Conhecimento como síntese 9ª parte

O diálogo interdisciplinar

O que interessa nesse momento resume-se  em um cenário teórico-metodológico favorável para a troca sem preconceitos de informações entre as Ciências Naturais e as Ciências do Espírito. Trata-se do passo inicial para começar um dialogo honesto do que cada um dos campos tem a oferecer para o enriquecimento cada vez maior do conhecimento em si. Espera-se que desse diálogo nasça o reconhecimento mútuo  da validade e importância daquilo que cada qual tem a oferecer. E por fim é licito esperar  de que as Ciências tanto Naturais quanto as Humanas e do Espírito, se aliem e se comprometam, num esforço sincero em busca de uma síntese elaborada a partir de muitos saberes; para que as “muitas doutrinas”, inclusive à primeira vista conflitantes, se harmonizem em busca de um ponto de encontro comum. Em outras palavras. Que a partir da “multiplicidade das doutrinas”, se encontre a “verdade que é uma só” – “Doctrina multiplex – Veritas una”.

Uma vez acertado o dialogo é fundamental decidir pelo caminho a percorrer e as ferramentas a serem utilizadas. Em outras palavras. Como e a que nível deverá acontecer esse diálogo para autorizar esperar um resultado que satisfaça a ambos os lados.

O ponto de partida parece consistir em que os interlocutores falem a mesma língua ou pelo menos línguas que ambos entendam. Isso significa que os conceitos emitidos de parte a parte, expressem sentidos que sejam corretamente inteligíveis por ambos os lados. Isso implica no fato de que o filósofo ou o teólogo tenham um mínimo de familiaridade e compreensão com os conceitos emitidos por um genetecista, um biólogo, um astrônomo, um físico ou um geólogo. De outra parte  algum especialista em qualquer ramo das Ciências Naturais, precisa estar consciente que sentido o filósofo atribui, por ex., ao conceito “princípio de causalidade”, “causa primeira, teleologia”, “lógica dos processos”, etc. conceitos e significados que não fazem parte do mundo conceitual do cientista. Com isso não se pretende insinuar que o astrônomo ou geneticista, tenha que ser filósofo ou teólogo no sentido corrente do termo. Significa, isso sim, que ambos, filósofos e cientistas, filosofem e pesquisem com um mínimo de sensibilidade, compreensão e respeito mútuo. Como já tentamos mostrar mais acima, este é um dos maiores, senão o maior dos obstáculos que precisa ser superado para consolidar o diálogo entre os dois arraiais.

Infelizmente  as instituições de ensino, a começar pelo fundamental, passando pelo ensino médio, de graduação universitária, terminando com a pós-graduação, não preparam os estudantes para o diálogo inter-científico e filosófico. O estímulo prematuro para a profissionalização e especialização consolida, desde muito cedo, a consciência, a convicção de que saber e conhecer significam a mesma coisa, isto é, penetrar o mais fundo possível na natureza de algum objeto, ou dominar até as últimas minúcias os macetes do exercício de alguma profissão. Alimenta-se no fundo a ilusão de que se está a caminho para responder todas as perguntas, inclusive encontrar a “Verdade”. E o resultado vem a ser aquele tão bem descrito por Teilhard de Chardin: “De síntese em síntese desmontada, deparamo-nos no final com uma pilha de engrenagens desmontadas ou um sem número de partículas que se esvaem”. Chegou o momento de tentar remontar a máquina cujas peças conhecemos até os últimos detalhes, reunir as partículas esvaecentes  numa nova síntese e, o que é mais importante, procurar um sentido, um significado comum, um “alfa” que explique o “donde” e um “omega” que sinalize o “para onde”, como diria Teilhard de Chardin.

O tempo urge. Valendo-nos do chavão por todos conhecido, estamos na vigésima quinta hora, para tentar reverter o processo da “desconstrução de todas as referências”, na opinião de Alexandro S. Caldera. Respira-se uma atmosfera  de temor que a pós-modernidade leve a análise, melhor dito talvez, o desmonte, a  um extremo tal, que o retorno a um mínimo de coerência no comportamento das pessoas, torne-se em extremo problemático. O que nos falta nesse impasse é um corpo de intelectuais aliados a um corpo de cientistas ideologicamente descomprometidos, que reflitam com profunda seriedade sobre o que está acontecendo. Já nesse primeiro requisito tropeçamos numa realidade que torna ainda mais dramática a “vigésima quinta hora”.

As obras dos grandes pensadores do século XX, contendo os esforços do seus autores em oferecer alternativas para novas sínteses, circulam apenas em públicos seletos e restritos. “A grande filosofia” está fora de moda e, por isso mesmo, em baixa. Cá e lá ouve-se a voz solitária de um Umberto Ecco ou  algum representante da Filosofia da Interculturalidade. Não muito mais. Nomes e obras como de Nietzsche, Heiddeger, Jaspers, Sartre, Bloch, etc.,  parecem-se como personagens perdidos nas brumas do tempo. As discussões em diversos níveis em que são analisados os problemas sociais, políticos, econômicos e similares, contam com a participação de políticos, governantes, sociólogos, jornalistas, representantes de ONGS, ativistas de movimentos sociais, ecochatos, ecoparanóicos, ecopicaretas, ecointeresseiros e por aí vai. Pouco ou nenhum espaço fica reservado para uma reflexão  de natureza filosófica, histórica, científica ou ética mais consistente. O confronto de idéias e dados mais sérios são raros e restritos a algum fórum do tipo “Fronteiras do Pensamento”. E mesmo nesses casos o convite aos conferencistas privilegia os nomes de pensadores que estão na moda. Não interessa em primeiro lugar um confronte de idéias sério, honesto, desarmado e humilde, dos problemas que angustiam o homem pós-moderno. Esses encontros mais se parecem com um desfile de vaidades e egos tanto dos organizadores quanto dos participantes. São eventos que estagnam ao nível do “vanitas vanitatum – “vaidade das vaidades” do rei Salomão.

Como se pode ver, se o diagnóstico que vínhamos fazendo, está minimamente correto, a solução para a errática civilização pós-moderna, não é simples nem viável a curto prazo. As constatações lógicas que nos vêm orientando até aqui, permitem resumir a problemática  em algumas questões de fundo.

Primeiro, o mais critico nessa situação centra-se  na rubrica formação. E por formação entende-se aqui uma reorientação da própria natureza da cosmovisão e, consequentemente, da forma como as pessoas dela se apropriam. Começa pela mobilização de todos os meios e instrumentos disponíveis em favor de uma inversão na perspectiva da formação do cidadão. Na cabeça dos planejadores e executores das políticas de formação, a começar pelo fundamental até a pós-graduação, a visão centrífuga comanda as ações. Aliás as realidades são percebidas nessa perspectiva também pelas pessoas em geral. Poderíamos chamar o fenômeno de resultado socializado do mundo desmontado pela pós-modernidade. Já nos referimos mais vezes a esse problema:  A preocupação, em casos extremos levados a uma verdadeira obsessão, pelo detalhe, pelo acontecimento em si, pela peça da máquina, pelo momento, dita as estratégias e os métodos de formação. As estratégias  inspiradas na compreensão centrífuga do mundo, orientam, consciente ou inconscientemente a formação dos cidadãos, em direção a essa versão da realidade.

Segundo, o outro desafio vem da própria natureza da pós-modernidade. Sua visão de um mundo “desmontado”, induz a uma percepção fragmentada de tudo que nele ocorre. Essa situação realimenta e acirra ainda mais a sensação da autonomia dos fragmentos. Essa dinâmica é poderosamente estimulada pelos resultados espetaculares que o método analítico-indutivo, pela sua natureza  centrífugo, tem a oferecer. Aliás a entrada triunfal desse método como contraponto ao sintético-dedutivo, com o despertar das Ciências Naturais, transformou-se naquele “maravilhoso instrumento ao qual devemos todos os nossos progressos”, no dizer de Teilhard de Chardin. Entretanto, ele não deixou de chamar a atenção aos riscos que a utilização desse método nos expõe quando levado a extremos e sem as devidas precauções. A pós-modernidade está aí para dar inteira razão ao sábio jesuíta, que nasceu e viveu, e principalmente pensou e pressentiu profeticamente o que estava por vir. Trata-se de um autêntico representante daqueles dos quais  costuma-se afirmar  que “nasceram cedo demais”.


Terceiro, embora o método analítico-indutivo continue sendo o poderoso motor que impulsiona o progresso de quinhentos anos para cá, seu potencial tem limites e riscos. É capaz de despertar em não poucos cientistas a convicção da onipotência. A análise tem a oferecer a cada dia que passa, um número sem conta de novidades em todos os campos  científicos. Encontra respostas  para interrogações que o homem vem formulando há incontáveis séculos. Estimula o desenvolvimento de tecnologias que permitem avançar  em direção a respostas  para questões que mais intrigam a curiosidade, como: “como começou tudo; qual a matéria prima de que é feito o universo; como começou a vida; quais as leis que fazem funcionar o macrocosmos, o microsmos, o nanocosmos; o homem com sua inteligência reflexa é apenas mais uma espécie viva, apenas um antropóide um pouco mais evoluído? Milhares de laboratórios especializados nos grandes centros de pesquisa, ocupam-se com esses e muitos outros questionamentos.

This entry was posted on quinta-feira, 6 de agosto de 2015. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. Responses are currently closed.