B. Os Sacerdotes de Bom Jardim.
Os sacerdotes que
atuaram em Bom Jardim bem merecem um lugar na Crônica da comunidade católica.
No começo, como já foi assinalado, a cura de almas estava a cargo dos párocos
de Sant´Ana e mais tarde de São Leopoldo. O Pe. José Ignácio vinha de tempos em
tempos de Sant´Ana para batizar e de
quando em vez para rezar uma missa. Era um senhor simpático e pacífico. Na
maioria das vezes cabia a Johannes Finger e ao velho Fey buscá-lo Nestas ocasiões
os acompanhantes costumavam ser bem servidos. Um episódio especialmente
engraçado ficou até o fim na memória do velho Finger. Na mesa fora servido
carne, galinha e os pratos nacionais feijão e arroz além de um prato de
batatas. O pároco prevenido puxou-o para si e observou sorrindo para os
alemães: "Para vocês dois não vai sobrar nada, sirvam-se à vontade do
restante." Ficaram satisfeitos e não tiveram nenhum motivo de
arrependimento, por deixarem a rara iguaria para o padre. No retorno o pároco
observou que os colonos levavam um cavalo com a marca das cavalariças
imperiais. Embora soubesse que o animal fora comprado, permitiu-se a
brincadeira de achar que o tinham roubado e os interpelou com rispidez:
"Vocês são ladrões de cavalos, não continuo um passo na companhia de
vocês." Os alemães fizeram de tudo para provar-lhe que tinham adquirido
honestamente o animal, mas ele fingiu não entender e fez como se quisesse
voltar, o que não os aliviou nem um
pouco. A este mesmo pároco a paróquia deve o fato de ter São Pedro como
patrono. Como em outras questões também nessa
havia no começo desencontro de opiniões. Mas, depois que o vigário deu
de presente uma estátua de São Pedro, estava dada a solução para a dificuldade.
Todos se deram por satisfeitos com São Pedro como patrono de Bom Jardim. Também
o pároco de São Leopoldo visitou a picada a fim de dar andamento às ações de
ofício. Um deles chamava-se Pe. Antônio e, mais tarde, um certo Binfart. Ambos
demonstraram simpatia para com Bom Jardim.
Os missionários espanhóis
vindos da Argentina visitaram também a picada onde pregaram a famosa missão. A
partir de 1849 o Pe. Augustin Lipinski, vigário de Dois Irmãos e o Pe. Johann
Sedlac de São José, deram seguido a sua colaboração para com a picada. O Pe.
Augustin costumava hospedar-se na asa de
Johann Finger ou do velho Lerner. Mais tarde o Pe. Johann escolheu como sede do
seu trabalho a casa do professor Schütz.
Em 1859 Bom Jardim
recebeu um capelão próprio na pessoa de Joh. Meinulphus Traube. Embora
sacerdote alemão não honrou o clero alemão. Não poucas vezes suas atitudes
causavam escândalo, o que mais tarde degenerou em oposição aberta contra o
bispo diocesano. Não se pode negar nele empenho como pegador, mas sua maneira
de atuar não era correta. Como uma comunidade poderia prosperar nas mãos de um
cura de almas, que organizava sem cerimônia reuniões dançantes na sua própria
casa, participava delas e, em certa ocasião, afirmou que já se encontrava há
seis anos no Brasil e ainda não tinha encontrado um confessor. Este
comportamento só podia confundir e esfriar os fiéis.
Outras demonstrações
de leviandade edificavam pouco. Suspenso pelo bispo procurou manter-se no posto
que resultou numa cisão na comunidade. Especialmente censurável foi a
controvérsia que manteve com seu superior num jornal eclesiástico. Mesmo,
segundo seus adeptos, sua pena era afiada demais. Apear de tudo não apostatou
de todo da Igreja. Chegou a chorar quando foi convidado pelos protestantes para
ser seu pregador. Mais tarde abandonou o Brasil e retornou à Alemanha onde,
afirma-se, ter feito penitência por seus descaminhos. (100) Depois de sua
partida Bom Jardim foi, por algum tempo, entregue à sua própria sorte, sendo
atendido, ora a partir de Dois Irmãos, ora de São José do Hortêncio. Permaneceu,
porém, sob a jurisdição de São Leopoldo
e do seu vigário Wendelin Bock. Com ele Bom Jardim viveu uma situação melhor,
porque este sacerdote deixou
generosamente o dinheiro dos batismos para a igreja. Criaram-se assim
condições par reunir um fundo para a
ocasião da elevação em igreja paroquial.
O primeiro pároco
foi o Pe. Fr. Schleipen que, entretanto, não permaneceu muito tempo no posto.
Contrariamente à sua atividade posterior como construtor, dedicou-se à
decoração interna da igreja, construindo altares e mandando buscar estátuas.
Depois que August
Lohmann e Blees exerceram a função de substitutos, Bom Jardim recebeu em março
de 1870 o Pe. Eugen Steinhart como pároco. Na sua gestão aconteceu o episódio
Mucker. Empenhou-se muito para manter o povo longe dos encontros dos Mucker.
Para alertar e proteger contra os
malefícios de tais propostas, lia para o povo na História Unversal de Amegarn
os teatros dos anabatistas de Münster e salvou muitos que, movidos por
uma curiosidade reprovável, quiseram observar os fato e as pessoas. Já
destacamos convenientemente no capítulo décimo da primeira parte, seus méritos
por ocasião da varíola.
Em 1875 veio o Pe.
Trappe que ficou como sucessor até fins
de 1883. Em primeiro de janeiro de 1874 foi substituído pelo Pe. Andreas
Eultgen. Já que não se encontra mais entre os vivos, queremos demorar-nos na
sua atuação. O Pe. Eultgen era um homem pequeno mas de grande atividade e zelo.
Confirmamos por inteiro o que o Pe. Ambrosius Schupp escreveu no
"Deutsches Volksblatt", por ocasião dos eu falecimento.
Não há necessidade
de destacar o que ele fez por Bom Jardim. Materializado em pedra é visível para
a comunidade paroquial: a ampliação por duas janelas do prédio da igreja e, de
modo especial, a bela torre. Gozava de alto prestígio entre os paroquianos
apesar de estatura pequena. A ele deve-se muito de modo especial no que toca à vida de piedade e das
virtudes.
Desde o dia 25 de
janeiro de 1891 o Pe. Petrus Gasper, algum tempo antes coadjutor do Pe.
Eultgen, é o pároco de Bom Jardim. Conforme é sabido pelos nossos conterrâneos,
continuou a estimular o entusiasmo por
meio do interesse por diversas formas de associações, especialmente pelas
associações de homens.
Ao lado do pároco
atuaram em Bom Jardim diversos padres jesuítas como coadjutores. Na seqüência
foram Carl Strobe, Joh. Ruland, An.
Queri, Wilh. Holgreve. Vários deles já estão na eternidade.
O Pe. Carl Strobel
faleceu em Dois Irmãos, onde a comunidade agradecida ergueu-lhe um belo
monumento no cemitério. Aguardemos mais informações sobre ele na Crônica que
esperamos seja publicada sobre Dois Irmãos.
Não podemos deixar de lembrar-nos de um homem que não
apenas foi capelão em Bom Jardim, como tomou parte na missão de 1887.
Referimo-nos ao Pe. Robert Hofherr. Em sua homenagem podemos afirmar que ele
foi um autêntico missionário, (101) assim como no passado temos outros muitos
exemplos.
O Pe. Hofherr reunia
em si todas as qualidades necessárias para uma missão de tamanha importancia.
Em primeiro lugar era de estatura alta e robusta, o que sempre impressiona o
povo e por si só impõe respeito. Além disto era dono de uma voz forte, nem fina
demais nem grave demais. Para a voz vale o que se espera do sino. Pode ser que
dois sinos emitam o mesmo som e, contudo, nota-se uma diferença significativa
entre eles. Assim acontecia com o Pe. Hofherr. Sua voz soava como o metal do
sino e a sonoridade era pura e cheia de alma. Além disto valia-se de uma
retórica adequada ao povo. A forma, o estilo e a apresentação tinham o objetivo
de agradar o povo. As imagens, as
comparações, as narrações, os provérbios e, não em último lugar, expressões nas
quais comunicava seus pensamentos e desejos, perpassavam o seu discurso. Além
disto demonstrava um caráter íntegro e aberto, avesso a qualquer tipo de
dissimulação, expressando a sua opinião de forma clara e sem sutilezas.
Exatamente por isso, era com freqüência alvo de brincadeiras inocentes e bem
humoradas. Seu espírito simples como o
de uma criança demonstrava uma disposição sincera para com todos e, por isso, muitos confiavam
nele. Mas o que sobretudo o caracterizava era a sua profunda e sincera piedade.
A oração era para ele uma questão existencial. Quantas vezes empunhava o terço
e outras tantas a oração não parecia ter fim. O que mais o distinguia era o seu
ardente zelo pelas almas, que para muitos podia parecer exagerado e até
imprudente. Os que o acusavam de imprudência esquecem-se das intenções que o moviam. Com seus
aparentes exageros fez um grande bem para muitos. Foi um bom lutador pela causa
da Igreja. Se pudéssemos contar com um número maior igual a ele, os benefícios
para ela e o Brasil seriam tanto
maiores. Por isso o saudamos com a
invocação que os primeiros cristãos mandavam escrever sobre a sepultura dos
seus amados. "Ave, pia anima."- "Saudamos-te, alma piedosa.
"Nós te saudamos! Para nós não estás morto nem longe. Ouves-nos e nos
dirigimos a ti como a um vivo. Lembramo-nos de ti e agradecemos-te por todo o bem que fizeste ao
longo da tua vida. Bendita sejas, alma
piedosa! Não ao teu corpo dirigimos a nossa saudação, não a uma sombra como os
pagãos. Saudamos-te alma cheia de vida, plena de pensamentos e sentimentos.
Bendita sejas, alma piedosa. Sim, eras piedosa e morreste santa. Permaneces
conosso irmão e, como irmão, te lembrarás de nós, quando estiveres na glória.
"Ave, pia anima" – “Bendita sejas, alma piedosa”.
Na aparência o Pe.
Hofherr era saudável e forte. Mas, como acontece tantas vezes na terra, eram
apenas aparências. Nascido na Badênia, como estudante já tomava parte nos
congressos católicos. Depois entrou na Companhia de Jesus. Pelo seu talento de
orador prometia, já naquela época, uma grande e abençoada atividade como
missionário na Alemanha. As coisas, entretanto, se deram de outra maneira. Já
durante os estudos foi mandado para a Algéria na África por motivos de
saúde. De lá os superiores o chamaram para a teologia em Innsbruck no Tirol.
Seguiu depois para a Hungria como missionário entre os alemães. Em 1887
foi-lhe indicado o Brasil como campo de
trabalho, porque sua saúde continuava a preocupar. Supunha-se que o clima ameno
do Rio Grande do Sul lhe restauraria as energias. Na aparência parecia-se a uma
torre sólida, mas sua morte prematura demonstrou que os fundamentos eram frágeis. Apesar disto trabalhou com vigor.
Atraiu uma bênção toda especial sobre o trabalho realizado com a congregação de
moços de Dois Irmãos. (102) Muitos
lembram-se ainda com gratidão. Como pescador apostólico incansável
lançava a rede por meio dos seus
sermões. Sem arrefecer punha-se em busca de cada um particular até conseguiu
fisgar a alma para o Salvador.