O diálogo interdisciplinar
O
que interessa nesse momento resume-se em
um cenário teórico-metodológico favorável para a troca sem preconceitos de
informações entre as Ciências Naturais e as Ciências do Espírito. Trata-se do
passo inicial para começar um dialogo honesto do que cada um dos campos tem a
oferecer para o enriquecimento cada vez maior do conhecimento em si. Espera-se
que desse diálogo nasça o reconhecimento mútuo
da validade e importância daquilo que cada qual tem a oferecer. E por fim
é licito esperar de que as Ciências
tanto Naturais quanto as Humanas e do Espírito, se aliem e se comprometam, num
esforço sincero em busca de uma síntese elaborada a partir de muitos saberes;
para que as “muitas doutrinas”, inclusive à primeira vista conflitantes, se
harmonizem em busca de um ponto de encontro comum. Em outras palavras. Que a
partir da “multiplicidade das doutrinas”, se encontre a “verdade que é uma só”
– “Doctrina multiplex – Veritas una”.
Uma
vez acertado o dialogo é fundamental decidir pelo caminho a percorrer e as ferramentas
a serem utilizadas. Em outras palavras. Como e a que nível deverá acontecer
esse diálogo para autorizar esperar um resultado que satisfaça a ambos os
lados.
O
ponto de partida parece consistir em que os interlocutores falem a mesma língua
ou pelo menos línguas que ambos entendam. Isso significa que os conceitos
emitidos de parte a parte, expressem sentidos que sejam corretamente
inteligíveis por ambos os lados. Isso implica no fato de que o filósofo ou o
teólogo tenham um mínimo de familiaridade e compreensão com os conceitos
emitidos por um genetecista, um biólogo, um astrônomo, um físico ou um geólogo.
De outra parte algum especialista em
qualquer ramo das Ciências Naturais, precisa estar consciente que sentido o
filósofo atribui, por ex., ao conceito “princípio de causalidade”, “causa
primeira, teleologia”, “lógica dos processos”, etc. conceitos e significados
que não fazem parte do mundo conceitual do cientista. Com isso não se pretende
insinuar que o astrônomo ou geneticista, tenha que ser filósofo ou teólogo no
sentido corrente do termo. Significa, isso sim, que ambos, filósofos e
cientistas, filosofem e pesquisem com um mínimo de sensibilidade, compreensão e
respeito mútuo. Como já tentamos mostrar mais acima, este é um dos maiores,
senão o maior dos obstáculos que precisa ser superado para consolidar o diálogo
entre os dois arraiais.
Infelizmente as instituições de ensino, a começar pelo
fundamental, passando pelo ensino médio, de graduação universitária, terminando
com a pós-graduação, não preparam os estudantes para o diálogo inter-científico
e filosófico. O estímulo prematuro para a profissionalização e especialização
consolida, desde muito cedo, a consciência, a convicção de que saber e conhecer
significam a mesma coisa, isto é, penetrar o mais fundo possível na natureza de
algum objeto, ou dominar até as últimas minúcias os macetes do exercício de
alguma profissão. Alimenta-se no fundo a ilusão de que se está a caminho para
responder todas as perguntas, inclusive encontrar a “Verdade”. E o resultado
vem a ser aquele tão bem descrito por Teilhard de Chardin: “De síntese em
síntese desmontada, deparamo-nos no final com uma pilha de engrenagens
desmontadas ou um sem número de partículas que se esvaem”. Chegou o momento de
tentar remontar a máquina cujas peças conhecemos até os últimos detalhes,
reunir as partículas esvaecentes numa
nova síntese e, o que é mais importante, procurar um sentido, um significado
comum, um “alfa” que explique o “donde” e um “omega” que sinalize o “para
onde”, como diria Teilhard de Chardin.
O
tempo urge. Valendo-nos do chavão por todos conhecido, estamos na vigésima
quinta hora, para tentar reverter o processo da “desconstrução de todas as
referências”, na opinião de Alexandro S. Caldera. Respira-se uma atmosfera de temor que a pós-modernidade leve a
análise, melhor dito talvez, o desmonte, a
um extremo tal, que o retorno a um mínimo de coerência no comportamento
das pessoas, torne-se em extremo problemático. O que nos falta nesse impasse é
um corpo de intelectuais aliados a um corpo de cientistas ideologicamente
descomprometidos, que reflitam com profunda seriedade sobre o que está
acontecendo. Já nesse primeiro requisito tropeçamos numa realidade que torna
ainda mais dramática a “vigésima quinta hora”.
As
obras dos grandes pensadores do século XX, contendo os esforços do seus autores
em oferecer alternativas para novas sínteses, circulam apenas em públicos
seletos e restritos. “A grande filosofia” está fora de moda e, por isso mesmo,
em baixa. Cá e lá ouve-se a voz solitária de um Umberto Ecco ou algum representante da Filosofia da
Interculturalidade. Não muito mais. Nomes e obras como de Nietzsche, Heiddeger,
Jaspers, Sartre, Bloch, etc., parecem-se
como personagens perdidos nas brumas do tempo. As discussões em diversos níveis
em que são analisados os problemas sociais, políticos, econômicos e similares,
contam com a participação de políticos, governantes, sociólogos, jornalistas,
representantes de ONGS, ativistas de movimentos sociais, ecochatos, ecoparanóicos,
ecopicaretas, ecointeresseiros e por aí vai. Pouco ou nenhum espaço fica
reservado para uma reflexão de natureza
filosófica, histórica, científica ou ética mais consistente. O confronto de
idéias e dados mais sérios são raros e restritos a algum fórum do tipo
“Fronteiras do Pensamento”. E mesmo nesses casos o convite aos conferencistas
privilegia os nomes de pensadores que estão na moda. Não interessa em primeiro
lugar um confronte de idéias sério, honesto, desarmado e humilde, dos problemas
que angustiam o homem pós-moderno. Esses encontros mais se parecem com um
desfile de vaidades e egos tanto dos organizadores quanto dos participantes.
São eventos que estagnam ao nível do “vanitas vanitatum – “vaidade das
vaidades” do rei Salomão.
Como
se pode ver, se o diagnóstico que vínhamos fazendo, está minimamente correto, a
solução para a errática civilização pós-moderna, não é simples nem viável a
curto prazo. As constatações lógicas que nos vêm orientando até aqui, permitem
resumir a problemática em algumas
questões de fundo.
Primeiro,
o mais critico nessa situação centra-se
na rubrica formação. E por formação entende-se aqui uma reorientação da
própria natureza da cosmovisão e, consequentemente, da forma como as pessoas
dela se apropriam. Começa pela mobilização de todos os meios e instrumentos
disponíveis em favor de uma inversão na perspectiva da formação do cidadão. Na
cabeça dos planejadores e executores das políticas de formação, a começar pelo
fundamental até a pós-graduação, a visão centrífuga comanda as ações. Aliás as
realidades são percebidas nessa perspectiva também pelas pessoas em geral.
Poderíamos chamar o fenômeno de resultado socializado do mundo desmontado pela
pós-modernidade. Já nos referimos mais vezes a esse problema: A preocupação, em casos extremos levados a
uma verdadeira obsessão, pelo detalhe, pelo acontecimento em si, pela peça da
máquina, pelo momento, dita as estratégias e os métodos de formação. As
estratégias inspiradas na compreensão
centrífuga do mundo, orientam, consciente ou inconscientemente a formação dos
cidadãos, em direção a essa versão da realidade.
Segundo,
o outro desafio vem da própria natureza da pós-modernidade. Sua visão de um
mundo “desmontado”, induz a uma percepção fragmentada de tudo que nele ocorre.
Essa situação realimenta e acirra ainda mais a sensação da autonomia dos
fragmentos. Essa dinâmica é poderosamente estimulada pelos resultados
espetaculares que o método analítico-indutivo, pela sua natureza centrífugo, tem a oferecer. Aliás a entrada
triunfal desse método como contraponto ao sintético-dedutivo, com o despertar
das Ciências Naturais, transformou-se naquele “maravilhoso instrumento ao qual
devemos todos os nossos progressos”, no dizer de Teilhard de Chardin.
Entretanto, ele não deixou de chamar a atenção aos riscos que a utilização
desse método nos expõe quando levado a extremos e sem as devidas precauções. A
pós-modernidade está aí para dar inteira razão ao sábio jesuíta, que nasceu e
viveu, e principalmente pensou e pressentiu profeticamente o que estava por
vir. Trata-se de um autêntico representante daqueles dos quais costuma-se afirmar que “nasceram cedo demais”.
Terceiro,
embora o método analítico-indutivo continue sendo o poderoso motor que
impulsiona o progresso de quinhentos anos para cá, seu potencial tem limites e
riscos. É capaz de despertar em não poucos cientistas a convicção da
onipotência. A análise tem a oferecer a cada dia que passa, um número sem conta
de novidades em todos os campos
científicos. Encontra respostas
para interrogações que o homem vem formulando há incontáveis séculos.
Estimula o desenvolvimento de tecnologias que permitem avançar em direção a respostas para questões que mais intrigam a
curiosidade, como: “como começou tudo; qual a matéria prima de que é feito o
universo; como começou a vida; quais as leis que fazem funcionar o macrocosmos,
o microsmos, o nanocosmos; o homem com sua inteligência reflexa é apenas mais
uma espécie viva, apenas um antropóide um pouco mais evoluído? Milhares de
laboratórios especializados nos grandes centros de pesquisa, ocupam-se com
esses e muitos outros questionamentos.