Sobre o outro mundo #2

Por mais poderoso, tirânico e avassalador que possa parecer essa superfície do oceano revolto da história dos homens, ele não decide sobre a teleologia que garante rumo e norte para a aventura humana. São momentos, manifestações episódicas e erupções momentâneas   que não perturbam o cerne da verdadeira natureza da saga humana. A realização do autêntico humano no homem, a “Menschlichkeit”, como a definiu o Pe. Balduino Rambo, acontece em outro nível e numa outra dimensão. A sequência dos atos do quotidiano  expressam-se pela sua natureza nas alegrias, esperanças, sofrimentos e anseios do homem comum. Por serem rotineiros e pouco espetaculares não interessam aos grandes noticiários e seu público. Nem tão pouco fazem parte da agenda dos burocratas, administradores públicos e outras instâncias em tese responsáveis pelo bom andamento de uma sociedade. Dos discursos políticos só em período de eleição.  De resto esse “outro mudo” não ultrapassa em muito as pequenas alegrias, as preocupações e os sofrimentos das pessoas anônimas, das famílias humildes dos agricultores, operários, prestadores de serviço, dos pequenos e médios comerciantes e empresários, dos profissionais liberais, lutando contra toda sorte de dificuldades. Embora não dite moda, não empolgue festas, não arraste multidões para shows, não se envolva em escândalos, em chantagens de poderosos, ou, quem sabe, por isso mesmo, é o mundo em que se consolida o perene da história em todos os tempos. Perene porque alimentado pelo que há de existencial no qual se firma e do qual haure a seiva que alimenta o verdadeiro humano no homem, a ”Menschlikeit”.

Mesmo que aos objetivos da grande mídia esse outro mundo pouco ou nada interesse, ele não deixou de inspirar e é o responsável pelas obras que se tornaram perenes ou se quisermos clássicas ou imortais porque inspiradas na própria natureza humana e, por isso mesmo  clássicas, pois registram, cantam, pintam, entalham e assim imortalizam o que há de perene no homem.  Mas, são as obras literárias que sobreviveram a centenas e milhares de anos às fases mais conturbadas e tumultuadas da história e aos períodos de relativa calmaria, que têm como objeto  a essência da natureza humana. De um lado, a realização, a busca da felicidade pessoal, a solidariedade, a sede de liberdade e justiça, a resposta para as questões existenciais como: o que somos, donde viermos e para onde vamos? Do outro lado, fazem parte deste “outro mundo” as pequenas e grandes alegrias com as conquistas e acontecimentos do quotidiano, como também os sofrimentos, as decepções e as frustrações, que tumultuam e atrapalham a caminhada tranquila do dia a dia.

Num intervalo, ao fixar na memória do meu PC as reflexões sobre “o outro mundo”, passei sem maior interesse as páginas do jornal ABC, edição do domingo de 25 de janeiro. Costumo ler com interesse  os comentários do promotor de justiça Eugênio P. Amorim normalmente sobre algum assunto de interesse político, econômica ou social. Mas naquela edição ele  surpreendeu com uma reflexão que se encaixa como uma luva na linha de observações que estamos desenvolvendo. Presumo sua autorização, para enriquecer o presente texto com a sua bela crônica. Ela oferece ao leitor um quadro perfeito do que entendemos ao falar do “”outro mundo”. A justificativa na apresentação da matéria não deixa dúvidas. “Eu sei que os senhores leitores aguardavam um escrito verborrágico sobre o episódio da Indonésia ou sobre o pornográfico pacote do governo federal. Mas estou cansado e quero falar de coisas boas”.

A história que nos conta o promotor Amorim tem como protagonista um menino, seus pais e o cenário típico próximo à praia em que viviam, longe da zoeira da cidade grande, uma vida modesta mas feliz, duma felicidade que as pessoas da cidade grande costumam classificar de sem graça, porque longe da correria, do empurra-empurra, longe do odor do asfalto, longe dos shoppings  com suas massas de consumidores e exibicionistas insaciáveis, longe enfim,  da atmosfera poluída por notícias de escândalos, corrupção, mortes no trânsito, assassinatos, longe também do mundo da política, dos desfiles de vaidades, das pessoas feitas “lobos” à espreita de quem devorar. Escrevendo sob a inspiração de “lapsos de memória da infância e adolescência, que são meus, começa o autor,  mas certamente encontrarão  a identificação de muitos leitores; tempos que nos fazem indagar se a nossa felicidade não é tão maior e inversamente proporcional ao que obtemos de dinheiro, fama e poder”. A crônica nos fala de um menino brincando entre vacas, cavalos, galinhas e porcos. Não havia internet nem jogos eletrônicos. Mas não havia problema. O mundo em que a criança vivia e a família com quem convivia, os vizinhos por perto, mais a imaginação infantil e dos adultos, supriam com folga os meios de diversão neurotizantes, oferecidos pela moderna tecnologia que tiraniza o dia e não raro as noites de  crianças e adolescentes. Planejavam-se  viagens imaginárias até “a África” ou a outros destinos pelo mundo afora sugeridos pela fantasia e a imaginação. Na casinha perto da lagoa, o feijão com arroz e carne, o picolé feito de banana e leite, os doces de abóbora e melancia de porco aprontados pelas mãos habilidosas da mãe, o café da manhã com pão, margarina e mortadela, sem luxo, mas bom demais!. A rotina do dia com as pequenas obrigações, o estudo, os pequenos desentendimentos com os professores, a presença constante do pai firme e correto e da mãe solícita mas capaz de atitudes até duras quando preciso. O promotor Amorim menciona os anos de 1970 e 1980 como referência. Eu próprio recuo com as minhas lembranças para a década de 1930 e 1940 e percebo que, na essência não existe diferença entre os cenários de referências da infância e da adolescência. As imagens e os acontecimentos que surgem na minha memória aconteceram na sua maioria na década de 1930. Meu pai um pequeno agricultor no interior de Montenegro, princípios éticos claros e inegociáveis, senso de responsabilidade à toda a prova, solidário para com os vizinhos, muito religioso mas nada piegas, conhecia basicamente dois caminhos: o diário de ida e volta para a roça e o dominical de ida e volta para a igreja. De resto suas preocupações limitavam-se ao sustento da numerosa família e ao esforço de levar os filhos e filhas a serem, como adultos, o esteio das próprias famílias e membros comprometidos com as suas comunidades. Os brinquedos tinham sua inspiração no entorno rural com suas plantações e os restos da floresta virgem original. As músicas e as melodias  que continuam  a povoar as lembranças de 80 anos passados vinham da mata perto de casa, das laranjeiras e da copa das araucárias que se alinhavam majestosas ao longo das taipas do potreio e do curral dos porcos. A inexistência de energia elétrica transformava as noites de céu estrelado, o luar, os raios e trovões das tempestades em cenários de um encanto primigênio impossível de descrever. Vejo ainda hoje minha mãe na varanda da casa, apreciando silenciosa, durante horas as tempestades vindas do sul nas tardes e noites de verão. 

Poderíamos multiplicar ao indefinido cenários das configurações mais inusitadas e neles homens, mulheres e crianças passando os dias de suas vidas longe da grande movimentação do mundo que faz a história oficial, vivendo no anonimato uma vida sem alarde, porém, prenhe de calor humano,  sem artificialismos, mostrando o que de autenticamente humano move as pessoas. 

O gênero literário que explora pela sua natureza esse caudal que movimenta e em que se movimenta o “outro mundo”, é a poética e nela de modo especial a “lírica” com suas “odes”, “bucólicas” e outras modalidades. Nesta linha destacam-se na antiguidade os poetas líricos Píndaro na Grécia, Virgílio e Horácio em Roma. Quem transitou minimamente pela literatura grega encontrou-se obrigatoriamente com as descrições, principalmente das odes de Píndaro. Da mesma maneira um interessado na literatura romana deve ter lido algumas das “bucólicas” selecionadas de Virgíilio e das “odes” de Horácio. Nelas os dois poetas retrataram com perfeição e emoção a alma do povo romano. Na mesma linha  situa-se Tácito quando contrapõe, não em versos mas em prosa os costumes simples e frugais dos povos germânicos, à decadência dos romanos, consumindo-se em vícios, em aberrações de comportamento, superficialidades e artificialidades de toda a ordem. Não é aqui o momento de entrar mais a fundo na poética clássica da antiguidade para ilustrar a tese de que o mundo que de fato conta para a história da humanidade, é este “outro” que se realiza e concretiza fora e à margem dos assim chamados acontecimentos que marcam cada época e constam dos registros convencionais utilizados para escrever a história. Não cabe aqui uma análise das muitas expressões poéticas que tiveram como objeto e cantaram o quotidiano dos povos. Felizmente de umas décadas para cá este outro mundo conquistou a atenção de historiadores que nele se inspiram para escrever história. Depois de décadas de um positivismo exacerbado, o quotidiano do “outro mudo” vai conquistando credibilidade e legitimidade entre os historiadores.

Um gênero literário que costuma buscar a inspiração e os objetos no “outro mundo”, são os contos. Embora banidos das salas de aula por muitos pedagogos modernosos, os contos dos irmãos Grimm fizeram com que as crianças durante dois séculos pudessem fantasiar à vontade. Fadas, bruxas, duendes, princesas e príncipes, ursos, lobos, gazelas, povoando florestas misteriosas, desfilavam pela imaginação infantil. Chamo a atenção às duas dezenas de contos escritos pelo Pe. Balduino Rambo, entre 1937 e 1961. Retratam com toda a sua riqueza e densidade humana os homens, mulheres e crianças das comunidades rurais do interior do sul do Brasil. Ele próprio procedente desse meio, mas exercendo suas atividades como professor de colégio de classe média alta urbana, como professor universitário, como cientista de renome internacional, tomado de gratidão e, quem sabe, de uma nostalgia não confessada, descreveu para não dizer pintou e cantou, o humano no homem, a “Mesnchlichkeit”, conceito por ele criado, na sua autenticidade sem máscaras.

Da mesma forma como o “outro mundo” inspirou poetas e contadores de histórias, forneceu o Leitmotiv para peças de música que se tornaram clássicas, como “a Sinfonia Pastoral” de  Beethoven. De outra parte a poética popular associada à música popular tem como fonte de inspiração e objeto este “outro mundo” como seus atores e personagens, suas alegrias, seus sofrimentos, seus lances de heroísmo, seus valores e compromissos inegociáveis, sua solidariedade, seu amor não viciado e, porque não, seus defeitos e desvios. Tudo somado compõe o selo de garantia de que nos encontramos no território, no “outro mundo”, onde a história é escrita pelo  humano no homem”.

Há, entretanto, um gênero literário, ao lado do conto, especialmente apropriado para retratar o “outro mundo”: o Provérbio. O dicionário Aurélio o define como sentença de caráter prático e popular, expressa de forma  sucinta e geralmente rica em imagens. A Enciclopédia Schweitzer Lexikon, atribui um significado mais apropriado ao provérbio, quando a ele se recorre como uma forma de construção do conhecimento. Remonta a uma forma poética de um só verso surgida na Idade Média. Os provérbios são o fruto de uma poética de como o povo expressa seu pensamento. Vem acompanhados de um objetivo pedagógico, religioso e politico.


Salvo melhor juízo temos nesta última definição os elementos essenciais do que seja um provérbio e do que ele representa para a história do conhecimento e, por extensão, para a história da humanidade como um todo. Em primeiro  lugar, o provérbio formula de um forma poética o pensamento popular. Ora o pensamento popular vem a coincidir, em última análise, com a compreensão que as pessoas comuns, “o povo”, cultivam em relação aos mais diversos  acontecimentos e eventualidades da vida cotidiana dos indivíduos e das comunidades. Os provérbios expressam também o entendimento popular em relação a tudo que influencia as vivências do dia a dia, como são a natureza imediata em que acontecem, o sentido do universo no sentido mais amplo, as crenças, os rituais, os valores éticos, políticos, sociais, econômicos e religiosos. Em resumo são a expressão  condensada da cosmovisão que se consolidou como síntese dos conhecimentos, crenças e convicções, acumulados  no decorrer de cada trajetória histórica. Representam, portanto, o “pensamento condensado” ou a “melodia subliminar” que confere harmonia à maneira de ser e agir das pessoas no seu cotidiano.  Ignorar, pior, negar que os provérbios significam a mais legítima e o mais autêntico humano no homem, equivale a desqualificar o que a humanidade consolidou durante milênios.

Sobre o outro mundo #1

A revista Atlantis – Voelker – Reisen, em suas edição anual de 1945 publicou uma matéria longa, fartamente ilustrada sobre o  que ela denominou de “O outro Mundo”. Nos três parágrafos introdutórios apresentou  a matéria mais ou menos nos seguintes termos:

Um holofote, melhor, todo um complexo de holofotes varre a superfície do globo terrestre. Iluminam o mundo oficial da mídia. Seus órgãos são os jornais, as revistas ilustradas, o rádio,  e para hoje, 70 anos depois, somamos todo o arsenal e potencial oferecido pela mídia eletrônica.  é impossível não sermos envolvidos por ela. É o mundo oficial. A grande mídia  nos informa sobre batalhas, bombardeios, debate nos parlamentos,  sobre as crises de governos, divórcios,  escândalos, atentados, corrupção, revoluções, congressos,  acidentes e crimes. Mas no mesmo cenário em que as bombas caem e o homem não se cansa de procurar novos objetos de ódio, um agricultor lavra a terra, uma mãe amamenta o filho, um comerciante expõem suas mercadorias, um engenheiro desenha projetos, um professor prepara sua aula, um médico visita seus pacientes, um enfermeira faz curativos,  um menino canta uma canção junto ao rebanho de ovelhas, uma comunidade sepulta um dos seus membros, uma mãe vigia na cabeceira do filho doente... Este é o outro mundo.

Também este outro mundo tem suas preocupações – as eternas preocupações da humanidade de todos os tempos – onde a alegria se alterna com o sofrimento. Mantem-se em pé com uma boa dose de divina despreocupação.

Reflita por instante sobre este mundo relegado para a obscuridade de atos administrativos. Todos os holofotes da mídia direcionados para esse outro mundo não seriam suficientes para abarcar a sua diversidade, a sua riqueza e a sua beleza.

O momento que escolhi para refletir um pouco sobre o “outro mundo” ao qual chama a atenção a revista “Atlantis” o mundo oficial, foco da grande mídia, vive um situação de frenesi. A invasão por terroristas da redação do jornal satírico “Charlie Ebdo “ em Paris e o massacre de 12 pessoas, entre as quais os melhores chargistas do jornal. Os holofotes da grande mídia festejam um dos seus grande momentos. Todos convergem para o episódio lamentável que expôs ao mundo o que há de mais deplorável e de mais assustador gerado no ventre de uma era histórica em que foram abolidas todas as referências e as civilizações avançam sem rumo ao encontro do desconhecido. As evidências dessa marcha errática da humanidade pós moderna, mostradas pela mídia em todas as suas cruéis modalidades, nos rincões mais remotos do planeta, viciam, perturbam e distorcem o quotidiano das crianças, dos jovens, adultos e idosos. Todos são obrigados  a respirar essa atmosfera e por isso mesmo não há como proteger-se  dos efeitos deste hálito apocalíptico que atordoa as pessoas de todas as idades e níveis de instrução. Os noticiários que se ocupam com esse mundo nada animador, dominam os meios de comunicação escritos, as redes de rádio e televisão e, de modo mais eficiente a mídia eletrônica. Em resumo o que oferecem? Atentados terroristas que abalam a nossa civilização na sua base, esquemas de corrupção de dimensões planetárias, escândalos que mancham as instituições mais sólidas. Exibem dezenas de prisioneiros prestes a serem degolados pelos seus algozes, fanáticos defensores de um fundamentalismo religioso desumano.  Até crianças são exibidas com arma na mão prontas para  executar reféns com um disparo na nuca. Aliás no momento histórico em que tento redigir essas reflexões, multiplicam-se os exemplos que o tumultuaram nas últimas semanas. Relembro o massacre dos jornalistas em Paris, a caça aos terroristas e seu fim  previsível, os atentados na Bélgica, a prisão de suspeitos de atentados na Alemanha. A tudo acrescente-se a presença do mundo inteiro em Paris para demonstrar solidariedade aos jornalistas mortos e o seu jornal. Neste exato momento a grande mídia tem mais uma preocupação. Com a aproximação da hora da execução  pelas autoridades da Indonésia, de um traficante internacional de drogas brasileiro. As notícias que falam das pessoas comuns e do seu quotidiano, ocupam espaços  à margem e como que para preencher os pequenos vãos quase imperceptíveis das programações. Povoam o mundo da grande mídia também desfiles de vaidades, catástrofes naturais e o convívio entre os homens  naquilo que tem de mais fútil e deplorável. Barulho, cacofonia e dissonâncias dão o tom a esse mundo oferecido ao público, para o qual a harmonia é chata, como escreveu o Diretor do Projeto Genoma Francis Collins em seu livro “A Linguagem de Deus”.

Comparando a história da humanidade ao oceano, o mundo que tentamos descrever, corresponde à superfície sempre em movimento. Aos intervalos de bonança sucedem tempestades, maremotos e tsunamis, transformando a superfície num cenário por vezes de um apocalipse de terror. Descendo algumas dezenas de metros para o fundo a fúria que reina na superfície vai diminuindo para ser substituída pela calmaria em que a vida marinha encontra a tranquilidade necessária para proliferar sem ser perturbada pelos vagalhões que tornam a superfície num cenário assustador. Pois é na penumbra deste cenário silencioso que desce até os abismos escuros do oceano,  a vida de milhões de organismos, de todos os tamanhos, das formas mais bizarras e das combinações de cores mais inusitadas, vivem o perpétuo vir e devir da história da vida. E se o faro dos cientistas está correto, foi neste ambiente que surgiram, há  bilhões de anos, as primeiras formas de vida. E é na tranquilidade do fundo dos oceanos que o próprio homem vai encontrar as suas raízes remotas como espécie biológica.


Os dois cenários que os oceanos oferecem, feitas as devidas restrições e tomadas  as  indispensáveis precauções, servem de metáfora, não digo perfeita, porém, esclarecedora para entender um pouco melhor o que aconteceu e acontece ainda no “oceano” da história da humanidade. Na superfície alternam-se momentos de relativa tranquilidade com outros marcados pelo mau tempo com suas guerras, revoluções, atentados, corrupção, traições, escândalos, roubos, catástrofes naturais, tragédias aéreas, terrestres e marítimas. O cenário  do relativismo ético e moral, o vale tudo, o fim justificando os meios mais condenáveis, o homem feito lobo para seus semelhantes, a voracidade do consumo, rege o convívio das pessoas. Nele a grande mídia busca a matéria prima para alimentar a fome e saciar a sede dos seus públicos. Encontra o pasto para saciar as massas ululantes que se acotovelam nos shopings, entulham as praias, infernizam com seus sons e farras o descanso nas noites de verão de homens e mulheres exaustos pelo trabalho duro. Em resumo. Alimenta o mundo da zoeira do barulho, do estardalhaço, que se delicia com que a civilização tem a oferecer em termos de exibicionismo, de vaidades e de transitório. Enfim, sacia a parte do mundo que considera a harmonia uma chatice.

Sobre a Utopia #2

A busca de uma querência de uma Heimat como Ernst Bloch define a sua utopia, embora essencialmente a mesma, assume conotações peculiares em cada época e para cada pensador que a formulou. Depois da publicação do romance “Heinrich von Ofterdingen” de Novalis, “a flor azul” tornou-se o símbolo do movimento romântico. A obra conta a história de um jovem poeta medieval à procura da “flor azul”. Essa flor transformou-se, a partir daí, no símbolo da nostalgia romântica, um ideal místico fora do alcance. Contudo não deixa de fascinar os sonhadores  perseguidores de fantasias. Pela dificuldade de se encontrar na natureza um flor de azul pleno, geralmente vem associado a outras tonalidades, como na hortência, na violeta, no lírio e outras, a “flor azul” também é tomada como símbolo da confiança, da lealdade, da harmonia, da afeição. Por todas essas propriedades e características, reais ou atribuídas, ela simboliza a utopia proposta pelo romantismo como ideal de uma sociedade na qual florescem as autênticas virtudes humanas.

Num reflexão sobre a utopia ocupam um lugar todo especial as religiões. As grandes e as pequenas, as universais, as locais e tribais, todas elas tem razão de ser e alimentam a sua razão de ser, tentando responder as três perguntas fundamentais da existência do homem: “donde viemos, o que somos e para onde vamos”. A utopia implícita ou explícita de toda e qualquer religião consiste em oferecer uma reposta satisfatória, principalmente para a terceira: “para onde vamos”. Como já apontamos mais acima, pela sua própria natureza, o homem é um eterno inacabado, encontra-se num eterno fieri, numa incessante busca para satisfazer as suas aspirações materiais, psicológicas e espirituais. Sem nunca dizer um basta ou considerar-se plenamente satisfeito, não se cansa em procurar a “flor azul”, em alcançar a linha do horizonte que teima em afastar-se na mesma velocidade em que procura aproximar-se dela. Para dar uma resposta a esse impasse entram as religiões, cada uma à sua maneira, apontando para uma continuidade da existência humana depois da morte. Assim a morte significaria o momento em que o ser humano finalmente alcançou a linha do horizonte e entra na plena e definitiva realização de todos os  sonhos. A linha imaginária  do horizonte finalmente tornou-se realidade, finalmente a “flor azul” foi encontrada, finalmente todos os sonhos foram realizados, todas as fantasias tornaram-se realidade. Finalmente a utopia deixou de ser utopia. Não importa como a concretização da utopia é caracterizada por cada religião em particular, ou imaginada, representada ou concebida pela religiosidade de cada pessoa. Na essência não muda nada se nos referimos ao céu, ou paraíso da tradição judaico-cristã, da crença islâmica, budista, a terra sem males e outras tantas.

Na extremidade oposta às grandes utopias alimentadas pelo homem como fazendo parte de uma organização política, religiosa ou outra, encontramos no dia das pessoas comuns, as pequenas utopias pessoais que cada ser humano  persegue. Neste caso o sentido sugerido pelos radicais gregos “oú” e ”tópos”, o “não lugar” ou ainda o “lugar que não existe”, pode fornecer a chave deste fenômeno tão existencialmente enraizado na natureza humana. Faz parte da dinâmica do ser humano  nunca contentar-se com o já conquistado e com o já possuído. Cada conquista, cada aquisição estimula mais uma, melhor e maior. Não há necessidade de uma capacidade de observação maior, de métodos refinados de análises psicológicas, antropológicas, históricas, sócias, políticas, econômicas, filosóficas ou teológicas. As evidências desse fenômeno perpassam desde os atos e atitudes mais simples e prosaicas das pessoas comuns, até as iniciativas mais ousadas e mais determinantes daqueles que são responsáveis pela condução das sociedades. A concretização de uma utopia, o encontrar o “lugar que não existe, o “não lugar”, assemelha-se ao esforço de alcançar a linha do horizonte. Como essa linha se afasta na medida em que alguém a tenta alcançar, assim a utopia, ou as utopias por natureza não são exequíveis, factíveis ou realizáveis. As respostas, as soluções são pseudo-soluções, pseudo-respostas.


 Voltando a utopia descrita na obra filosófica de Ernst Bloch, constata-se que nela encontram-se, salvo melhor juízo, todos os elementos que integram esse fenômeno tão existencialmente Humano, tão “menschlich”. As grandes utopias da história, cada uma à sua maneira, aponta para um caminho  comum a ser trilhado  em busca da resposta  final, o “bem como tal”, “das Gute schlechthin”, a “querência, “die Heimat”, o Paraíso, “o Céu”, “a Cidade de Deus”, “a Terra sem Males”, “a Perfeição final, “a Nova Jerusalém” e as muitas outras que podem ser identificadas nas tradições dos mais diversos povos.

Sobre a Utopia #1

Utopia vem a ser um conceito que tem sua origem nas duas palavras gregas “oú” – “não” e “tópos” – “lugar”. Na tradução literal significaria o “não-lugar” ou o “lugar que não existe”. O conceito foi cunhado por Thomas Morus e serviu de título para sua obra clássica. O escritor inglês inspirado  nas narrações de viagem do navegador Américo Vespúcio, escreveu a sua oba clássica “A Utopia”. Nela apresenta um lugar puro, diferente de todos os conhecidos, no qual vivia uma sociedade perfeita. Os “utopianos” inspirados na sua proposta buscam a concretização de uma sociedade, na qual os bens são repartidos de forma igualitária. O conceito da utopia inclui várias formas de entendimento. Pode concentrar-se na busca de uma civilização imaginária, fantástica e ideal. Busca também, no presente ou no futuro, uma sociedade ou um mundo ideal. Refere-se também a um sonho não realizado, uma fantasia irreal, um projeto de uma sociedade humana de igualdade total entre os cidadãos.

A sonho de uma sociedade de igualdade total entre as pessoas vem da antiguidade remota. Já Platão, cerca de 380 AC descreveu na “República” a sua versão de uma sociedade utópica, embora não empregue este termo. Da mesma forma o Apocalipse do Novo Testamento fala de “Uma Nova Terra de Deus – Uma Nova Jerusalém, e Novalis da  sua busca da “flor azul” a metáfora para a busca da utopia. Mas a consagração  do conceito de Utopia vem com Thomas Morus em 1516. Na sua obra clássica, com este título, imagina uma sociedade sem propriedade privada, onde todos os cidadãos vivem em regime de cooperação, uma sociedade onde ninguém é dono de nada, e contudo todos são ricos.

Deixemos de lado a multiplicidade de compreensões e nuances que o  conceito de “Utopia” inspirou e levou a formular modalidades do seu significado na vida das pessoas e das comunidades, para tentar localizar a fonte, a raiz dessa busca universal do homem no tempo e no espaço. A República de Platão, a Nova Jerusalém do Apocalipse, a Utopia de Thomas Morus, a busca da “flor azul” de Novalis, o Socialismo Utópico e outros mais, são modalidades que envolvem as sociedades como um todo. Salvo melhor juízo merece ser enumerado entre os utópicos mais profundos da modernidade o filósofo da “esperança” Ernst Bloch, nascido em Ludwigshafen na Alemanha e 1885, falecido em Tubingen com 92 anos. Como ponto central do seu pensamento encontra-se o conceito “Heimat” que tem em “Querência” o termo correspondente mais próximo em português. Enquanto Thomas Morus encontrou nas viagens de Américo Vespúcio a inspiração para descrever a “Utopia” da sociedade ideal, Bloch despertou para a ideia-força da sua obra filosófica, lendo os romances de aventura de Karl May. Entre eles os  de fato determinantes foram aqueles que retratam a vida dos índios nas pradarias do centro oeste americano. Entre os índios, búfalos e pradarias, o jovem Bloch intuiu pela primeira vez o que significa “estar em casa”, estar na “Heimat”, estar na sua “Querência” e a importância do gozo da liberdade, para que ela se realize na sua plenitude. Este conceito  iria de então para o futuro servir de referência, de baliza mestra, de norte que orientou a concepção, a estrutura e a formulação do seu pensamento e a consolidação da sua utopia. A logica do pensamento de Bloch, salvo melhor juízo, pode ser resumida nos pressupostos: “Havendo liberdade, há possibilidades, havendo  possibilidades há esperança, havendo  esperança o “Ideal do Bem” é realizável. Bloch explica. O “ideal do bem” torna-se realidade depois que o processo da evolução da matéria no estágio em que no momento se encontra, estiver concluído. Realizou-se então  o “bem como tal” – das “slechthin Gutes”. O cosmos, o nosso mundo, os animais e os homens, todos feitos de matéria, estarão reconciliados. Vive-se então a situação pela qual todos, as pedras como os homens, as estrelas e as moscas na parede, consciente ou inconscientemente buscam: a “harmonia” pois finalmente o cosmos como um todo é “querência” – “Heimat”.

Paul-Heinz Koesters, ao analisar  o pensamento de Ernst Bloch acrescentou as seguintes observações. Já Fichte era de opinião  que   as pessoas escolhem a linha de pensamento , ou a filosofia que norteia as suas vidas, de acordo com o seu temperamento. Se isso é verdadeiro os adeptos da filosofia  de Bloch precisam munir-se com uma boa dose de otimismo. Explica. Tendo em vista a devastação do planeta, a destruição dos ecossistemas, a extinção de sempre mais espécies de animais o uso irracional e predatório dos recursos naturais, a poluição se alastrando e intensificando, parece que  o grandioso arcabouço do pensamento de Bloch flui na contra mão dos fatos. Mas é exatamente nos momentos de maior incerteza, depressão e perplexidade que os homens se tornam mais sensíveis e mais receptíveis a promessas que falam de um mundo melhor,  mais justo, mais solidário, com mais  fartura, um mundo mais habitável, em resumo, um mundo mais humano. Cita como exemplo o povo de Israel que exatamente nas fases de grandes reveses demonstrava maior receptividade para as perspectiva de um mundo mais belo e mais humano anunciado pelos profetas. Da mesma forma a humanidade do começo do terceiro milênio vivendo numa civilização  que parece precipitar-se para o caos e a ruína, carece como nunca, de um estímulo de uma utopia para não perder a esperança de um mudo melhor. Por isso mesmo o caminho apontado por Bloch, o filósofo da esperança, faz tanto sentido.

Acontece que a busca da realização das grandes utopias, das utopias coletivas, costuma enveredar para um beco sem saída. O nó a ser desatado consiste em encontrar estratégias, práticas e instrumentos que não frustrem a médio e longo prazo as pessoas envolvidas. O usual nessas empreitadas é que os líderes, os condutores, as “nomenclaturas” que procuram arrastar as massas, frente às dificuldades práticas de aproximar-se do ideal, cortarem esse “nó górdio” em vez de desatá-lo.  O desfecho costuma ser o mesmo na sua essência para todas  as utopias coletivas. As práticas adotadas pelas lideranças, ou a realidade nua e crua do dia a dia nessa jornada, costuma bater de frente com a própria natureza da utopia que se pretende concretizar. Argumenta-se que a conquista do ideal utópico requer pela própria natureza confrontos de toda a sorte com os conservadores. Para enfrentá-los, vencê-los e aniquilá-los, todos os  métodos e estratégias são legítimos, pois “o fim justifica qualquer  meio”. Dessa forma empreende-se uma verdadeira guerra de aniquilamento tanto de pessoas, quanto de  instituições, quanto de princípios éticos. Os assim chamados líderes da revolução posta em curso argumentam que a faxina radical é essencial como uma das etapas em busca da utopia, seja ela fascista, nazista, franquista, salazarista, getulista ou marxista. As vozes discordantes são silenciadas de todas as formas e utilizando-se todos os meios à disposição, incluindo o extermínio em massa de pessoas, minorias e instituições. Para os grandes pensadores, os formuladores de uma nova ordem, uma nova utopia se preferirmos, que não propõem nem estratégias, nem meios, apenas  a formulação de uma situação ideal, o caminho concreto em que os seus adeptos apostam, costuma ser o motivo da colisão frontal com a “realidade concreta”. Como exemplo ilustrativo resumimos as experiências de Ernst Bloch na Alemanha comunista.


Na condição de judeu exilou-se nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial. Naquele país seu “Princípio da Esperança”, teve pouca ou nenhuma repercussão. Por isso aceitou com prazer a cátedra de filosofia na universidade de Leipzig, na Alemanha Oriental ocupada pelos russos. O confronto com a “Real Pollik” adotada na DDR e as pregações de Bloch tornou-se evidente logo no começo. Em maio de 1949, com 63 anos de idade proferiu a  preleção de estreia na universidade. Diante dos alunos, professores e altos funcionários da burocracia oficial presentes, deixou claro o que  significava para ele o conceito “Verdade”. A uma certa altura declarou sem reticências que o partido muitas vezes entende que algo é verdadeiro porque é útil. É uma afirmação falsa. Pela lógica correta entende-se que na medida e enquanto algo é verdadeiro também pode ser  útil. O alvo foi evidentemente a propaganda do partido de que todo e qualquer argumento, qualquer iniciativa, qualquer projeto  que fosse útil aos seus interesses, era vendida ao público como verdade indiscutível. Desde o primeiro dia  de sua atuação acadêmica em Leipzig, Bloch foi colecionando adversários e invejosos. Acusavam-no de na verdade ser um emigrante vindo da América e não da Rússia, de em última análise  não ser um marxista de puro sangue, pois para isso a filosofia judaico-cristã ocupava um espaço demasiado evidente na sua linha de pensamento. Sabia muito bem que dificilmente alguém se atreveria a por em risco o seu posto na universidade. Continuou firme criticando o “Estado de operários e agricultores”. Finalmente tornou-se o ícone  apresentado ao mudo como símbolo da DDR. Depois que o governo se viu obrigado a permitir alguma liberdade de opinião depois da revolta de 17 de junho de 1953, Bloch subiu o tom das suas críticas ao socialismo praticado pelo Estado, que o transformou numa organização policialesca e com isso estava tão distante  do verdadeiro socialismo quanto os países capitalistas. Os camaradas levavam especialmente a mal o fato de desqualificar o “Estado-Policia”, como um estágio intermediário para chegar ao “reino da liberdade”. Contrariando  os marxista ortodoxos, pregava que somente então quando as pessoas viverem sem preocupações numa sociedade sem classes, estarão em condições de ocupar-se com as verdadeiras preocupações como são a morte, o sentido da vida e outras mais.  Estas ainda não se encontram no centro das nossas atenções porque estamos demasiadamente ocupados com o pão de cada e demais exigências que garantem a sobrevivência. Com 70 anos vivenciou em 14  de novembro a rebelião na Hungria, esmagada pelos tanques soviéticos. O humor político caiu para o nível mais baixo. Apesar de tudo Bloch pronunciou seu discurso mais impactante na universidade Humboldt  em Berlim oriental. Acusou os homens em torno de Walter Ulbricht de empenhar-se numa política tão primária quanto perigosa. Desafiou-os a abandonar a ideia ridícula e  perigosa de que é possível tocar uma sinfonia num só instrumento. Naquela ocasião pronunciou a célebre frase que no dia seguinte foi destaque em todos os jornais: “Está na hora de na DDR finalmente  jogar xadrez em vez de moinho”.  Depois do memorável discurso Bloch foi encontrar-se com um  grupo de jovens intelectuais num restaurante. Entre os presentes encontrava-se Wolfgang Haedrich que pelo julgamento de Paus-Heinz Koesters parecia-se com os heróis idealistas das peças de Schiller. A reação de Bloch  à sugestão deste de apear Walter Ulbricht do poder, foi de espanto e classificou-a como uma alucinação. Mas há mais tempo o Polit- Bureau vigiava seus passos e de modo especial suas declarações. Não demorou para enquadrar o filósofo na alça de mira. Declaram-no corruptor da juventude. Milhares de jovens teriam sido seduzidos e desencaminhados com os seus discursos. Finalmente, com 72 anos, perdeu  a cátedra e o partido ao qual nunca fora filiado, o isolou. Numa viagem à Alemanha  Ocidental foi surpreendido com a construção do muro de Berlim. Começou então o seu terceiro exílio, agora na RFA. Aos 76 anos aceitou uma cátedra em Tuebingen. Em meados de novembro pronunciou a preleção de estreia. Escolheu como tema a pergunta: “Pode a esperança ser frustrada?”. A resposta foi: “Sem dúvida pode, porque ela é direcionada para o futuro, portanto, é mutável como ele. Ela persiste então naqueles contextos, onde ainda nada foi definitivamente decidido, onde ainda nada foi ganho nem perdido. A plateia recebeu as palavras de Bloch mais como um desabafo pessoal do que propriamente um arrazoado filosófico. Koesters comentou a impressão que as palavras do filósofo deixaram nos ouvintes. Os ouvintes levaram a impressão de que tinham escutado as palavras de um “feiticeiro”. E, de fato, de então para diante Bloch foi assim tratado no meio acadêmico da universidade. Parece, entretanto, que se assemelhava mais a um profeta enviado por Deus para libertar a humanidade do pecado e da miséria. Os traços da sua fisionomia que mais pareciam esculpidos num tronco de árvore, os ângulos da boca dobrados para baixo, davam-lhe um aspecto irado e o conjunto dos traços fisionômicos, sinalizavam desafios inquietantes. Não demorou e esse rosto marcante tornou-se conhecido em todo o país. Bloch pregava que filosofia e política são a mesma coisa. Com 81 anos fez um discurso inflamado em Frankfurt para 20000 ouvintes que  escutaram fascinados suas invectivas contra as leis de exceção que, conforme ele, eram novamente atuais. Depois de ele, o velho pregador ambulante e o jovem líder estudante Rudi Dustsche se deram as mãos, observou que aos movimentos estudantis da época faltavam as grande ideias. O que predominava nesses movimentos é  névoa e névoa é um instrumento da classe dominante que a usa para confundir. Mais uma vez com 87 anos mergulhou na grande filosofia, embora adoentado e ameaçado de cegueira, escreveu uma obra que se ocupa com a velha questão da relação entre espírito e  matéria. Procura harmonizar a visão cristã idealista de que no começo era Deus, com a filosofia materialista  que ensina  que do nada não pode vir nada, por isso a matéria só pode ser eterna. Conforme Bloch, a matéria é animada “beseelt”. Nela atua uma dinâmica, melhor, uma razão de ser, uma teleologia. E avançando mais um pouco, afirma que a matéria  é direcionada  para um “objetivo final”, que ainda não se tornou realidade. A meta final consiste em concretizar o  “Ideal do Bem”.  E conclui formulando a  logica da sua  utopia. “Quando o processo evolutivo estiver concluído,  o cosmos e nosso mundo,  os animais e os homens, todos feitos de matéria estarão reconciliados. A harmonia, direta ou indiretamente buscada  por todos os seres, tanto  minerais, quanto inanimados, quanto seres vivos, principalmente  o homem, faz com que todo o cosmos se transforme em “Querência” – “em Heimat”.