A evolução interna
Introdução
Não poucos dos
amigos leitores terão pensado que a Crônica estivesse concluída e devem ter
feito especulações sobre o termo "Parte I, a Evolução externa." Deve
ter-lhes parecido que não havia mais nada a ser relatado. Mero engano, pois
segue agora a história da evolução interna
de Bom Jardim e arredores. A primeira parte serviu, por assim dizer,
como moldura fartamente ornamentada, na qual queremos inserir o quadro
multicolorido do retrato da evolução da
vida interna da colônia.
O fato de termos na
primeira parte um esboço da história do Brasil, não só se justifica na Crônica,
quanto foi indispensável, considerando o círculo de leitores e nos imaginamos
também que tenha sido muito útil. Qualquer um que conhece o nosso povo sabe que
o conhecimento da História Brasileira e sua seqüência cronológica, é o ponto
fraco dos colonos. Quantas vezes aconteceu que, ao perguntarmos as datas a
narradores de histórias, aliás bem ao par das coisas, tivemos como resposta um
menear de cabeça ou a observação de que deve ter sido em tal ou tal ocasião.
Não deve, portanto, surpreender que queiramos contribuir para sanar este mal.
Cada um entende que
se tratou de sentido figurativo, quando chamamos a primeira parte de moldura. Incluímos muitos relatos e
considerações. Mas, comparando com a segunda
não é menos variado e menos rico em conteúdo. A evolução interna, objeto
da segunda parte, contém o mais importante. Quando se conhece uma pessoa apenas
por fora, assim como é retratada por uma fotografia e, além disto, ainda se
sabe qual a posição que ocupou, isto não basta nem de longe, para avaliá-la
pelos seus valores reais. É indispensável penetrar no seu interior, conhecer
claramente seus pensamentos, seus planos, suas aspirações, suas intenções, pois
são eles que conferem às ações externas o seu verdadeiro sentido e função. E,
para que conheçamos de saída o caminho que iremos percorrer, e quais os
espetáculos a que assistiremos, queremos apresentar em resumo as conteúdos individuais de que se compõe a segunda parte.
É nossa intenção traçar um quadro claro e completo da vida e do andamento das
primeiras sete décadas da colônia. Este
panorama irá desdobrar-se pouco a pouco diante dos nossos olhos. Deixemos que
os diferentes traços se revelem, como as luzes e sombras se distribuem e, como
finalmente, emergem as figuras com vida. Em primeiro lugar, acompanhemos a
história de como das velhas capelas surgiu a igreja de hoje e quais as mãos que
se empenharam na sua construção. Na igreja e no seu interior é preciso chamar a
atenção aos acabamentos, inclusive as veneráveis figuras que presidiram os
cultos. Em segundo lugar vamos
acompanhar a evolução da escola paroquial desde os seus primeiros começos e com
ela os veneráveis professores responsáveis pela formação da juventude. No
terceiro capítulo teremos uma comparação mais aprofundada da administração,
como ela aconteceu e como ela se aperfeiçoou. O capítulo quarto ocupa-se com as
profissões a começar do início até o seu estado atual. No capítulo quinto,
tomando como referência a grandiosa construção da ponte no Buraco do Diabo,
examinaremos as vias de comunicação, a
construção e denominação das mesmas, assim como o comércio e a circulação.
Desta maneira será possível estabelecer comparações mais precisas entre a
realidade de então e a de agora, no que diz respeito a preços e gêneros
alimentícios, a diárias, etc. O capítulo sexto nos familiarizará com a vida do
povo na colônia. Observaremos suas características no que se refere aos
costumes, usos, virtudes, defeitos, nas situações alegres e tristes. No
capítulo sétimo faremos uma avaliação
das eleições quanto à sua natureza e aberrações, o que aliás poderá ser
muito útil para o futuro. Os progressos no plano espiritual, o valor ou a
negligência em relação a uma formação de nível mais elevado, será a preocupação
do capítulo oitavo. O capítulo nono reunirá uma coleção abrangente de histórias
de vida, capazes de oferecer aspectos
interessantes desta história. No décimo capítulo vamos observar em detalhe as
belezas da paisagem de Bom Jardim e arredores e apreciar Bom Jardim também pelo
lado geológico e da história natural. O último capítulo, enfim, servirá de
homenagem aos primitivos habitantes da região, os motivos pelos quais foram
desapareceram e os vestígios de armas e recipientes, com os quais os
colonizadores entraram em freqüente contato.
Esta enumeração já
permite concluir que a segunda parte contém os aspectos mais importantes dessa
Crônica. Passemos sem mais para o capítulo primeiro.
Capítulo primeiro
A. Capela e Igreja
É evidente que desde
os primeiros começos dos assentamentos na nossa colônia pensou-se em
providenciar por uma casa de Deus. Tratava-se de católicos bem instruídos e
fervorosos, que deixaram a velha pátria acostumados a freqüência regular do culto divino e a recepção dos
santos sacramentos. Devem ter sentido uma falta dolorosa ao não encontrarem na
mata virgem, nem sacerdotes nem igreja. Foi-lhes especialmente amargo nos
primeiros tempos. Quantas vezes o domingo foi para eles um dia de tristeza e
aflição, porque não tinham nada daquilo tudo que o cristão considera mais santo
e mais desejável, isto é, a santa missa, a missa solene e o sermão.
Especialmente aflitiva era a situação nos dias das grandes festas. A velha
senhora, de Johann Franz, costumava expressar com dor essa falta: "Hoje celebramos um feriado
tão lindo e nem sequer uma santa missa nos é dado assistir."
Os mais jovens
contam como a família do velho Taglieber, reuniu-se no Natal, relembrando com
nostalgia as belas celebrações de Natal
da Europa. Não poucas vezes as mulheres devem ter chorado, o coração sangrando
e as crianças se juntavam de forma comovente aos lamentos dos pais. Na época
nem suspeitavam de que a Providência
lhes reservara um papel importante, isto é, restaurar o prestígio da fé
católica e da vida eclesiástica no Brasil, com sua igreja decaída, privilégio
reservado aos novos povoadores. E, para sentirem com mais intensidade o valor
da religião em suas vidas, tiveram que passar necessariamente por este duro
aprendizado e, graças a Deus, aprenderam para valer a lição e deram um
brilhante exemplo (96) para seus conterrâneos brasileiros.
Conforme o ditado:
as boas coisas exigem tempo, apenas depois de muitas idas e vindas, chegaram a
uma casa de Deus digna, como a que hoje domina altaneira em Bom Jardim.