Conhecimento como síntese 9ª parte

O diálogo interdisciplinar

O que interessa nesse momento resume-se  em um cenário teórico-metodológico favorável para a troca sem preconceitos de informações entre as Ciências Naturais e as Ciências do Espírito. Trata-se do passo inicial para começar um dialogo honesto do que cada um dos campos tem a oferecer para o enriquecimento cada vez maior do conhecimento em si. Espera-se que desse diálogo nasça o reconhecimento mútuo  da validade e importância daquilo que cada qual tem a oferecer. E por fim é licito esperar  de que as Ciências tanto Naturais quanto as Humanas e do Espírito, se aliem e se comprometam, num esforço sincero em busca de uma síntese elaborada a partir de muitos saberes; para que as “muitas doutrinas”, inclusive à primeira vista conflitantes, se harmonizem em busca de um ponto de encontro comum. Em outras palavras. Que a partir da “multiplicidade das doutrinas”, se encontre a “verdade que é uma só” – “Doctrina multiplex – Veritas una”.

Uma vez acertado o dialogo é fundamental decidir pelo caminho a percorrer e as ferramentas a serem utilizadas. Em outras palavras. Como e a que nível deverá acontecer esse diálogo para autorizar esperar um resultado que satisfaça a ambos os lados.

O ponto de partida parece consistir em que os interlocutores falem a mesma língua ou pelo menos línguas que ambos entendam. Isso significa que os conceitos emitidos de parte a parte, expressem sentidos que sejam corretamente inteligíveis por ambos os lados. Isso implica no fato de que o filósofo ou o teólogo tenham um mínimo de familiaridade e compreensão com os conceitos emitidos por um genetecista, um biólogo, um astrônomo, um físico ou um geólogo. De outra parte  algum especialista em qualquer ramo das Ciências Naturais, precisa estar consciente que sentido o filósofo atribui, por ex., ao conceito “princípio de causalidade”, “causa primeira, teleologia”, “lógica dos processos”, etc. conceitos e significados que não fazem parte do mundo conceitual do cientista. Com isso não se pretende insinuar que o astrônomo ou geneticista, tenha que ser filósofo ou teólogo no sentido corrente do termo. Significa, isso sim, que ambos, filósofos e cientistas, filosofem e pesquisem com um mínimo de sensibilidade, compreensão e respeito mútuo. Como já tentamos mostrar mais acima, este é um dos maiores, senão o maior dos obstáculos que precisa ser superado para consolidar o diálogo entre os dois arraiais.

Infelizmente  as instituições de ensino, a começar pelo fundamental, passando pelo ensino médio, de graduação universitária, terminando com a pós-graduação, não preparam os estudantes para o diálogo inter-científico e filosófico. O estímulo prematuro para a profissionalização e especialização consolida, desde muito cedo, a consciência, a convicção de que saber e conhecer significam a mesma coisa, isto é, penetrar o mais fundo possível na natureza de algum objeto, ou dominar até as últimas minúcias os macetes do exercício de alguma profissão. Alimenta-se no fundo a ilusão de que se está a caminho para responder todas as perguntas, inclusive encontrar a “Verdade”. E o resultado vem a ser aquele tão bem descrito por Teilhard de Chardin: “De síntese em síntese desmontada, deparamo-nos no final com uma pilha de engrenagens desmontadas ou um sem número de partículas que se esvaem”. Chegou o momento de tentar remontar a máquina cujas peças conhecemos até os últimos detalhes, reunir as partículas esvaecentes  numa nova síntese e, o que é mais importante, procurar um sentido, um significado comum, um “alfa” que explique o “donde” e um “omega” que sinalize o “para onde”, como diria Teilhard de Chardin.

O tempo urge. Valendo-nos do chavão por todos conhecido, estamos na vigésima quinta hora, para tentar reverter o processo da “desconstrução de todas as referências”, na opinião de Alexandro S. Caldera. Respira-se uma atmosfera  de temor que a pós-modernidade leve a análise, melhor dito talvez, o desmonte, a  um extremo tal, que o retorno a um mínimo de coerência no comportamento das pessoas, torne-se em extremo problemático. O que nos falta nesse impasse é um corpo de intelectuais aliados a um corpo de cientistas ideologicamente descomprometidos, que reflitam com profunda seriedade sobre o que está acontecendo. Já nesse primeiro requisito tropeçamos numa realidade que torna ainda mais dramática a “vigésima quinta hora”.

As obras dos grandes pensadores do século XX, contendo os esforços do seus autores em oferecer alternativas para novas sínteses, circulam apenas em públicos seletos e restritos. “A grande filosofia” está fora de moda e, por isso mesmo, em baixa. Cá e lá ouve-se a voz solitária de um Umberto Ecco ou  algum representante da Filosofia da Interculturalidade. Não muito mais. Nomes e obras como de Nietzsche, Heiddeger, Jaspers, Sartre, Bloch, etc.,  parecem-se como personagens perdidos nas brumas do tempo. As discussões em diversos níveis em que são analisados os problemas sociais, políticos, econômicos e similares, contam com a participação de políticos, governantes, sociólogos, jornalistas, representantes de ONGS, ativistas de movimentos sociais, ecochatos, ecoparanóicos, ecopicaretas, ecointeresseiros e por aí vai. Pouco ou nenhum espaço fica reservado para uma reflexão  de natureza filosófica, histórica, científica ou ética mais consistente. O confronto de idéias e dados mais sérios são raros e restritos a algum fórum do tipo “Fronteiras do Pensamento”. E mesmo nesses casos o convite aos conferencistas privilegia os nomes de pensadores que estão na moda. Não interessa em primeiro lugar um confronte de idéias sério, honesto, desarmado e humilde, dos problemas que angustiam o homem pós-moderno. Esses encontros mais se parecem com um desfile de vaidades e egos tanto dos organizadores quanto dos participantes. São eventos que estagnam ao nível do “vanitas vanitatum – “vaidade das vaidades” do rei Salomão.

Como se pode ver, se o diagnóstico que vínhamos fazendo, está minimamente correto, a solução para a errática civilização pós-moderna, não é simples nem viável a curto prazo. As constatações lógicas que nos vêm orientando até aqui, permitem resumir a problemática  em algumas questões de fundo.

Primeiro, o mais critico nessa situação centra-se  na rubrica formação. E por formação entende-se aqui uma reorientação da própria natureza da cosmovisão e, consequentemente, da forma como as pessoas dela se apropriam. Começa pela mobilização de todos os meios e instrumentos disponíveis em favor de uma inversão na perspectiva da formação do cidadão. Na cabeça dos planejadores e executores das políticas de formação, a começar pelo fundamental até a pós-graduação, a visão centrífuga comanda as ações. Aliás as realidades são percebidas nessa perspectiva também pelas pessoas em geral. Poderíamos chamar o fenômeno de resultado socializado do mundo desmontado pela pós-modernidade. Já nos referimos mais vezes a esse problema:  A preocupação, em casos extremos levados a uma verdadeira obsessão, pelo detalhe, pelo acontecimento em si, pela peça da máquina, pelo momento, dita as estratégias e os métodos de formação. As estratégias  inspiradas na compreensão centrífuga do mundo, orientam, consciente ou inconscientemente a formação dos cidadãos, em direção a essa versão da realidade.

Segundo, o outro desafio vem da própria natureza da pós-modernidade. Sua visão de um mundo “desmontado”, induz a uma percepção fragmentada de tudo que nele ocorre. Essa situação realimenta e acirra ainda mais a sensação da autonomia dos fragmentos. Essa dinâmica é poderosamente estimulada pelos resultados espetaculares que o método analítico-indutivo, pela sua natureza  centrífugo, tem a oferecer. Aliás a entrada triunfal desse método como contraponto ao sintético-dedutivo, com o despertar das Ciências Naturais, transformou-se naquele “maravilhoso instrumento ao qual devemos todos os nossos progressos”, no dizer de Teilhard de Chardin. Entretanto, ele não deixou de chamar a atenção aos riscos que a utilização desse método nos expõe quando levado a extremos e sem as devidas precauções. A pós-modernidade está aí para dar inteira razão ao sábio jesuíta, que nasceu e viveu, e principalmente pensou e pressentiu profeticamente o que estava por vir. Trata-se de um autêntico representante daqueles dos quais  costuma-se afirmar  que “nasceram cedo demais”.


Terceiro, embora o método analítico-indutivo continue sendo o poderoso motor que impulsiona o progresso de quinhentos anos para cá, seu potencial tem limites e riscos. É capaz de despertar em não poucos cientistas a convicção da onipotência. A análise tem a oferecer a cada dia que passa, um número sem conta de novidades em todos os campos  científicos. Encontra respostas  para interrogações que o homem vem formulando há incontáveis séculos. Estimula o desenvolvimento de tecnologias que permitem avançar  em direção a respostas  para questões que mais intrigam a curiosidade, como: “como começou tudo; qual a matéria prima de que é feito o universo; como começou a vida; quais as leis que fazem funcionar o macrocosmos, o microsmos, o nanocosmos; o homem com sua inteligência reflexa é apenas mais uma espécie viva, apenas um antropóide um pouco mais evoluído? Milhares de laboratórios especializados nos grandes centros de pesquisa, ocupam-se com esses e muitos outros questionamentos.

O Conhecimento como Síntese 8ª parte

O Método analítico-indutivo.

Se para a Filosofia e a Teologia a dedução partindo do todo, constitui-se no método mais apropriado,  as Ciências Naturais pedem, pela própria natureza do seu objeto, o método analítico-indutivo como via de aproximação. Teilhard de Chardin chamou-o de “esse maravilhoso instrumento ao qual devemos todo o progresso de que desfrutamos”. Como aconteceu com o método sintético-dedutivo, o analítico-indutivo, fundamenta-se em última análise numa compreensão  peculiar do universo, da natureza e do homem. O fato de  alguém tentar entender e explicar as partes, a partir da unidade da qual fazem parte, ou de alguém procurar uma lógica e uma convergência partindo das partes, analisando-as, dissecando-as e decompondo-as, faz uma grande diferença.

Na medida em que as Ciências Naturais foram ocupando o seu espaço  e consolidando seus campos do saber específico, fizeram com que o método analítico-indutivo, ocupasse cada vez mais espaço. Esse movimento começou a tomar corpo no final da Idade Media. Acelerou o ritmo e foi-se impondo durante a Renascença. Até então os fenômenos da natureza eram entendidos sob a ótica de princípios filosóficos e teológicos, via dedução. Não é que se desprezasse a observação empírica. Pelo contrário. A natureza foi sempre, como não podia deixar de ser para o filósofo antigo, um cenário de observações múltiplas. Oferecia dados e experiências concretas, inspirando nelas uma boa fatia de suas especulações filosóficas. Trilharam, porém, o tradicional caminho indicado pelo método dedutivo. O que os preocupava era o essencial que conferia sentido e razão de ser para as realidades naturais. As leis empíricas  responsáveis pela mecânica  natural, situavam-se fora do horizonte das preocupações dos filósofos.

Mas já nos séculos finais da Idade Media sábios como Roberto Grosseteste (1175-1253), Alberto Magno (1206-1258), Nicolau de Oresme (nascido em 1306), mestres de Oxford, Paris, Colônia, Freiburg e outros, foram precursores do método analítico-indutivo. Mas é com a Renascença que acontece a sua entrada triunfal. A partir daí definiram-se  os dois caminhos, os dois métodos que continuam polarizando os esforços para entrar na compreensão da essência da Natureza, objeto ontológico comum. Referindo-se a essa situação, isto é, o objeto ontológico, ele é susceptível à aproximação tanto pela dedução quanto pela indução, o Pe. Borrero observou.

Quem sabe a mútua  compreensão dessa realidade tenha o poder de superar o confronto que se verifica hoje entre filósofos e cientistas, que deixa perplexo o político encarregado de decidir políticas científicas. Essa superação tem condições de tornar-se realidade a curto prazo com adoção do objetivo  epistemológico da interdisciplinariedade.  (cf. ASCUN, 1992, 20, p. 22)

Deixemos para mais tarde uma análise mais aprofundada do recurso à interdisciplinariedade como caminho para superar o impasse entre a Filosofia e a Ciência. Aproveitamos o momento par intercalar algumas considerações sobre a História da Ciência. Pelo que vínhamos falando poder-se-ia tirar a conclusão equivocada de que as Ciências Naturais entraram na História a partir do final da Idade Media. Entretanto, creio que  pode afirmar-se sem medo de errar, que a História da Ciência tem a duração da própria História do homem. A partir do momento, em que em alguma savana da África, ou em qualquer outro ponto do mundo, apareceram as primeiras criaturas dotadas de “!inteligência reflexa”, de “racionalidade”, entrou em cena a “Noosfera” na terminologia de Teilahrd, um nível, uma esfera de vida, de todo inédita. Sem romper com o passado existencialmente enraizado na “Litosfera” e na “Biosfera”, o homem inauguraria um caminho novo de convivência e relacionamento com o mundo que o cercava. Sem romper e sem superar os condicionamentos  que como animal o prendiam ao entorno geográfico, vem munido com as ferramentas  capazes de fazer dele um ser superior a todos os demais. A inteligência reflexa, a consciência do seu pertencimento ao mundo natural, o levaria à  condição  de formular perguntas e buscar respostas a fim de compreender-se a si mesmo e o mundo em que vive. Valendo-se  da capacidade de observar, formular perguntas, buscar respostas, encontrar soluções alternativas, refletir sobre sentidos e significados, o homem há dezenas, centenas, quem sabe milhões de anos, foi acumulando conhecimentos de todo nível e natureza. De um lado observando, experimentando, selecionando, foi entendendo os fatos e realidades, descobrindo relações e correlações, identificando e compreendendo as leis que regem a natureza. De outro lado procurou entender e explicar os “porquês” e formular respostas para as incógnitas, os mistérios da natureza e da sua própria existência.

Rigorosamente falando os primeiros coletores de frutos e sementes, os primeiros caçadores e pescadores, valeram-se dos mesmos meios e métodos do homem de hoje, ao  lidar com os desafios  do quotidiano. Observando, comparando, selecionando, testando, descartando, concluindo, aprenderam a compreender e organizar o mundo. Tanto a nível material, quanto psicológico, imaginário, religioso foi organizando os dados acumulados e com eles, dando forma a um corpo de conhecimentos. Situando a Filosofia e a Ciência nessa perspectiva histórica global estão presentes verdadeiras práticas científicas e filosóficas desde que o homem se fez homem. Mais ainda. As práticas e os métodos não se distinguem essencialmente dos formulados por Francis Bacon (1561-1626) e que hoje fundamentam a produção do conhecimento. Observando a natureza os homens de então valiam-se da “análise” como ferramenta para a identificação e compreensão dos fatos e fenômenos. Num segundo momento recorreram à indução com o propósito de dar significados ao que observavam. Gradativamente os conhecimentos  hauridos das mais diversas fontes consolidaram-se num corpo coerente e legítimo de conhecimento.

Situando a Filosofia e a Ciência nessa perspectiva histórica, verdadeiras práticas filosóficas e científicas estiveram sempre presentes. A cosmovisão ou as cosmovisões que daí resultaram terminaram por consolidar o imaginário no qual o componente mágico-religioso ocupou um lugar privilegiado. Sobre essa base pois, estava preparado o terreno para prosperarem filosofias e religiões. A partir delas e num passo adiante, o homem consolidou um universo conceitual de sínteses e invertendo a perspectiva, começou a  interpretar a realidade que o materiais para afirmar essa lógica dos acontecimentos, não deixa de ser legítima. Legítimo então é concluir também que os seres humanos daqueles tempos remotos já praticavam ciência no sentido rigoroso do termo e, consequentemente, produziam conhecimento digno desse nome. Também aqui vale a afirmação do filósofo grego. “Nihil novi sub luna” – “nada de novo sob a lua”.

Diversificaram-se as observações, aperfeiçoaram-se os métodos e técnicas, sofisticaram-se e apuraram-se os  instrumentos de investigação e respectivas tecnologias e assim ampliaram-se e aprofundaram-se os conhecimentos. A razão de ser desse estado de coisas, a explicação última, a condição “sine qua non”, deve ser buscada na inteligência  racional que acompanha a humanidade desde a sua mais remota origem. As Ciências foram cultivadas desde há muitos séculos e milênios. As investigações científicas e a construção do conhecimento vem desde a antiguidade mais remota. Bacon ao formular sistematicamente os métodos básicos, o analítico-indutivo e sintético-dedutivo, deu um significativo impulso ao que já vinha sendo feito nesse campo. Galileo contribuiu decididamente para o “boom” científico nos últimos séculos com seu “Arrazoado Experimental”, em outras palavras, a análise  do fenômeno a partir da decomposição em seus elementos quantificáveis e passíveis de expressões algébricas  funcionais. O que presenciamos hoje em termos de  avanços tanto quantitativos quanto qualitativos nas ciências empíricas, foi possível aos pesquisadores valendo-se dos princípios e bases teórico-metodológicas, formuladas por Bacon e Galileo. O fascínio pelos resultados é tamanho que se tornou convicção corrente de que o único conhecimento válido é o científico. O Positivismo de Conte levou ao exagero a via experimental e “positiva” e o Neo-Positivismo com seu “método-empírico-lógico”, prega que, o que não for redutível a esses parâmetros, simplesmente não faz sentido.


Encontramo-nos, portanto, frente a um cenário no qual, de um lado, as conquistas e  avanços são indiscutíveis. Do outro, entretanto, corre-se o risco  de ignorar e ou desqualificar  o valor e a importância da contribuição da Filosofia e das Ciências do Espírito em geral, na construção do conhecimento. A questão assume proporções ainda mais polêmicas, quando se procura a possibilidade para incluir no corpo dos conhecimentos aceitos como legítimos, aqueles acumulados no decorrer da história. As dificuldades são respeitáveis. De saída não se escapa do poder do preconceito de muitos cientistas, de que só é conhecimento digno desse nome, aquele que tem como base provas empíricas, ou “positivas”. Mas deixemos para mais adiante a discussão, relativa à legitimidade “científica” dos conhecimentos elaborados desde a pré-história remota.

O Conhecimento como Síntese 7ª parte

O método sintético-dedutivo

A via da caminhada  sintético-dedutiva, começada pelos filósofos gregos mais antigos, foi definitivamente consolidada por Aristóteles. Sua obra traduzida para o árabe recebeu mais tarde sua versão latina. Os escritos de Platão não tiveram a mesma sorte. Por isso mesmo não foram tão conhecidos na Idade Média. De outra parte  a obra de Aristóteles  ofereceu aos pensadores do Medioevo uma verdadeira enciclopédia do saber elaborado até aquela altura da história. Nela o Estagirita discorreu sobre todos os campos do saber, menos a medicina  e a matemática. Demorou-se na metafísica, na física, astronomia, ciências naturais, fisiologia, ética, estética e política. Explorou sobretudo o potencial da lógica. A lógica funciona para Aristóteles como eixo polarizador, como “Leitmotiv”, como norteadora transdisciplinar de todo o seu pensamento. O Pe. Alfonso Borrero resumiu assim a importância de Aristóteles na Alta Idade Media.

A lógica de Aristóteles funcionava em todo o momento como “disciplina diagonal”, ou nexo de articulação nos currículos da Idade Media.  Não é então de se admirar que para a segunda Idade Média, dominada por essa massa de saber coerente e deslumbrada por uma inteligência fora do comum, que Aristóteles se convertesse no representante da verdade e ideal de perfeição humana. Encarnava o príncipe dos que sabem, o poder do saber encarnado, a garantia para os que ensinam. Aristóteles ensinava e era ensinado; era objeto de discussão e comentários. Era explicado e seus conceitos eram trabalhados, como aconteceu na obra de Tomas de Aquino. (ASCUN. Borrero. Nº 20, p. 19)

E de maneira concisa e clara o Pe. Borrero resumiu em poucas linhas, o que Aristóteles significou para a construção do conhecimento, em primeiro lugar na Idade Media e na primeira geração de universidades.

Foi por essa via, pela lógica como referência, para a construção do conhecimento, que Aristóteles entrou nas escolas e universidades. O seu saber dirige-se para as mentes  sedentas do saber. Na percepção dos medievais Aristóteles era, antes de mais nada, ciência. Antes mesmo de ser filosofia, reveste-se de valor próprio como “saber científico”, e não como uma relação ou parentesco com alguma atitude religiosa que a impõe. Pelo contrário, o Aristotelismo parece em princípio incompatível com a postura religiosa, tanto do cristão quanto do maometano. Entre outras doutrinas aquelas que ensinam a eternidade do mundo, são abertamente contrárias às verdades da religião revelada, incluindo com isso um Deus Criador. Por essas razões Aristóteles foi condenado pelas autoridades responsáveis pela ortodoxia religiosa. Os filósofos da Idade Média trataram então de repensar o Estagirita e torná-lo compatível com a doutrina cristã e seus dogmas religiosos. Esse esforço alcançou o triunfo maior com Santo Tomas de Aquino. Ele, por assim dizer, cristianizou Aristóteles e fez dele a base do ensino ocidental. O aristotelismo converteu-se no “itinerarium mentis in Deo” – o caminho da investigação que leva a mente até Deus, objetivo maior da universidade da Idade Média. É o “Deus-Pensamento” de Aristóteles ao lado do “Deus-Bem” de Platão e o “Deus Uno” de Plotino”. (ASCUN, 20, p.19)

A universidade medieval fundamentava a consistência da produção do conhecimento na sabedoria dos antigos, compendiadas nas famosas “Sumas” ou “Sínteses”.  A maneira de apresentar as questões seguia o mesmo padrão e orientava-se pelo mesmo método e guiava-se pela mesma  lógica na condição de “trandisciplina”.

No contexto da presente reflexão sobre a construção do conhecimento, cabe um aprofundamento maior do “aristotelismo cristianizado” por Tomas de Aquino. O importante está no fato de que a lógica como “transdisciplina” polarizou todo o esforço na produção do conhecimento. O fato de o “aristotelismo cristianizado” polarizar todo o esforço intelectual valendo-se da lógica como “transdisciplina”, resultou no “Deus-Pensamento”. Chega-se assim à conclusão de que tanto o “Deus-Pensamento” do aristotelismo cristianizado, quanto o “Deus-Bem” de Platão e o “Deus Uno” de Plotino, representa o centro das reflexões dos filósofos, que buscam a raiz do pensamento  num fundamento pré-existente. Em outras palavras. Uma síntese prévia fornece os elementos a partir dos quais se deduz a natureza e a razão de ser das muitas maneiras de se tornar visível e palpável. Em outras palavras ainda. Parte-se da unidade para explicar a pluralidade. Ou ainda. Entende-se  o plural pelo uno.

Pouca ou nenhuma diferença faz o nome dado ao  “uno” ou “unidade”, se é no sentido do “Deus-Pensamento” do aristotelismo cristianizado por Tomás de Aquino, do “Deus-Bem” de Platão, do “Deus Uno” de Plotino, do “Deus infinito em ato e o universo em potência” de Nicolau de Cusa, da “Razão como fonte da Ciência  e a Ética” de Sócrates, a “Moral bem supremo e fonte da Ciência” de Confúcio, a “Razão” de Kant, o “Cogito ergo sum” de Descartes, O Deus “in fieri” – “der werdende Gott”, de Hegel,  Poderíamos levar ao indefinido as referências nessa direção. Parecem o bastante para ilustrar o que vimos afirmando. A grande Filosofia, para não falar em Teologia, construiu, como constrói ainda hoje, o conhecimento a partir de referenciais postos, a partir de uma síntese prévia. Valendo-se da dedução parte-se para a compreensão das partes, as correlações entre elas e o seu significado em função do todo. A pluralidade é explicada pela unidade. Com a supremacia do Aristotelismo, o método predominante na produção do conhecimento, veio a ser sintético-dedutivo-unificante. O esforço intelectual para chegar à compreensão das causas últimas, relegava para um segundo plano o interesse pelas diretamente observáveis. Não se perdia tempo com a explicação dos fenômenos imediatos, dos acontecimentos rotineiros, dos dados concretos e a interpretação dos seus significados. O que interessava ao filósofo, alinhado principalmente com o aristotelismo, era o conhecimento como tal. Com isso o valor maior cabia à Metafísica. Para a filosofia medieval havia uma verdade objetiva e dada. Apropriar-se dessa verdade acontecia via assimilação. Tratava-se  de um método realista para considerar a relação objeto-sujeito, manifestado numa cosmovisão unificante. (cf. ASCUN, 1992, 20, p. 18

Conhecimento como síntese 6ª parte

A questão do método – 1.

Para quem pretende enveredar pela produção do conhecimento dispõe, em última análise  de duas vias básicas de aproximações do objeto em causa. Francis Bacon os definiu como sendo o método “sintético-dedutivo” e o  “analítico-indutivo”. O primeiro, o sintético-dedutivo, parte do todo, do grande conjunto para, dessa perspectiva analisar e interpretar as partes. O método analítico-indutivo faz a aproximação pelo lado oposto, pela identificação das partes. Teilhard de Chardin classificou-o como “esse maravilhoso instrumento de investigação, ao qual devemos todos os nossos progressos ...” Chamou, porém, a atenção para as limitações e os riscos quando se exagera na aplicação, e principalmente, nas conclusões que se tiram dos resultados. Teilhard completou a frase interrompida logo acima: “ ... mas que de, síntese em síntese desfeita, deixa-nos frente a uma pilha de engrenagens desmontadas e fragmentos que se esvaem”.  Cabe então a pergunta. Considerando a natureza de cada um dos métodos, qual dos dois merece ser privilegiado, qual dos dois oferece potencial mais rico para o investigador? A resposta é complexa pela sua própria natureza. Depende de uma série de fatores que dizem respeito ao objeto e os objetivos perseguidos pelo investigador.  Filósofos e Teólogos não hesitam em se decidir pela síntese e pela dedução como método reitor dos seu trabalho. Para Tales, por exemplo,  a água  representou o princípio universal no qual as demais realidades encontram a devida explicação. Alexandro S. Caldera condensou num diálogo imaginário entre Tales e Anaximandro, o pensamento do filósofo grego. “Não te esqueças  desta lição, Anaximandro. O que verdadeiramente importa é aptidão para captar o abstrato; a possibilidade de um pensamento sem  imagem, como o reconheceu Nietzsche em começos do século XX, várias décadas antes de se instalar no mundo o reino da imagem sem pensamento. O importante é a unidade do múltiplo. (Todo Tempo futuro foi melhor. Caldera. P. 18)

Num outro diálogo, agora entre Parmênides e seu discípulo Zenon, faz o primeiro afirmar. “(...) pois, eu sustento que o ser é uno, imóvel e indivisível, que o múltiplo é uma ilusão e, portanto, não existe”. E um pouco mais adiante continua no mesmo dialogo. “Toda a aparência é falsa, Zenon, o mundo sensível é o não ser. O único real é o pensamento. O pensamento é o ser”. (idem. P. 31.) A essa afirmação categórica de Parmênides, Zenon recomendou cautela ao mestre. Num salto de visionário de três mil anos para o futuro, lembrou que então “se dirá que o único verdadeiro é a aparência; e a única realidade é a imagem que se projeta na pequena tela de um estranho aparelho que denominarão televisor”. - A essa observação Parmênides contrapôs a sua opinião. “Nada deverá mudar, pois se o ser é uno, não pode ser outro; se é imóvel, não pode  transformar-se. Além do mais, é único e unitário e a unidade é eterna”. – Zenon não se deu por satisfeito e fez o mestre preocupar-se com o futuro. – “Não obstante, Parmênides, alguém chegado desse futuro distante e remoto disse-me que não somente o ser não existe, como que ninguém lhe importa se  o ser existe ou não. Não há realidade real nem essencial, o único que existe é a realidade virtual das redes de computadores; e afirma, além disso, que a imagem que criam os televisores é mais certa e  verdadeira que os seres de alma, carne e osso”. – Parmênides repreende o discípulo pela afirmação afoita. – “Fazes muito mal, Zenon, em prestar atenção a esses disparates, pois segundo o que tu dizes deveríamos concluir de que o que não tem imagem, não existe, e que o mundo permanece num limbo quando esses artefatos se apagam ou desconectam, para voltar a renascer quando são conectados outra vez”. – Zenon nada disse apenas concordou enquanto Parmênides continuou a reflexão. – “Além disso, pelo que ouço, pois não posso dizer pelo que vejo, a televisão e o computador conduzem à abolição do pensamento e, portanto, do ser”. – Zenon encerrou o diálogo com uma referência a Descartes. – “Alguém tão radical como Descartes, que existirá dentro de dois mil anos, e a quem se atribui ser o fundador da modernidade, ficou, com toda a sua modernidade, convertido numa peça de museu. Seu penso, logo existo, melhor penso logo sou, tem sido substituído pelo vejo logo existo, ou também, pelo só existe que se vê”. ( Cf. Todo Tempo futuro foi melhor. Caldera. P. 31-32).

Esse diálogo entre Parmênides e Zenon  que viveram há 3000 anos, fornece elementos valiosos para a reflexão que estamos desenvolvendo sobre a construção do conhecimento. Fica claro, em primeiro lugar, que a filosofia ocidental que tem os filósofos gregos como base principal, vale-se  do método dedutivo, partindo do geral para o particular, do todo para as partes, da síntese para a análise. Como não é do nosso interesse fazer história da filosofia, mas chamar a atenção à questão do método, conclui-se que a filosofia ocidental seguiu o método dedutivo até os tempos modernos. Dessa fonte alimentaram-se os grandes expoentes  do pensamento filosófico até os dias atuais. Em segundo lugar, fica evidente que o método sintético-dedutivo enfrenta problemas sérios no momento em que se trata de começar um diálogo construtivo com as Ciências Naturais, que parte do lado metodológico oposto, o analítico-indutivo. Obtiveram os dados com que lidam e os resultados com que argumentam, via análise e indução, da pluralidade  para a unidade, a compreensão do todo analisando as partes.


Os dois métodos de que acabamos de falar, o sintético dedutivo e o analítico indutivo, polarizam em última análise, as duas vias básicas que levam à construção do conhecimento. O método sintético-dedutivo preocupa-se, antes de mais nada, com a unidade do saber. O que importa é descobrir o elo, o vinculo, a razão de ser das realidades com as quais o investigador se ocupa. Como sugere o próprio sentido etimológico latino “in-vestigium-ire”, significa perseguir a compreensão de algum objeto, como que percorrendo as trilhas da sua história, em busca da sua natureza ontológica..