questões também nessa  havia no começo desencontro de opiniões. Mas, depois que o vigário deu de presente uma estátua de São Pedro, estava dada a solução para a dificuldade. Todos se deram por satisfeitos com São Pedro como patrono de Bom Jardim. Também o pároco de São Leopoldo visitou a picada a fim de dar andamento às ações de ofício. Um deles chamava-se Pe. Antônio e, mais tarde, um certo Binfart. Ambos demonstraram simpatia para com Bom Jardim.
Os missionários espanhóis vindos da Argentina visitaram também a picada onde pregaram a famosa missão. A partir de 1849 o Pe. Augustin Lipinski, vigário de Dois Irmãos e o Pe. Johann Sedlac de São José, deram seguido a sua colaboração para com a picada. O Pe. Augustin costumava hospedar-se  na asa de Johann Finger ou do velho Lerner. Mais tarde o Pe. Johann escolheu como sede do seu trabalho a casa do professor Schütz.
Em 1859 Bom Jardim recebeu um capelão próprio na pessoa de Joh. Meinulphus Traube. Embora sacerdote alemão não honrou o clero alemão. Não poucas vezes suas atitudes causavam escândalo, o que mais tarde degenerou em oposição aberta contra o bispo diocesano. Não se pode negar nele empenho como pegador, mas sua maneira de atuar não era correta. Como uma comunidade poderia prosperar nas mãos de um cura de almas, que organizava sem cerimônia reuniões dançantes na sua própria casa, participava delas e, em certa ocasião, afirmou que já se encontrava há seis anos no Brasil e ainda não tinha encontrado um confessor. Este comportamento só podia confundir e esfriar os fiéis.
Outras demonstrações de leviandade edificavam pouco. Suspenso pelo bispo procurou manter-se no posto que resultou numa cisão na comunidade. Especialmente censurável foi a controvérsia que manteve com seu superior num jornal eclesiástico. Mesmo, segundo seus adeptos, sua pena era afiada demais. Apear de tudo não apostatou de todo da Igreja. Chegou a chorar quando foi convidado pelos protestantes para ser seu pregador. Mais tarde abandonou o Brasil e retornou à Alemanha onde, afirma-se, ter feito penitência por seus descaminhos. (100) Depois de sua partida Bom Jardim foi, por algum tempo, entregue à sua própria sorte, sendo atendido, ora a partir de Dois Irmãos, ora de São José do Hortêncio. Permaneceu, porém, sob a jurisdição  de São Leopoldo e do seu vigário Wendelin Bock. Com ele Bom Jardim viveu uma situação melhor, porque este sacerdote deixou  generosamente o dinheiro dos batismos para a igreja. Criaram-se assim condições  par reunir um fundo para a ocasião da elevação em igreja paroquial.
O primeiro pároco foi o Pe. Fr. Schleipen que, entretanto, não permaneceu muito tempo no posto. Contrariamente à sua atividade posterior como construtor, dedicou-se à decoração interna da igreja, construindo altares e mandando buscar estátuas.
Depois que August Lohmann e Blees exerceram a função de substitutos, Bom Jardim recebeu em março de 1870 o Pe. Eugen Steinhart como pároco. Na sua gestão aconteceu o episódio Mucker. Empenhou-se muito para manter o povo longe dos encontros dos Mucker. Para alertar e proteger  contra os malefícios de tais propostas, lia para o povo na História Unversal de  Amegarn  os teatros dos anabatistas de Münster e salvou muitos que, movidos por uma curiosidade reprovável, quiseram observar os fato e as pessoas. Já destacamos convenientemente no capítulo décimo da primeira parte, seus méritos por ocasião da varíola.
Em 1875 veio o Pe. Trappe que ficou como sucessor até  fins de 1883. Em primeiro de janeiro de 1874 foi substituído pelo Pe. Andreas Eultgen. Já que não se encontra mais entre os vivos, queremos demorar-nos na sua atuação. O Pe. Eultgen era um homem pequeno mas de grande atividade e zelo. Confirmamos por inteiro o que o Pe. Ambrosius Schupp escreveu no "Deutsches Volksblatt", por ocasião dos eu falecimento.
Não há necessidade de destacar o que ele fez por Bom Jardim. Materializado em pedra é visível para a comunidade paroquial: a ampliação por duas janelas do prédio da igreja e, de modo especial, a bela torre. Gozava de alto prestígio entre os paroquianos apesar de estatura pequena. A ele deve-se muito de modo  especial no que toca à vida de piedade e das virtudes.
Desde o dia 25 de janeiro de 1891 o Pe. Petrus Gasper, algum tempo antes coadjutor do Pe. Eultgen, é o pároco de Bom Jardim. Conforme é sabido pelos nossos conterrâneos, continuou a estimular  o entusiasmo por meio do interesse por diversas formas de associações, especialmente pelas associações de homens.
Ao lado do pároco atuaram em Bom Jardim diversos padres jesuítas como coadjutores. Na seqüência foram Carl Strobe, Joh. Ruland, An.  Queri, Wilh. Holgreve. Vários deles já estão  na eternidade.
O Pe. Carl Strobel faleceu em Dois Irmãos, onde a comunidade agradecida ergueu-lhe um belo monumento no cemitério. Aguardemos mais informações sobre ele na Crônica que esperamos seja publicada sobre Dois Irmãos.
Não podemos  deixar de lembrar-nos de um homem que não apenas foi capelão em Bom Jardim, como tomou parte na missão de 1887. Referimo-nos ao Pe. Robert Hofherr. Em sua homenagem podemos afirmar que ele foi um autêntico missionário, (101) assim como no passado temos outros muitos exemplos.
O Pe. Hofherr reunia em si todas as qualidades necessárias para uma missão de tamanha importancia. Em primeiro lugar era de estatura alta e robusta, o que sempre impressiona o povo e por si só impõe respeito. Além disto era dono de uma voz forte, nem fina demais nem grave demais. Para a voz vale o que se espera do sino. Pode ser que dois sinos emitam o mesmo som e, contudo, nota-se uma diferença significativa entre eles. Assim acontecia com o Pe. Hofherr. Sua voz soava como o metal do sino e a sonoridade era pura e cheia de alma. Além disto valia-se de uma retórica adequada ao povo. A forma, o estilo e a apresentação tinham o objetivo de  agradar o povo. As imagens, as comparações, as narrações, os provérbios e, não em último lugar, expressões nas quais comunicava seus pensamentos e desejos, perpassavam o seu discurso. Além disto demonstrava um caráter íntegro e aberto, avesso a qualquer tipo de dissimulação, expressando a sua opinião de forma clara e sem sutilezas. Exatamente por isso, era com freqüência alvo de brincadeiras inocentes e bem humoradas. Seu espírito  simples como o de uma criança demonstrava uma disposição sincera  para com todos e, por isso, muitos confiavam nele. Mas o que sobretudo o caracterizava era a sua profunda e sincera piedade. A oração era para ele uma questão existencial. Quantas vezes empunhava o terço e outras tantas a oração não parecia ter fim. O que mais o distinguia era o seu ardente zelo pelas almas, que para muitos podia parecer exagerado e até imprudente. Os que o acusavam de imprudência esquecem-se  das intenções que o moviam. Com seus aparentes exageros fez um grande bem para muitos. Foi um bom lutador pela causa da Igreja. Se pudéssemos contar com um número maior igual a ele, os benefícios para ela e o Brasil  seriam tanto maiores.  Por isso o saudamos com a invocação que os primeiros cristãos mandavam escrever sobre a sepultura dos seus amados. "Ave, pia anima."- "Saudamos-te, alma piedosa. "Nós te saudamos! Para nós não estás morto nem longe. Ouves-nos e nos dirigimos a ti como a um vivo. Lembramo-nos de ti e  agradecemos-te por todo o bem que fizeste ao longo da tua vida.  Bendita sejas, alma piedosa! Não ao teu corpo dirigimos a nossa saudação, não a uma sombra como os pagãos. Saudamos-te alma cheia de vida, plena de pensamentos e sentimentos. Bendita sejas, alma piedosa. Sim, eras piedosa e morreste santa. Permaneces conosso irmão e, como irmão, te lembrarás de nós, quando estiveres na glória. "Ave, pia anima" – “Bendita sejas, alma piedosa”.
Na aparência o Pe. Hofherr era saudável e forte. Mas, como acontece tantas vezes na terra, eram apenas aparências. Nascido na Badênia, como estudante já tomava parte nos congressos católicos. Depois entrou na Companhia de Jesus. Pelo seu talento de orador prometia, já naquela época, uma grande e abençoada atividade como missionário na Alemanha. As coisas, entretanto, se deram de outra maneira. Já durante  os estudos foi mandado  para a Algéria na África por motivos de saúde. De lá os superiores o chamaram para a teologia em Innsbruck no Tirol. Seguiu depois para a Hungria como missionário entre os alemães. Em 1887 foi-lhe  indicado o Brasil como campo de trabalho, porque sua saúde continuava a preocupar. Supunha-se que o clima ameno do Rio Grande do Sul lhe restauraria as energias. Na aparência parecia-se a uma torre sólida, mas sua morte prematura demonstrou que os fundamentos eram  frágeis. Apesar disto trabalhou com vigor. Atraiu uma bênção toda especial sobre o trabalho realizado com a congregação de moços de Dois Irmãos. (102) Muitos  lembram-se ainda com gratidão. Como pescador apostólico incansável lançava  a rede por meio dos seus sermões. Sem arrefecer punha-se em busca de cada um particular até conseguiu fisgar a alma para o Salvador.
Quem sabe mais tarde não poucos pais e também filhos se penitenciaram por não terem dado ouvidos às suas advertências. Conhecido é o ataque brutal contra ele da parte de um morador de Dois Irmãos, provocando um vendaval de indignação por toda a colônia. Especialmente edificante foi sua morte  por ocasião do natal de 1896. 

Deitando Raízes #24

Nos primeiros anos a cabana do velho Noschang, pai do assim chamado Moses, serviu para realizar os cultos divinos e, mais tarde, o a do casal  Isaías Noll, sogro de Johann Finger. Na época da capela estavam em vigor os seguintes estipêndios a pago ao pároco  que era anualmente buscado em São Leopoldo. Recebia pela visita 10 mil réis, uma soma considerável em vista do alto valor do dinheiro na época.  O casamento custava um mil réis, o batismo meio mil réis. Havia culto todos os domingos. Não faltava uma criança sequer. Roberti, embora protestante, puxava as orações. Sua mulher, uma fervorosa católica,  instruíu-o na religião católica. Tinha facilidade  para compreendê-la pois tinha sido estudante. No seu leito de morte quis tornar-se católico e pediu que se buscasse um padre em Porto Alegre um padre em quem tinha confiança especial. Como este foi impedido de viajar a Bom Jardim a conversão não se realizou, porque o enfermo faleceu pouco depois. O seguinte episódio caracteriza bem  a sua disposição religiosa. Quando em certa ocasião sua mulher alertou  que, como puxador das orações ente os católicos, deveria fazer o sinal da cruz ele não duvidou e seguir a recomendação. 
Na mesma capela na casa do Noll aconteceu o seguinte fato hilariante. Johann Bauermann, então censor, um homem que de quando em vez gostava de tomar um trago ou outro, passou a bandeja das esmolas. Quando, em certa ocasião, um freqüentador da igreja depositou um vintém, alguém que passava observou à meia voz. "Muito bem, caprichem nas esmolas do Bauermann." O coletor achou isto demais. Agarrou  com as mãos musculosas o indiscreto pelo pescoço e apertou a tal ponto que perdeu para sempre a vontade de perturbar o censor no seu ofício. Depois desta digressão voltemos para a nossa primeira capela.
A capela tinha sido construída nas terras que hoje pertencem ao senhor Peter Cassel, entre as antigas terras dos Bohnenberger e a casa de Schütz, onde reside hoje Valentin Dullius. Evidentemente não havia como falar em grande pompa nem em relação à casa nem em relação ao culto divino. Tudo era pobre como na estrebaria de Belém. Na falta de um sacerdote realizava-se um culto leigo. Um dos membros mais velhos da comunidade puxava o terço, as ladainhas e as orações da missa e, nos intervalos, cantavam-se as velhas  e belas melodias aprendidas na terra natal. A velha senhora Isaías Noll costumava contar com satisfação, e mandara  confeccionar uma linda bandeira para a igreja. Compreende-se que combinou com as circunstâncias. Constava de alguns panos coloridos com uma cruz costurada no meio. O povo fazia o possível naquelas circunstâncias e, quem sabe,  rezava com mais  fervor e confiança do que nos dias de felicidade e bem estar que se seguiram.
Na medida, porém, em que as condições  do povoadores melhoraram veio a louvável preocupação de fazer alguma coisa  em favor de uma celebração mais digna do culto divino.
A decisão para construir uma pequena capela exclusiva para o culto, foi tomada em 1835. O velho Spindler, carpinteiro de profissão, foi escolhido como mestre de obra. Aceitou a tarefa como uma grande honra. A capela era toda de madeira como  podem ser encontradas (97) ainda hoje em algumas picadas, um pouco maiores do que uma casa normal de colono. Erguia-se à direita  da entrada da atual igreja, no lugar onde sobressaem ao chão do cemitério alguns blocos de pedreira e no local onde hoje descansa  o veterano professor Schütz e se ergue a cruz no cemitério em homenagem ao Pe. Eultgen. Nosso informante Johann Finger lembra-se  muito bem de um episódio relacionado com o transporte da viga mestra. Depois de desbastada a enorme árvore, foi transportada sobre uma carreta de duas rodas até a capela.
O caminho descia por uma ladeira de rocha escorregadia. Na descida a enorme trave com a carroça acelerou de tal maneira que os homens robustos que a conduziram não conseguiram dominá-la. Disparou rocha abaixo arrastando consigo os  rapazes que tentavam segurá-la, jogando-os para a direita e para a esquerda pelas moitas. Esse pequeno contratempo, essa cômica  surpresa provocou alegres risadas. O fujão foi agarrado com renovado ímpeto e levado até o local da construção. Nessa capela, ou melhor na frente dela, aconteceu a grande missão pregada pelos jesuítas espanhóis, uma extraordinária contribuição para a renovação da vida religiosa.
Na mesma ocasião mostrou-se de maneira inequívoca a ação da Divina Providência. Os missionários haviam sido expulsos da Argentina pelo tirânico ditador Rosas. Vieram para o Rio Grande do Sul onde foram recebidos com a autêntica hospitalidade amiga dos brasileiros. Em Porto Alegre foram informados da presença e da penúria espiritual dos católicos alemães. Sem demora decidiram  correr em seu auxílio. Em nada importou que não dominassem a língua alemã, porque para um católico um sacerdote de língua estrangeira sempre pode ser de grande valia. Felizmente já havia  entre os alemães alguns que dominavam bastante bem o português, não havendo necessidade de intérpretes estranho. O velho Georg Gerling e Johannes Finger saíram-se muito bem  nessa unção. [1]  Sendo a capela muito pequena para a multidão que afluiu, os missionários  pregaram num espanhol misturado com muitas palavras em português, [2] na frente da apela no cemitério. Encontrei um dos valentes missionários 40 anos mais tarde como um venerando ancião em Monteidéo. Dele obtive as primeiras informações sobre os alemães daqui. O que acontecia com os sermões valia para as confissões. Um pequeno número de palavras tinham que bastar. Era preciso recorrer a um truque todo peculiar, ao impor a penitência aos penitentes. Pelos dedos sinalizava-se quantos Pai Nossos rezar, cânticos e orações ou a parte de uma ladainha. Aquela missão dos jesuítas espanhóis teve ainda um outro resultado salutar além da renovação religiosa. Só naquela ocasião tomou-se conhecimento da parte da igreja, tanto do número quanto do abandono dos alemães no Brasil. Os padres espanhóis comunicaram o fato ao Geral da Ordem em Roma. Este, por sua vez, encarregou a Província da Áustria com o envio de alguns missionários para o Rio Grande do Sul. Os alemãs encontraram no Pe. Peter Bekx, então procurador da Província da Áustria e, mais tarde, geral, um aliado importante, especialmente por ter mandado livros úteis tanto para os padres quanto para o povo a eles confiado. Não adiantemos, porém, os assuntos e fiquemos fiéis à ordem cronológica.
Com o constante crescimento numérico da população, não tardou para a  primeira capela ficar pequena. Em 1847 foi construída uma maior. O local coincidiu em parte com o da atual igreja paroquial, mas um pouco menor e localizada um tanto mais para esquerda. Desta vez foram utilizadas pedras para a construção, garantindo maior solidez e mais comodidade. O mestre de obras foi um certo Freitag, (98) lembrado ainda por muitos dos moradores mais antigos. Se, com raras exceções, nas capelas  antigas era realizado o culto divino leigo, logo depois da sua conclusão, a nova teve a sorte de receber um sacerdote  alemão para rezar a missa e pregar em alemão no  dia 15 de agosto de 1849. Que felicidade para Bom Jardim aquela festa da Assunção. Somente agora experimentava-se de alguma forma o júbilo e o espírito festivo da velha pátria no Reno e no Mosela. Mas nem de longe a felicidade estava completa. Faltava a assistência religiosa regular por parte de sacerdotes alemães. Na maioria dos casos celebrava-se ainda o culto divino leigo, a cargo dos professores Allgayer e Schütz, que fizeram dele um compromisso de honra. De tempos em tempos uma missa era rezada, ou pelo pároco de São Leopoldo ou pelo sacerdote português Pe. Ignácio de Sant´Ana do Rio dos sinos. Johannes Finger ajudava a missa vestido com seu casaco de casamento que lhe descia até os pés. Entretanto a maior alegria tomava conta do povo quando o Pe. Lipinski de Dois Irmãos ou o Pe. Johann de São José, visitavam nossa picada.  Nesses dois lugares já havia paróquias regulares e é compreensível que Bom Jardim acalentasse o grande desejo de contar com um sacerdote residente, um desejo que se realizaria em poucos anos. Nesse meio tempo  o crescimento da população e a melhoria das condições econômicas, impuseram a ampliação da casa de Deus. Por isso iniciou-se em 1857 a construção da igreja atual, assim como se apresentava na década de 1890. Os muros pouco sólidos de Freitag e Günther foram sumariamente demolidos e a nova construção conduzida por Jorge Schuck, auxiliado por outros homens experientes. Em novembro de 1859 começou um novo período para Bom Jardim, com a vinda do Pe. Bonifácio Klüber a São Leopoldo. Em vez de levar os estipêndios para a sede da paróquia, deixou-os  generosamente para a comunidade em formação. Com o ano de 1860 Bom Jardim deu mais um passo para  a frente, com chegada de um capelão próprio residente na picada. Este, um sacerdote nascido em Paderborn e mais tarde exercendo suas atividades em Trier, viera há pouco tempo para Santa Cruz onde trabalhou entre os alemães. Permaneceu durante quatro anos em Bom Jardim, até 1864, quando foi substituído e se afastou.
Entre 1864 e 1868 Bom Jardim ficou entregue a si. Mesmo que o pároco de Dois Irmãos fizesse, de vez em quando uma visita, para batizar, presidir matrimônios e realizar outras funções canônicas, a situação da comunidade era deplorável, devido à desunião reinante. A mudança para melhor veio em 1869 com a nomeação do Pe. Schleipen como auxiliar e a elevação de Bom Jardim à condição de paróquia autônoma pouco tempo depois.

Essa conquista não foi somente importante no sentido eclesiástico como veio acompanhado por outras conseqüências  significativas, como já foi mostrado de alguma forma na primeira parte.




[1] Trata-se dos senhores que, como rapazes, trabalharam durante dez meses numa estância em São Gabariel e na ocasião aprenderam o português
[2] Hoje diríamos “portunhol”

Deitando Raízes #23

A evolução interna
Introdução
Não poucos dos amigos leitores terão pensado que a Crônica estivesse concluída e devem ter feito especulações sobre o termo "Parte I, a Evolução externa." Deve ter-lhes parecido que não havia mais nada a ser relatado. Mero engano, pois segue agora a história da evolução interna  de Bom Jardim e arredores. A primeira parte serviu, por assim dizer, como moldura fartamente ornamentada, na qual queremos inserir o quadro multicolorido  do retrato da evolução da vida interna da colônia.
O fato de termos na primeira parte um esboço da história do Brasil, não só se justifica na Crônica, quanto foi indispensável, considerando o círculo de leitores e nos imaginamos também que tenha sido muito útil. Qualquer um que conhece o nosso povo sabe que o conhecimento da História Brasileira e sua seqüência cronológica, é o ponto fraco dos colonos. Quantas vezes aconteceu que, ao perguntarmos as datas a narradores de histórias, aliás bem ao par das coisas, tivemos como resposta um menear de cabeça ou a observação de que deve ter sido em tal ou tal ocasião. Não deve, portanto, surpreender que queiramos contribuir para sanar este mal.
Cada um entende que se tratou de sentido figurativo, quando chamamos a primeira parte  de moldura. Incluímos muitos relatos e considerações. Mas, comparando com a segunda  não é menos variado e menos rico em conteúdo. A evolução interna, objeto da segunda parte, contém o mais importante. Quando se conhece uma pessoa apenas por fora, assim como é retratada por uma fotografia e, além disto, ainda se sabe qual a posição que ocupou, isto não basta nem de longe, para avaliá-la pelos seus valores reais. É indispensável penetrar no seu interior, conhecer claramente seus pensamentos, seus planos, suas aspirações, suas intenções, pois são eles que conferem às ações externas o seu verdadeiro sentido e função. E, para que conheçamos de saída o caminho que iremos percorrer, e quais os espetáculos a que assistiremos, queremos apresentar em resumo as conteúdos  individuais de que se compõe a segunda parte. É nossa intenção traçar um quadro claro e completo da vida e do andamento das primeiras sete décadas  da colônia. Este panorama irá desdobrar-se pouco a pouco diante dos nossos olhos. Deixemos que os diferentes traços se revelem, como as luzes e sombras se distribuem e, como finalmente, emergem as figuras com vida. Em primeiro lugar, acompanhemos a história de como das velhas capelas surgiu a igreja de hoje e quais as mãos que se empenharam na sua construção. Na igreja e no seu interior é preciso chamar a atenção aos acabamentos, inclusive as veneráveis figuras que presidiram os cultos.  Em segundo lugar vamos acompanhar a evolução da escola paroquial desde os seus primeiros começos e com ela os veneráveis professores responsáveis pela formação da juventude. No terceiro capítulo teremos uma comparação mais aprofundada da administração, como ela aconteceu e como ela se aperfeiçoou. O capítulo quarto ocupa-se com as profissões a começar do início até o seu estado atual. No capítulo quinto, tomando como referência a grandiosa construção da ponte no Buraco do Diabo, examinaremos  as vias de comunicação, a construção e denominação das mesmas, assim como o comércio e a circulação. Desta maneira será possível estabelecer comparações mais precisas entre a realidade de então e a de agora, no que diz respeito a preços e gêneros alimentícios, a diárias, etc. O capítulo sexto nos familiarizará com a vida do povo na colônia. Observaremos suas características no que se refere aos costumes, usos, virtudes, defeitos, nas situações alegres e tristes. No capítulo sétimo faremos uma avaliação  das eleições quanto à sua natureza e aberrações, o que aliás poderá ser muito útil para o futuro. Os progressos no plano espiritual, o valor ou a negligência em relação a uma formação de nível mais elevado, será a preocupação do capítulo oitavo. O capítulo  nono  reunirá uma coleção abrangente de histórias de vida, capazes de  oferecer aspectos interessantes desta história. No décimo capítulo vamos observar em detalhe as belezas da paisagem de Bom Jardim e arredores e apreciar Bom Jardim também pelo lado geológico e da história natural. O último capítulo, enfim, servirá de homenagem aos primitivos habitantes da região, os motivos pelos quais foram desapareceram e os vestígios de armas e recipientes, com os quais os colonizadores entraram em freqüente contato.
Esta enumeração já permite concluir que a segunda parte contém os aspectos mais importantes dessa Crônica. Passemos sem mais para o capítulo primeiro.
Capítulo primeiro
A. Capela e Igreja
É evidente que desde os primeiros começos dos assentamentos na nossa colônia pensou-se em providenciar por uma casa de Deus. Tratava-se de católicos bem instruídos e fervorosos, que deixaram a velha pátria acostumados a freqüência  regular do culto divino e a recepção dos santos sacramentos. Devem ter sentido uma falta dolorosa ao não encontrarem na mata virgem, nem sacerdotes nem igreja. Foi-lhes especialmente amargo nos primeiros tempos. Quantas vezes o domingo foi para eles um dia de tristeza e aflição, porque não tinham nada daquilo tudo que o cristão considera mais santo e mais  desejável, isto é,  a santa missa, a missa solene e o sermão. Especialmente aflitiva era a situação nos dias das grandes festas. A velha senhora, de Johann Franz, costumava expressar com dor  essa falta: "Hoje celebramos um feriado tão lindo e nem sequer uma santa missa nos é dado assistir."
Os mais jovens contam como a família do velho Taglieber, reuniu-se no Natal, relembrando com nostalgia as belas celebrações  de Natal da Europa. Não poucas vezes as mulheres devem ter chorado, o coração sangrando e as crianças se juntavam de forma comovente aos lamentos dos pais. Na época nem suspeitavam  de que a Providência lhes reservara um papel importante, isto é, restaurar o prestígio da fé católica e da vida eclesiástica no Brasil, com sua igreja decaída, privilégio reservado aos novos povoadores. E, para sentirem com mais intensidade o valor da religião em suas vidas, tiveram que passar necessariamente por este duro aprendizado e, graças a Deus, aprenderam para valer a lição e deram um brilhante exemplo (96) para seus conterrâneos brasileiros.
Conforme o ditado: as boas coisas exigem tempo, apenas depois de muitas idas e vindas, chegaram a uma casa de Deus digna, como a que hoje domina altaneira em Bom Jardim.