Deitando Raízes #24

Nos primeiros anos a cabana do velho Noschang, pai do assim chamado Moses, serviu para realizar os cultos divinos e, mais tarde, o a do casal  Isaías Noll, sogro de Johann Finger. Na época da capela estavam em vigor os seguintes estipêndios a pago ao pároco  que era anualmente buscado em São Leopoldo. Recebia pela visita 10 mil réis, uma soma considerável em vista do alto valor do dinheiro na época.  O casamento custava um mil réis, o batismo meio mil réis. Havia culto todos os domingos. Não faltava uma criança sequer. Roberti, embora protestante, puxava as orações. Sua mulher, uma fervorosa católica,  instruíu-o na religião católica. Tinha facilidade  para compreendê-la pois tinha sido estudante. No seu leito de morte quis tornar-se católico e pediu que se buscasse um padre em Porto Alegre um padre em quem tinha confiança especial. Como este foi impedido de viajar a Bom Jardim a conversão não se realizou, porque o enfermo faleceu pouco depois. O seguinte episódio caracteriza bem  a sua disposição religiosa. Quando em certa ocasião sua mulher alertou  que, como puxador das orações ente os católicos, deveria fazer o sinal da cruz ele não duvidou e seguir a recomendação. 
Na mesma capela na casa do Noll aconteceu o seguinte fato hilariante. Johann Bauermann, então censor, um homem que de quando em vez gostava de tomar um trago ou outro, passou a bandeja das esmolas. Quando, em certa ocasião, um freqüentador da igreja depositou um vintém, alguém que passava observou à meia voz. "Muito bem, caprichem nas esmolas do Bauermann." O coletor achou isto demais. Agarrou  com as mãos musculosas o indiscreto pelo pescoço e apertou a tal ponto que perdeu para sempre a vontade de perturbar o censor no seu ofício. Depois desta digressão voltemos para a nossa primeira capela.
A capela tinha sido construída nas terras que hoje pertencem ao senhor Peter Cassel, entre as antigas terras dos Bohnenberger e a casa de Schütz, onde reside hoje Valentin Dullius. Evidentemente não havia como falar em grande pompa nem em relação à casa nem em relação ao culto divino. Tudo era pobre como na estrebaria de Belém. Na falta de um sacerdote realizava-se um culto leigo. Um dos membros mais velhos da comunidade puxava o terço, as ladainhas e as orações da missa e, nos intervalos, cantavam-se as velhas  e belas melodias aprendidas na terra natal. A velha senhora Isaías Noll costumava contar com satisfação, e mandara  confeccionar uma linda bandeira para a igreja. Compreende-se que combinou com as circunstâncias. Constava de alguns panos coloridos com uma cruz costurada no meio. O povo fazia o possível naquelas circunstâncias e, quem sabe,  rezava com mais  fervor e confiança do que nos dias de felicidade e bem estar que se seguiram.
Na medida, porém, em que as condições  do povoadores melhoraram veio a louvável preocupação de fazer alguma coisa  em favor de uma celebração mais digna do culto divino.
A decisão para construir uma pequena capela exclusiva para o culto, foi tomada em 1835. O velho Spindler, carpinteiro de profissão, foi escolhido como mestre de obra. Aceitou a tarefa como uma grande honra. A capela era toda de madeira como  podem ser encontradas (97) ainda hoje em algumas picadas, um pouco maiores do que uma casa normal de colono. Erguia-se à direita  da entrada da atual igreja, no lugar onde sobressaem ao chão do cemitério alguns blocos de pedreira e no local onde hoje descansa  o veterano professor Schütz e se ergue a cruz no cemitério em homenagem ao Pe. Eultgen. Nosso informante Johann Finger lembra-se  muito bem de um episódio relacionado com o transporte da viga mestra. Depois de desbastada a enorme árvore, foi transportada sobre uma carreta de duas rodas até a capela.
O caminho descia por uma ladeira de rocha escorregadia. Na descida a enorme trave com a carroça acelerou de tal maneira que os homens robustos que a conduziram não conseguiram dominá-la. Disparou rocha abaixo arrastando consigo os  rapazes que tentavam segurá-la, jogando-os para a direita e para a esquerda pelas moitas. Esse pequeno contratempo, essa cômica  surpresa provocou alegres risadas. O fujão foi agarrado com renovado ímpeto e levado até o local da construção. Nessa capela, ou melhor na frente dela, aconteceu a grande missão pregada pelos jesuítas espanhóis, uma extraordinária contribuição para a renovação da vida religiosa.
Na mesma ocasião mostrou-se de maneira inequívoca a ação da Divina Providência. Os missionários haviam sido expulsos da Argentina pelo tirânico ditador Rosas. Vieram para o Rio Grande do Sul onde foram recebidos com a autêntica hospitalidade amiga dos brasileiros. Em Porto Alegre foram informados da presença e da penúria espiritual dos católicos alemães. Sem demora decidiram  correr em seu auxílio. Em nada importou que não dominassem a língua alemã, porque para um católico um sacerdote de língua estrangeira sempre pode ser de grande valia. Felizmente já havia  entre os alemães alguns que dominavam bastante bem o português, não havendo necessidade de intérpretes estranho. O velho Georg Gerling e Johannes Finger saíram-se muito bem  nessa unção. [1]  Sendo a capela muito pequena para a multidão que afluiu, os missionários  pregaram num espanhol misturado com muitas palavras em português, [2] na frente da apela no cemitério. Encontrei um dos valentes missionários 40 anos mais tarde como um venerando ancião em Monteidéo. Dele obtive as primeiras informações sobre os alemães daqui. O que acontecia com os sermões valia para as confissões. Um pequeno número de palavras tinham que bastar. Era preciso recorrer a um truque todo peculiar, ao impor a penitência aos penitentes. Pelos dedos sinalizava-se quantos Pai Nossos rezar, cânticos e orações ou a parte de uma ladainha. Aquela missão dos jesuítas espanhóis teve ainda um outro resultado salutar além da renovação religiosa. Só naquela ocasião tomou-se conhecimento da parte da igreja, tanto do número quanto do abandono dos alemães no Brasil. Os padres espanhóis comunicaram o fato ao Geral da Ordem em Roma. Este, por sua vez, encarregou a Província da Áustria com o envio de alguns missionários para o Rio Grande do Sul. Os alemãs encontraram no Pe. Peter Bekx, então procurador da Província da Áustria e, mais tarde, geral, um aliado importante, especialmente por ter mandado livros úteis tanto para os padres quanto para o povo a eles confiado. Não adiantemos, porém, os assuntos e fiquemos fiéis à ordem cronológica.
Com o constante crescimento numérico da população, não tardou para a  primeira capela ficar pequena. Em 1847 foi construída uma maior. O local coincidiu em parte com o da atual igreja paroquial, mas um pouco menor e localizada um tanto mais para esquerda. Desta vez foram utilizadas pedras para a construção, garantindo maior solidez e mais comodidade. O mestre de obras foi um certo Freitag, (98) lembrado ainda por muitos dos moradores mais antigos. Se, com raras exceções, nas capelas  antigas era realizado o culto divino leigo, logo depois da sua conclusão, a nova teve a sorte de receber um sacerdote  alemão para rezar a missa e pregar em alemão no  dia 15 de agosto de 1849. Que felicidade para Bom Jardim aquela festa da Assunção. Somente agora experimentava-se de alguma forma o júbilo e o espírito festivo da velha pátria no Reno e no Mosela. Mas nem de longe a felicidade estava completa. Faltava a assistência religiosa regular por parte de sacerdotes alemães. Na maioria dos casos celebrava-se ainda o culto divino leigo, a cargo dos professores Allgayer e Schütz, que fizeram dele um compromisso de honra. De tempos em tempos uma missa era rezada, ou pelo pároco de São Leopoldo ou pelo sacerdote português Pe. Ignácio de Sant´Ana do Rio dos sinos. Johannes Finger ajudava a missa vestido com seu casaco de casamento que lhe descia até os pés. Entretanto a maior alegria tomava conta do povo quando o Pe. Lipinski de Dois Irmãos ou o Pe. Johann de São José, visitavam nossa picada.  Nesses dois lugares já havia paróquias regulares e é compreensível que Bom Jardim acalentasse o grande desejo de contar com um sacerdote residente, um desejo que se realizaria em poucos anos. Nesse meio tempo  o crescimento da população e a melhoria das condições econômicas, impuseram a ampliação da casa de Deus. Por isso iniciou-se em 1857 a construção da igreja atual, assim como se apresentava na década de 1890. Os muros pouco sólidos de Freitag e Günther foram sumariamente demolidos e a nova construção conduzida por Jorge Schuck, auxiliado por outros homens experientes. Em novembro de 1859 começou um novo período para Bom Jardim, com a vinda do Pe. Bonifácio Klüber a São Leopoldo. Em vez de levar os estipêndios para a sede da paróquia, deixou-os  generosamente para a comunidade em formação. Com o ano de 1860 Bom Jardim deu mais um passo para  a frente, com chegada de um capelão próprio residente na picada. Este, um sacerdote nascido em Paderborn e mais tarde exercendo suas atividades em Trier, viera há pouco tempo para Santa Cruz onde trabalhou entre os alemães. Permaneceu durante quatro anos em Bom Jardim, até 1864, quando foi substituído e se afastou.
Entre 1864 e 1868 Bom Jardim ficou entregue a si. Mesmo que o pároco de Dois Irmãos fizesse, de vez em quando uma visita, para batizar, presidir matrimônios e realizar outras funções canônicas, a situação da comunidade era deplorável, devido à desunião reinante. A mudança para melhor veio em 1869 com a nomeação do Pe. Schleipen como auxiliar e a elevação de Bom Jardim à condição de paróquia autônoma pouco tempo depois.

Essa conquista não foi somente importante no sentido eclesiástico como veio acompanhado por outras conseqüências  significativas, como já foi mostrado de alguma forma na primeira parte.




[1] Trata-se dos senhores que, como rapazes, trabalharam durante dez meses numa estância em São Gabariel e na ocasião aprenderam o português
[2] Hoje diríamos “portunhol”

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